Mostrando postagens com marcador Livro Didático. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Livro Didático. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Livro Didático




O Livro Didático: alcances e limites.

Mauro Carlos Romanatto[1]

Um pouco de história

O livro didático no Brasil, com honrosas exceções, sempre foi considerado de qualidade duvidosa e não que cumpre seu papel de apoio ao processo educacional. Muitos são autoritários e fechados, com propostas de exercícios que pedem respostas padronizadas, apresentam conceitos como verdades indiscutíveis e não permitem a alunos e professores, um debate crítico e criativo que é uma das finalidades do processo educacional.

Os livros didáticos surpreendem pela monotonia e repetitividade de exercícios que conduzem os alunos à atividades de reprodução dos pensamentos elaborados por outros, em vez de se ocuparem no processo de construção do seu próprio conhecimento.

Nada é menos parecido com um livro, do que um livro didático. Abusam das ilustrações para desviar a atenção do conteúdo, são mal dosados, jogam a matéria, muitas vezes, sem método, bem como contêm imprecisões. Alguns têm vários autores. Muitas vezes a pessoa citada nem participou da elaboração do livro, nunca deu aula, não conhece o aluno. Apenas entrou na parceria.

Com freqüência os livros didáticos diluem fontes de conhecimento, simplificam-nas para torná-las acessíveis à compreensão do aluno. E raros são aqueles que o fazem com competência.

Entretanto, os editores nunca foram responsáveis pela má qualidade dos livros didáticos produzidos no país. As empresas oferecem ao mercado o produto solicitado. As críticas de pesquisadores da educação que consideram a produção imprópria, de modo geral, surgem de concepções que pretendem um modelo ideal. Mas os livros são produzidos dentro de realidades concretas, pois eles destinam-se a uma proposta de ensino massificadora, a alunos com lacunas de conhecimentos e a professores com uma inadequada formação (inicial ou continuada) e submetidos a precárias condições de trabalho docente.

Nesse sentido, o livro didático acompanhou o desenvolvimento do processo de escolarização do Brasil. Se na primeira metade do século passado os conteúdos escolares assim como as metodologias de ensino vinham com o professor, nas décadas seguintes, com a democratização do ensino e com as realidades que ela produziu – algumas citadas acima – os conteúdos escolares, assim como os princípios metodológicos passaram a ser veiculados pelos livros didáticos.

Essa antiga polêmica com relação ao livro didático com alguns fazendo significativas críticas e outros defendendo esse material, certamente, não resolverá suas eventuais falhas e muito menos possibilitará a sugestão de novas propostas tanto para a sua elaboração quanto para a sua utilização.

Atualmente, é possível inferir que a qualidade dos livros didáticos tenha melhorado bastante, especialmente, a partir das avaliações desse material pelo Ministério da Educação. Por outro lado, também, é possível inferir que o livro didático ainda tem uma presença marcante em sala de aula e, muitas vezes, como substituto do professor quando deveria ser mais um dos elementos de apoio ao trabalho docente. Nesse sentido, os conteúdos e métodos utilizados pelo professor em sala de aula estariam na dependência dos conteúdos e métodos propostos pelo livro didático adotado. Muitos fatores têm contribuído para que o livro didático tenha esse papel de protagonista na sala de aula. Um outro fator, além dos já citados, é o seguinte: um livro que promete tudo pronto, tudo detalhado, bastando mandar o aluno abrir a página e fazer exercícios, é uma atração irresistível. O livro didático não é um mero instrumento como qualquer outro em sala de aula e também não está desaparecendo diante dos modernos meios de comunicação. O que se questiona é a sua qualidade. Claro que existem as exceções.

Mas que qualidade é essa que se avalia nos livros didáticos?

Vários níveis de respostas podem ser dados para essa questão. Num primeiro nível pode-se pensar em qualidade do livro didático enquanto objeto material. Outro nível de análise é aquele que focaliza o livro didático enquanto meio de comunicação. Há um bom tempo o livro didático brasileiro deixou de ser um livro texto para ser um objeto bonito e colorido. Praticamente desapareceram os livros que tratam de determinado assunto com amplitude, para surgir os que reduzem o conhecimento a pequenas partes. Por fim, resta outro nível ainda do livro didático analisando-o enquanto instrumento capaz de levar o aluno à aprendizagem.

