segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Bases Conceituais para o Diagnóstico Psicopedagógico Institucional




Bases Conceituais para o Diagnóstico Psicopedagógico Institucional

Maria de Lourdes Cysneiros de Morais
I. Introdução
Esse texto didático visa estabelecer um delineamento teórico-conceitual para o embasamento de ações concretas de diagnóstico e intervenção psicopedagógicas, a fim de direcionar o trabalho com grupos, no contexto organizacional de escolas, creches, centros de reabilitações, hospitais, empresas, grupos comunitários, espaços em que o processo de aprendizagem se desenvolve em atendimento a públicos diferenciados, independente de segmentos de ensino,  faixa etária, ou objetivos educacionais.
Ao voltar o nosso olhar para a Psicopedagogia Institucional, estamos nos voltando para o trabalho de assessoria a pedagogos, orientadores, professores, gestores, profissionais que têm como objetivo trabalhar as questões pertinentes às relações vinculares entre sujeitos em situação de aprendizagem e a construção desse processo, considerando os diferentes níveis de  implicações que decorrem da interação permanente do aprendente com o meio que o cerca, mais especificamente, com figuras significativas que se fazem mediadores dessa relação sujeito X aprendizagem.
Nesse sentido, em sintonia com a Butelman (1998), considero a Psicopedagogia Institucional um modelo teórico-prático que permite um questionamento, um diagnóstico e uma elaboração de recursos para a solução de problemas em situações de carência, conflito, crise, em instituições educacionais.
A Psicopedagogia Institucional contemporânea é reflexo do desenvolvimento do Movimento Institucionalista, que se estendeu para além do campo da Psicologia, e passou a se configurar, na área educacional, como uma busca de compreensão das relações instituídas entre os atores de um mesmo cenário – a Educação.

Assim, ao considerar o Movimento Institucionalista como o nosso referencial teórico, cumpre-nos ressaltar, nessa fase introdutória, algumas considerações sobre essa abordagem para ampliar a compreensão do eixo condutor desse trabalho.

  * Pedagoga, Orientadora Educacional, Mestra em Educação (UFRJ), Psicopedagoga Institucional (CEPERJ), Especialista em Dinamização de Grupos (CPP- Centro de Estudos da Pessoa), Educação e Desenvolvimento de Recursos Humanos (UFRJ). Professora da Universidade Estácio de Sá (Graduação e Pós-Graduação); Tutora em Pós-Graduação de Ensino a Distância pelo SENAC/ RJ.
  • As Raízes do Movimento Institucionalista
          Introduzida no Brasil por mãos argentinas e francesas de psicólogos e psicanalistas, no final da década de 60, a Psicologia Institucional surge como um movimento de revisão e crítica do pensamento e da prática profissional, que se restringia aos atendimentos terapêuticos individuais e em consultórios, vistos com uma conotação “cientificista” e “aburguesada” ao olhar das esquerdas nacionais.
 Mais do que isto, surge propondo uma alternativa de atuação que não fossem os testes, as terapias e as análises experimentais do comportamento, buscando ampliar os modelos de compreensão teórica  e o âmbito de ação dos profissionais da área psicológica. Surge, ainda, apoiada numa espécie de discurso moral, convocando os psicólogos a encarar a sua “função social”, a sua responsabilidade de se conscientizarem e promover a conscientização de outros do que significa a inserção numa sociedade de classes, dentro de um modo de produção capitalista.
              
Assim, o trabalho dos psicólogos, historicamente distribuído entre consultórios, empresas, escolas, hospitais psiquiátricos, e universidades, começa a ser percebido, falado, estudado, da perspectiva de ser ou vir a ser um trabalho “institucional” (GUIRADO, 1987, p.IX).
 Por uma “atuação institucional” começam a ser esboçadas diferentes bases teóricas e propostas de intervenção prática. Segundo Guirado (1987), as técnicas de intervenção em grupos nas organizações de saúde, ensino e trabalho, os grupos operativos e, mais tarde, as tentativas de auto-gestão passaram a configurar, em alguns círculos profissionais, uma prática dominante que buscava sua extensão e fundamentação em disciplinas dos currículos de Cursos de Psicologia e de Formação de Psicólogos (p. IX).
Leituras de obras argentinas, como as de Pichón-Riviére e Bleger, tanto quanto as de origem francesa, como as de Lourau, Lapassade, Mendel, Cooper, Foucault, tornaram-se centros de discussões e foram bases para cursos de extensão e seminários nas décadas de 70 / 80.
No Brasil, em meados da década de 70, José Guilhon de Albuquerque, sociólogo e professor de Ciência e Política de São Paulo, destacou-se por sua forma própria de pensar a questão, tornando-se uma referência nacional em Psicologia Institucional.
Assim, ainda de acordo com o pensamento de Guirado (1987), uma Psicologia Institucional vai se estabelecendo, enquanto inclui, a cada passo, diferentes orientações teóricas e novas configurações da prática profissional (p.X). Esta inclusão de diferentes abordagens, no dizer da autora, acaba por fazer com que se confundam os limites da compreensão sobre que psicologia social está sendo feita.  Passou-se a englobar, num mesmo rótulo, toda uma variedade de teorias relativas à intervenção do psicólogo em instituições, bem como as diferentes formas em que esta intervenção se dá. Criou-se a impressão de que falar “Psicologia Institucional” já define o que, efetivamente, acontece, quando um psicólogo trabalha em instituições. É sobre essa indiscriminação que nos fala Guirado:
Atribuir à diversidade aqui apontada o nome de Psicologia Institucional, ou seja, usar o termo no singular, é de pouca validade Não se identificam, com isso, as especificidades dos recortes teóricos, nem das práticas de Psicologia em instituições e / ou organizações, sequer se identificam tais práticas na articulação inevitável com outras, relativas a outras profissões e a outras áreas do conhecimento humano (1987, p. X).
  Seguindo esse mesmo raciocínio, Baremblitt (1998) nos diz:
Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituente que, como o nome aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque de  tendências. Não existe nenhuma escola ou tendência que possa dizer que encarna, plenamente, o ideário do movimento institucionalista. Contudo, pode encontrar-se em diversas escolas algumas características em comum (p.19).
 Como estudo introdutório para a compreensão dos processos de diagnóstico e intervenção psicopedagógicos em instituições, segundo a perspectiva do Movimento Institucionalista, é nosso objetivo começar a refletir sobre as contribuições de três das mais conhecidas e discutidas tendências em Psicologia Institucional, em nossos meios acadêmicos, situando as linhas gerais do pensamento de JOSÉ BLEGER, GEORGES LAPASSADE E GUILHON ALBUQUERQUE.
III. A Psicologia Institucional de Bleger e sua contribuição para a compreensão das Instituições.
José Bleger, argentino, médico, psicólogo, psicanalista e professor, desde a década de 60, está presente entre nós com os seus estudos sobre Psicanálise, Psicologia, Grupos e Instituições. Muito ligado a outro nome expoente dentro do Movimento Institucionalista, Enrique Pichón-Rivière é, dentre os autores, aquele que, explicitamente, emprega o termo “Psicologia Institucional” para designar uma determinada prática da psicologia em instituições.
Para nos reportarmos às linhas gerais de seu pensamento, usamos, como fonte de consulta, o seu livro “Psico-Higiene e Psicologia Institucional” (1984), de onde passamos a apresentar algumas das suas diretrizes mestras, tendo, ainda, um suporte referencial de Guirado (1987) e Baremblitt (1998).
Para a compreensão da sua proposta, começamos por destacar a sua convicção de que o psicólogo, como profissional, deve passar da atividade psicoterápica (doente e cura) à da psico-higiene (população sadia e promoção da saúde). E, desde o início dessas considerações, ressaltamos que ao nos referirmos à categoria profissional de “psicólogos”, estamos expandindo essa atuação para o campo da Psicopedagogia, área do conhecimento que, em seus aportes teóricos, tem em Bleger uma das suas maiores referências para a compreensão de grupos e instituições.
Para esse autor, a “saída dos consultórios” não constitui, apenas, uma variação do trabalho psicológico, uma forma diferente de se fazer Psicologia. É, sobretudo, uma necessidade social [...] Uma forma de demonstrar que o psicólogo pode e deve desenvolver um trabalho “socialmente mais abrangente”, colocando suas idéias e práticas nas comunidades, nos grupos, nas organizações [...] Buscando proporcionar condições para a vida e a saúde nos grupos básicos  de interação, como a família, a escola, o trabalho, as atividades comunitárias (GUIRADO, 1987, p. 5).
Para isso, impõe-se uma passagem dos enfoques individuais aos sociais, a partir de uma dupla vertente – de um lado, buscando novos referenciais conceituais, ampliando os conhecimentos e refletindo sobre os modelos teóricos de até então; do outro lado, desenvolvendo novos instrumentos de trabalho – conhecimentos e técnicas que possam viabilizar a nova proposta. Estes instrumentos só poderão ser conseguidos pelo enfrentamento da própria tarefa em si – só na experiência viva, poderão ser gestados. A Psicologia Institucional é vista como um avanço extraordinário tanto na investigação quanto no desenvolvimento da psicologia como profissão, contrapondo-se ao movimento anterior das ciências, que fragmentavam teoria e prática. 
Penso que não se pode ser psicólogo se não se é, ao mesmo tempo, um investigador dos fenômenos que se querem modificar e não se pode ser investigador se não se extraem os problemas da própria prática e da realidade social que se está vivendo em um dado momento, ainda que, transitoriamente e por razões metodológicas da investigação, isolem-se momentos do processo total (BLEGER, 1984, p.33).
A Psicologia Institucional é um modelo que difere da Psicologia Individual. Nesta, parte-se do indivíduo isolado para explicar as agrupações humanas e aplicam a estas últimas as categorias observáveis e conceituais que correspondem ou se utilizaram para o indivíduo isolado e, desta maneira, explicam-se os grupos, as instituições e as comunidades, pelas características dos indivíduos.
Os modelos da Psicologia Social, de onde emanam as reflexões sobre a Psicologia Institucional, utilizam categorias adequadas ao caráter dos fenômenos das agrupações humanas (interação, comunicação, identificação, etc.) que, em grande parte, têm que ser descobertos e criados.
Sobre a estratégia geral do psicólogo no trabalho institucional, foco dos estudos de Bleger, o mais importante é o que ele chama de “o enquadramento da tarefa”, quer dizer, a “fixação de certas constantes dentro das quais podem-se controlar as variáveis do fenômeno, pelo menos em certa medida”( BLEGER, 1984, p. 35/36).
Duas constantes se destacam dentro do enquadre do trabalho do psicólogo (e aqui, mais uma vez, estendemos essas considerações aos psicopedagogos) em instituições:
  • A relação do psicólogo / psicopedagogo com a organização, no momento da contratação,  programação e realização do trabalho profissional;
  • Os critérios que sustentam esta relação.
Como reforço a estas duas constantes destacadas, podemos acrescentar dois princípios que as complementam:
  • Toda tarefa deve ser empreendida e compreendida em função da unidade e totalidade da instituição;
  • O psicólogo deve considerar, muito particularmente, a diferença entre      psicologia institucional  e o trabalho psicológico em uma instituição.
    
