O ensino da gramática: repensando o livro didático para o efetivo ensino da língua.

Fernanda Schneider
Universidade de Passo Fundo

RESUMO: Este trabalho discute a concepção de linguagem e de ensino de língua presente nas escolas da rede pública e o ensino dos conteúdos gramaticais, mais especificamente o sujeito, apresentado em um livro didático em uso. Objetivou-se, à luz dos PCNs, da Lingüística Textual e da Gramática Funcional, verificar como é trabalhado o sujeito no livro didático e se a metodologia adotada contribui para o efetivo aprendizado da língua. As observações feitas confirmam que a competência que se procura desenvolver é a de simplesmente identificar e reconhecer o sujeito.

PALAVRAS – CHAVES: gramática, texto, livro didático, atividades, sintaxe, sujeito.

INTRODUÇÃO


O presente artigo propõe-se compartilhar inquietações, preocupações, considerações e uma análise do ensino da gramática no Ensino Fundamental, principalmente no se refere ao livro didático.

Desde a universalização da educação básica a partir da metade do século XX, a escola pública tornou-se responsável pela educação da maioria da população. Esse fato é muito importante considerando que anterior a essa época a escola era um privilégio de poucos. No entanto, nas últimas décadas, muito se tem ouvido falar na ineficiência do ensino das escolas públicas brasileiras.

Ao que se refere à língua portuguesa essa ineficiência pode ser comprovada observando a grande maioria dos alunos formandos do Ensino Médio: muitos não sabem produzir textos orais e escritos adequados a determinadas situações comunicativas. Sendo assim, o que se espera da escola, hoje, é um ensino de língua portuguesa que ajude o aluno a tornar-se um leitor autônomo e produtor competente de textos. Para isso, deve-se abordar uma gramática escolar que não apenas tenha uma taxonomia e um elenco de funções que legitimada pela sua relação com o uso efetivo da língua, dê conta dos usos atuais, considerando as variantes no uso lingüístico, incluída a norma considerada padrão. Porém, isso depende entre outros aspectos das concepções de linguagem e de ensino de língua que estão sendo a base do trabalha nas escolas.

O livro didático não é mais usado como um auxílio, mas sim como um modelo-padrão. Assim, pode-se através de sua análise perceber quais concepções de linguagem e de ensino da língua estão sendo contempladas nas escolas e como a língua está sendo trabalhada.

Para refletir e analisar o ensino da gramática no livro didático tomo como suporte os PCNs, a Lingüística Textual e a Gramática Funcional, e como objeto de estudos as atividades referentes ao estudo do sujeito, presentes no livro didático em uso, da 7ª série do Ensino Fundamental Português: Leitura, produção e gramática, de Leila Lauar Sarmento.

O plano em que desenvolvo este estudo está distribuído da seguinte forma: primeiramente apresento algumas considerações acerca do ensino da gramática na escola e o livro didático, num segundo momento apresento a análise das atividades do livro didático e por fim as considerações finais, em que serão retomados alguns aspectos pertinentes, bem como suas implicações.

O ENSINO DA GRAMÁTICA

Durante muitos anos, o trabalho do professor de língua portuguesa consistia em tomar como unidade básica a palavra ou a frase. No entanto, na década de 60, na Europa, especificamente na Alemanha, desenvolveu-se um novo ramo da lingüística: a Lingüística Textual.

A Lingüística Textual toma como objeto de investigação: o texto. Nesse momento, não é mais tomada palavra ou a frase isolada. Agora, tem-se o texto - considerado unidade básica de manifestação da linguagem. No decorrer dos estudos da Lingüística Textual surgiram várias definições para texto, muitas já ultrapassadas enquanto outras ainda perduram. A definição que adoto aqui é a de Costa Val "Pode-se definir texto ou discurso como ocorrência lingüística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal." (1999, p.03). O texto deve ser o ponto de chegada e o ponto de partida das aulas de língua portuguesa, isso porque, o homem se comunica por meio de textos e diversos fenômenos lingüísticos só podem ser estudados e explicados por meio de textos.
Nesse sentido, Rocha afirma:

É no texto que se deve centrar o ensino do português, já que é no texto e é através do texto que a linguagem se constrói. Se o que se pretende é que o aluno desenvolva sua competência comunicativa (falando, lendo, ouvindo, e escrevendo) cabe ao professor instrumentalizá-lo, a partir da exposição a diversos tipos de textos, e da manipulação da língua, para que seja capaz de adequar a sua linguagem às diferentes situações comunicativas. (2001, p. 53)

