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segunda-feira, 30 de junho de 2008

BORDERLINE, IDENTIFICAÇÃO E SUBJETIVIDADE PÓS-MODERNA


BORDERLINE, IDENTIFICAÇÃO E SUBJETIVIDADE PÓS-MODERNA
Nahman Armony

A grosso-modo pode-se dizer que durante aproximadamente os primeiros 50
anos de psicanálise o neurótico domina a cena psicanalítica e que, de lá para cá, as
chamadas síndromes limítrofes têm ocupado um lugar cada vez maior na clínica e no
pensamento psicanalítico.
Estes conjuntos (neurose e borderline) referem-se a uma patologia inserida em
um tempo, em uma subjetividade. Representam dois períodos: o moderno e o pósmoderno.
São representantes, por assim dizer, patológicos, com uma correspondência na
normalidade. Existe uma normalidade e uma patologia neurótica e uma outra
normalidade e patologia borderline.
Para este dois grupos podemos conceber duas linhas de desenvolvimento
diferentes e independentes, cada uma delas apresentando uma gradação que vai do
patológico absoluto ao normal ideal. Assim pensam alguns autores como Bergeret,
Winnicott e outros. Farei somente uma citação de Winnicott: “Os psicanalistas
experientes concordariam em que há uma gradação da normalidade não somente no
sentido da neurose mas também da psicose (...) Pode ser verdade que há um elo mais
íntimo entre normalidade e psicose do que entre normalidade e neurose; isto é, em
certos aspectos. Por exemplo, o artista tem a habilidade e a coragem de estar em
contato com os processos primitivos aos quais o neurótico não tolera chegar, e que as
pessoas sadias podem deixar passar para o seu próprio empobrecimento”
1
Estamos ampliando, desta forma, os conceitos de neurótico e de borderline
(neuróide e psicóide segundo André Martins)2 estendendo-os a todas pessoas de nossa
sociedade, qualquer que seja o grau de patologia, saúde, doença, normalidade,
anormalidade, etc. que possa a elas ser atribuído. Daí surgiu a idéia do borderline
brando, um borderline próximo do pólo da normalidade3.
Então o neurótico (ou neuróide) pertence a uma episteme e o borderline (ou
psicóide) a outra.
1 Winnicott, D.W.W., 1982, p.21.
2 Martins, André, 2002, p.212.
3 Armony, Nahman, 1998.
2
Cada época tem a sua episteme, a sua subjetividade, subjetividade esta ligada ao
tempo histórico e que atravessa os vários segmentos do ser e fazer humano: econômico,
político, cultural, familiar, pessoal, etc.
Para efeito de estudo do borderline e do neurótico, escolherei, inicialmente,
alguns aspectos da subjetividade: da subjetividade moderna retirarei a repressão e o
recalque; da pós-moderna a condescendência, a onipotência mitigada e a cisão. A
repressão e o recalque “produzem” a neurose (desde o seu pólo patológico ao seu pólo
normal)4, enquanto que a condescendência, a onipotência mitigada e a cisão
“produzem” a gradação patológico-normal borderline.