 Ampliando a compreensão dessas premissas, diz Bleger (1984):
               
Em Psicologia Institucional, interessa-nos a instituição como totalidade – podemos nos ocupar de parte dela, mas sempre em função da totalidade. Para isso, o psicólogo deduz sua tarefa de seu próprio estudo diagnóstico, diferentemente do psicólogo que trabalha em uma instituição, mas em funções que lhe são fixadas pelos diretores da mesma ou por um corpo profissional que não deixou lugar para que o psicólogo deduzisse sua tarefa de uma avaliação própria e técnica da instituição (p. 39).
Nesta diferenciação, Bleger (1984) afirma que o trabalho de Psicologia Institucional não deve ser desenvolvido por psicólogos em situação de empregado da instituição, mas sim, na de assessor ou consultor, para evitar que a dependência econômica e profissional interfira no manejo técnico das situações.
Uma vez analisada esta questão, ao dar início a um diagnóstico institucional, o psicólogo / psicopedagogo centra sua atenção na atividade humana no espaço e tempo em que ela tem lugar e no efeito da mesma para aqueles que  desenvolvem tais atividades (BLEGER, 1984,p.38). Para isso, impõem-se informações sobre a própria instituição que incluem:
  •  a finalidade e o objetivo da instituição;
  •  instalações e procedimentos de trabalho;
  •  situação geográfica e relações com a comunidade;
  •  relações com outras instituições;
  •  origem e formação;
  • a evolução, história, crescimento, mudança, flutuações,   cultura e tradições;
  • a organização e normas que as regem;
  • o contingente humano – estratificação social e de tarefas;
  • o sistema de avaliação e recompensas.
        
No desenvolvimento da intervenção, Bleger (1984) destaca um conjunto de princípios a serem observados pelo analista no enquadre do trabalho:
  • Atitude Clinica – dissociação instrumental / “distanciamento ótimo” – sintonia sem envolvimento;
  • Esclarecimento da função profissional do psicólogo - tempo, honorário, dependência /independência profissional, prazos, resultados, exigências;
  • Esclarecimento da natureza e dos limites do seu trabalho em todos os níveis com os quais vai atuar – trabalhar com colaborações espontâneas e observação da dinâmica;
  • Esclarecimento sobre o processo de devolução das informações e resultados e a quem será dirigido;
  • Tratar com o grupo tudo o que a ele diz respeito, nada passando para outros setores antes de, previamente, submetido à apreciação do grupo;
  • Evitar tomar partidos com relação a setores ou posições na organização;
  • Evitar contatos extra-profissionais que possam “contaminar” o processo diagnóstico;
  • Limitar-se ao assessoramento e à atividade profissional, não assumindo nenhuma função diretora, administrativa ou executiva;
  • Evitar dependência do seu trabalho, incentivando soluções do próprio grupo;
  • Evitar posturas de “onipotência” diante do grupo;
  • Considerar que a saúde da organização não se deve à ausência de conflitos, mas à sua capacidade de explicitá-los, na busca de soluções;
  • Considerar não apenas a veracidade ou graduação da informação, mas a indução à compreensão dos seus significados (insights);
  • Considerar que a resistência, implícita ou explícita e parte fundamental e previsível do trabalho diagnóstico, sabendo que a postura do analista poderá contribuir para vencê-la ou incrementá-la ainda mais;
  • Considerar que o manejo da informação não é, apenas, um problema ético, mas um instrumento técnico.

Destas considerações básicas sobre a obra de Bleger, podemos perceber que ele é um autor que se distingue por pensar a intervenção do psicólogo / psicopedagogo nas instituições numa perspectiva sempre política, enfatizando as relações de poder que estão presentes, com características separatistas, na vida dos grupos e das classes sociais.
Nesse sentido, podemos concluir dizendo que a Psicologia Institucional de Bleger é:
  • Uma forma de intervenção psicológica com significação social (GUIRADO, 1987, p.6). Isto significa dizer que, no processo de intervenção institucional, o lugar do psicólogo / psicopedagogo analista é aquele que se reveste da capacidade de assinalar, pontuar e interpretar as defesas, as fantasias, e as ideologias do grupo (embasamento psicanalítico), no sentido de sua discriminação e de sua integração aos aspectos institucionalizados desses grupos.
  • Um movimento revelador, a partir da função social do psicólogo  que vai permitir o seu trabalho em torno das tarefas diárias de um grupo, promovendo o bem-estar (psico-higiene). Caberá a ele lidar com as relações interpessoais e com o desenvolvimento do grupo, a partir da clarificação dos preconceitos, hábitos, atitudes, em situações comuns e /ou críticas, como momentos de crise ou mudanças.
  • Uma prática intervencionista desenvolvida a partir de um método de trabalho clínico, marcado pelo enquadramento da técnica psicanalítica, que não será, apenas, um registro, mas uma indagação operativa: a observação dos acontecimentos na ordem em que eles se dão, a compreensão dos seus significados e das relações entre eles, a interpretação, o assinalamento ou reflexão no momento oportuno, com base nessa compreensão, e a consideração dessa interpretação como uma hipótese que, uma vez proferida, produzirá efeitos que devem, por sua vez, fazer retornar esse ciclo  no movimento  da “espiral dialética”, como diria Pichón e o próprio  Bleger  (GUIRADO, 1987, p. 10).
  • Uma convicção de que, no curso deste trabalho, os agentes e grupos da instituição, “meta-aprendendo”, possam, também, observar, refletir e buscar os sentidos do “vivido institucional” (GUIRADO, 1987, p. 10).

            IV. A Análise Institucional de Georges Lapassade e suas contribuições à compreensão das Instituições.
Embora surgido na França, na década de 60, como um movimento originado a partir de Georges Lapassade e de René Lourau, no Brasil, a Análise Institucional, denominação que explicita uma forma de compreender e intervir em grupos e organizações, só desponta nos anos 70, como uma abordagem sociológica e política do trabalho institucional. Segundo Guirado (1987, p. 25), a Análise Institucional é vista como uma maneira singular de entender o que são as relações instituídas, bem com uma forma de “trabalhá-las” ou agir sobre elas, enquanto psicólogo, na busca de compreender as ligações que os indivíduos e grupos mantêm com as instituições. A Psicologia, a Sociologia e a Pedagogia foram os fundamentos teóricos deste movimento, em articulação com o marxismo e a psicanálise.
Suas bases concretas encontram-se na experiência da Pedagogia Institucional que, criticando uma Pedagogia Tradicional (autoritária), procurou constituir uma outra orientação que redimensionasse o espaço, o tempo e a relação educador-educando; encontram-se, ainda, nessas bases, as práticas da psicoterapia institucional, esta apontando  para uma ação sobre as instâncias institucionais que impedem a cura a que se propõem; essas bases encontram-se, por fim, na psicossociologia, compreendida como o estudo e o trabalho com pequenos grupos (GUIRADO, 1987, p.26).
Lapassade se posiciona como um provocador e instigador ao questionamento da própria natureza das instituições. Apesar de ressaltar a sua importância como função social, ele propõe uma reflexão crítica por parte dos próprios agentes organizacionais com relação ao instituído, na busca de revelar sua estrutura, o papel que desempenha no contexto profissional, numa atitude de revisão e transformação da ordem estabelecida. Ele concebe uma construção social da realidade que se dá a partir de uma inter-relação de três níveis ou instâncias: 1) o grupo; 2) a organização; 3) o Estado.
1) O grupo, segundo Bock (1999), é formado por sujeitos que produzem, reproduzem e que, em outras oportunidades, reformulam as instituições. Diz a autora:
instituição é um valor ou regra social reproduzida no cotidiano com estatuto de verdade, que serve como guia básico de comportamento e de padrão ético para as pessoas em geral. A instituição é o que mais se reproduz e o que menos se percebe nas relações sociais. Atravessa de forma invisível todo tipo de organização social e todas as relações de grupos sociais. Só recorremos claramente a estas regras quando, por qualquer motivo, são quebradas ou desobedecidas (p.217).