O ensino da gramática no texto faz com que o aluno leia e escreva de forma mais eficiente, enquanto que o ensino tradicional da língua portuguesa restringe-se a "exercícios de metalinguagem", valorizando o ensino gramatical numa concepção de que o conhecimento de conceitos e regras teóricas garante o domínio da linguagem. Neves salienta que "estudar a língua e, conseqüentemente, a gramática, é analisar, discutir e refletir sobre os circuitos lingüísticos e colocar essas reflexões e conhecimentos na interação com o outro e deslocar as informações da realidade circundante", (2002, p. 36). Assim, a análise, a reflexão e a discussão, propostas pela autora, comprovam a necessidade do texto inferindo-se que a prática da análise lingüística só pode ser realizada no texto e pelo texto.

Ao ensinarmos gramática, nosso objetivo deve ser o de que o aluno domine a língua, tendo assim uma competência comunicativa nessa língua. Para aprender a língua, faz-se necessário refletir sobre a linguagem, formulando hipóteses e confirmando ou não essas hipóteses. Essa reflexão deve ser feita em uma perspectiva textual em que o professor possibilite ao aluno a compreensão da gramática flagrada em seu funcionamento.

As reflexões voltadas para o ensino e para a aprendizagem da língua materna são inúmeras. Prova disso, são os estudos nas áreas da linguagem e do ensino de línguas, que buscam contribuir para as mudanças das práticas escolares. Mas será que de fato as escolas estão adotando essa visão mais funcional? Acredito que em parte, sim, mas a grande maioria continua tendo como ensino primordial de língua portuguesa a gramática normativa. Isso pode ser observado por meio de uma análise dos livros didáticos em uso nas escolas públicas brasileiras.

Através da análise dos livros, pode-se perceber as teorias que norteiam o trabalho do professor e as concepções de linguagem e ensino de língua que estão sendo a base das aulas de língua portuguesa. Isso porque o livro didático ganhou espaço nas salas de aula e hoje cabe a ele um papel que anteriormente cabia ao professor. De auxiliador, o livro passou a ser o principal recurso utilizado em sala de aula. Acredito que essa realidade não tende a mudar nos próximos anos, por isso procuro, neste artigo, analisar e refletir sobre as concepções presentes no livro e sua eficiência, concentrando os estudos especificamente nas atividades de gramática, presentes no livro didático, mais especificamente o estudo do sujeito.

Muitas críticas são feitas ao livro didático. Aponto aqui alguns aspectos referentes a essa questão, para que se possa repensar o "como", "quando" e "quais" livros utilizar em sala de aula. Primeiramente, saliento a necessidade de o professor retomar o livro como um auxílio as suas aulas e não como algo "sacralizado" em que nada pode ser modificado, alterado e questionado.

As críticas referentes ao livro didático não são recentes. Geraldi (1987, p. 04) ao conceder uma entrevista à revista Leitura: teoria e prática, apresenta-se um defensor radical da não-adoção do livro didático. Em sua entrevista Geraldi, salienta alguns aspectos que devem ser considerados. Primeiramente, o autor cita a alienação - por parte do professor, pois o mesmo não exerce seu direito de elaborar suas aulas; a predeterminação –referente aos conteúdos de ensino, às leituras, enfim de tudo o que envolve o ensino da língua, que resulta por "matar as pesquisas" e a falsificação das condições de trabalho – falsifica as condições de ensino-aprendizagem e também as condições de trabalho do professor. O autor explica que, ao serem distribuídas grandes quantidades de livro didático, aumenta-se o número de alunos nas salas de aula e o professor acaba desenvolvendo o trabalho presente no livro adotado. Assim, o professor não precisa pensar, criar e elaborar suas aulas. Segundo ele, o livro "emburrece" alunos e professores. Essa visão do autor data do ano de 1987, mas com certeza suas idéias servem para os dias de hoje. Apesar de os livros terem melhorado consideravelmente, verificam-se muitas falhas e faz-se necessário melhorar as condições de produção do ensino-aprendizagem em sala de aula.