Uma boa parte dos livros didáticos de Matemática é feita por teóricos, especialistas na área, mas sem vivência de sala de aula. Muitos desses especialistas desconhecem os processos de construção das etapas que a criança ou o jovem têm que passar para chegar aos conceitos. Atualmente, professores têm sido autores de livros didáticos. Além disso, a maioria dos livros atribui grande importância às técnicas operatórias, e reúne uma quantidade imensa de exercícios e problemas (em geral cansativos e repetitivos), visando somente à mecanização do conteúdo. Nesses casos vale lembrar que a ênfase na aprendizagem, por meio de problemas-padrão e exercícios com respostas fechadas, afasta a criança ou o jovem do prazer da descoberta.

O livro didático de Matemática

A situação de sala de aula brasileira permite dizer que nem a palavra do professor e muito menos os modernos meios tecnológicos de comunicação podem substituir o livro didático nas atividades escolares, pois este acumula várias funções, como, por exemplo, a de ser instrumento de intercâmbio e inter-relação social, permitindo a comunicação no tempo e no espaço, assim como constitui vasta fonte de informações.

Assim, a leitura de um livro apresenta inúmeras vantagens sobre outros meios de comunicação, sendo a reflexão a principal delas. A leitura torna indispensável um esforço para compreender, o que é altamente disciplinador e educativo. Outra vantagem: o desenvolvimento da criatividade. O leitor, muitas vezes, enriquece o texto; vai além dos fatos narrados: “lê” nas entrelinhas, usa a imaginação.

Portanto, considerando-se que ler é interpretar os símbolos gráficos e compreender-lhes o significado, os objetivos da leitura na escola deverão principalmente levar o aluno: a) ao desenvolvimento da habilidade de ler com compreensão, rapidez, espontaneidade e segurança; b) a utilizar-se da leitura como fonte de informação e aperfeiçoamento cultural; c) a utilizar-se da leitura como fonte do lúdico e da recreação, como ocupação das horas de lazer e d) a expressar-se eficientemente.

O livro de Matemática, seja qual for o nível dos alunos a que se destina, deve ser redigido em linguagem clara e precisa, na qual a dificuldade de vocabulário se restrinja à necessidade do uso de termos apropriados, para que a compreensão do texto não seja prejudicada.

Assim sendo o livro didático é um eficiente recurso da aprendizagem no contexto escolar. Sua eficiência depende, todavia, de uma adequada escolha e utilização.

Partindo do princípio de que o verdadeiro aprendizado deve ser apoiado na compreensão e não na memória, e de que é só na interação com a classe que se pode estimular o raciocínio e o desenvolvimento de idéias próprias em busca de soluções, cabe ao professor aguçar seu espírito crítico diante do livro didático, pois é a ele que compete selecionar e fazer uso do livro, devendo, portanto, estar suficientemente informado para realizar satisfatoriamente essas tarefas. Entretanto, alguns pontos devem ser considerados: a) servir de recurso de atualização; b) atender às necessidades e interesses do aluno; c) auxiliar o professor e o aluno a atingirem os objetivos educacionais na formação de conhecimentos, competências e atitudes; d) contribuir para a formação de hábitos de crítica reflexiva (espírito crítico do aluno) e e) estar adequado ao projeto educativo da escola, portanto, articulado ao trabalho do professor.

Como se depreende da leitura acima, o livro didático, como qualquer outro recurso, tem sua importância condicionada ao uso que o professor dele faça. Não só pelo seu emprego correto, mas sabendo explorá-lo em função dos objetivos a alcançar, sabendo enfatizar os seus pontos fortes e anular seus pontos fracos. Se o professor estiver atento para analisar e selecionar o livro didático, estará capacitado para o seu devido emprego. Nesse sentido o livro didático, como qualquer outro recurso pedagógico, só será eficiente se estiver integrado no processo de aprendizagem. A aprendizagem envolve, em certo sentido, uma mudança de comportamento, por meio da experiência. Mas a experiência não é a única condição para que a aprendizagem se efetue. Cada vez que alguém aprende algo, é porque está preparado para isso. Estar preparado deve ser entendido que: a) há condições pré-existentes no indivíduo para que a aprendizagem se inicie, isto é, certo nível de maturidade foi alcançado e b) há necessidades do indivíduo a serem satisfeitas, que o impulsionam a querer aprender, isto é, se sentir motivado. Assim, maturidade e motivação são condições básicas para que a aprendizagem possa ocorrer. Desta conclusão pode-se retirar dois critérios para a seleção do livro didático. Ele estará sendo bem escolhido se seu conteúdo, seus exercícios, sua linguagem, suas ilustrações forem: a) adequados ao nível de maturidade do aluno e b) capazes de estimular o interesse do aluno, motivando‑o para a sua leitura.