Neste primeiro nível social, o grupo, todas as relações sociais se estabelecem, donde ele ser considerado a base da vida cotidiana. Segundo Lapassade (apud GUIRADO, 1987, p.28), seu objetivo é manter a ordem, organizar o aprendizado e a produção. Na vida cotidiana, ele se expressa em diferentes âmbitos:
Na escola, é a classe; no trabalho é o escritório e a oficina; no resto da vida, a família. Este nível já tem a marca da instituição nos horários, nos ritmos de operação, nas normas, nos sistemas de controle, nos estatutos e papéis [...] Assim, submetidos que estamos, nos grupos nos quais vivemos (da família aos grupos de trabalho), a uma rotina que prevê horas de entrada e saída, formas de trabalho e de relação, respostas aceitas e premiadas ou rejeitadas e punidas, vivemos, cotidianamente, o instituído no contato face-a-face, na fala direta a outro elemento do mesmo grupo. Há sempre, portanto, a mediatização da instituição no grupo (GUIRADO, 1987,  p.28)
2) O segundo nível da realidade ou do sistema social é o da organização que, sob a ótica de Baremblitt (1998, p. 29), se expressa segundo formas materiais muito variadas que compreendem desde um grande complexo organizacional, tal como um ministério: Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda etc., até um pequeno estabelecimento. Diz o autor:
[...] as organizações são grandes ou pequenos conjuntos de formas materiais que põem em efetividade, que concretizam, as opções que as instituições distribuem, que as instituições enunciam. Isto é, as instituições não teriam vida, não teriam realidade social se não fosse através das organizações. Mas as organizações não teriam sentido, não teriam objetivo, não teriam direção se não estivessem informadas, como estão, pelas instituições (p. 30).
É nesse segundo nível, o das organizações, com seus regimentos e regulamentos, que Lapassade situa a burocracia, as relações autoritárias, a exclusão de determinados grupos quanto aos processos decisórios e estabelecimento das pautas de conduta, normas, regras e leis que direcionam o fazer profissional cotidiano, centrados, que estão, em dirigentes, explicitando a instituição da divisão do trabalho.
3) Por fim, completando a dinâmica de construção social da realidade, Lapassade destaca um terceiro nível do sistema social que é o Estado, considerado a instituição propriamente dita, entendido como o conjunto de leis que regem a conduta social que criva a organização e o grupo (GUIRADO, 1987, p. 29).
Desta análise sobre os três níveis do sistema social, infere-se que, se a instituição constitui o campo abstrato dos valores e regras, sendo o Estado a sua maior expressão, a organização é a forma de materialização destas regras e valores, através da produção social, enquanto o grupo é o elemento que completa a construção social da realidade, como instância de promoção, transmissão, reprodução ou transformação destes valores.
Ao considerar a organização concreta da sociedade a partir do conceito de instituições sociais, Lapassade representa, para a Psicopedagogia Institucional, uma ruptura com o embasamento tradicional das ciências psicológicas, vistas, durante muitos anos, como um modelo dualista de explicação do processo de subjetivação, educação e desenvolvimento humano.
Nesse sentido, Maciel (2001) sinaliza que a Psicologia Educacional assumiu um discurso diretamente ligado a professor, vindo ao encontro de “micros problemas”, atingindo-o no que diz respeito às suas angústias com situações internas de sala de aula, indagações e impasses, como fonte de atendimento a demandas por soluções rápidas e práticas para os famosos problemas emocionais e de aprendizagem, a quem se imputa a maior parte das mazelas educacionais e profissionais.
Nesse sentido, Maciel (2001) reflete sobre a real e efetiva contribuição que a Psicologia Educacional vem, tradicionalmente, representando para a Educação, descontextualizando as condições macro-estruturais que interferem no processo educacional. Assim, lembra Maciel (1987), a Psicologia Educacional constituiu-se um corpo teórico de conhecimentos, cujo objetivo foi subsidiar a prática escolar e a ação educativa.
Algumas características da Psicologia Educacional, nessa fase, desde as suas origens no século XX, nos E.U., com a Psicometria, são citadas por Maciel (2001): a reprodução, em suas bases, do ideário liberal da Revolução Francesa e, posteriormente, do sistema capitalista; a disponibilização de seus conhecimentos, métodos e técnicas a serviço da Educação, para classificar e avaliar os “dons” de cada um; a desconsideração, nesta atuação, dos fatores sociais de origem dos alunos; a reprodução da realidade das classes dominantes; o uso, como referência, das concepções advindas da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem.
A partir dessa caracterização da Psicologia Educacional, Maciel (2001) faz destaque para os tópicos da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem que foram referenciais na contribuição da Psicologia à Educação. Nesse sentido, ela ressalta a presença das concepções de desenvolvimento e aprendizagem que, de forma dual, estiveram presentes nas bases das concepções de homem, de desenvolvimento, de educação, de aprendizagem, de mundo – a abordagem inatista e a abordagem ambientalista.
Ao se referir à abordagem inatista, Maciel (2001) traz algumas de suas caracterizações: postula a existência de uma essência humana aprioristicamente determinada e imutável; considera a natureza humana “boa” – cabe à educação zelar para que a sociedade não a corrompa   (Escola Nova) ou, por outro lado, considera a natureza humana “má”, cabendo à educação a tarefa de dobrar-lhe, “adulterar-lhe”, transformando-a numa “boa natureza” (Escola Tradicional / vertentes psicanalítica).
Por outro lado, sobre a abordagem ambientalista, Maciel (2001) destaca algumas das suas mais fortes características: postula que o homem “é uma tábula rasa ao nascer”; considera que o meio é capaz de moldar o homem, segundo seus imperativos – marionetes das contingências; advoga uma natureza humana passiva e submissa face aos ditames do ambiente; reflete, na educação, as propostas da modelagem e do condicionamento; concebe a aprendizagem como o resultado de reforços e punições contingenciais.
Nesse dualismo sinalizado, Maciel (2001) chama a atenção para a existência de modelos opostos – indivíduo / ambiente; corpo /alma; bom /mau; céu /inferno – que parecem não deixar saída – “se isto, então aquilo”...
Para que possamos ter a compreensão dos “ranços” desse modelo dualista de explicação psicológica à educação e à aprendizagem, Maciel (2001) destaca a importância do modelo dialético que a Abordagem Sócio-Histórica, quando surge no cenário da Psicologia Educacional, rompendo as limitações do modelo dualista tradicional, centrada nas seguintes convicções:
  • O desenvolvimento humano só adquire sentido se pensado em relação dialética com a realidade na qual ele se processa;
  • Busca ultrapassar a dicotomia “indivíduo-meio”, caracterizando este último como uma construção política indispensável, na qual as características humanas adquirem e expressam significados;
  • Aponta para uma maneira não linear de pensar sobre os fenômenos psicológicos, enfatizando sua articulação com a totalidade da existência humana;
  • Postula uma postura integrativa da Psicologia, bem como uma visão interdisciplinar, visto que o fenômeno psicológico não ocorre de maneira isolada, abstrata ou descontextualizada;
  • Considera o fenômeno psíquico como um processo e não um produto – processo esse que nunca se esgota e é sempre provisório;
  • Propõe, numa visão transdisciplinar, desnaturalizar divisões cristalizadas entre os diferentes campos acadêmicos, promovendo conexões que expressem as diferenças, a multiplicidade, a provisoriedade.
Assim, a proposta do método dialético da abordagem sócio-histórica, dentre outras contribuições:
  • Desloca o foco do sujeito da aprendizagem e desenvolvimento para os modos de subjetivação - da subjetividade vista como unidade / produto acabado, para o processos e as maneiras de produção através das quais elas se plasmam e se efetivam no campo social; do produto – a idéia de sujeito – para o processo – os modos de subjetivação;
  • Considera que a realidade não é algo estático, mas uma produção incessante e dinâmica que se constrói tanto nas relações cotidianas, como nas relações com o saber institucionalizada – desta forma, não há um homem acabado, mas um homem que se faz, enquanto tal, tanto localmente, quanto em suas relações com o social global;
  • Propõe pensar as relações pedagógicas em suas conexões com o real social e histórico que se efetivam no cotidiano, incluindo o espaço escolar;
  • Considera que o ponto de partida para a ação educativa é a busca de respostas a questões básicas, tais como :o que pretendo com minha ação pedagógica? Que tipo de homem e de sociedade eu quero formar? Em que tipo de sociedade eu quero viver? Que tipo de profissional e de homem eu quero ser?
  • Destaca duas categorias ou objetivos desejáveis de serem alcançados na prática pedagógica : AUTONOMIA e CIDADANIA.
  • Com relação a essas duas acepções, pode-se considerar que: 1) a concepção sócio-histórica rompe com a concepção consumista de cidadania e postula uma visão progressista de condição de cidadão – “sujeito no uso dos seus direitos e no direito de ter deveres de cidadão” (Paulo Freire)
É nesse contexto que se insere o movimento da Análise Institucional, cujas bases, conforme já dito, estão nos movimentos sociais e educacionais surgidos na década de 60, na França, e em várias partes do mundo, com ênfase na Autogestão Pedagógica.
Estes movimentos contrapõem-se às formas institucionalizadas das relações produzidas no terreno pedagógico, questionando as instituições educacionais em seu status de “naturalidade”, concebendo a Educação como a produção de um cidadão autônomo, capaz de refletir sobre sua inserção no mundo, interferir de maneira ativa nos produtos que ele cria, bem como sobre o processo através do qual ele mesmo é produzido. E postulando os seguintes princípios de auto-gestão educativa:
  • Formação de cidadãos responsáveis;
  • Aprendizado de conhecimentos intelectuais que favoreçam a elaboração de processos e estratégias autônomas e desenvolvimento da dimensão relacional;
  • Superação da clivagem entre o político (como dimensão específica de conscientização) e o   psicológico (como dimensão regressiva e natural);
  • Destaque às ações cotidianas – autonomia interna, voltada para a produção cotidiana da realidade social, onde os atores sociais elaboram suas próprias regras e modalidades de funcionamento    (“instituinte ordinário”);
  • Substituição do caráter ilusório de uma autogestão realizada em toda sociedade, por uma proposta de autogestão educativa, que visa formar cidadãos autônomos , capazes de tomar decisões, de pensar coletivamente, de se darem conta de que existem outras dimensões na sociedade que precisam ser vividas.
Segundo os pressupostos da Análise Institucional, um processo diagnóstico parte de algumas premissas básicas:
  • O rompimento das relações de poder rígidas e hierarquizadas;
  • A explicitação da dimensão oculta das instituições nas ações cotidianas;
  • A convicção de que o papel do analista institucional é o de desencadeador do processo de análise, que deverá ser continuado, no dia-a-dia, pelos próprios agentes organizacionais;
  • A adoção de métodos de análise que visem compreender a experiência cotidiana como sobredeterminada pelas instituições que são partes da cultura do grupo social;
  • A adoção de métodos de intervenção, cujo objetivo é libertar o grupo da determinação institucional, provocando sua explicitação pela fala e pela análise em situação;