O professor deve se libertar das amarras do livro didático e assumir seu papel. Nesse sentido o autor argumenta:

Assim, os livros continuarão em seus sacrários, devidamente "sacralizados", acessíveis só a nós (isto me lembra um pouco um tempo passado: seríamos nós, hoje, os sacerdotes de antanho?) O professor de língua portuguesa pode não depender do livro didático, à medida que tome a própria produção lingüística de sala de aula (e de fora dela) como ponto de partida e material com que trabalhar. Mas há algo que ele não pode dispensar: livros (de ficção ou não); revistas; jornais; material escrito; tal como a escrita usada fora da escola, sem "didatização". (1987, p. 7)

Dessa forma, acredito que é exatamente isso que o professor deve fazer "não ser dependente do livro didático". Pode utilizá-lo, mas sem segui-lo à risca. Ocupar o que tem de melhor e o restante recriar, refazer e variar seu uso.

LIVRO DIDÁTICO: TEXTO, ATIVIDADES E ANÁLISE

O livro didático selecionado, Português: Leitura, produção e gramática, da 7ª série do Ensino Fundamental, de Leila Lauar Sarmento, é considerado aprovado pelo MEC e cadastrado no PNLD em 2005. A obra apresenta uma boa organização e possui uma grande diversidade textual, incluindo obras de arte, quadrinhos, poemas, reportagens de jornal e propagandas. Para realizar este estudo, analisei atividades referentes ao sujeito, bem como a concepção adotada e à conceituação apresentada.

A seguir apresento os textos, as questões presentes no livro e a análise feita. Optei em apresentar os textos, a explicação sobre sujeito presente no livro e todas as atividades propostas, inclusive algumas de compreensão, a fim de melhor contextualizar este estudo. No entanto, detenho a explicação apenas no fato lingüístico já mencionado.

1. "Smack" é uma onomatopéia relacionada ao som do beijo. A primavera é famosa por ser a estação do amor. Considerando essas duas informações, conclua: no segundo quadrinho, qual deveria ser a expectativa de Jon em relação a Garfield?
Ele deveria esperar que Garfield tivesse beijado alguém e que estivesse apaixonado comemorando a chegada da primavera.

2. A mudança na expressão de Jon no último quadrinho indica o quê?
Indica que a afirmação de Garfield a respeito do passarinho esborrachado na vidraça causou decepção, ou, no mínimo, a sensação de monotonia, pois Garfield não costuma ser romântico, mas sarcástico.

3. Explique a construção do humor nessa tira.
O leitor é levado à mesma trajetória experimentada por Jon e a quebra de expectativa causa o humor.

4. a) Qual é o sujeito da oração do 1° quadrinho? Identifique seu núcleo e sua classe gramatical.
Sujeito: a primavera./ Núcleo: primavera. / Classe gramatical: substantiva.

b) Qual é o sujeito da oração do 2° quadrinho? Identifique seu núcleo e sua classe gramatical.
Sujeito: o primeiro passarinho da estação. / Núcleo: passarinho. / Classe gramatical: substantivo.

5. Garfield poderia ter dito no 3° quadrinho: O primeiro passarinho da estação e uma cigarra se esborracharam na nossa vidraça. Nesse caso, qual seria o sujeito e os seus núcleos?
Sujeito: O passarinho da estação e uma cigarra. / Núcleo: passarinho, cigarra.

6. Se Jon perguntasse a Garfield, no último quadrinho: Esborrachou-se sozinho ou com sua ajuda? qual seria o sujeito da oração? Identifique também o núcleo do sujeito e sua classe gramatical.
Sujeito: ele. / Núcleo: ele. / Classe gramatical: pronome.

Posterior a este exercício apresenta-se uma explicação acerca do sujeito e as questões 7 e 8:

Portanto, você pôde observar pela respostas que:

• O sujeito pode ser apresentado por um ou mais núcleo: A primavera chegou.../ O primeiro passarinho da estação e uma cigarra esborracharam na nossa vidraça.
• O sujeito nem sempre aparece claro na oração e pode ser identificado pela terminação ou desinência verbal: (Ele) Esborrachou-se sozinho.
• O sujeito é formado por um substantivo, pronomes ou palavra substantivada:
Jon observava o gato. Nós lemos muito. O despertar de Alice era tranqüilo.

substantivo pronome palavra substantivada

7. Crie uma oração com um sujeito formado por substantivo, outra com um pronome e uma terceira com um sujeito constituído por uma palavra substantivada.
Resposta pessoal. Sugestões: A casa parecia vazia. Eu acordo cedo. Seu olhar era matreiro.