Podemos ainda acompanhar um movimento subjetivo que vai da repressão à
desrepressão. O borderline só pôde se tornar, na atualidade, uma idéia dominante em
virtude do movimento social de desrepressão. Onde podemos, didaticamente melhor
visualizar este movimento é na passagem do capitalismo de acumulação que
desestimulava o consumo (contenção do desejo, repressão) e estimulava a poupança,
para o capitalismo de consumo que desestimula a poupança e estimula o consumo
(liberação e incitação do desejo). Também percebe-se este mesmo movimento na
família que de repressora tornou-se condescendente, permitindo uma liberdade ampla
para a realização de desejos dos filhos. Com isso, há uma tendência de passagem de
uma interioridade para uma exterioridade, de uma dinâmica calcada no recalque para
uma dinâmica centrada na onipotência/cisão, de um superego forte capaz de se bastar a
si mesmo, para um superego dependente da opinião e aprovação do ambiente. O
4 Freud em “Análise Terminável e Interminável” escreve: “A análise, contudo, capacita o ego,
que atingiu maior maturidade e força, a empreender uma revisão dessas antigas repressões;
algumas são demolidas, ao passo que outras são identificadas, mas construídas de novo, a
partir de um material mais sólido. O grau de firmeza dessas novas represas é bastante
diferente do das anteriores; podemos confiar em que não cederão facilmente ante uma maré
ascendente da força instintual. Dessa maneira, a façanha real da terapia analítica seria a
subseqüente correção do processo original de repressão, correção que põe fim à dominância
do fator quantitativo”(p.259/260 do vol. XXIII – Edição Standard da Imago, 1975). Na
conferência 28 (“Terapia analítica”) de “Conferências introdutórias sobre psicanálise” escreve:
“Não podemos negar que também as pessoas sadias possuem, em sua vida mental, aquilo
que, por si só, possibilita a formação tanto dos sonhos como dos sintomas; e devemos concluir
que também elas efetuaram repressões, que despendem determinada quantidade de energia a
fim de mantê-las, que seu sistema inconsciente oculta impulsos reprimidos ainda catexizado
com energia, e que uma parte de sua libido é retirada e deixa de estar à disposição do ego.
Assim, também uma pessoa sadia é virtualmente um neurótico; mas os sonhos parecem ser
os únicos sintomas que ela é capaz de formar. É verdade que, se alguém submete a um exame
mais atento sua vida desperta, descobre algo que contradiz essa aparência – ou seja, que essa
vida pretensamente sadia está marcada aqui e ali por grande número de sintomas banais e
destituídos de importância prática”.(p.532/3 do vol. XVI).
3
dinamismo predominante de funcionamento da personalidade, até então o recalque,
passa a ser a onipotência mitigada e a cisão.
REPRESSÃO-RECALQUE
Além da diminuição da repressão social e educacional, além da questão do
capitalismo tardio e do declínio do nome-do-pai podemos encontrar outros elementos na
genealogia da repressão-recalque. Por exemplo, a atividade da igreja, com sua noção de
pecado e culpa, teve seu papel no desenvolvimento da subjetividade moderna. Quero,
porém me estender na questão da repressão da conotação da palavra.
Antes do aparecimento da ciência empírico-racional as palavras tinham uma
ampla conotação. Com o surgimento das ciências exatas, com sua necessidade de
precisão, de cálculo, ela, a ciência, reduziu a conotação à denotação. A palavra não
tinha mais uma aura que permitisse uma polissemia, um deslizamento. Ela passou a ser
dura, engessada, exata. Isabelle Stengers5 dá um exemplo dessa transformação. A noção
de velocidade reportava-se a um tempo gasto para percorrer um espaço; a noção de
intensidade tanto servia para falar da velocidade crescente de um corpo em queda,
quanto de um cavalo que reduzia sua velocidade por cansaço, como ainda de uma vida
que se tornava cada vez mais virtuosa. Intensidade era um conceito holístico que podia
ser usado em vários campos da vida, desde a física até a moral. Importante assinalar o
aspecto de mistério que a palavra "intensidade" possuía e que a colocava numa região
ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, permitindo um uso universal da palavra.
Ao criar o conceito de "velocidade instantânea" Galileu promoveu uma
revolução; retirando a subjetividade dos conceitos, tornou-os privativos da física, dando
a partida para o esvaziamento do inefável da palavra; também delimitou o campo da
física separando-o dos outros campos da vida. Já não era possível usar o conceito de
"velocidade instantânea" ou de "aceleração" para falar da moral ou da fisiologia. Porém,
fora da física, as palavras conservavam a sombra do incognoscível. Na medida em que
as ciências exatas obtiveram um estrondoso sucesso, passaram a paradigma de todos os
outros campos do conhecimento que assim deveriam renunciar ao mistério, à
subjetividade e à imprecisão - à faixa de desconhecimento enfim - e se conformar à
objetividade dos termos das ciências exatas. A denotação da palavra passou a valer mais
que a conotação. Com isto expulsava-se do mundo o inefável, o fantasmático, o mítico.