  • A missão de revelar, nos grupos, esse nível oculto de sua vida e funcionamento – a dimensão institucional –, assumindo, como método de intervenção, um caráter político que mobilize o trabalho organizativo dos grupos, sua libertação pela palavra, sua passagem da heteronomia para a auto-análise, auto-gestão, autonomia;
  • A distinção entre Análise Institucional (instrumento de análise das contradições sociais responsáveis pela dimensão oculta do que se passa nos grupos – nível histórico) e Análise Organizacional (instrumento de análise dos fatores internos do cotidiano de uma empresa,  muitas vezes considerada como uma realidade ou instância a-histórica, fechada em si mesma, sem conexão com o exterior) ;
A Análise Institucional assume por objetivo o fazer surgir na sua realidade concreta (na expressão dos autores), o aspecto dialético, ao mesmo tempo positivo e negativo de todo grupamento organizado (LAPASSADE, apud GUIRADO, 1987, p.43)
  • A utilização de recursos, em suas práticas de diagnóstico e  intervenção psicopedagógicas, como os Grupos de Encontros, com maratonas de fins de semana (influência de C. Rogers e sua Psicologia Humanista) - o Encontro Institucional  - onde o lugar do analista é o de “provocador” de um processo que se pretende seja tomado nas mãos pelos atores institucionais, finda a intervenção. Se ele é o “detonador” de mudanças, a hipótese é a de que a análise seja uma ação do grupo sobre si mesmo (especialmente) na ausência do analista (GUIRADO, 1987, 45.)
Entre os dois autores analisados – Bleger e Lapassade – podemos levantar algumas considerações :
  • Em Bleger, a fundamentação psicanalítica que propõe um “distanciamento ótimo”, um enquadre ponderado e sistemático, a clarificação das fantasias inconscientes, das defesas e suas interpretações;
  • Em Lapassade, a fundamentação de início política, perpassando pela leitura da Psicologia Humanista e pelos movimentos da Psicologia Corporal, assume o lugar de uma intervenção de caráter imediato e disparador, cujo objeto básico é resgatar a palavra e a autonomia dos grupos – “é a ação que faz a análise”;
  • Em Lapassade, o analista será sempre um com os outros, no processo de pensar e executar decisões do grupo – só aí se rompe com a ideologia da instituição (GUIRADO, 1987, p. 69.);
  • Se com Bleger buscamos uma compreensão psicanalítica dos fenômenos institucionais e da atuação do psicólogo, com Lapassade enveradamos pela compreensão política das relações instituídas, a partir da compreensão do papel da burocracia e da ideologia nesse processo.
  • “A ação direta, da transgressão à autogestão, parece ser para Lapassade, então, a alternativa possível de retomada do sentido do que acontece no cotidiano” (GUIRADO, 1987, p.47.)
  • Em Bleger, a contribuição dada aos psicólogos e à própria Psicologia Institucional está em [...] ampliar nosso entendimento sobre as relações interpessoais e grupais no âmbito das instituições e das comunidades. (GUIRADO, 1987,  p. 23.)
       V. A Análise das Instituições Concretas de Guilhon de Albuquerque e sua contribuição à compreensão das Instituições.
José Augusto Guilhon de Albuquerque pensa a instituição desde uma perspectiva foucaultiana, analisando as instituições concretas, ou seja, as formas singulares com que o binômio instituição / poder se engendram e produzem discursos. Desta forma, a análise coloca-se fora do espectro de uma totalidade institucional, dominante, direcionando o olhar para as práticas, para as relações entre agentes.
A instituição é concebida por Albuquerque como conjunto de práticas sociais, configuradas na apropriação de um determinado objeto, um determinado tipo de relação social sobre o qual reivindica o monopólio, no limite com outras práticas (GUIRADO, 1987, p. 49).
 Desta forma, a instituição é concreta pois é constituída por práticas que podem ser abstraídas a partir da observação do cotidiano, dos rituais, dos discursos. Porém, em nível de análise, não é possível abstrair a totalidade, é necessário efetuar recortes específicos, avaliando aspectos da instituição - economia, ideologia,... - que não dirão da totalidade da mesma.
Com mais vagar, é importante uma aproximação do que sejam os elementos estruturantes da prática institucional, a fim de clarear este conceito. Assim, Guilhon de Albuquerque distingue três elementos: o objeto institucional, o âmbito de ação institucional e os atores.
O objeto institucional é aquilo sobre o que a instituição reivindica legitimidade, monopólio de legitimidade. Este objeto constitui-se na própria referência da instituição. EXEMPLOSna escola, a relação professor / aluno (a relação pedagógica); nas instituições da saúde, o saber científico médico. Riscos: POLARIZAÇÃO DO OBJETO / DESAPROPRIAÇÃO DE RECURSOS ALTERNATIVOS
O âmbito de ação institucional diz respeito às relações sociais que sustentam o objeto institucional. Desta forma, na instituição escolar o âmbito de ação da escola é a relação pedagógica. Porém, como o objeto não é plenamente definido e, além disso, há relações e práticas conexas a ele, há várias práticas presentes em uma instituição. EXEMPLOS: um hospital, além das práticas ligadas à saúde, à cura, regulamenta as práticas alimentares, morais, religiosas, sexuais, de seus “doentes”; em uma escola, a relação pedagógica e as relações sociais decorrentes.
Os atores são os elementos estruturantes das instituições, por serem os que efetivamente colocam em prática a mesma. Atores é um grande guarda-chuva que abarca diversos tipos; agentes (privilegiados, subordinados e pessoal institucional), mandante, clientela, público e o contexto institucional.
Os agentes institucionais podem ser de três tipos:
  • Agentes Privilegiados, são aqueles cujas práticas concretizam, imediatamente, a ação institucional – categoria profissional – nas escolas, os professores; nas instituições de saúde, os médicos; nas empresas, os administradores; nas instituições religiosas, papa, bispos, padres...
  • Agentes Subordinados, ou subprivilegiados, são igualmente profissionais, mas, ainda em formação, não são plenamente reconhecidos, ou pertencem a categorias profissionais subordinadas. Estudantes de Medicina, enfermeiros, estagiários ...
  • O Pessoal Institucional é composto pelos empregados, funcionários da instituição, prestadores de serviço indispensáveis à manutenção da mesma, mas na diretamente ligados à ação institucional.
  • O Mandante é o ator institucional individual ou coletivo, diante do qual a instituição responde, ou em nome da qual ela age. Relações de mandato: relação de propriedade (sustentação econômica e apropriação da produção); relação de subordinação funcional (corpo de agentes institucionais nomeado pelo mandante); relação de mandato institucional (confere a legitimidade da instituição – Conselho Federal de Medicina - CFM, Ordem dos Advogados Brasileiros – OAB; “órgãos de classe”).
  • A Clientela – atores concretos, individuais ou coletivos, visados pela ação institucional. Aqueles que, carentes do objeto, posicionam-se enquanto alvo das ações dos agentes. Na escola, os alunos; nos hospitais, os doentes...
  • O Público – é o conjunto dos atores coletivos ou individuais para quem a ação institucional é visível (pública), podendo, eventualmente, integrar a clientela.
  • O Contexto Institucional – conjunto de instituições que se interpenetram e se confluem nas sociedades – rede de instituições que são parte do tecido social.
Em um processo de diagnóstico institucional, Guilhon propõe uma análise da  PRÁTICA INSTITUCIONAL, que é a resultante do confronto entre esses vários atores e entre as diferentes posições que eles ocupam num dado cenário institucional.
Sua proposta diagnóstica centra-se no abandonar o sonho de uma compreensão totalizante das instituições como entidades abstratas e o substituir pelo esforço de entendimento das relações concretas entre técnicos, dirigentes, funcionários e clientela, numa prática institucional contextualizada, podendo-se, no limite máximo, falar em práticas dominantes, agentes privilegiados, efeitos políticos ou ideológicos de uma determinada instituição.
Assim, Guilhon assume, realmente, a proposta de análise, sem se preocupar com a intervenção – seu foco, nesse sentido, está no processo de conhecimento com respeito a um determinado campo de ação – campo de análise – considerando que se pode entender sem intervir, mas não se pode intervir sem entender (BAREMBLITT, 1998, p. 102).
Sua contribuição é fazer pensar as instituições como conjuntos de práticas sociais que se reproduzem e se legitimam num exercício constante de poder entre agentes, agentes e clientela.
Esta prática se articula com as representações sociais das instituições concretas – reconhecimento / desconhecimento.
O discurso dos agentes sobre o seu fazer e a observação desse fazer são vias de análise das representações.
O autor propõe que adentremos a instituição para mapear seus autores e as práticas aí instituídas, pois só assim pode-se efetuar uma aproximação da instituição concreta.
VI. De como os aportes do Movimento Institucionalista podem contribuir para um Diagnóstico Psicopedagógico Institucional
Nesse item, trazemos Baremblitt (1998) como nosso referencial para o que ele intitula de “Intervenção Institucional Standard”,considerando, junto com o autor, que essa forma de intervenção não é a única, nem sempre é a melhor – apesar de ser a mais clara e sistematizada - e, muito freqüentemente, não é possível, porque as características da demanda não a propiciam. (p. 105).
Então, deve-se ter cuidado, porque se a gente se aferra a esse tipo de intervenção, se se apega a esse modo de operar, corre-se o risco de pensar que quando ela não é possível, não existem outros que, pelo menos, deixaremos esboçados (BAREMBLITT, 1998, p. 105).
Assim, o autor destaca que a intervenção institucional apresenta  uma série de passos que têm de ficar bem explicitados. São, a seu ver, passos ideais, aos quais deveríamos prestar atenção e tratar em separado a cada um deles.
  • O primeiro passo consiste em fazer a ANÁLISE DA PRODUÇÃO DA DEMANDA / a ANÁLISE DA OFERTA / a ANÁLISE DA IMPLICAÇÃO:
A ANÁLISE DA DEMANDA é a análise e deciframento que se faz do pedido de intervenção por parte da organização. É o primeiro e um importante passo para que se comece a compreender institucionalmente a dinâmica dessa organização. É o material de acesso inicial, que já contém valiosos aspectos conscientes, manifestos, deliberados, assim como todo um filão de aspectos inconscientes e não-ditos que remetem a um esboço inicial da conflitiva e problemática da organização solicitante (BAREMBLITT, 1998, p. 153).
Portanto, para iniciar o processo de análise de intervenção institucional – que implica analisar a demanda – é importante caracterizar que “demanda” é a solicitação formal, consciente, deliberada, apesar de conter, na maior parte das vezes, conteúdos latentes, inconscientes, contraditórios e dúbios.
 Baremblitt (1998) sinaliza que “não existe demanda espontânea, natural, universal, ou eterna, mas, pelo contrário, ela é produzida pela oferta” (p. 107). Para compreender a demanda de análise institucional de uma organização é necessário, antes, incluir a auto-análise, a compreensão de como a organização analítica gerou e produziu esta demanda, que está marcada, modulada, determinada desde o princípio, por esta oferta. Sabemos que quem pede, solicita, demanda alguma coisa, demanda que supõe não possuir por si mesmo, já que lhe fizeram crer que está desapossado dela: o outro tem o que ele não possui, por isso pede àquele. O outro detém o saber / poder conferido pelo domínio técnico do saber científico, saber complexo e sutil, que quem demanda não sabe o que é.