O sujeito, quando apresenta um só núcleo, é classificado como sujeito simples. Veja:

núcleo (substantivo) núcleo (pronome)

O planeta Terra precisa de paz. Você é meu amigo.

sujeito simples sujeito simples

Se o sujeito tem mais de um núcleo, recebe o nome de sujeito composto. Observe:

núcleo (substantivo) núcleo (substantivo)

Garfield e seu dono nos divertem bastante.

sujeito composto

núcleo (pronome) núcleo (pronome)

Eu e vocês faremos um belo trabalho juntos.

Sujeito composto

núcleo (pala- núcleo (palavra
vra substantiva) substantivada)

O partir e o regressar me emocionam.

sujeito composto

O sujeito é considerado sujeito desinencial (ou implícito) quanto é identificado apenas pela desinência do verbo. Veja:

(Nós) Conversamos sobre a economia mundial.
(Ele) Recebeu orgulhoso o primeiro prêmio.

8. Escreva três orações: uma com sujeito simples, outra com sujeito composto e a terceira com sujeito desinencial. Identifique os núcleos e a classe gramatical de cada um.
Resposta pessoal.

Concluímos que:
• Sujeito simples: apresenta um só núcleo. Flávia foi ao cinema.
• Sujeito composto: apresenta mais de um núcleo. Flávia e sua mãe foram ao cinema.
• Sujeito desinencial: é indicado apenas pela desinência verbal: (Nós) Fomos ao cinema.

Analisando esta primeira parte, em que o estudo do sujeito é introduzido, percebe-se que a intenção da autora é de fazer com que o aluno identifique o que é o sujeito, que ele pode ser um substantivo, um pronome ou uma palavra substantivada e pelas questões 4, 5 e 6, em que o estudante tem de identificar o núcleo, perceber a existência do sujeito simples, composto e desinencial. No entanto, uma pergunta é fundamental: A identificação do sujeito nas frases – ou mesmo nos textos - contribui para o aprendizado da língua? Pelos estudos já realizados e minha experiência como professora, acredito que a simples identificação contribui muito pouco. E, nesses exercícios propostos percebe-se que a competência que se procura desenvolver é meramente a de identificar e reconhecer.

Nesse sentido Antunes salienta "Adianta pouco saber que o "sujeito" de determinada frase é indeterminado, por exemplo. O que adianta mesmo é saber que efeitos práticos se consegue com o uso de um determinado tipo de "sujeito". (2003, p. 87).
Outro aspecto que considero relevante é que mesmo tendo a intenção de introduzir o conteúdo por meio de um texto (tira), este é usado como pretexto, pois na verdade gramaticalmente é pouco explorado. O que se explora são as frases isoladas e isso se repete na questão 7 - "Crie uma oração com um sujeito formado por substantivo, outra com um pronome e uma terceira com um sujeito constituído por uma palavra substantivada." e na questão 8 – "Escreva três orações: uma com sujeito simples, outra com sujeito composto e a terceira com sujeito desinencial. Identifique os núcleos e a classe gramatical de cada um." Nestas questões, trabalha-se a frase isolada.

Quanto à ineficiência desse estudo, Rocha argumenta:

... ao trabalhar a sintaxe, nas aulas de língua portuguesa, o professor não pode restringir esse estudo ao funcionamento dos itens sintáticos da oração. Ora, se o que se defendeu até aqui se ancora no pressuposto de que a língua tem de ser tratada no seu contexto de uso e entendida na sua relação com as diversas possibilidades de interação – privilegiando a abordagem funcional da gramática - , é no texto que se poderá efetivar esse estudo. Em outras palavras, se o que se pretende é uma análise que contemple a língua em função - e a unidade da língua em função é o texto - não se justifica a exercitação de palavras ou frases isoladas. (2001, p. 63)

Assim, confirma-se a importância de os textos serem utilizados nas aulas, mas que eles realmente sejam explorados e não apenas sirvam como pretexto para o ensino da gramática normativa. A simples identificação do sujeito em frases do texto e transcritas do texto, também ocorre nas atividades a seguir:

O FECHAMENTO DOS PORTOS IMEDIRAM...

No último domingo, a querida cantora Marisa Monte deveria ter cantado no parque Ibirapuera, em São Paulo. Como estava nos Estados Unidos, não pôde voltar ao Brasil.

Um anúncio publicado na imprensa paulistana informava: "O fechamento dos aeroportos nos Estados Unidos impediram o retorno de Marisa Monte".
De início, é preciso informar que os jornais nada têm quer ver com a história. Muito menos Marisa Monte. Esses anúncios são feitos por agências; os jornais, que recebem tudo pronto, apenas publicam o que lhes é enviado.

