quarta-feira, 26 de março de 2008

Resumo- Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica.

Gasparin, J. L. (2002). Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas, Spain: Editora Autores Associados.

ISBN: 85-7496-054-3
212 páginas

Resenhado por José Florêncio Rodrigues Jr.

3 de mayo de 2003

Abstract

Historical-critical pedagogy (h-c p) is presented in a version aimed to elementary and secondary school teachers, not scholars. In each of the three parts, the author highlights the theoretical foundation, the practical procedures and an example. Part one concerns social practice and deals with the current level of understanding of the student regarding a scientific topic. Part two, theory: the proximal zone of the student expands on Vigotski’s learning theory as it applies to historical-critical pedagogy. In particular, Gasparin, the author, goes into detail about the proximal zone, the role of imitation in instruction and learning, among other concepts. Part three elaborates on social practice: the student’s current level of understanding. The author discusses how, through the process of teaching based on historical-critical pedagogy, both student and teacher change their view of reality.

Resumo

Ao apresentar o livro em epígrafe, o prof. Demerval Saviani, um dos expoentes da Pedagogia Histórico-Crítica (passarei a referir-me a essa expressão daqui por diante mediante a sigla ph-c), antevê três tipos de leitores que poderão beneficiar-se da leitura da obra: os que compartilham do ideário daquela pedagogia, os que ainda não a conhecem e, finalmente, os que a ela se opõem. Para cada audiência, a leitura proporcionaria benefícios: para o primeiro grupo, o de auxiliá-los na prática da ph-c; para o segundo, ler o livro proporcionaria o benefício de pô-los em contato com ela; finalmente, para a audiência dos que se opõem à ph-c, representaria um saudável confronto com a concepção pedagógica à qual estão perfilados. Coloco-me na segunda categoria de leitor. Confesso que conheço pouco a Pedagogia Histórico-Crítica. Ler o livro de Gasparin é, portanto, uma oportunidade de inteirar-me dessa escola de pedagogia.

Proponho-me, nessa resenha, a apreciar o livro de Gasparin sob três ângulos. No primeiro, buscarei retratar concisamente a estrutura da obra. No segundo, e atendo-me à posição de aprendiz da ph-c, assinalo o que aprendi da e sobre a referida teoria. No terceiro, apontarei aspectos que me suscitaram questões e dúvidas.

A Pedagogia Histórico-Crítica ao Acesso do Professor
Um Retrato 2x2 do Livro

Uma didática para a pedagogia histórico-crítica constitui-se de três partes: (I) Prática social: nível de desenvolvimento atual do educando; (II) Teoria: zona de desenvolvimento imediato do educando e (III) Prática social: nível de desenvolvimento atual do educando. Elas constituem uma seqüência a ser percorrida na instrução. Consistente com essa estrutura, cada parte é composta de três componentes, ou seja, fundamentos teóricos, procedimentos práticos e exemplo. Assim, na primeira parte Gasparin discute a aprendizagem significativa, construto presente em conceptualizações teóricas sobre a aprendizagem; por exemplo, na de Ausubel, na de Vigotski, como na de Freire. No tópico seguinte Gasparin propõe procedimentos didáticos para se construir a ponte entre o ambiente e contexto do aluno e o saber científico com o qual será confrontado. Conclui com um exemplo de uma unidade conduzida de acordo com este paradigma; a unidade é sobre a água e ela voltará a ser usada como exemplo nas outras partes do livro. É oportuno observar o emprego acentuado da abordagem indutiva na condução da instrução.

Na segunda parte, Problematização, Gasparin lida com dilemas que confrontam o professor que se propõe orientar-se pela ph-c; por exemplo, como posicionar-se face ao dilema situação concreta do aluno versus o currículo oficial do município ou estado. O autor propugna que se privilegie o primeiro elemento ao qual o segundo deve subordinar-se: “A Problematização tem como finalidade selecionar as principais interrogações levantadas na prática social a respeito de determinado conteúdo”(p.37).

Instrumentalização, a terceira parte do livro, trata dos caminhos a serem explorados a fim de promover a aprendizagem significativa. Esta parte do livro é a mais extensa, sendo integrada por quatro capítulos. Neste capítulo, Gasparin apóia-se em Vigotski, realçando o papel de conceitos tais como zona de desenvolvimento imediato, cooperação, imitação, entre outros. O quarto capítulo, Catarse, constitui o momento de síntese, ou seja, da convergência do senso comum, da experiência pregressa do aluno, com o saber científico.