E aqui cabe, ao profissional-analista, fazer uma ANÁLISE DA OFERTA: um exercício de auto-análise ao qual a organização analítica tem de se submeter para deslindar sua implicação no tocante à geração da demanda. A implicação define-se como o processo que ocorre na organização analítica, em sua equipe, como resultado de seu contato com a organização analisada.
A ANÁLISE DA IMPLICAÇÃO, portanto, é a compreensão da interação, da interpenetração destas duas organizações, enfatizando a parte que cabe à interventora. É um conceito que define o processo que deve acontecer na organização de analistas institucionais, de sua intersecção com a organização analisada, intervinda.
Desse modo, o coletivo prestador do serviço de análise institucional deve necessariamente empreender um severo processo de auto-análise de como está produzindo a oferta de seus trabalhos de intervenção analítica.
Entre a organização analisante e interveniente, e a organização analisada e intervinda, vai se produzir uma intersecção que gera uma nova organização, que é o verdadeiro objeto de análise. É fundamental superar a posição clássica da objetividade científica e fugir da dicotomia sujeito versus objeto. A equipe de análise institucional não é o grupo dos experts que sabem e têm poder. Tampouco a organização-cliente é objeto inerte, passivo, ignorante e esvaziado de saber e poder. Junto, na intersecção, ambos devem empreender a tarefa de entender a nova instituição que produziram.
  • O passo seguinte é a tentativa de ANÁLISE DO ENCAMINHAMENTO:
Isto é: quais foram os passos intermediários que conectaram o usuário-demandante conosco? Há muitos, mas para dar um exemplo simples: qual foi o cliente que, definindo nossos serviços como eficientes, chegou à conclusão de que seu próximo se beneficiaria também com esses serviços? Quais são as razões válidas e as razões inconfessáveis, ou as razões recalcadas pelas quais ele fez esta recomendação? São passos intermediários da conexão entre a oferta e a demanda. São as famosas fórmulas: consulta a organização tal  ou o fulano de tal porque é o “melhor”; consulta porque é “caro”; consulta porque é “barato”; consulta porque é “dos nossos”. Tudo isso modula a demanda, e o faz com elementos conscientes e inconscientes no usuário, na mesma proporção neles do que em nós, que ofertamos o serviço (BAREMBLITT, 1998, p. 110).  
  • O próximo passo  é a ANÁLISE DA GESTÃO PARCIAL:
Isto é: qual foi o setor da organização que assumiu o papel de vir consultar-nos ou fazer o contato. É o setor da direção? É o setor administrativo? É o setor financeiro? São os quadros intermediários? São as bases? É o proprietário? Ou seja: a gestão parcial da demanda de serviços é protagonista importante porque nos pode dar toda uma antecipação dos motivos dessa consulta, os interesses em jogo, os desejos em pauta e, sobretudo, o grau de consenso, de unanimidade que motiva os protagonistas dessa solicitação. Não é a mesma coisa ser solicitado pela direção ou pelos proprietários e ser solicitado pelas bases. Costuma ser para os institucionalistas, infinitamente melhor se solicitado pelas bases que pela direção ou pelos proprietários. Isso, sem dúvida nenhuma, não é nenhuma garantia [...]. As bases são em geral, originais, singulares, solidárias, mas estão infiltradas pelos interesses e desejos dos setores dominantes. [...] O grupo que protagoniza a gestão parcial, em geral, não contém todas as partes, mas apenas uma delas. [...] A compreensão dessa parcialidade é importante, pois o fato de se considerar o parcial vai permitir imaginar a existência da totalidade que é complexa, contraditória, desigual e conflitiva. (BAREMBLITT, 1998, p. 110-111)
  • A ANÁLISE DO ENCARGO é o passo seguinte:
Encargo, no Institucionalismo, em geral [...] alude aos sentidos não explícitos, não manifestos, dissimulados, ignorados ou reprimidos, e que comporta uma demanda de bens ou serviços. Em uma acepção ampla, refere-se a uma solicitude ou exigência de soluções imaginárias ou de ações destinadas a restaurar a ordem constituída quando a mesma está ameaçada. O encargo nunca coincide com a demanda e deve ser decifrado a partir dela, sendo que seu sentido varia segundo qual seja o segmento organizacional que a formula. De acordo com o contexto discursivo de que se trate, o encargo pode admitir como sinônimos os termos demanda latente, pedido, encomenda, etc. (BAREMBLITT, 1998, p. 169).
  • O próximo passo é identificar os ANALISADORES NATURAIS
analisador institucional é outro conceito importante. Ele não precisa ser constituído de material verbal, pode ser um monumento, uma planta arquitetônica, um arquivo, uma distribuição do tempo ou espaço na organização. Sua materialidade expressiva é totalmente heterogênea. Além disso, um analisador não é apenas um fenômeno cuja função específica é exprimir, manifestar, declarar, denunciar. Ele sempre é analítico em si mesmo, contendo elementos para se auto-entender, para começar o processo de seu próprio esclarecimento. É um produto que pode analisar-se. Os analisadores podem ser históricos, quando são produzidos na história e no próprio contexto da instituição analisada, mas também podem ser construídos, inventados com o objetivo de explicitar os conflitos e resolvê-lo. Alguns exemplos: uma greve, a morte de um operário, o aumento das doenças do trabalho, uma grande briga...
[...] Analisadores naturais são fenômenos mais ou menos similares ao que Pichon Rivière chama de emergentes, que é o que surge como resultante de toda uma série de forças contraditórias que se articulam nesse fenômeno que aparece. E são “naturais” porque não foram fabricados por um interventor institucional. (BAREMBLITT, 1998, p. 114).
  • Após esses passos, é possível ser elaborado um DIAGNÓSTICO PROVISÓRIO (um primeiro entendimento sobre o que está acontecendo na organização – diagnóstico presuntivo, que é uma hipótese, ainda especulativa, sobre o quadro):
Em diferentes momentos da constituição de um campo de análise e / ou intervenção, é possível a realização de vários tipos dediagnósticos, sempre provisórios, da estrutura, da dinâmica, dos processos, das contradições principais e secundárias, meramente opositivas em suas diferenças e antagônicas (contraditórias no sentido dialético), conflitos, defesas, mecanismos, magnitudes de produção, reprodução e antiprodução, analisadores, potências, poderes, territórios, linhas de fuga, equipamentos, dispositivos, etc. da área ou organização intervinda.
O diagnóstico é importante para instituir, organizar, planejar, antecipar, decidir as seguintes atividades: o contrato, a logística, aestratégia, as táticas e as técnicas.
Contrato são os acordos, pactos, convênios que se fazem com as organizações, os coletivos-clientes. Através do contrato se estabelecem os compromissos mútuos e se explicitam os respectivos direitos e deveres das partes interessadas. Em diversos aspectos, é semelhante a outros contratos de prestação de serviços, com a diferença de que todos os seus elementos constituem analisadores, como definimos acima: o tempo de sua duração, pagamentos, custos, as partes contratantes, objetivos, expectativas, etc.
logística seria um conjunto de conhecimentos, equipamentos e um lastro de experiência que servem como base e suporte para o planejamento de uma ação. Trata-se do balanço, do calculo que os analistas institucionais fazem acerca de todas as forças, disponibilidades, elementos, recursos, etc. de que se dispõe no início de uma intervenção (o conjunto de coisas favoráveis e desfavoráveis com as quais se pode contar no sentido de levar a realização do trabalho avante com um mínimo de possibilidades de realização).  
estratégia diz respeito ao estudo detalhado de como usar a logística para produzir um êxito operacional, alcançando a finalidade desejada. Ela sistematiza os grandes objetivos a serem alcançados, cuja máxima expressão é a própria auto-análise e a autogestão do coletivo intervindo, bem como a progressão das manobras, dos espaços e territórios que se colocarão, a previsão de vicissitudes, opções, alternativas, avanços, retrocessos, etc.  
tática designa as variadas formas de abordagens existentes, de acordo com as circunstâncias da operação em curso. São os pequenos segmentos nos quais de decompõem a estratégia.
técnica se refere ao conjunto de procedimentos e de regras de aplicabilidade prática, tornando possível a execução da operação. Trata-se dos procedimentos usados para a consecução do fim. Sua eleição é consideravelmente livre, sendo ditadas pela inspiração e treinamento, assim como pelas disposições pessoais da equipe operadora, objetivo geral e imediato perseguido, o momento e peculiaridades do coletivo em pauta.
  • O passo seguinte aos procedimentos do diagnóstico provisório é a ANÁLISE DA COLHEITA.
Nesse momento, reúne-se a equipe interventora para a análise da demanda e do encargo definitivo.
Da mesma maneira como ativamos esse coletivo ou mobilizamos e o colocamos em condições de manifestar-se muito mais livremente, muito mais ricamente, também somos mobilizados, somos igualmente ativados. Então, temos que voltar a fazer uma auto-análise da implicação: o que foi que isso acordou, despertou em nós, que não tínhamos percebido em todos os passos anteriores? (BAREMBLITT, 1998, p.116).
  • Os passos seguintes são: o DIAGNÓSTICO DEFINITIVO e o PLANEJAMENTO DA INTERVENÇÃO DEFINITIVA – nova política, novas estratégias, táticas, técnicas definitivas, analisadores definitivos e um passo seguinte fundamental: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO E NOVO CONTRATO.
Será preciso definir qual a orientação geral que vai ser dada ao processo, precisar as estratégias, os movimentos fundamentais para conseguir os propósitos políticos, lançar as táticas, os espaços onde se vai dar “essa guerra”, a ordem dos mesmos, sua importância, e as técnicas, os procedimentos: psicodrama, técnicas expressivas, qualquer técnica, mas pensada anteriormente; uma festa, um cineclube, uma guerra simulada, um quebra-cabeça coletivo, toda técnica é boa, sempre que a tática, a estratégia  e a política estejam bem claras e resultem do diagnóstico definitivo e do entendimento da implicação (BAREMBLITT, 1998, p.117)
  • Nessa fase,  temos a AUTOGESTÃO DO CONTRATO DE INTERVENÇÃO:
Isto é: vamos fazer uma proposta de um contrato definitivo, mas não vamos impor nenhum dos termos e deixaremos que o coletivo proponha se quer pagar, quanto quer pagar, por que quer pagar, que tempo pensa destinar ao trabalho, que poderes quer nos dar e por que, o que será muito ilustrativo do significado que a intervenção tem para cada segmento. O interventor nunca diz: “Eu quero um contrato por tanto tempo, eu cobro tanto e quero que se me autorize produzir tais e quais transformações na organização ou introduzir tais e quais transformações na organização ou introduzir tais mudanças”. Primeiro quero saber o que o coletivo propõe nesse sentido e por quê. [...] É claro que depois de analisar a proposta, o institucionalista pode fazer uma contraproposta e fundamentá-la, para chegar a um acordo consciente. (BAREMBLITT, 1998, p.118).
  • Depois vem a EXECUÇÃO DA INTERVENÇÃO, tal como havia sido planejada e vêm as AVALIAÇÕES PERIÓDICAS, que são momentos de paradas para qualificar os resultados e voltar a analisar a implicação que vai sendo gerada na equipe durante o processo.
  • Ao fim da intervenção, vem o PROGNÓSTICO (que poderá ou não ser comunicado ao coletivo): no momento da saída da instituição, ficará uma disposição e uma instrumentação para que esse coletivo continue fazendo, de forma permanente, o processo de auto-análise e de autogestão que foram induzidos pela equipe interventora (de forma hetero). “Nós saímos e o trabalho continua. Podemos fazer um acordo de acompanhamento, de intervenções periódicas de atualização”, diz Baremblitt (1998)e finaliza sugerindo: “é importante que cada interventor possa inventar um procedimento sui generis para cada situação” (p. 119).