5 Stengers, Isabelle, 1990
4
Descartes falava das idéias “claras e distintas” e Newton organizou o mundo como um
mecanismo de relógio, onde tudo funcionaria perfeitamente e tudo seria previsível. O
pensamento cartesiano e a física newtoniana fizeram com que a humanidade acreditasse
que o mundo poderia se transformar em um paraíso de onde o mal seria abolido. O
mundo poderia funcionar como um perfeito mecanismo de relógio. Bastava dar tempo
para a ciência trabalhar. A ciência necessitava de conceitos e conceitos eram reduções
do campo fenomênico, redução essa que invadiu todo o pensamento existente. O
pensamento obedecia à lógica da contradição, à lógica da exclusão. Simplificava-se o
mundo através da ciência. Tudo poderia ser explicado por cálculo. Mas para isso as
palavras tinham de ser exatas, e com isso reprimiam-se as suas conotações.
Reportemo-nos agora a Foucault. Este autor fala-nos de sociedade imperial e de
sociedade disciplinar. Na imperial o homem era livre até o limite em que se chocava
com a lei imperial. Na disciplinar o homem era induzido desde cedo a ter um
comportamento perpetuador do status-quo. O panóptico de Bentham é a alegoria usada
para Foucault esclarecer seu pensamento. Trata-se de uma prisão em círculo em cujo
centro há uma torre de observação -- o panóptico. Toda e cada cela era acessível ao
olhar do vigia instalado no panóptico. Mesmo que o olheiro não pudesse ver todas as
celas ao mesmo tempo, e mesmo que ele nem lá estivesse, os prisioneiros disso não
sabiam. Eles agiam como se estivessem sendo observados o tempo inteiro. O vigia
tornava-se onipresente e transformava-se em um vigilante interno, dando origem a uma
função interna à qual Freud chamou de superegóica. Estamos diante de um superego
disciplinador, cruel e recalcador.
A sociedade vitoriana foi uma sociedade repressiva que criou a figura do
recalque, que é a repressão interna. As empresas desse período necessitavam acumular
capital e para isso reprimiam o desejo de consumo para economizar numerário. A
acumulação, a disciplina, a ascese, a renúncia aos prazeres, a moderação, eram
estimuladas. O homem vitoriano ideal era educado, formal, correto, disciplinado,
cumpridor de suas obrigações, honesto, íntegro, retilíneo em sua trajetória de vida,
confiável, honrado. Um cavalheiro, um gentleman. Ordem, dever, organização,
controle, disciplina eram os preceitos a serem seguidos. Dedicava sua vida à tarefa de
crescer lenta e seguramente dentro da atividade e/ou empresa escolhida.
As regras eram estritas e aquele que as seguia era valorizado e recompensado. A
sexualidade, o feminino, os sentimentos de fraqueza, dor, tristeza, a espontaneidade, a
empatia e a capacidade de identificação eram desvalorizados, reprimidos e recalcados.
5
A educação era repressiva. Na escola valorizava-se a disciplina, o dever, o bom
comportamento. A criança era cumpridora de obrigações e entre estas, a de decorar as
matérias escolares.
As empresas procuravam funcionários “certinhos”, disciplinados, cumpridores
de deveres, assíduos, burocráticos, dedicados à firma e lhes oferecia segurança e
aposentadoria.
Acompanhamos algo do surgimento e crescimento da repressão/recalque,
substrato sobre o qual se assenta o neuróide. Vamos agora tentar perseguir a
subjetividade psicóide que prospera especialmente a partir de meados do século
passado. Veremos como a repressão/recalque evolui para a onipotência/cisão.