Posto isso, vamos voltar ao anúncio. O que há de "estranho" nele? O verbo, conjugado no plural ("impediram"). O que impediu a volta de Marisa foi "O fechamento dos aeroportos nos Estado Unidos, o núcleo é fechamento, no singular. O verbo, por conseguinte, deveria ter sido flexionado no singular: "O fechamento dos aeroportos impediu o retorno de Marisa Monte.

Quando tratam desse tipo de problema, as bancas examinadora de vestibulares importantes (Vunesp, Unicamp, Fuvest, entre outros) não se têm limitado a pedir ao s candidatos que localizem o erro e que reescrevam o trecho, corrigindo-o. As bancas pedem ao aluno que aponte o provável motivo do desvio.

No caso do anúncio, temos uma situação clássica: o nucleio do sujeito, singular, é seguido de vários termos que estão no plural ("dos aeroportos nos Estados Unidos"), o que acaba induzindo o falante ou redator a flexionar o verbo no plural. Mais uma vez, é preciso dizer que, em se tratando de língua culta, a explicação do erro não o torna aceitável. Em outras palavras, é necessário rever os textos para evitar desvios desse tipo.

Ainda na semana passada, ouvi numa emissora de rádio uma notícia sobre o nível dos reservatórios de nossas centrais elétricas. O texto era mais ou menos este: " O ministro Pedro Parente
Informa que o nível dos rios que compõem os reservatórios das principais centrais elétricas..." Nesse momento o capeta entrou no estúdio. Sim, o próprio. Se alguém duvida da existência do demo, basta ver o que ele faz nas redações (de rádio, TV e jornal). Pois bem, A loucura encheu o peito e, elevando o tom de voz, concluiu, otimista: "Subiram!".

O nível não subiram: subiu. De novo, a interminável seqüência de penduricalhos colocados no plural ("dos rios que compõem os reservatórios das principais centrais elétricas") influenciaram... Epa! Eu também ia caindo na armadilha. O verbo deve concordar com "seqüência". A flexão correta é "influenciou": "A interminável seqüência influenciou".

Deve ter sido ela "a seqüência" que influenciou a radialista, Que fazer nesses casos? Reler. E vacinar-se. Pode-se cair nessa esparrela uma vez, duas, dez, vinte. Criado o hábito da releitura e o cuidado com casos afins ("o preço dos remédios subiram..."; O custo das impostações pesaram no cálculo..."; "O valor dos aluguéis de apartamentos pequenos duplicaram..."), torna-se pouco provável o escorregão. È isso.

CIPRO NETO, Pasquale. Folha de S. Paulo. 20 set. 2001

Agora responda:

a) Pasquale Cipro Neto afirma que há um problema de concordância no título do texto. Por quê?
Porque o núcleo do sujeito (o fechamento dos aeroportos) é fechamento, portanto o verbo concorda com ele no singular: O fechamento dos aeroportos impediu...

b) De acordo com Pasquale, por que é muito comum esse tipo de erro?
O núcleo do sujeito pode vir acompanhado de várias palavras no plural, numa seqüência, causando dúvida nas pessoas quanto à concordância do verbo.

2. Explique por que há um problema na concordância do verbo com o sujeito na oração a seguir, e corrija-o.

"O custo das importações pesaram no cálculo"...
O núcleo do sujeito é "custo, portanto o verbo fica no singular (pesou).

3. Qual é o conselho do autor para evitar esse tipo de erro?
Ele recomenda o "hábito da releitura" e o cuidado para não incorrer em armadilhas da língua, como essa mencionada no texto.

4. Em "O valor dos aluguéis de apartamentos pequenos duplicou", qual é o sujeito, o núcleo e o tipo de sujeito?
Sujeito: o valor dos aluguéis de apartamentos pequenos. Núcleo: valor. Tipo: sujeito simples.