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Dificuldades de aprendizagem slides nº 01





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Lobão Entrevista com Rachel Sheherazade (SBT) e Felipe Moura Brasil (Veja)



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Aula sobre Sociologia Clássica Émile Durkheim: professor Cássio Diniz



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domingo, 5 de janeiro de 2014

Quem é que precisa de uma carta de motorista?




Quem é que precisa de uma carta de motorista?
Resposta: o Estado precisa que você tenha uma carta. Quer saber porque?
Para manter funcionando o sistema de espoliação dos motoristas.
Veja deste ângulo: alguns burocratas (funcionários públicos) do Estado "aluga" para alguns 'amigos' deles a licença de 'auto-escola' (tente fundar uma auto-escola e verá o que estou dizendo). O aluguel dessa licença (de fato uma coisa privada - extraoficial) é pago com % do que os candidatos a tirar carta pagaram à auto-escola. Os caras da auto-escola ensinam as pessoas a fazer o teste do DETRAN para ficar com um número (uma coleira no pescoço) controlado pelo Estado, de modo que eles saibam que os aluguéis foram pagos direitinho.
As cartas de motoristas não são vitalícias (apesar de que ninguem 'esquece' como é que se dirige um veiculo, tal como não esquece como anda na bicicleta ou como nada na água), e devem ser 'renovadas' cada 4 anos - para poder pagar novamente o pedágio para o DETRAN - não melhora nada a qualidade nem do tráfego, nem da conduta do motorista....só melhora a caixa dos donos das empresas de teste médico e psicotécnico; É óbvio que isso é um 'Esquema" capitaneado pelo 'poder armado do Estado'.
E as auto-escolas aperfeiçoam o sistema para cobrar cada vez mais caro o que não ensinam: a dirigir.
Quem deveria estar interessado na sua capacidade como condutor é a Cia de Seguro e não os funcionários do DETRAN que em nada nada nada contribuem para que os condutores conduzam melhor seus veículos: só ficam multando quando algum condutor sai fora da linha ou quando eles querem aumentar as receitas da INDUSTRIA DA MULTA.
Portanto, a carta de motorista só tem utilidade para o Estado.
Aliás, toda a documentação exigida pelo Estado tem os mesmos motivos: controlar e permitir estorquir o povo.

Caio Marcio Rodrigues

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Brasil x Singapura



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sábado, 4 de janeiro de 2014

Abortos forçados na China



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Identidade e Univocidade Olavo de Carvalho



Identidade e Univocidade
Rascunho para uma aula do Seminário de Filosofia

Este rascunho faz parte da obra em preparo, O Olho do Sol, onde compõe, na massa das 700 páginas redigidas até agora, a primeira seção do capítulo "Da metafísica dogmática à metafísica crítica – e vice-versa". Será usado brevemente como base para a exposição oral no Seminário de Filosofia e por isto é divulgado aqui para notificação dos alunos. – O. de C.


1. Definições

1. Metafísica é a ciência das necessidades supremas que abarcam e subordinam todas as outras.
2. Necessidade (de nec cedo = não ceder) é ter de ser, não poder não ser. Necessidade é impossibilidade do contrário.
3. Metafísica crítica é a parte dessa ciência que aborda os problemas e as dificuldades que se apresentam ao investigador na busca das necessidades supremas.
4. Metafísica dogmática é a discriminação e afirmação das necessidades supremas, bem como o desdobramento de suas consequências imediatas para os diversos setores do conhecimento humano.
5. Incumbe à metafísica o estudo da possibilidade como tal e da impossibilidade como tal, bem como das diversas gradações e modos da possibilidade, que encaradas quantitativamente se chamarão probabilidades.

2. Axiomas

1. Proposição auto-evidente é aquela cuja contraditória não pode ser formulada numa proposição logicamente unívoca.
2. As proposições metafísicas puras, isto é, aquelas que expressam necessidades supremas, devem ser todas auto-evidentes.
3. Toda prova funda-se em princípios auto-evidentes.
4. Um princípio é auto-evidente ou não é. Não se pode simplesmente "tomar como" auto-evidente um princípio que não o seja. Dito de outro modo: não pode haver princípio hipoteticamente auto-evidente (embora possa, naturalmente, haver princípios hipoteticamente verdadeiros).
5. As condições psicológicas que permitem captar a evidência de um princípio podem variar de homem para homem, portanto o sentimento de certeza nada tem a ver com a auto-evidência.

3. Primeiro enunciado do princípio metafísico supremo, ou Princípio da Integridade.

1. Todo sujeito de uma proposição, na medida em que possa ser também sujeito de uma ação ou objeto de uma ação realizada por outro sujeito também capaz de ser objeto de ação, é um.
Os sujeitos ditos meramente lógico-formais, ou ideais, não são objetos de ação, nem mesmo da "ação" de ser pensados; pois o que se pensa é o seu conceito apenas, ou o termo que o designa, e não o objeto como tal.
Sujeito impossível é aquele cuja definição implica sua inexistência, não apenas de maneira lógica, mas auto-evidente; isto é, um sujeito é impossível quando a afirmação de sua existência não pode ser logicamente unívoca.
2. Logo, todo sujeito é íntegro, e tudo quanto se oponha real ou hipoteticamente à sua integridade exige, real ou hipoteticamente, a sua supressão.
3. A supressão tem duas formas: 1ª negação, 2ª, redução.
4. A negação pode ser terminante ou condicional. Negação terminante é aquela que priva o sujeito, real ou hipoteticamente, da possibilidade de ser sujeito de ação ou paixão. Negação condicional é aquela que, real ou hipoteticamente, priva o ser de ser sujeito de algumas ações ou paixões (determinadas ou indeterminadas).
5. A redução tem duas formas: 1ª redução a seus elementos, ou redução analítica; 2ª, redução a outro sujeito, ou redução sintética.
6. Sujeito absolutamente necessário é aquele cuja definição mesma exclua, de maneira auto-evidente, sua redução analítica ou sintética. Dito de outro modo: é aquele cuja redução analítica ou sintética não possa ser enunciada numa proposição logicamente unívoca.

4. Das proposições auto-evidentes

1. O princípio de identidade A = A é auto-evidente, não porque tal nos pareça ou porque tenhamos um sentimento de certeza de que é auto-evidente, mas porque sua contraditória, A ¹ A, tem duplo sentido: se A ¹ A, o sujeito da proposição não é igual ao seu predicado, mas, sendo a proposição reversível — o predicado tornando-se sujeito, e o sujeito predicado —, temos então dois sujeitos diferentes, que são ambos sujeitos da mesma proposição: A1 ¹ A2. Logo, a sentença A ¹ A não é unívoca e não pode ser unívoca, donde se patenteia que A = A é auto-evidente.
2. A objeção tola de que essa demonstração por sua vez dá por pressuposto o princípio de identidade cai ante a verificação de que a objeção também o dá por pressuposto. O propósito aliás não é aqui "demonstrar" o princípio de identidade mas sim demonstrar a impossibilidade de sua negação unívoca. Se na antiga lógica se dizia que uma proposição auto-evidente nem requer nem admite provas, era isto o que no fundo se queria dizer, sem chegar a dizê-lo, talvez por não havê-lo percebido claramente: Não há nada a objetar ao princípio de identidade, a não ser proposições de duplo sentido, isto é, sem sentido.
3. Portanto, se não há demonstração lógica de um princípio auto-evidente, há, sim, da impossibilidade da sua contraditória. Isto aplica-se a todos os princípios lógicos e metafísicos.

