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terça-feira, 8 de julho de 2008

AVALIAÇÃO EDUCACIONAL


AVALIAÇÃO EDUCACIONAL E CLIENTELA ESCOLAR (1)
Magda Becker Soares

Resumo:

A perspectiva que adotamos nessa exposição conduz inevitavelmente à negação da afirmativa que parece estar oculta no tema desse Simpósio " A utilização da avaliação educacional para incrementar as oportunidades educacionais e sociais ". Na verdade, o tema, assim formulado, afirma implicitamente que a avaliação educacional pode ser utilizada para aumentar e/ou o aproveitamento de oportunidades educacionais e sociais. Ora, sob a perspectiva de uma análise daquilo que realmente ocorre nos sistemas de ensino, a avaliação é, ao contrário, um dos mais eficazes instrumentos de controle da oferta e do aproveitamento de oportunidades educacionais e sociais e de dissimulação de um processo de seleção em que, sob uma aparente neutralidade e equidade, a alguns são oferecidas sucessivas oportunidades educacionais e, em conseqüências, oportunidades sociais, enquanto a outros essas oportunidades são negadas, processo que se desenvolve segundo critérios que transcendem os fins declarados da avaliação. Segundo esses fins declarados, a avaliação educacional pretende verificar se o estudante alcançou e , em que grau , os objetivos a que se propõe o processo de ensino. Implicitamente e mascaradamente, a avaliação exerce o controle do conhecimento e, dissimuladamente o controle das hierarquias sociais.

A avaliação exerce o controle do conhecimento na medida em que define o que deve saber o estudante e avalia se ele sabe tudo o que deve saber e apenas o que deve saber, e ainda se sabe tal como deve saber.Dessa maneira, a avaliação é uma forma de dominação tal como afirmam BOURDIEU PASSERON: " o exame não é somente a expressão mais legíveis dos valores escolares e das escolhas implícitas do sistema de ensino: na medida em que ele impõe como digna da sanção universitária uma definição social do conhecimento e da maneira de manifestá-lo, oferece um de seus instrumentos mais eficazes ao empreendimento de inculcação da cultura dominante e do valor dessa cultura " (Bourdieu Passeron, 1975). Pode-se, pois, dizer, que a avaliação, na verdade, limita as oportunidades educacionais e sociais, na medida em que legitima determinada cultura em detrimento de outras e legitima determinada forma de relação com a cultura, em detrimento de outras formas.

O controle, pela avaliação, das hierarquias sociais é, de certa forma, conseqüência desse controle que faz do conhecimento. A "determinada cultura" que a avaliação legitima e a "determinada forma de relação com a cultura" que também legitima são a cultura da classe dominante e a forma de relação que com a cultura mantém a classe dominante. Dessa forma, para os estudantes que pertencem à classe dominante, os resultados na avaliação dependem, em geral, não mais que de sua performance escolar; para os estudantes das classes desfavorecidas, os resultados na avaliação estão condicionados apenas secundariamente à sua performance escolar; primordialmente, são determinados pelas condições de vida - econômicas, sociais e culturais - dadas ao indivíduo em decorrência de sua posição na hierarquia social , e pela distância que separa essas condições das exigências e expectativas da escola. Em outras palavras, inspirando-se na cultura da classe dominante e solicitando comportamentos que expressam a relação que com essa cultura mantém a classe dominante, a avaliação pede muito mais que aquilo que abertamente pede, pois pressupõe aprendizagens que se desenvolve fora da escola, longe da escola, antes da escola; em decorrência, desigualdades sociais mascaram-se em desigualdades escolares e a seleção social dissimula-se sob a ilusão da seleção educacional.

A própria expressão "oportunidades educacionais " pressupõe a aceitação da discriminação entre estudantes. Oferecer oportunidades educacionais significa oferecer ensejo, ocasião para que o indivíduo se eduque; não significa, nem semanticamente nem na práxis do sistema de ensino oferecer condições para que o indivíduo se eduque . Sob o universalmente aceito princípio da "igualdade de oportunidades educacionais ", subentende-se outro princípio; o das desigualdades entre os indivíduos para fazer uso dessas oportunidades. Por isso, a desigualdade de resultados é aceita como natural e por ela não se responsabiliza a escola; o fato de igualar as oportunidades isenta de responder pela desigualdade de trabalho.

