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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

AS FERIDAS DO PATINHO FEIO: Uma Visão Junguiana do Conto de Hans Christian Andersen (Parte 2)


 Imagens: Dayton: R. Worthington, 1884 

 Nos dias de hoje, Jacoby (1984, p.47) admite que “[...] teria dificuldade em citar pessoas que, num maior ou menor grau, não sejam vulneráveis a flutuações narcisistas, [...] que nunca caiam numa inflação irrealista ou que nunca sejam alcançadas por sentimentos de total desmerecimento”. Diz ainda estar havendo muita discussão sobre o aumento dos chamados distúrbios de personalidade, diagnóstico um tanto vago, que cobre uma gama enorme de pessoas, inclusive nós, que podemos a qualquer momento sofrer de complexos de inferioridade ou supercompensações. Portanto, elegemos patos feios para tudo e criamos com muita competência, filhos e indivíduos neuróticos e hipocondríacos, como era considerado inclusive o próprio Andersen à época.
Então perguntamos: Como fica o sujeito perante o discurso social da rejeição e do preconceito? O nosso personagem assimila este discurso e entende que a feiúra é um peso para si e para os outros. Kohut cita um fenômeno que ele denominou de mirroring (espelhamento) para descrever o “the gleam in mother’s eye” (o brilho no olho da mãe) que se constitui na “[...] empatia ótima parental que é base para um sentimento saudável de valor próprio”. (KOHUT, 1977, apud JACOBY, 1991, p.39, tradução nossa). Este fenômeno se configura como uma resposta à atuação narcísico-exibicionista da criança, confirmando sua auto-estima, ou seja, funciona como um espelho ao refletir o amor e o deslumbramento que a mãe sente por seu filho, fazendo com que ele se sinta confirmado, admirado e entendido como ser humano. Neste momento consideramos oportuna a transcrição de uma reflexão de Kohut acerca deste fenômeno, extraída do livro “Shame and the origins of self-esteem”.
[...] algo mais ocorre quando o self está se formando; não só o self deseja ser admirado e enfaticamente entendido pelo ‘Self-objeto’ (o cuidador); o self experiencia este self-objeto (pai ou mãe) como onipotentes e perfeitos; já que [...] o self-objeto dificilmente pode ser distinguido do próprio mundo do self, a perfeição atribuída ao self-objeto implica na própria perfeição da criança; a criança num sentido se funde com o self-objeto o qual o experiencia como idealizado, onipotente e perfeito; o desapontamento na percepção gradual que os pais são dificilmente todo-poderosos pode criar um efeito de ‘internalização transmutadora’ que cria estruturas que podem se tornar matrizes para o desenvolvimento de ideais (em termos junguianos, seria o recolhimento das projeções).
Em outras palavras, a auto-estima pode ser criada e mantida por meio de ideais que emergem fora da fusão com o self-objeto idealizado; estes ideais são convincentes e podem se tornar modelos para sua própria conduta. (KOHUT, 1971,1977, apud JACOBY, 1991, p.39-40, tradução nossa).
Esta reflexão pode ser constatada no conto quando, ao final, o patinho feio se transforma em cisne; mesmo ciente de que é belo e de que é reconhecido e amado pelos que estão a sua volta, ele se diz até satisfeito com as angústias e adversidades sofridas e que sentia agora a ventura, as maravilhas que o aguardavam. “Sentiu-se muito feliz, mas não ficou vaidoso nem soberbo, pois um bom coração nunca se torna soberbo.”
Se voltarmos à atenção para o próprio Andersen, seus contos deram um lugar à criança, ou seja, ela passa a ser um sujeito ativo e não passivo em suas estórias. Foi através de suas obras que a criança e a infância tiveram espaço na literatura. Seu desejo íntimo maior era apenas o de ser distinguido. As dificuldades reais ou imaginárias de Andersen, refletidas no personagem autobiográfico vão de encontro a uma reflexão de Jacoby (1984) que afirma que “[...] o equilíbrio narcísico deve ser mexido para que os processos de amadurecimento aconteçam”.