A família patriarcal entra em declínio. As identificações sólidas com o pai
sofrem com a perda de poder desse pai, com sua desorientação diante de um mundo
mutável onde nada é seguro, nem o emprego, nem as amizades, nem as convenções
sociais, nem a moralidade. Um pai que fica perdido entre o autoritarismo e a
condescendência, agindo muitas vezes erraticamente. Um comportamento próprio de
um período de transição. O homem firme, seguro, com valores sólidos, com um
superego forte, perde seus parâmetros e torna-se um homem inseguro, que não sabe se
expressa ou não seus sentimentos, que não sabe se desenvolve ou não sua capacidade de
empatia e identificação, que não sabe se deve ou não ser autoritário. Quanto à mãe,
chamada a entrar no mercado de trabalho por razões econômicas, também o faz para
livrar-se do jugo do marido, para tornar-se independente, valorizar-se, igualar-se
subjetiva e hierarquicamente ao marido; ela então, torna-se uma profissional dedicada a
sua carreira. Duas conseqüências: menos tempo para o bebê e mais preocupação com o
sustento da casa. Esses dois fatores diminuem sua disponibilidade para o bebê, e a fusão
e a identificação mãe/bebê ficam prejudicadas, remetendo-nos a questões de
identidade/identificação.
O borderline, visto de um ângulo negativo será dito como tendo insuficiência de
identificações, expressão que poderá ser substituída por valências identificatórias
abertas, se olharmos o mesmo fenômeno positivamente, à luz de uma outra episteme.
Segundo Freud, quando o complexo de Édipo se resolve satisfatoriamente o
homem adquire um superego sólido que dificilmente se deixará modificar pelo
ambiente. O borderline pensado na perspectiva edípica será falado como tendo um
superego frouxo, lábil, influenciável, correspondente à descrição freudiana do superego
6
feminino. Justamente é este superego poroso -- que se deixa penetrar e influenciar -- que
privilegiará o homem da pós-modernidade, tornando-o apto a acompanhar as rápidas
transformações da cultura.
Grinker6 fala de quatro níveis de borderline: Grupo 1- O borderline psicótico –
comportamento inapropriado e não adaptado. Deficiente senso de identidade e de
realidade. Comportamento negativo e raivoso em relação às pessoas. Depressão. Grupo
2- O borderline nuclear – Envolvimento flutuante com outros. Expressões abertas e
atuadas de raiva. Depressão. Ausência de indicações de um self consistente. Grupo 3 –
Personalidades ‘como se’ – comportamento adaptado e apropriado. Relações
complementares. Pouca espontaneidade e afeto em resposta a situações. Defesas:
afastamento e intelectualização. Grupo 4- O borderline neurótico – Depressão anaclítica
(semelhante à da infância). Ansiedade. Semelhança com caráter narcisista neurótico.
Influenciado por essa sistematização agrupei esse conjunto humano em borderline
pesado (patológico), borderline falso-self e borderline brando (próximo da
normalidade).
Manter as valências identificatórias em aberto é conservar características infantis
e adolescentes: curiosidade, alegria, prazer, empatia, necessidade de identificação não
apenas mental, mas principalmente psicossomática. Para preencher suas valências
identificatórias abertas, o borderline pesado poderá procurar figuras de identificação,
das quais exigirá uma conduta tal, que será incompatível com uma boa relação
interpessoal. Ele exigirá comportamento de mãe primeva e de pai primevo da pessoa
escolhida para seu par, e fará demandas impossíveis de serem atendidas. Seguem-se a
frustração, a separação, o abandono, o sentimento de solidão, de vazio, de
incompreensão; aparecem a depressão, a ansiedade, os distúrbios de conduta, os
comportamentos perversos, as somatizações, os sintomas neuróticos, as vivências
psicóticas, etc. Deste jardim florido cada borderline “escolherá” o seu buquê.
Poderá, porém usar as suas valências identificatórias abertas para realizar uma
identificação em devir, uma identificação dual-porosa com o mundo circundante. Esta
intimidade com o mundo poderá permitir que ele realize os seus desejos infantis
onipotentes mitigados no social, tornando-o um membro produtivo da sociedade.