Tal "isenção" justificou-se enquanto foi possível atribuir o sucesso, o fracasso escolar a presença ou a ausência de dons inatos, as desigualdades naturais de capacidade intelectual que conduziriam, forçosamente à desigualdades no aproveitamento das oportunidades educacionais. Segundo Michael Young, em sua obra The Rise of Meritocracy (Young, 1958), a capacidade intelectual, associada ao esforço definiria o mérito e esse seria o único critério de determinação do sucesso ou fracasso educacionais. A avaliação educacional é, assim, considerada justa enquanto se declara baseada no mérito e enquanto o sistema assegura que a todos é dada igual oportunidade de demonstrar seu mérito. Cria-se, assim, aquilo que Clarence J. Karier, em seu texto "Ideology and Evolution: in Quest of Meritocracy, chamou de uma "útopiam vision of an open meritocratic society where all would receive their just rewards on the basis of their true natural talent" (Karier, 1974). O mesmo autor mostra a inversão de raciocínio de psicólogos como Thermam e Thorndike nas primeiras décadas desse século; ambos afirmavam que a hierarquia social e ocupacional é que é determinada pela capacidade intelectual, e não o contrário, e que a riqueza, os privilégios e o status são conseqüências e não origens do talento, dos dons e habilidades intelectuais. Assim, o ideal meritocrático, tão bem descrito por Young, afirma que o sistema educacional e a avaliação como principal instrumento desse, tem por função levar cada indivíduo a assumir sua posição na hierarquia social não em virtude de sua classe, status, riqueza ou privilégios, mas em virtude de seus naturais talentos e seu mérito.

É interessante notar que a ideologia do dom e o ideal meritocrático correspondem ao enfoque fundamentalmente psicológico do ensino e do estudante que predominou até meados desse século, quando o desenvolvimento das ciências sociais passou a alertar os educadores para a estreita relação entre capacidades intelectuais e condição de vida, entre resultados escolares e classe social. É produto indiscutível da ideologia do dom a preocupação da psicologia da educação com as "diferenças individuais " , preocupação que conduziu ( e ainda conduz) ao absurdo social da proposta de currículos diferenciados em função das diferenças de habilidades intelectuais. Em nome de uma "educação para as diferenças individuais", em nome de proclamada necessidade de proteger o estudante do fracasso oferece-se a cada grupo (em última análise, grupo social) um currículo apropriado às suas supostas habilidades; canalizam-se, controlam-se e limitam-se as possibilidades do indivíduo na ilusão de que isto está sendo feito em seu benefício e em função de suas capacidades naturais,quando, na verdade se está amarrando irremediavelmente o indivíduo à posição desfavorável que tem na hierarquia social. Ainda hoje, depois do impacto das ciências sociais sobre a área educacional, cientistas do porte de um Benjamim Bloom advogam a necessidade de ajustar o ensino às habilidades e características individuais vistas como decorrência de dom ou de talento, não como resultado de condições sociais , econômicas e culturais. Assim é que, no Handbook on Fornative and Summative Evaluation of Student Learning (Bloom et al . 1971), os autores afirmam que "what is desirable for particular students and groups os students is in part dependent on their present characteristics and their goals and aspirations for the future" e ainda que "what is desirable for the individual students may coincide with the greatest range of possibilities available in the light of his ability, previous achievement, and personality". Em nenhum momento os autores apontam as relações das características dos estudantes, de seus objetivos e aspirações para o futuro, de suas habilidades, de seu rendimento prévio e de sua personalidade com as condições sociais e econômicas de sua existência. Essas características, aspirações e habilidades são consideradas como dados individuais a partir dos quais se deve organizar o processo de ensino, sem que se sinta necessário levar em conta, questionar e combater os fatores que conduziram a tais dados individuais. Busca-se , assim, nada mais que ajustar o processo de ensino às características do estudante, ao invés de levá-lo a superar essas características. No já citado Handbook on Formative and Summative Evoluation of Student Learning, os autores, ao citar as estratégias da aprendizagem para a competência, afirmam: Other strategies include permitting students to go at their own pace, guiding students with respect to courses they should or should not take, and establishing different tracks or streams for different groups of rearners." (Bloom et al.,1971). Essas estratégias, como, em geral, todas as estratégias de currículos diferenciados, só encontram justificativa à luz de uma ideologia do dom; se substituirmos o conceito de "desigualdades naturais " pelo conceito de "desigualdades culturais " , socialmente determinadas, todos os recursos de mera adequação do ensino às desigualdades tornam-se moralmente inaceitáveis."