5. Que o Princípio da Integridade é auto-evidente

1. Ação é mudança de estado no tempo e/ou no espaço.
2. Adoto provisoriamente a definição do tempo como forma das sucessões e do espaço como forma da simultaneidade, a que voltarei mais adiante.
3. Estado é etapa de mudança.
4. Só há três tipos de mudança: a mudança de estado ou as duas reduções.
5. A mudança de estado subentende a permanência do sujeito.
6. A redução analítica subentende que as partes pertencem a um mesmo sujeito.
7. A redução sintética real subentende que aquele em que osujeito foi absorvido não fosse ele.
8. A redução sintética hipotética ou subentende a possibilidade da redução sintética real ou é impossível.
9. Logo, todo sujeito que é objeto de ação (isto é, sujeito de paixão) é um e o mesmo, não muitos ou outro.
10. A ação consiste em mudar um outro ou mudar-se a si mesmo, ou ainda em mudar ao outro mudando-se também a si mesmo.
11. As três hipóteses subentendem a unidade e mesmidade dosujeito, conforme já demonstrado nos itens de 1 a 9. Se o sujeito que muda o outro não muda de estado, fica o mesmo. Se muda de estado, é o mesmo em outro estado. Logo, o sujeito de qualquer ação é um e o mesmo.
12. Estas proposições são não apenas logicamente certas mas auto-evidentes: suas contraditórias não são unívocas. Vejamos: A1 muda para o estado A2. Se o sujeito no estado A2 não é o mesmo A do estado anterior, então não foi A1 o sujeito de mudança; se, inversamente, o estado A2 não se refere ao mesmo sujeito A, então A2 não é predicado da proposição referente à mudança de A1. É impossível decidir se a negação da continuidade de A de A1 para A2 diz que não houve a mudança ou que o sujeito foi outro. A negação é portanto ambígua, ou equívoca. Não tem sentido. Logo, a unidade do sujeito da mudança (sujeito da ação ou da paixão) é auto-evidente.

6. Que não há auto-evidência hipotética

1. Para que uma evidência fosse hipotética, seria necessário que sua contraditória pudesse ser admitida como hipotética também.
2. Mas a contraditória de uma evidência é ambígua, logo sua formulação não conteria somente a negação da evidência e sim também sua afirmação.
3. Logo, a evidência não pode ser hipotética. Ou uma proposição é evidente, ou não é. O critério da impossibilidade da contraditória unívoca resolverá todas as dúvidas que se apresentarem.

7. Que o auto-evidente é necessariamente verdadeiro

1. Não podendo ser hipoteticamente verdadeiro, o auto-evidente só pode ser taxativamente verdadeiro.
2. Não tem sentido formular uma sentença como "x é hipoteticamente taxativamente verdadeiro", que recairia nas objeções do item 2 do § 6.
3. Logo, não há alternativa senão aceitar a verdade da evidência.
4. A mente, no entanto, pode-se recusar a fazê-lo. Por que o homem pode recusar a evidência? Porque ele pode se recusar a inteligir. Porque o exercício da inteligência, no homem, é livre e não necessário, já que, se fosse necessário, o homem inteligiria tudo necessariamente, coisa que se vê, por experiência, que não acontece, mas que a definição mesma do homem, adiante, nos esclarecerá em seu sentido metafísico mais profundo.
5. A recusa da evidência pode ter significado moral e psicológico, mas intelectualmente nada significa e cai fora da esfera de interesse da metafísica.

8. Outro exemplo de proposição auto-evidente

1. "Eu estou aqui": Esta proposição é auto-evidente sempre que proferida por um sujeito a respeito de si mesmo, não é tautológica e é unívoca.
2. Sua contraditória, "Eu não estou aqui" significa "Não sou eu quem está aqui", ou "Este lugar não é aqui"? Sendo impossível decidir, a proposição é ambígua, e portanto "Eu estou aqui" é auto-evidente.

9. Que a prova de Sto. Anselmo é auto-evidente e necessariamente verdadeira

1. Um ser absolutamente necessário existe necessariamente, diz a prova de Sto. Anselmo.
2. A objeção de Kant é que o ser assim definido é definido por nós, portanto sua exitência é hipotética, fundando-se na suposição — feita por nós — de que o ser nela definido é absolutamente necessário.
2. A contraditória é "Um ser absolutamente necessário nãoexiste necessariamente" ou "Um ser absolutamente necessario necessariamente inexiste?" Sendo impossível decidir, é proposição equívoca e não tem sentido.
3. Logo, a prova de Sto. Anselmo é auto-evidente.
4. Não havendo auto-evidência hipotética (7:1-5), a prova de Sto. Anselmo é necessariamente verdadeira.

10. Que não existem auto-evidências lógicas puramente formais, isto é, que não sejam também ontológicas

1. Verdade puramente formal é aquela que se verifica necessariamente no campo das relações lógicas, não porém necessariamente no campo da experiência. É, portanto, uma proposição hipotética.
2. Não existindo auto-evidências hipotéticas, nenhuma proposição auto-evidente é puramente formal.

11. O domínio da Lógica

1. Toda proposição lógica funda-se em última análise em princípios auto-evidentes. Por que então o domínio do lógico não coincide inteiramente com o do verdadeiro? É porque o conjunto das consequências logicamente necessárias, podendo partir de qualquer premissa e não de premissas auto-evidentes, não é auto-evidente, apenas logicamente consistente.
2. Identifica-se, portanto, com a extensão do quenecessariamente possível, não necessariamente verdadeiro. Ou seja: é impossível que uma consequência lógica deduzida de princípios auto-evidentes seja impossível, mas nem todo o possível é necessário.
3. A lógica distingue-se pois da metafísica na medida em que esta afirma positivamente o necessário, ao passo que aquela apenas afirma apenas a possibilidade necessária.
4. A possibilidade necessária funda-se no necessário enquanto tal e não é um domínio independente, de vez que o "necessário hipotético" só existe a título de hipótese impossível. Ora, a lógica sem fundamento metafísico só poderia fundar-se no necessário hipotético e, portanto, ela própria só existe como hipótese impossível. A fragmentação das lógicas modernas deve-se precisamente à impossibilidade de reduzir as hipóteses impossíveis à unidade do necessário.

[Continua]


Apêndice: uma discussão no Fórum Sapientia

Reproduzo a seguir uma mensagem enviada ao fórum desta homepage pelo participante que adotou o pseudônimo de Villiers de L’Isle-Adam e a resposta que lhe dei. Essa mensagem foi que motivou a publicação do texto acima nesta homepage e a decisão de expor o assunto na próxima aula doSeminário de Filosofia. - O. de C.

