A recente ameaça de Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, de impor tarifas de 100% sobre produtos vindos de países do Brics caso avancem na criação de uma nova moeda alternativa ao dólar, gerou reações intensas no cenário global. O empresário e investidor Otávio Fakhoury alerta que a medida, se implementada de forma abrupta, pode desencadear sérios problemas para o mercado de crédito e a sustentabilidade fiscal dos próprios EUA.
A força do dólar e o papel do consumo americano
Fakhoury destaca que a força do dólar não é apenas uma questão de hegemonia política, mas está intrinsecamente ligada ao papel do consumidor americano no comércio global. “A maioria dos países do Brics depende do consumo dos Estados Unidos para manter suas economias aquecidas e seus empregos. Por isso, embora o discurso de Trump tenha uma lógica política, a economia global tem uma interdependência que limita a eficácia dessa estratégia”, explica.
Ele também observa que o padrão de consumo nos EUA é sustentado por crédito, uma vez que a taxa de poupança no país é historicamente baixa, chegando a níveis negativos, salvo momentos muito específicos. “Durante a pandemia, vimos um aumento na poupança, mas foi algo pontual, alimentado por estímulos fiscais. Hoje, o consumo americano continua sendo financiado pelo crédito, e esse crédito frequentemente vai parar nos países do Brics, que, por sua vez, utilizam o superávit comercial para comprar títulos americanos e financiar a dívida dos EUA.”
Impactos de tarifas abruptas
Segundo Fakhoury, a imposição repentina de tarifas significativas, como as sugeridas por Trump, pode gerar um efeito cascata. “Se o consumo nos Estados Unidos cai por conta de produtos mais caros ou escassez, o superávit comercial dos Brics diminui, reduzindo o fluxo de dólares para esses países. Isso, por sua vez, afeta o financiamento da dívida americana, que depende desse ciclo de consumo e crédito.”
Ele alerta que, com menos superávit comercial alimentando a compra de títulos do Tesouro dos EUA, o país enfrentará dificuldades para rolar sua dívida. “O preço pode subir, o dólar pode se fortalecer no curto prazo, mas o custo de financiamento do déficit americano aumentará, levando a taxas de juros mais altas. Isso abre espaço para uma crise de crédito e dívida nos Estados Unidos, um cenário que ninguém deseja.”
O impacto para o Brasil
Para o Brasil, a análise de Fakhoury aponta um duplo desafio. Por um lado, a economia brasileira ainda é sustentada pelo superávit comercial, que serve como uma âncora para a estabilidade do real. “Se os Brics enfrentarem barreiras comerciais dos EUA, a redução nas exportações impactará diretamente o Brasil, tanto nas vendas para os próprios Estados Unidos quanto para outros países do bloco que também sofrerão perdas comerciais”, explica.
Com a redução do superávit, o real pode sofrer desvalorização adicional, aumentando a pressão sobre a taxa de juros doméstica. “Se perdermos a sustentação do superávit, veremos taxas de juros reais subirem ainda mais no Brasil, tornando o cenário econômico ainda mais desafiador”, conclui.
Retórica ou realidade?
Embora Fakhoury reconheça que a retórica agressiva faz parte do estilo de Trump, ele alerta que medidas desse tipo precisam ser implementadas com cautela. “Uma escalada repentina nas tarifas pode parecer uma solução rápida, mas os impactos estruturais sobre o crédito, a dívida e as relações comerciais globais são profundos.
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