O borderline acopla-se melhor à sociedade pós-moderna por sua maior
flexibilidade, por não possuir uma identidade firme, por não possuir um superego
6 Grinker,R.R., .Werble,B., Drye,R.C., 1968, p.83-90.
7
sólido. Existe uma afinidade entre a sociedade pós-moderna e o borderline, o que é uma
redundância, pois simplesmente o borderline faz parte dessa sociedade. As empresas já
não querem funcionários disciplinados e burocráticos, mas homens criativos. A escola
já não fala em disciplina, dever e decoreba, mas sim em criatividade, pesquisa,
singularidade, estimulação afetiva. Mais que uma ação repressiva temos um estímulo à
criatividade. Mais que recalque com seus derivados temos a alternância
onipotência/impotência, com uma compartimentação destes dois estados, caracterizando
uma cisão. O borderline brando pode ser considerado o homem da pós-modernidade por
sua inquietude, flexibilidade, criatividade, sensibilidade, empatia, permeabilidade,
intuição, pela sua apreensão mais direta, menos mediada da realidade, pela sua
capacidade de detectar os mínimos movimentos do inconsciente pessoal, coletivo e
cultural.
As rápidas conquistas tecnológicas desestabilizaram o sistema das grandes
empresas burocratizadas. As empresas, que até então valorizavam o homem correto, de
sólida e monodirigida formação profissional, que valorizavam um currículo acadêmico
e um currículo profissional voltado a uma única atividade, valorizavam a disciplina, o
horário, a assiduidade, passaram a preferir o homem de múltiplos conhecimentos e
capacidades, de múltiplas experiências, um homem enriquecido por uma vida variada e
dispersa, um homem capaz de se safar de situações difíceis e complexas, um homem
criativo.
Na família, as identificações sólidas tornaram-se problemáticas pela solicitação
que o mercado e a vida atual fazem à mãe e pela perda da posição de patriarca por parte
do homem, o que o deixou confuso, em estado de busca de uma nova identidade
familiar. Os parâmetros morais também se modificaram colocando o homem em
conflito consigo mesmo e muitas vezes com o entorno. Em conseqüência os filhos ficam
com o que seria um déficit de identificações, se visto pelo lado negativo, ou como
valências identificatórias abertas, se visto pelo lado positivo.
O pai, até então idealizado, preservado em sua autoridade e onipotência, distante
de seus filhos em termos de uma amorosidade explícita e ativa, alvo de um respeito
reverencial, estímulo para a revolta ou a submissão dos filhos, vai-se tornando mais
próximo, evitando provocar o temor reverencial, mostrando suas dúvidas e fraquezas,
seu lado feminino, e sendo percebido/sentido em seu dilaceramento. O filho ou se
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identifica com a inconstância e cria um self criativo e um ego flexível – e aí teremos um
borderline brando --- ou fica baratinado, sem ponto de referência, sem âncora, sem um
eixo. As conseqüências negativas podem ser a busca de grupos místicos e de drogas, a
depressão, a ansiedade, a desorientação, a síndrome borderline pesada, o pânico, etc.
BORDERLINE
O borderline pesado é polissintomático, ambulatório, com dificuldades nas
relações pessoais por sua fragmentação ou por suas necessidades narcísicas
exacerbadas, com tendência à atuação, com problemas na área afetiva, com questões nas
áreas das identificações e identidade, necessitando de uma circunvizinhança humana
para atuar os seus fantasmas, com labilidade de humor, com tendência à exagerada
dependência afetiva muitas vezes reativamente negada, usando excessivamente a
identificação projetiva e introjetiva, com extrema sensibilidade e susceptibilidade,
incomumente e seletivamente permeável ao próprio inconsciente, ao inconsciente do
outro e à subjetividade circulante.
Se peneirarmos o borderline acima de maneira a obter a farinha purificada do
borderline brando, sobrará a tendência à atuação, a necessidade afetivo/dinâmica de uma
circunvizinhança humana para nela atuar seus fantasmas e realizar seus desejos infantis,
o uso da divisão/compartimentação e da onipotência mitigada de forma não
incompatível com o social, a extrema sensibilidade, a incomum permeabilidade ao
próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à subjetividade circulante; tal
permeabilidade permite-lhe identificar-se continuamente, em devir, com o que o rodeia.