O Que Aprendi da Pedagogia Histórico-Crítica

Fiquei surpreso ao ler Uma didática para a pedagogia histórico-crítica com posicionamentos dessa pedagogia os quais, por conta de informação que possuía, mostraram que esta informação era imprecisa, incorreta. Nesse particular, ler o livro trouxe precisamente o benefício de que fala o Prof. Saviani. Assinalo aqui três desses aspectos.

O primeiro, a ph-c não dispensa nem despreza elementos e procedimentos próprios de outras escolas que a precederam. Entre esses elementos e procedimentos assinalo dois: (a) o uso de objetivos de ensino como balizas para a instrução, particularmente o emprego da Taxonomia de Objetivos Educacionais como referencial para a instrução e a aprendizagem e (b) o emprego de recursos oriundos do construto clareza na instrução na prática docente. Explicitando. Até o presente o conhecimento da ph-c de que dispunha me dava conta de que os referidos elementos, provenientes que são da escola chamada tecnicista, eram repudiados pelos pensadores e formuladores da ph-c. Haveria até mesmo razões de natureza ideológica que indispunham uma e outra orientações. Entretanto, Gasparin me demonstra o contrário. No que se refere a objetivos de ensino ele recorre a eles no capítulo 1 (pp. 27-28), incluindo tanto os do domínio cognitivo como do afetivo. No exemplo da unidade da água, tanto há objetivos que lidam com cognição, por exemplo, distinguir a água de outros líquidos usados na vida cotidiana, como há objetivo lidando com aspectos éticos, valorativos: aplicar os conhecimentos adquiridos, economizando água.

Segundo aspecto da ph-c constituindo aprendizagem para mim foi o papel relevante atribuído ao professor como modelo na instrução; ou seja, a importância da imitação como parte integrante da aprendizagem significativa. Surpreende na leitura da sessão 1.3. (A imitação e suas conseqüências pedagógicas) o papel atribuído à imitação na instrução e na aprendizagem. O autor recorre, em numerosas citações, ao psicólogo russo Vigotski, um dos fundadores da pedagogia histórico-crítica, para construir uma argumentação consolidada, justificando o papel da imitação na construção do saber científico do aluno.

Digo surpreender, porque é sabido como, no ambiente educacional, reputa-se a imitação como um procedimento mecânico, nocivo, incapaz de engendrar aprendizagem significativa. Ao contrário disso, argumenta o autor, estribado em Vigotski, que a imitação põe o aluno em contato com a herança histórica do saber humano. Ao professor cabe, em conseqüência, criar mecanismos que estimulem o aluno a imitá-lo. Funciona, dessa forma, o professor, não apenas como um gerador da aprendizagem cognitiva; mais ainda, ele é o paradigma da assimilação de valores morais e éticos. Aliás, esse aspecto é realçado no estudo de Dallegrave (2000) sobre o desenvolvimento moral de escolares do ensino médio.

Foi, também, importante aprendizagem para mim dar-me conta de que, a despeito da escassez de professores capazes de realizar a ph-c em suas salas de aula, existem aqueles que logram produzir a aprendizagem significativa intentada pela ph-c. Recentemente, uma orientanda de mestrado realizou seu projeto de dissertação examinando a prática de professores de Matemática de 5ª a 8ª séries ao conduzirem a instrução com vistas à aquisição de competências (Barbosa, 2002). Registra, a pesquisadora, relatos de docentes sobre alunos que, por exemplo, ao estudarem o conteúdo escolar “juros” subseqüentemente põem esse conteúdo em prática, ajudando os pais a decidir se devem ou não realizar compra cujo valor encerra juros elevados. Tem-se aí um caso emblemático daquilo que Gasparin preconiza ao tratar da catarse na ph-c.

Questões e Dúvidas Suscitadas pela Leitura

Três aspectos suscitaram-me questões na leitura do livro de Gasparin. Um é de ordem formal, textual; o segundo, de ordem ético-filosófica e o terceiro, de ordem prática.

