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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Eduardo Marques: "O estudo ajuda, mas não basta para sair da pobreza"

Marisa Cauduro/ÉPOCA
Eduardo Marques: "O estudo ajuda, mas não basta para sair da pobreza"
O cientista político diz que as relações sociais dos pobres são fundamentais para produzir novas políticas sociais
Mariana Sanches
A teoria que relaciona poucos anos de estudo à baixa renda tornou-se lugar-comum na literatura mundial sobre pobreza. Para o cientista político Eduardo Marques, da Universidade de São Paulo, a relação entre escola e pobreza não é errada. Apenas não explica tudo. “Encontrei pessoas com os mesmos anos de estudo, moradoras de um mesmo bairro e com histórias de vida parecidas em que uma delas tinha condição de vida melhor que a outra”, diz Marques. Depois de quatro anos de pesquisa em sete áreas pobres de São Paulo, replicadas agora em Salvador, ele concluiu que o conjunto de relações sociais dos indivíduos – a que chama de redes – pode ser mais importante do que os anos de escola na hora de determinar se alguém terá emprego ou não. Enquanto um ano a mais na sala de aula aumenta em R$ 7 a renda mensal, um padrão de redes específico traz a ele R$ 59 a mais. Os resultados obtidos por Marques, inéditos no Brasil e a ser publicados no fim de setembro, apontam para uma nova geração de políticas sociais. O combate à pobreza pode estar menos ligado a dar dinheiro aos pobres do que a criar oportunidades de novas relações para eles. Marques, no entanto, admite que nenhum governo no mundo sabe ainda como influenciar as redes sociais.
  ENTREVISTA - EDUARDO MARQUES  

QUEM É
Livre-docente em ciência política da Universidade de São Paulo e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM)


O QUE FAZ

Coordena a área temática de políticas públicas da Associação Brasileira de Ciência Política


O QUE PUBLICOU

Lança neste mês o livro Redes sociais, segregação e pobreza, em parceria do CEM com a editora Unesp

ÉPOCA – Por que o senhor acha que as redes sociais explicam a pobreza?
Eduardo Marques –
Meu principal adversário em termos de argumento é a literatura que diz que a pobreza está associada a certos atributos, o principal deles é a escolaridade. Então indivíduos de menor escolaridade são mais pobres, e ponto. Encontrei algo no meio que faz com que indivíduos que tenham iguais atributos, mas relações sociais diferentes, tenham situações sociais distintas.

ÉPOCA – Mas a escola é importante?
Marques –
Certamente influencia a condição de vida, assim como outras coisas influenciam também. Meu argumento é que relações sociais cotidianas contribuem para a pobreza e a reprodução da pobreza. E isso está ausente do debate brasileiro.

ÉPOCA – As relações sociais de um indivíduo são determinantes para que ele seja pobre?
Marques –
Não são determinantes. Mas a variável que mais explica a chance de alguém ter emprego – num modelo que leve em conta atributos pessoais e a rede de relações – é justamente a rede. Mais que a escolaridade. Há quatro tipos de redes que explicam 93% dos casos das relações dos pobres. Há aqueles que têm redes pequenas, compostas de pessoas territorialmente próximas, em geral família, vizinhos ou amigos. O exemplo clássico são os idosos. Há aqueles com redes grandes, mas também com relações locais. Tipicamente, essa é a situação do soltador de pipa, que passa o dia todo na laje e cumprimenta todo mundo que passa. Há gente com redes médias com as mesmas características das anteriores. E, por fim, há as redes médias pouco locais e menos baseadas em família e vizinhos. Esse tipo de rede, que chamo de rede de “vencedor”, tem grande impacto na renda do indivíduo.