A essa identificação dei o nome de "identificação dual-porosa", "identificação transital",
"identificação contínua", e, posso agora acrescentar, "identificação em devir".
(Borderline: uma outra normalidade)
O borderline brando tende mais à multiplicidade do que ao polissintomático, o
que significa que ele não inibe os vários aspectos de sua personalidade em favor de um
único aspecto, mantendo as suas várias potencialidades disponíveis para serem usadas.
No que diz respeito à sensibilidade/susceptibilidade narcísica ela apresenta-se menos
como uma ferida e mais como um instrumento de conhecimento do outro; a
permeabilidade das fronteiras do eu, que poderia torná-lo vulnerável às afetações do
outro mantém-se como sensibilidade que permite conhecer o outro, propiciando o
desenvolvimento de afetos e sentimentos pertinentes à relação em curso. Assim, ao invés
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de um fechamento nas próprias fantasias, há uma abertura para o conhecimento das
fantasias do outro. A permeabilidade das fronteiras, que no borderline pesado pode ser
usada contra o outro ou pode dar lugar a um excesso de identificação projetiva e
introjetiva, no borderline brando muda de qualidade, transformando-se em identificação
dual-porosa, uma identificação que permite um regime de trocas fantasmáticas e afetivas
contínuas entre os seres humanos entre si e com o mundo circundante. A porosidade
tanto funciona em relação ao mundo externo (a um outro humano, sim, mas também em
relação à cultura, à natureza, ao planeta), quanto ao mundo interno, isto é, na percepção
do próprio inconsciente. Em se tratando do borderline brando, as trocas fantasmáticas e
afetivas ocorrem em um espaço potencial ou a ele equivalente, o que significa que ao
objeto subjetivo superpõe-se o mesmo objeto objetivamente percebido. A identificação
dual-porosa mostra-se um precioso instrumento de conhecimento, relação e
comunicação, permitindo surfar nas ondas do devir, possibilitando ao borderline deslizar
e se enlear nas sutis e infindas variações de um mundo em constante mutação. A
tendência à dependência do borderline pesado, traduz-se no borderline brando pelo
reconhecimento da necessidade afetiva de um outro também dual-poroso, de tal maneira
que um regime de trocas, onde vigore tanto o subjetivo quanto o objetivamente
percebido, possa ser estabelecido.
O estado de identificação em devir encontrado no borderline brando (o homem
pós-moderno) entrelaça-o à subjetividade contemporânea como sujeito criativo e
transformador.
Nahman Armony
Membro psicanalista da CPRJ e da SPID
Psiquiatra
Doutor em Comunicação pela ECO da UFRJ
Professor do curso de pós-graduação lato-senso “Psicologia clínica e Psicossomática” da
Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
Rua Paissandu, 94, apt.402, Flamengo. CEP: 22210-080.
Telefone: 22858782
e-mail: nahman@uol.com.br
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BIBLIOGRAFIA
Armony, N. – “Borderline, uma outra normalidade”. Rio de Janeiro, Editora Revinter,
1998.
Freud, S. – “Análise terminável e interminável” (1937) Edição Standard Brasileira vol.
XXIII. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975.
Idem – “Terapia analítica”, conferência 28, vol. XVI.
Grinker,R.R., Werble,B., Drye,R.C. – “The Borderline Syndrome”. New York, Basic
Books Inc., 1968.
Martins, A. – “Pulsão de morte? Natureza e cultura na metapsicologia freudiana”. Tese
de doutorado em Psicologia Psicanalítica – UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.
Stengers,I. – “Quem tem medo da ciência?”. São Paulo, Siciliano, 1990.
Winnicott,D.W. (1959-1964) – “Classificação: existe uma contribuição psicanalítica à
classificação psiquiátrica?” IN “O ambiente e os processos de maturação”. Porto
Alegre, Artes Médicas, 1983.
.
http://www.saude.inf.br/nahman.htm
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