Primeiramente, é importante salientar que este texto foi escrito por Pasquale Cipro Neto, famoso professor de português, colunista dos jornais Folha de S Paulo, O Globo e Diário do Grande ABC. Muitos dizem que sua notabilidade é decorrente do fato de ter "popularizado" a gramática. Ele vale-se da gramática normativa e da prescritiva e apresenta o "certo" e o "errado" da língua portuguesa. Isso pode ser observado no próprio texto, em que o mesmo apresenta um "erro" de concordância, sem se preocupar em nenhum momento com o sentido do texto. Assim, caracteriza-se o seu trabalho. Certamente, sabermos regras de concordância é muito importante, se faz necessário e está relacionado ao conteúdo estudado. No entanto, isso pode ser feito sob outra perspectiva. Nas atividades relacionadas ao texto, reforça-se a concepção de Pasquale (da gramática normativa), e as atividades são apenas de identificação, sem se questionar no que essa falta de concordância pode afetar o sentido do texto ou como poderia ser reescrito para melhorar esse sentido.
Torna-se muito pertinente, nesse contexto, a idéia de Millôr Fernandes "Nenhuma língua morreu por falta de gramáticos. Algumas estagnaram por falta de escritores. Nenhuma sobreviveu sem povo." (FERNANDES apud IRANDÉ, 2003, p. 89). Pouco eficaz se torna o trabalho se somente apontarmos os "erros", sem questioná-los, entendê-los e analisá-los. Mais importante do que simplesmente explicar um problema de concordância e corrigi-lo, como é o caso da questão 2 – "Explique por que há um problema na concordância do verbo com o sujeito na oração a seguir, e corrija-o", é levar o aluno a "pensar" as implicações e as possíveis razões que levaram a tal troca, analisando sempre a língua em funcionamento.
Após o texto e as atividades apresentadas, são sugeridas atividades referentes a um poema de Mário Quintana:

5. Leia os versos de Mário Quintana:

Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.
(QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. Rio de Janeiro: Globo, 1986)

a) Explique por que os caminhos que iam agora somente vêm.
Na juventude, há muito a ser realizado, a vida ainda reserva um longo tempo para construir o que desejamos; mas na velhice outras são nossas experiências, mais reservadas.

b) Interprete os dois últimos versos do poema. Que sentimentos eles nos sugerem?
O livro sugere resposta pessoal,no entanto, acreditamos que aqui não caberia resposta pessoa.

c) Identifique o sujeito de cada verso, o núcleo e o tipo de sujeito:
3° verso – sujeito simples: a casa. Núcleo: casa.
Sujeito simples: os livros. Núcleo: livros.
4° verso – sujeito simples: eu mesmo. Núcleo: eu.

d) Em que verso o sujeito é expresso por um pronome? Transforme esse sujeito em sujeito composto.
No 4° verso. Sugestão: E eu mesmo e minhas lembranças preparamos o chá para os fantasmas.

e) Crie um 5° parágrafo para esse poema, empregando um sujeito desinencial.
Resposta pessoal. Sugestão: Mas de manhã fujo deles.

6. Reescreva as frases a seguir em seu caderno substituindo os por um sujeito simples ou composto, verificando a concordância do verbo. Observe que há casos em que o sujeito pode vir depois do verbo.

a) são alimentos saudáveis e bastante nutritivos.
As frutas e o leite

b) precisa economizar água para que não falte.
A população/ (ela)

c) Após alguns dias, chegaram e para uma conferência sobre o Mercosul.
O ministro e o secretário argentinos

d) Viviam num casebre abandonado, na periferia da cidade, e .
Pedro e seus pais

e) Estava bem poluída em frente ao hotel.
A água da praia

f) e foram aplaudidos de pé pelo público presente.
Os músicos e o cantor.

7. Identifique e classifique o sujeito das orações a seguir, indicando o núcleo:

a) Durante a seca, o povo nordestino enfrenta a hostilidade da terra.
Sujeito simples: o povo nordestino

b) Os meios de comunicação têm realizado campanhas contra a Aids.
Sujeito simples: os meios de comunicação.

c) Hoje existem recursos e técnicas avançadas na área da Informática.
Sujeito composto: recursos e técnicas avançadas.

d) Com a globalização, em pouco tempo se conhece a maioria dos fatos ocorridos em diversos países.
Sujeito simples: a maioria dos fatos ocorridos em diversos países.

e) Toda manhã atravessávamos a praça em direção ao metrô.
Sujeito desinencial: (nós) atravessávamos.

f) A embreagem e a correia do motor do carro foram trocadas pelo mecânico.
Sujeito composto: a embreagem e a correia do motor do carro. Núcleo embreagem e correia. Alertar os alunos para o fato de que o sujeito é paciente e de que "pelo mecânico" é agente da passiva.