Em primeiro lugar, o terceiro capítulo é o mais extenso dos quatro que integram o livro. É apropriado que assim seja, porque, é nele que se apresentam os procedimentos e materiais a serem explorados na ph-c. Entretanto, nele se contêm numerosas citações. Em 75 páginas existem, pelo menos, 68 citações apenas de Vigotski. Somadas às dos demais autores chega-se a cerca de 80 citações. Para a minha leitura, esse elevado número de citações teve dois efeitos indesejáveis. Primeiro, desviaram-me a atenção do foco do capítulo, ou seja, a instrumentação da pedagogia. Segundo, tornou a leitura pesada, densa e, por outro lado, deu-lhe um aspecto fragmentário.

Exponho o segundo aspecto, o de natureza ético-filosófica. A p h-c presume, segundo Gasparin, uma adesão do docente a uma dada ideologia, à qual ela está organicamente unida. Em dois momentos o autor advoga adesão prévia do professor a um determinado alinhamento ideológico: “os alunos são informados de que o conteúdo será abordado numa determinada linha política, através do processo teórico-metodológico que tem como suporte o materialismo histórico, com finalidade de transformação social” (p. 22). Pergunto-me: é possível contar com essa adesão universalmente? Parece que não. E nem isso seria desejável, pois obstaria a implantação, na escola, de um ambiente de pluralidade. Além disso, a julgar pelos valores propugnados pela ph-c, esse tipo de compromisso ideológico é desnecessário, além de desvantajoso. Ou seja, acredito ser possível um(a) professor(a) realizar instrução nos moldes da ph-c sem alinhar-se à ideologia referida pelo autor.

A última questão é de natureza prática. Não me parece padecer dúvida o mérito da ph-c. A aprendizagem significativa que ela pretende promover, com a subseqüente imbricação do saber científico com a realidade constitui o que de melhor se pode esperar da instrução e a conseqüente aprendizagem. O problema parece residir no professor; mais precisamente, na condição e capacidade do professor de realizar a ph-c no contexto de salas de aula comuns. Efetivamente, em recente revisão de estudos, Windschitl (2002) aponta alguns dilemas relacionados com a prática do construtivismo, escola à qual se liga intimamente a ph-c. Entre os dilemas enumerados por aquele autor estão a incapacidade do professor, a indiferença do aluno e a resistência da comunidade. A argumentação de Windschitl é construída solidamente e merece ser considerada ao se decidir sobre a adoção da ph-c.

Referências

Barbosa, M. J. (2002). Competências de ensino aplicadas por professores de Matemática, definidas com base em incidentes críticos. Dissertação de Mestrado: Universidade Católica de Brasília.

Dallegrave, G. M.R. (2000). Desenvolvimento moral do adolescente. Caxias do Sul, RS: Editora da Universidade de Caxias do Sul.

Windschitl, M. (2002). Framing construtivism in practice as the negotiation of dilemmas: an analysis of the conceptual, pedagogical, cultural, and political challenges facing teachers. Review of Educational Research, 72(2), 131-175.

Dados do autor do livro. João Luiz Gasparin. Nasceu em Guaporé, RS. Licenciou-se em filosofia pela Fidene, atual Universidade de Ijuí-UNIJUÍ, RS--e em letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, PR. Na Universidade de Brasília fez curso de especialização em métodos e técnicas de ensino.

Realizou seu mestrado em educação na PUC do Rio Grande do Sul e o doutorado na PUC de São Paulo, onde defendeu a tese Comênio ou da arte de ensinar tudo a todos totalmente. Desde 1974 é professor do Centro de ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Estaudal de Maringá (PR), onde leciona didática nos cursos de graduação e metodologia do ensino superior nos cursos de pós-graduação. Integra o corpo docente do programa de pós-graduação em educação, bem como do mestrado em direito da mesma universidade.

Publicou, além de diversos artigos na área educaional, os livros Comênio ou da arte de ensinar tudo a todos e Comênio-a emergência da modernidade na educação..

Dados do autor da resenha. José Florêncio Rodrigues Jr. é graduado em Teologia, Composição e Regência e Filosofia. Mestre e doutor em Educação pela Emory University, Atlanta, Georgia, EUA. Lecionou na Universidade Federal do Piauí, na Universidade de Brasília e, desde 1994 até o presente, na Universidade Católica de Brasília. Entre as disciplinas lecionadas, Metodologia da Educação Superior: Instrução Centrada no Professor, Metodologia da Educação Superior: Instrução Centrada no Grupo, Metodologia da Educação Superior: Instrução Centrada no Aluno e Avaliação em Educação. Publicou A Taxonomia de Objetivos Educacionais: um manual para o usuário e Manual para a formação do instrutor.

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