Esta é a grande contribuição das ciências sociais nas últimas décadas; o desmascaramento da ilusão ideológica de que as desigualdades de rendimento escolar se explicam por desigualdades naturais , desigualdades de dons, de que a escola nada mais faz que transformar as desigualdades de fato em desigualdade de direito. Ao denunciar a estreita relação entre o rendimento escolar e as situações sociais, as ciências sociais demonstraram que as desigualdades escolares se devem não a diferença de dom, ou de mérito, mas a desigualdades culturais socialmente determinadas. Provando ainda a relação entre sucesso escolar e a situações sociais privilegiada entre fracasso escolar e a situações das classes desfavorecidas demonstraram que a escola confirma e reforça a cultura das classes privilegiadas, "dissimulando", segundo Bourdieu Passeron "a seleção social sob as aparência da seleção técnica e legitimando a reprodução das hierarquias sociais pela transmutação das hierarquias sociais em hierarquias escolares" (Bourdieu, 1975).

Persiste , entretanto, na escola a ideologia do dom e da defesa da meritocracia. Citando novamente Karier: "There is, perhaps, no stronger social class stabilizer, if nottranquilizer, within a hierarchically ordered system than the belief on the part of the lower class members, that their place in life was not arbitrarily determined by privilege, status, wealth, and power, but rather is a consequence of merit, fairly derived." (Karier, 1974).

Bernard Charlot, em sua recente obra La Mystification Pédagogique, demonstra que a escola reduz o social ao individual e isola a educação das realidades econômicas e sociais que a condicionam a fim de camuflar seu papel no jogo das desigualdades sociais (Charlot, 1977).

Dissimulação, camuflagem, mistificação - de tudo isso a avaliação é o grande instrumento.Nas palavras de Bourdieu: "Nada é mais adequado que o exame para inspirar a todos o reconhecimento da legitimidade dos veredictos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam, já que ele conduz aquele que é eliminado a se identificar com aqueles que malogram, permitindo aos que são eleitos entre um pequeno número de elegíveis ver em sua eleição a comprovação de um mérito ou de um "dom" que em qualquer hipótese levaria a que eles fossem preferidos a todos os outros "(Bourdieu, 1975). Pretendendo-se "neutra", "científica" e rigorosamente "técnica", a avaliação supõe reduzir toda a situação escolar, socialmente determinada, a uma relação objetiva entre o estudante e o conhecimento, julgando, assim, ocultar todos os demais fatores que atuam nessa relação. Medindo, na verdade, os resultados do processo de socialização, a avaliação declara estar medindo o mérito, e atribui a responsabilidade dos resultados obtidos aos atributos do estudante - interesse, motivação, esforço, inteligência, habilidades, aptidão - ou aos atributos do professor - sua capacidade para fazer o estudante aprender. Toda a bibliografia educacional sobre avaliação insiste exaustivamente na necessidade de coerência interna do processo, isto é, coerência entre a avaliação e os objetivos e a metodologia de ensino, nunca discute o problema da coerência externa do processo, isto é, a coerência entre a avaliação e as condições culturais do estudante, decorrentes de sua situação econômica e social.

Entretanto, as funções sociais que a avaliação desempenha no sistema educacional estão permanentemente presentes no processo de ensino.

Estão presentes nos mecanismos de seleção em que, ostensivamente e sob a aparência de uma absoluta neutralidade, alguns são escolhidos e muitos são rejeitados por um processo de eliminação cuja relação com a hierarquia social é dissimulada por sua pretensa objetividade: no Brasil, é exemplo desse processo dissimulado de eliminação das classes desfavorecidas o concurso vestibular: inúmeras pesquisas já demonstraram que também no Brasil, como na França de Bourdieu, a universidade acolhe predominantemente os "herdeiros" dos privilégios sociais.