Por outro lado, o livro didático também pode oferecer uma série de vantagens para o professor e o aluno, favorecendo o êxito do trabalho escolar. Entre suas múltiplas contribuições podem ser destacadas: a) aumento da capacidade de ler (aumento de vocabulário, aumento de compreensão do que se lê); b) integração e sistematização da matéria (graças a uma seqüência ordenada das lições); c) facilitação de revisões periódicas e d) desenvolvimento de hábitos de independência e de autonomia.

Portanto, o professor de Matemática, ao indicar, ao adotar um livro didático, deve verificar se: a) está de acordo com os objetivos propostos, ou seja, o desenvolvimento do raciocínio e pensamento lógico; a capacidade de observar, comparar, ordenar, classificar, generalizar e abstrair soluções de situações-problema; o conhecimento do vocabulário específico; b) atende ao nível de maturidade e interesse dos alunos e c) se o conteúdo está adequado ao nível de escolaridade e série a que se destina.

Para atender a tais requisitos o conteúdo e os exercícios do livro didático de Matemática devem apresentar dados sempre atualizados e relacionados com situações reais de vida e os assuntos devem ser apresentados numa seqüência, de modo a permitir o domínio gradativo dos mesmos. Quanto às ilustrações, estas devem auxiliar a compreensão das situações-problema. Esquemas, quadros, setas, tipos de letras são importantes no livro didático para auxiliarem na compreensão do problema. Deve ainda o professor julgar os recursos que o livro oferece, tais como: material didático, bibliografia, orientações didáticas, atividades para os alunos, condições para adaptação em situações particulares e formas de acompanhamento do progresso científico.

Em resumo, os requisitos exigidos para um livro didático de Matemática seriam: papel e escrita adequados, seqüência lógica dos conteúdos, situações-problema relevantes e interessantes, possibilidades de desenvolver o raciocínio lógico para a compreensão e justificação dos conceitos, princípios e procedimentos matemáticos, formas variadas para a avaliação da aprendizagem, aplicações dos conceitos em diferentes situações reais, leituras complementares, utilização de materiais feitos pelos alunos ou pelo professor, linguagem com clareza e precisão, e condições de integração com outras disciplinas.

Apesar de todas as considerações anteriormente apontadas a propósito do livro didático, sendo algumas delas questionáveis, acredita-se que para uma análise, escolha e utilização do livro didático, outros aspectos devam ser discutidos, principalmente em função de problemas bastante específicos da Educação Matemática no Brasil.

O professor precisa mudar o seu papel, criando situações, armando dispositivos, suscitando problemas, organizando contra-exemplos. O mestre, segundo essa visão, não deve conhecer apenas sua ciência, mas deve também estar bem informado das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente.

Os professores de Matemática (abandonando a ênfase nos automatismos) podem vir a ser os promotores de uma modificação total no ensino, levando o aluno ao uso do raciocínio, abandonado pelos processos de automatização do pensamento. Lamentavelmente, por mais paradoxo que possa parecer, são, precisamente os professores de Matemática que adestram os alunos com comportamentos estereotipados (regras, fórmulas e algoritmos) em contradição com a natureza criativa do pensamento matemático.

Diante de todos os problemas com que se defronta a Educação Matemática, particularmente no Brasil, e considerando-se que o livro didático, um dos elementos que pode, quando bem feito e bem utilizado, minimizar ou até mesmo superar alguns desses obstáculos, o presente texto relacionou algumas idéias ou sugestões que se espera sejam relevantes para uma realidade cultural brasileira que é extremamente heterogênea nos mais variados aspectos.

Tais idéias ou sugestões podem ser expressas nas seguintes observações:

Material para o aluno:

· Os livros didáticos deveriam ser, essencialmente, fontes de idéias. Num primeiro estágio, talvez idéias para o professor; mais tarde, de idéias que seriam usadas pelos alunos como pontos de referência e fontes de informações. Os livros deveriam, ainda, oferecer pontos de partida para investigações. Essa dupla utilização é muito importante, já que os alunos, gradativamente, compreenderão que os livros didáticos não apenas podem ajudar na resolução, como também na proposição de problemas.