ÉPOCA – É possível medir isso?
Marques –
Constatei que, a cada ano a mais na escola, os pobres ganham, em média, R$ 7 a mais na renda per capita. Se alguém tem essa rede de “vencedor”, acrescenta R$ 59 à renda. É o correspondente a oito anos de estudos. É preciso fazer a ressalva de que os anos de estudos variam pouco entre os pobres, porque eles têm baixa escolaridade. Se levássemos a classe média em conta, a variável de anos de estudos talvez ganhasse efeito maior, porque variaria de 0 a 18 anos, enquanto entre os pobres vai até a 4ª ou 5ª série. As redes ainda trazem outros ganhos. Para quem tem emprego fixo ou aposentadoria, ter relações com quem também tenha rendimento estável aumenta a renda. Para os isolados territorialmente, quanto maior a quantidade de ambientes em que circulam (família, vizinhança, igreja, trabalho), maior a renda.

ÉPOCA – Por que isso acontece?
Marques –
Quanto mais ambientes diferentes alguém pode acessar, mais informação diferente pode receber. Essa é uma diferença fundamental entre as redes de classe média e as de pobre. As redes de classe média têm mais esferas de relações, grande predominância do trabalho e de contatos que vieram da vida escolar. Para os pobres, isso é menor.

ÉPOCA – Mas o que as redes fazem?
Marques –
As redes influenciam o acesso a bens e serviços. E também a apoios sociais que não são mediados por dinheiro. Há mecanismos que explicam por que as redes são como são e como os indivíduos as mobilizam. Cheguei à conclusão de que as redes de pobres não só são menores que as de classe média, como as relações dos pobres eram mais recentes. E isso porque há algo que chamo de economia dos vínculos. Criar vínculo e, especialmente, manter vínculo é custoso financeiramente, psicologicamente e em termos de tempo. Você tem de ligar, dar presente no aniversário, visitar, conversar. Os pobres jogam fora regularmente uma parcela grande de suas redes, diferentemente da classe média, pois não têm como fazer frente a esses custos. Há um segundo mecanismo interessante: a escolaridade. Quando olhávamos adolescentes de 16 anos pobres e de classe média, suas redes eram muito parecidas. Eram grandes, locais e de relações com pessoas muito parecidas com eles, família e amigos. Com 23, 24, 25 anos, as redes são completamente diferentes. O que acontece que as diferencia tão fortemente? Uma parcela grande da rede do adulto de classe média foi construída ao longo da trajetória profissional, que começou na faculdade. O curso superior faz com que ele construa uma transição suave para uma rede da idade adulta em que a profissão é forte. No caso dos pobres, não há transição. Isso porque o sujeito pode até chegar ao ensino médio, mas, quando acaba o estudo, sua rede é composta de família, vizinhos, amigos do bairro e da escola. Um vai ser pedreiro, o outro atendente da padaria, não tem especialização. A ausência da universidade na trajetória escolar dos pobres faz com que eles enfrentem um abismo nas relações e não consigam ter uma transição para uma rede adulta em que a profissão seja importante.

ÉPOCA – Como é possível implementar políticas públicas a partir das redes?
Marques –
Ninguém sabe. O gabinete do primeiro-ministro britânico tem uma unidade estratégica, a Social Exclusion Task Force (algo como Força-Tarefa contra Exclusão Social), que tenta basear suas políticas em redes. Há também tentativas da Policy Research Initiative (Iniciativa de Pesquisas em Políticas Públicas), do governo canadense. Um exemplo bem-sucedido é o baile da terceira idade. Ele é eficaz porque a questão do idoso é o isolamento. Para resolver o problema da pobreza, porém, não adianta criar baile da juventude carente. É preciso produzir relações de um novo tipo. Talvez cheguemos a uma política pública capaz de influenciar redes, mas estamos longe. Não é uma questão de dar dinheiro, mas de criar oportunidades de relações para os pobres.

ÉPOCA – Faria sentido sofisticar as contrapartidas do Bolsa Família?
Marques – A existência de contrapartidas associadas à expansão dos serviços, como o aumento da quantidade de vagas em escolas, é uma boa estratégia para fazer as pessoas entrar nos serviços. Mas não acho que as condicionalidades devem ser expandidas porque elas podem ter o efeito perverso de isolar aquele menino que tira nota baixa, que falta mais na escola mesmo ameaçado de perder o benefício, porque tem de cuidar do irmão mais novo. Quem vai ficar de fora do programa é justamente quem mais precisa dele. 
 
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