Como professora de língua portuguesa, tenho um grande cuidado em relação às escolhas dos textos e mais ainda na elaboração das atividades. Isso porque, acredito que conforme o tipo de questões elaboradas pode-se de fato desenvolver no aluno a competência comunicativa, através de análises e do "fazer" o aluno pensar, mas o contrário também pode acontecer. Dependendo da atividade pode-se "matar" o texto e até mesmo dar-lhe um sentido equivocado. Não vejo objetivos relevantes em fazer com que o aluno identifique os sujeitos de cada estrofe, e menos importância encontro em criar um 5° parágrafo utilizando um sujeito desinencial. Assim sendo, desconsidera-se toda a grandiosidade do texto. Talvez uma atividade semelhante pudesse ser trabalhada, sugerindo, porém, que fosse observado o sentido do poema e o efeito pretendido no texto, pelos tipos de sujeitos empregados.
O trabalho com frases soltas, já mencionados, aparece novamente nas questões 6 e 7, com a diferença que nessas questões não foi utilizado nenhum texto como referência. Torna-se estranha as sugestões de respostas da atividade 6, sugeridas pelo livro, pois parece que exige que os alunos "descubram" as respostas.
O estudo do sujeito encerra-se com um texto retirado da revista Isto É:

8. Leia a notícia a seguir:

TRADUTOR DE LATIDOS

Cachorros e homens têm tudo para se tornarem cada vez mais próximos. A empresa japonesa Tokara promete lançar no ano que vem um aparelho que identifica e interpreta os latidos dos cães e os traduz em sensações humanas, como frustração, ameaça, alegria, tristeza e desejo. A engenhoca, que consiste em uma coleira com microfone e um receptor com tela de cristal líquido, deve custar cerca de U$$ 100.
IstoÉ, 15 ago. 2001.

a) Você também considera o cachorro um grande amigo do homem? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.

b) De que forma a invenção desse aparelho irá beneficiar a convivência entre o cão e o seu dono ou outras pessoas, na sua opinião?
Resposta pessoal.

c) Identifique e classifique os sujeitos dos verbos destacados no texto.
Sujeito composto: cachorro e homens (têm)/ Sujeito simples: A empresa japonesa Tokara (promete)/ Sujeito desinencial: ele, o aparelho (traduz)/ Sujeito simples: a engenhoca (deve custar).

Como este último texto é uma reportagem de uma revista, percebe-se a preocupação da autora em trabalhar o texto nas aulas, e textos diversificados. No entanto, ela comete o equívoco de muitos professores: não aproveitar a gramática para trabalhar de fato o texto. O texto e a gramática são processos dependentes e simultâneos.
De acordo com Antunes,

A gramática está naturalmente incluída na interação verbal, uma vez que ela é uma condição indispensável para a produção e interpretação de textos coerentes, relevantes e adequados socialmente. Tanto é assim que a questão, posta por alguns professores, "texto ou gramática" não passa de uma falsa questão. Na verdade o professor deve encorajar e promover a produção e análise de textos, o mais freqüentemente possível (diariamente!), levando o aluno a confrontar-se com circunstâncias de aplicação das regularidades estudadas. (2003, p. 97)

Assim, a análise feita permite afirmar que os exercícios do livro didático priorizam apenas a gramática normativa e prescritiva, possuem muitas falhas e devem ser repensados e até mesmo – na falta de outros recursos – reelaborados pelo professor. No caso do estudo do sujeito, desenvolve-se no aluno apenas a competência de identificá-lo, ao passo que a preocupação deveria ser em compreender que efeitos práticos consegue-se com o uso de diferentes tipos de sujeitos.
Isso é muito preocupante e deve ser revertido, pois como afirma Irandé (2003, p. 17), os professores de português ficam se preocupando em analisar se um sujeito é "determinado' ou indeterminado", enquanto isso os alunos ficam privados de perceberem que eles precisam se determinar ou poderão ficar para sempre como "sujeitos inexistentes".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da realização deste estudo perceemos que muitas são as deficiências e as lacunas, no que diz respeito ao ensino da língua portuguesa nos livros didáticos. Constatamos que há uma persistência de uma prática pedagógica que mantém como unidade do estudo a palavra e a frase, fora de contextualização.

Os PCNs nos trazem uma proposta ampla, expõe o domínio da língua materna como garantia e manutenção da própria identidade e também como meio de conquistar a cidadania. É dever do professor de língua desenvolver nos alunos a capacidade de argumentar para defender seus pontos de vista, aprendendo a respeitar diferentes opiniões. Não basta ao aluno saber falar e escrever, é preciso dominar a língua para participar da vida da comunidade, da sociedade, do país. Somente dessa forma, as pessoas tornam-se cidadãs pelo uso da linguagem, comunicam-se, trocam idéias, pensamentos, informações, protestam e fazem cultura.