· Tratar o conceito por meio de sua história, mostrando que em seu desenvolvimento sempre está presente a resolução de um problema, ora prático, ora especulativo. A abordagem dos problemas científicos deveria ser feita, pois, na ordem histórica. A dificuldade que a humanidade teve para construir uma disciplina será, talvez, a mesma que o aluno sentirá ao iniciar a sua aprendizagem. Os estudos de psicologia genética mostram que há indícios de que o processo seja assim. Não se trata de recapitular o passado, mas de compreender a gênese do conhecimento.

· Mostrar a Matemática como uma ciência em desenvolvimento, em aperfeiçoamento. Todos os conceitos estudados permitem trazer para a sala de aula os momentos críticos de sua construção ou evolução, permitindo perceber seus aperfeiçoamentos, suas ampliações ou limitações. Por exemplo, os números negativos nasceram da necessidade de se resolver certos tipos de problemas.

· Na elaboração ou construção de um conceito mostrar num primeiro momento os aspectos intuitivos e só depois os aspectos formais, as sistematizações. Trata‑se de dar à Matemática, preliminarmente, uma formulação antes intuitiva (empírica) do que puramente lógica. Ninguém, por certo, contesta que foi este o caminho que a matemática seguiu em seu longo processo de desenvolvimento.

· Uma vez ensinado um conceito aplicá‑lo em várias situações, tanto na Matemática como em outras ciências. Nos livros didáticos, em geral, não é muito comum a aplicação dos conceitos estudados em situações fora da Matemática. O livro didático deveria estar repleto de sugestões sobre a aplicação dos conhecimentos expostos e de experiências a serem realizadas pelos alunos, mesmo fora da escola.

· Relacionar o conceito novo com os conceitos já estudados procurando mostrar a integração entre os diversos conteúdos matemáticos.

· Exercícios mais eficientes que tanto podem fundamentar a compreensão dos conceitos dados como suas aplicações em outras situações. Exercícios que permitam aos alunos pensarem por si mesmos e escolherem o método de solução. Problemas controversos deveriam aparecer como questões abertas, mostrando aos alunos que eles podem prosseguir a pesquisa e encontrar, futuramente, a resposta. Nada desanima mais os alunos que a sensação de que não há mais nada a descobrir. Aliás, as questões abertas deveriam ter um lugar privilegiado como desafio e como comprovação de que o conhecimento está em contínua elaboração e que os alunos podem participar dessa elaboração.

· Usar exemplos, analogias e ilustrações que facilitem a compreensão dos conceitos.

Material para o professor:

· Quanto ao livro didático para o professor algumas reformulações deveria ser feitas atentando para os seguintes detalhes: a) indicações bibliográficas para a fundamentação dos conceitos-chave de cada série. A condição necessária, mas não suficiente, para o bom desempenho do professor parece ser sua atualização, seu aprimoramento e seu aprofundamento no conteúdo matemático; b) bibliografias sobre as contribuições pedagógicas e psicológicas no sentido de garantir um melhor ensino e aprendizagem da Matemática; c) sugestões de procedimentos para com diferentes tipos de alunos; d) sugestões de leituras que contribuam para que o professor possa avaliar ou aperfeiçoar o seu trabalho cotidiano; e) relatos ou indicações de experiências bem sucedidas em Educação Matemática.

Espera‑se com estas reflexões contribuir tanto em relação às discussões sobre os problemas da Educação Matemática no Brasil como em face de possíveis conclusões a que eventualmente se tenha chegado sobre o livro didático. A Educação Matemática é um vasto campo para pesquisas e em nenhum momento o texto teve a pretensão de esgotar qualquer dos problemas levantados, embora acredite que as contribuições sugeridas para o livro didático de Matemática sejam de grande valia. Elaboração, aplicação e avaliação de outras concepções sobre o livro didático de Matemática seria um caminho promissor a seguir.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. SEF. Recomendações para uma política pública de livros didáticos. Brasília: MEC/SEF, 2001.

FREITAG, B.; COSTA, W. F. e MOTTA, R. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1997.

PFROMM NETTO, S.; ROSAMI.LHA, N. e DIB, C. Z. O livro na educação. Rio de Janeiro: Primor/INL, 1974.

ROMANATTO, M. C. A noção de número natural em livros didáticos de Matemática: comparação entre textos tradicionais e modernos. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos –SP, 1987.


[1] Doutor em Educação. Professor do Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Campus de Araraquara

Obrigado por sua visita, volte sempre.

Manda para seu amigo ou sua amigo não desistir ainda dá tempo.

Obrigado pela visita, volte sempre. Se você observar que a postagem, vídeo ou slidshre está com erro entre em contato.