Há , porém, outros mecanismos em que a função social da avaliação é mais sutilmente dissimulada. Um deles é aquele que Bourdieu denominou de "eliminação sem exame" (Bourdieu, 1975): na verdade, a seleção, além de mascarar a eliminação que se faz em estreita relação com a hierarquia social, mascara ainda a eliminação daqueles que são excluídos antes mesmo de serem examinados. Considerando, no conjunto de candidatos à seleção, apenas dois subconjuntos - os escolhidos e os rejeitados - a seleção oculta o complemento desse conjunto, que é o conjunto dos não-candidatos, daqueles que foram eliminados ou se auto-eliminaram por força das relações entre a estrutura de classes e o sistema de ensino de ensino. A tão acentuada pirâmide educacional dos países subdesenvolvidos explica-se não só pela seleção que se verifica entre um grau e outro mas, dentro do mesmo grau, pela "eliminação sem exame " - " a desistência resignada das classes populares diante da escola" (Bourdieu, 1975).

Outro mecanismo, ainda mais sutil, de dissimulação da função social da avaliação é aquele que Snyders denomina desescolarização, atribuindo ao termo uma significação diferente da que lhe dá Illich (Snyders, 1976). Em quase todos os países, mas sobretudo nos países subdesenvolvidos, as escolas se diferenciam, sem que isso seja oficialmente reconhecido, em escolas que servem às classes privilegiadas e escolas que servem às classes desfavorecidas. Nestas, contraditoriamente, o número de estudantes em cada sala de aula é numeroso, os professores são menos qualificados, o material é deficiente e, portanto, a influência da escolarização é menor. O ensino ajusta-se às condições de que dispõe e, complacentemente, mediocriza-se, não é mais que uma forma degradada do ensino desenvolvido nas instituições que servem às classes privilegiadas: neste sentido é uma desescolarização ou uma subescolarização. Pode-se estabelecer um paralelo entre as duas "redes" que Boudelot e Establet denunciam no sistema de ensino francês (Baudelot-Establet, 1971) e os dois tipos constituem realmente duas redes, uma que conduz ao sucesso, outra ao fracasso. Nas escolas que atendem à clientela socialmente desfavorecida, tanto o ensino como a avaliação ajustam-se às características dessa clientela, e permitem assim a promoção de uma série a outra, criando a ilusão do sucesso escolar, ilusão que é desmistificada quando o estudante submete-se a mecanismos de seleção fora da escola que o aprovou ou quando, na vida profissional, fracassa na competição com os que provêm das escolas que servem às classes privilegiadas. O mesmo fenômeno ocorre sempre que o sistema busca estratégias para amenizar as desvantagens que se prendem à origem social. Exemplo brasileiro são os cursos e exames supletivos que, pretendendo oferecer tardiamente oportunidades educacionais àqueles a quem elas não foram proporcionadas no momento adequado, criam a ilusão de uma igualdade que é apenas formal.

De tudo isso se pode concluir que, como afirmamos no início desta exposição, a avaliação, sob uma falsa aparência de neutralidade e de objetividade é o instrumento por excelência de que lança mão o sistema de ensino para o controle das oportunidades educacionais e para dissimulação das desigualdades sociais, que ela oculta sob a fantasia do dom natural e do mérito individualmente conquistado. Sua utilização, tal como se dá na maior parte dos países e, particularmente, nos países subdesenvolvidos, não incrementa as oportunidades educacionais e sociais, como pretende o tema deste simpósio, mas, ao contrário, restringe-as e orienta-as no sentido mais conveniente à manutenção da hierarquia social.

Retirado do livro Introdução à Psicologia Escolar. 2 ed. São Paulo, 1991. p.47-53 2 Da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalho apresentado no simpósio "A utilização da avaliação educacional para incrementar as oportunidade educacionais e sociais". São Paulo, Fundação Carlos Chagas, nov. 78

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

  • Baudelot, C. , e R. Establet, L'école capitaliste en France. Paris, Maspero. 1971
  • Bloom, Benjamim S. et al., Handbook on Formative and Summative Evolution of Student Learning. Nova York, McGraw-Hill, 1971.
  • Bourdieu. Pierre e Jean-Claude Passeron. A reprodução (tradução de Reynaldo Bairão). Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1975.
  • Clarlot, Bernard. La mystification pédagogique. Paris, Payout, 1977.
  • Karier, Clarence J. Ideology and Evaluation: In Quest of Meritocracy", in Michael W. Apple et al.. Educational Evoluation: Analsysis and Responsability. Berkeley. McCutchan, 1974.
  • Snyders, Georges. Ecole, classe et lutte des classes. Paris, Presses Universitaires, 1976.
  • Young, Michael. The Rise of the Meritocracy. Londres, Thames and Hudson, 1958.
http://www.pbh.gov.br/ensino/smed/cape/artigos/textos/magda.htm

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