Tanto o texto é indispensável no ensino da língua quanto a gramática. Esta é um instrumento do qual o aluno deve fazer uso para compreender que as estruturas lingüísticas correspondem às estruturas do pensamento. Isso é o que defende Celso Luft (1987) quando, em seu livro Língua e liberdade, afirma que o melhor ensino gramatical da língua acontece no consumo diuturno das letras que se lê e que se escreve. Para o autor, ler e escrever é conviver com a gramática em funcionamento. Em linguagem, nada se faz sem gramática e os melhores textos se fazem com a melhor gramática. Entende-se por "melhor gramática" a incluída naturalmente e que atenda as necessidades comunicativas do aluno, de modo que ele possa fazer uso dela no seu dia-a-dia.
Portanto, é preciso fazer da aula de português um exercício de conhecimentos lingüísticos, através de proposições, de discussões de textos apresentados e atividades reflexivas, que desenvolvam a competência cognitiva e principalmente, a formação de um leitor/escritor de diferentes tipos de texto.
No entanto, tem uma pedra no meio do caminho das aulas de língua portuguesa, como afirma a doutora em lingüística Irandé Antunes. Os professores, pelo menos a grande maioria, sabem da importância do texto e de se trabalhá-lo, mas isso geralmente fica apenas no discurso. Na prática, o trabalho resume-se a frases isoladas. Assim, apresenta-se a realidade nas escolas: de um lado, temos professores que buscam o conhecimento, conscientes de que existem outras perspectivas para o desenvolvimento do trabalho; de outro, existe na prática uma acomodação em que se opta por fórmulas prontas de livros didáticos.
Alguns docentes apresentam resistência e afirmam que "sempre ensinaram assim", "no livro está assim" (justificando o trabalho com palavras ou frases isoladas) e que "não têm tempo", mas grande parte dos professores está consciente das mudanças que estão ocorrendo e estão dispostos a mudar seu trabalho, no entanto não sabem "como" fazer isso.

A solução certamente está em buscar alternativas, mas sempre conscientes de que os alunos não são "cobaias" de métodos "milagrosos". Para que as mudanças ocorram de fato é preciso que se tenha conhecimento teórico, pois a prática não acontece de forma eficiente se não for bem fundamentada. O professor deve ser um eterno aprendiz. Ele nunca está "pronto". Como ressalta Antunes, ele se faz, refaz, descobre e redescobre e precisa redimensionar seus saberes.

Assim, percebemos quanto o trabalho do professor de língua portuguesa é complexo e ao mesmo tempo importante para a sociedade. Os saberes lingüísticos devem servir para que de fato o aluno tenha condições de exercer sua cidadania. No entanto, questionamo-nos diversas vezes quanto ao que ensinamos em sala de aula. Será que realmente ajuda nossos alunos em sua efetiva participação social? De certa forma, nós como "escola" estamos falhando. Afinal, alunos – e não são poucos – saem do ensino médio sem saber dar sentido a um texto, sem ler e escrever de forma competente. E enquanto alunos, são tomados pela falta de motivação. Certamente, a escola não pode arcar com toda a culpa pelo déficit da educação dos nossos alunos, mas acredito que ela tenha que assumir a sua parte. O ensino está um tanto desacreditado, e os alunos, no geral, não são motivados a aprender. O que fazer? Rever currículos, métodos e objetivos seria um grande passo. Inclusive analisar e repensar o uso do livro-didático em sala de aula. Considero difícil e até desnecessário banir de vez o uso desse recurso. No entanto, o professor pode e deve adequar o livro às suas atividades e aproveitá-lo da melhor forma possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade – 2ª ed, São Paulo: Martins Fontes, 1999.
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1987.
LEITURA: teoria e prática. Ano 6, nº 9. Junho/ 1987, p. 3-7.

LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma concepção de língua materna e seu ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na Língua Portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003.

ROCHA, Neusa Maria Henriques. O ensino da sintaxe: realidade e utopia no livro didático. Passo Fundo: UPF, 2001.

SARMENTO, Leila Lauar. Português: Leitura, Produção e Gramática. São Paulo. Moderna, 2002, p. 61-64.