Vamos observar que existe no conto um sentimento no patinho feio que se apresenta como um estranhamento. Ao entrar em contato com cisnes adultos ele se vê aturdido pela beleza daquelas aves lindas e felizes. Ele pensa consigo mesmo: “Não sabia o nome daquelas aves, nem para onde voavam, mas apesar disso gostava delas como nunca antes gostara de alguém.” Poderíamos perguntar o que no patinho apontava para algo diferente de si? Que processo estaria em movimento a ponto de desejar para si tamanha felicidade representada pela numinosidade experimentada pela visão daqueles magníficos cisnes? As agruras porque passou o patinho não foram poucas. Poderia ele ter se resignado à sua feiúra e se submetido às pressões externas e se adaptado a ponto de negar-se completamente. No entanto, com todo o sofrimento um impulso mais forte o motivou a ir a campo, a buscar não se sabe o quê. É certo dizer que os acontecimentos externos foram grandes catalizadores desta busca. É uma estória de superação. O mundo interior frente às pressões normatizadoras do mundo exterior. Jung (1981, p.525) irá definir que
a individuação é, portanto, um processo de diferenciação cujo objetivo é o desenvolvimento da personalidade individual. A necessidade de individuação é natural, enquanto que o impedimento da individuação por uma normalização exclusiva ou preponderante, de acordo com os padrões coletivos, será prejudicial para a atividade vital do indivíduo, para a sua vivência pessoal.
Ao partirmos da idéia de que o sentimento de não pertença possa também estar associado a uma imagem (vide a rejeição de sua mãe), o patinho feio ao considerar seu estranhamento frente ao seu meio corresponderia a um investimento de libido na consciência e, a partir do momento em que na presença de outros cisnes, sem que perceba, faz um movimento de pescoço que culmina com um grito agudo típico da espécie, isto por si só já se constitui numa pequena resposta individuadora. O que importa, neste momento, falando em termos analíticos é a interação do sujeito com seu inconsciente (o investimento pessoal da libido), que corresponde ao estabelecimento de uma ligação do eu com o self. O Self, portanto, estaria atuando como o centro regulador da psique, o spiritus rector inconsciente, podendo seus conteúdos, sob determinadas condições, tornarem-se acessíveis ao Ego e passarem a atuar como orientadores do processo de individuação.
Jacoby (1984) vai dizer que o ser humano tem uma necessidade básica e vital de se refletir para poder se reconhecer. Necessitamos disso para nos sentirmos reais, aceitos, e assim, importantes para outras pessoas e conseqüentemente, para nós mesmos. Relembra ainda a lenda grega num hino de Píndaro na qual Zeus, após terminar sua criação, perguntou aos deuses se eles achavam que faltava algo e estes o pediram que criasse as musas, que louvariam seus feitos e seu universo, embelezando tudo através de suas palavras e música.
Assim, vemos que somente existir não é suficiente e não satisfaz. A criação e a coisa-em-si não são independentes. Os feitos de Zeus teriam que ser trazidos para a atenção consciente através de louvação. Da mesma forma, o ser humano individual precisaria ter sua frágil e vulnerável existência refletida e ressonante nos éteres. De que adianta existir, se ninguém o notará, compreenderá, amará ou apreciará o que você é e o que você faz? Diante disto, segundo Jacoby (1984), não há equilíbrio narcísico saudável que resista ou sensação de amor próprio que possa ser mantida.
                       
Referências
ANDERSEN, Hans Christian. O Patinho Feio. In: ______. Tìtulo en negrito. Local: Editora, data. p. 240-251.
ANDERSEN, Jens. Hans Christian Andersen, a new life. Overlook Duckworth, 2005. p. 329.
JACOBY, Mario. Individuation and narcissism: the psychology of the self in Jung and Kohut. Hove: Bruner-Routledge, 1990. 267p.
JACOBY, Mario. Narcisismo e transferência. In: ______. O encontro analítico:transferência e relacionamento humano. Tradução de Claudia Gerpe. São Paulo: Cultrix, 1984. Cap. 3, p. 47-64. (Coleção Estudos de Psicologia por Analistas Junguianos).
JACOBY, Mario. Shame and the origins of self-esteem: a junguian approach. London: Bruner-Routledge, 1991. 131p.
JUNG, C. G. Definições. In: ______. Tipos psicológicos. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Cap 11, p. 471-552.

AS FERIDAS DO PATINHO FEIO: Uma Visão Junguiana do Conto de Hans Christian Andersen (Parte 1)

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