Mensagem de Villiers

Prezados amigos,

Tenciono discutir, no presente tópico, algumas questões relativas ao célebre 'princípio da não-contradição' formulado por Aristóteles; para tanto, pretendo expor à consideração dos senhores um artigo sobre o supracitado tema, de lavra do notável lógico, matemático e filósofo polonês Jan Lukasiewicz (1878-1956), um dos expoentes, ao lado de Kazimierz Twardowski (1866-1938) e Stanislaw Lesniewski (1886-1939), da renomada escola de lógica que se formou nas universidades de Lvov e Varsóvia. O estudo de Lukasiewicz, "O Zasadzie Sprecznosci u Arystotelesa: Studium Krytyczne", foi publicado originalmente 1910, podendo, no entanto, ser encontrado no número XXIV da Review of Metaphysics, traduzido por Michael V. Wedin sob o título "On the Principle of Contradiction in Aristotle: A Critical Study".
Aristóteles, no Livro IV da Metafísica, apresenta o princípio da não-contradição de três maneiras distintas, que serão denominadas por Lukasiewicz como formulações 'ontológica', 'lógica' e 'psicológica'. O esforço analítico do lógico polonês, todavia, irá se concentrar sobretudo nas formulações ontológica e lógica. Para o Estagirita, elas são equivalentes, tendo-se em mente que uma proposição, para ser verdadeira, deve estar conforme à realidade objetiva. As formulações ontológica e lógica seriam, portanto, verdadeiras pela circunstância de o mundo ser, metafisicamente, tal como é. Devemos ainda ressaltar que o princípio da não-contradição é, na perspectiva de Aristóteles, uma lei final, indemonstrável. Exigir uma demonstração, uma fundamentação última do 'princípio', seria incidir num retrocesso que não poderia deixar de ser infinito, incidir numa exigência que, pela própria natureza da questão em pauta, não poderia ser satisfeita. E, se existe algo que pode ser conhecido sem provas, que haveria de mais ajustado a essa espécie de conhecimento do que a lei da não-contradição, um princípio do qual é impossível duvidar ao pensarmos?
Com o propósito, todavia, de evidenciar a necessidade do princípio da não-contradição, o Estagirita propõe uma série de argumentos que, refutando a possibilidade da contradição na ordem do Discurso, procuram justificar o princípio. Lukasiewicz denomina tais argumentos como "demonstrações elênticas e apagógicas", muito embora Aristóteles, deve-se sublinhar, jamais tenha pensado neste conjunto de deduções em termos de demonstrações 'positivas' do princípio. Parece evidente, a meu juízo, que o objetivo da estratégia de Aristóteles é o de comprovar que, admitindo-se a contradição, destrói-se o Discurso, rompe-se a possibilidade de comunicação racional, uma vez que os símbolos deixam de atuar como símbolos, não mais podendo refletir a Realidade no Discurso. Além disso, Aristóteles procura evidenciar, especialmente nas demonstrações apagógicas, as conseqüências absurdas a que somos levados quando negamos o princípio da não-contradição.
Não sendo razoável, e nem tampouco desejável, reproduzir aqui todos os passos da minuciosa análise de Lukasiewicz, gostaria de examinar, no entanto, as considerações mais relevantes que o lógico polonês extraiu de seu percurso argumentativo.
Em primeiro lugar, Lukasiewicz constata que o princípio da não-contradição não pode ser demonstrado com base em sua evidência; com efeito, a 'evidência' em si mesma não constitui critério seguro de verdade. Também resultaria inconseqüente, por outro lado, a tentativa de se derivar o Princípio a partir de nossa estrutura psíquica, uma vez que leis psicológicas apenas são suscetíveis de comprovação através do método experimental, e este não nos autoriza sequer a formular a Lei da não-contradição como princípio válido em primeira aproximação. Uma terceira possibilidade seria, então, procurar deduzir o Princípio da definição de 'negação' ou de 'falsidade'. Se "A não é B" exprime, por exemplo, simplesmente a falsidade de "A é B", para natural concluir que essa definição acarreta o Princípio. Contudo, nos diz Lukasiewicz, isto não ocorre na realidade: mesmo que aceitemos como correta a definição precedente de falsidade, nada impede que as proposições "A é B" e "A não é B" sejam ambas verdadeiras; apenas se impõe, como conseqüência, que a proposição "A é B" é simultaneamente falsa e verdadeira. A Lei da não-contradição envolve a noção de conjunção, e não decorre unicamente da definição de falsidade (ou negação). O lógico polonês nos chama a atenção para outra definição de 'verdade' e 'falsidade' que, de uma certa maneira, parece ser mais fecunda que a tradicional: a proposição "A é B" é verdadeira se corresponde a algo objetivo; falsa, em caso contrário. Similarmente, "A não é B" é uma proposição verdadeira se representa vínculo objetivo; falsa, caso tal fato não se dê. Levando-se em consideração tais critérios, nada impede 'a priori' que as proposições "A é B" e "A não é B" sejam ambas verdadeiras, desde que representem situações objetivas.
Lukasiewicz também observa que qualquer defesa do princípio da não-contradição deve, necessariamente, levar em conta o fato de que existem 'objetos contraditórios', como, por exemplo, o Círculo Quadrado de Meinong. Para tais objetos, claro está que o Princípio não é válido. Obviamente o lógico polonês não pressupõe que Aristóteles pudesse ter trabalhado com base em tais considerações, que fazem parte de um acervo de estudos que começou a se desenvolver apenas a partir de meados do século XIX, no esteio do florescimento da lógica simbólica. Entretanto, isso não nos impede de salientar a relevância intrínseca da observação de Lukasiewicz: a existência de 'objetos contraditórios' foi confirmada pelos desdobramentos recentes da lógica, particularmente pela Teoria dos sistemas formais inconsistentes. Podemos hoje atestar a existência de teorias lógico-matemáticas onde aparecem objetos contraditórios e que, por conseguinte, derrogam o princípio da não-contradição. Tendo em vista tais perspectivas, o Princípio não se mostra tão absoluto e intocável quanto poderia parecer à primeira vista. Aliás, Lukasiewicz afirma que, mesmo para Aristóteles, o princípio da não-contradição não poderia ser uma lei suprema, ao menos na acepção de que constitui pressuposição necessária de todos os demais axiomas lógicos. Citando célebre passagem de Aristóteles nos Analíticos Posteriores (An. Post. A, 11, 77a 10-22), o lógico polonês assevera que o seguinte silogismo seria válido, de acordo com os postulados do Estagirita:
B é A (e também não é não-A)
C, que é não-C, é B e não-B
_________________________
C é A (e não é também não-A)
O silogismo anterior é, portanto, válido, embora a lei da não-contradição seja violada. Meus parcos conhecimentos de silogística não me permitem verificar se, de facto, o silogismo proposto por Lukasiewicz é válido ou não no quadro da lógica aristotélica; no entanto, se o lógico polonês estiver correto, será imperativo aceitarmos a existência de leis válidas de raciocínio que independem do princípio da não-contradição.
A questão central a que agora chegamos pode ser apresentada da seguinte forma: existem 'objetos' em relação aos quais estamos certos da vigência do princípio da não-contradição? Em sua análise, Lukasiewicz irá destinguir três tipos de objetos: 1) os objetos reais; 2) as "abstrações construtivas", livres criações do intelecto, como, por exemplo, os objetos da matemática clássica; 3) as "abstrações reconstrutivas", que são conceitos elaborados para representar coisas reais.
No tocante às abstrações construtivas, paradoxos como o que Bertrand Russell (1872-1970) descobriu em 1901, ao considerar a questão do Conjunto de todos os conjuntos que não são membros de si mesmo, indicam que, na maioria dos casos, jamais teremos certeza de que não irão violar o princípio da não-contradição. No que concerne às abstrações reconstrutivas, que bem espelham o realidade objetiva, e aos objetos reais, eles parecem estar protegidos da contradição. Com efeito, parece haver certeza de que não existem contradições diretamente perceptíveis na Realidade, pois as negações correlacionadas a juízos de percepção não são elas mesmas perceptíveis, pelo menos em nossa experiência cotidiana. No atual estágio de nosso conhecimento, temos a tendência a admitir como correta a constatação de qualquer contradição 'real' só pode ser 'mediata', resultado de inferências. Por outro lado, no entanto, não podemos esquecer o fato de que, desde os primórdios da filosofia, é recorrente a tese de que o 'movimento' e a 'mudança' necessariamente envolvem contradições (a este respeito, podem ser mencionadas as aporias de Zenão de Eléia). Muito embora essas dificuldades lógicas tenham sido sempre eludidas por meio de esquemas teóricos, posto que decorrem de inferências, não parece haver nenhum prova definitiva de que não existam contradições no 'mundo' objetivo. Portanto, não existe, também, qualquer prova positiva e inequívoca de que o princípio da não-contradição possui plena vigência em relação aos objetos reais e abstrações reconstrutivas. Contudo, na medida em que podemos verificar que o Princípio é 'útil', devemos encará-lo apenas como suposição ou hipótese que norteia e confere forma à indagação científica, regulamentando certas teorizações do Real.
Para Lukasiewicz, pois, o princípio da não-contradição carece de qualquer dignidade lógica a priori; possui, não obstante, um valor ético e 'prático' sumamente importante. Como enfatiza o lógico polonês, se não aceitássemos a validade do Princípio para as atividades 'práticas', estaríamos sujeitos a toda sorte de problemas. Assim sendo, para a vida ordinária (atividades comunicativas, sociais, etc.), como Aristóteles já havia assinalado, o princípio da não-contradição constitui pressuposto fundamental. Todavia, é necessário sublinhar que imprescindibilidade prático-ética do Princípio é matéria totalmente distinta de sua validez lógico-teórica. A conclusão de Lukasiewicz a este respeito não deixa de ser assaz perturbadora: a necessidade de se reconhecer como 'válida' a lei da não-contradição é tão somente um sintoma da imperfeição ética e intelectual do Homem. O lógico polonês sustenta que Aristóteles percebeu a importância prático-ética do princípio da não-contradição, mesmo que tal constatação não tenha sido claramente formulada em sua obra. Numa época em que o declínio político da Grécia já era patente, o Estagirita tornou-se o fundador e principal promotor de um trabalho filosófico-científico sistemático e de grande rigor. É muito provável que o filósofo grego, especula Lukasiewicz, encarasse todo esse esforço intelectual como um instrumento poderoso para a futura grandeza de sua nação. A negação do Princípio, por conseguinte, deixaria livre o caminho para toda a sorte de falsidades e incertezas, abalando as então frágeis estruturas da investigação científica. Por esse motivo, observa o lógico polonês, Aristóteles voltou-se contra os oponentes do Princípio de modo fervoroso, com uma veemência de linguagem pouco habitual em sua obra. Numa analogia singular, Lukasiewicz nos diz que o filósofo grego combatia pelo princípio da não-contradição como se duelasse por bens pessoais.
Concluindo seu artigo, Lukasiewicz argumenta que Aristóteles,talvez justamente por ter percebido a fraqueza e a inconsistência de seus postulados, mas tendo plena consciência da importância 'prática' que ela envolvia, acabou por estabelecer o princípio da não-contradição como fronteira última que não poderia ser ultrapassada por um discurso racional.
Encerrando está já demasiado longa mensagem, devo dizer que, na qualidade de mero principiante no estudo de Aristóteles, não possuo os predicados necessários para asseverar a pertinência das posições de Jan Lukasiewicz a respeito da lógica aristotélica; se não posso afiançar, no entanto, a veracidade de suas críticas, gostaria de louvar, em primeiro lugar, a invulgar sutileza conceitual da engenharia analítica desenvolvida pela lógico polonês, bem como a criatividade e ousadia de suas proposições. Gostaria de ter a oportunidade de discutir estas idéias com estudiosos abalizados de Aristóteles, e gostaria, sobretudo, de saber como o professor Olavo de Carvalho, sendo um profundo conhecedor da filosofia aristotélica, avaliaria o pensamento de Lukasiewicz.

Cordialmente,
Villiers de L'Isle-Adam

Resposta de Olavo de Carvalho


Prezado amigo,

Você e os demais participantes estão elevando este fórum ao nível do mais importante debate cultural brasileiro dos últimos anos, talvez o único importante, se por esta palavra se entende aquilo que toca em problemas essenciais e não aquilo que é tocado pelas graças da mídia iletrada.
Quanto às suas observações, não tenho em mãos no momento o famoso estudo de Lukasiewicz, nem posso dar a resposta extensiva que elas merecem. O que posso dizer por enquanto é que:
O princípio de identidade é de ordem metafísica e sua contestação, para valer, tem de ser metafisicamente válida. A de Lukasiewicz não é nem pretende ser. Ela pretende apenas demonstrar que na lógica construtivista podemos lidar com objetos contraditórios (coisa que Aristóteles não apenas não contesta, mas afirma resolutamente), e obviamente todos os objetos dessa lógica existem apenas como definições hipotéticas e não têm o mínimo alcance metafísico. A possibilidade de construir raciocínios contraditórios é a base mesma dadialética de Aristóteles, mas Aristóteles jamais cairia na esparrela de confundir a ratio arguendi com a ratio essendi. Quando Lukasiewicz afirma que "existem" objetos contraditórios, a palavra "existência" é aí usada para designar a mera possibilidade de uma coisa ser logicamente construída. É um erro tão primário que não mereceria atenção, se não fosse pela elegante linguagem lógica que o encobre.
Toda a argumentação de Lukasiewicz destinada a impugnar o princípio de identidade subentende a identidade das proposições e conceitos que a expressam. Este é o típico caso de uma regra geral que tenho adotado como critério para o exame crítico de teorias filosóficas: quando o fato mesmo de uma teoria ser enunciada desmente o conteúdo dessa teoria, a teoria pode ser descartada como simples caso de confusão mental. Quando Lukasiewicz afirma que as proposições "A é B" e "A não é B" podem coexistir logicamente, ele não apenas não distingue entre coexistência "in re" e "in verbis" (distinção que está fora do alcance do puro construtivismo), como também subententende como constantes e idênticas a si mesmas as definições de A e de B, pois, se lhes aplicasse o mesmo princípio da coexistência dos contraditórios que acaba de afirmar, não teria duas e sim quatro definições, e assim por diante indefinidamente, o que mostra que sua pretensa contestação do princípio de identidade dá por pressuposta a validade desse mesmo princípio, apenas mostrando que sua negação é pensável, porém pensável, precisamente, como autocontradição que se automultiplica indefinidamente.
Toda essa confusão nasce do mau hábito de cortar as ligações da lógica com a ontologia, obtendo uma lógica de pura invenção construtivista da qual se tiram, em seguida conclusões que pretendem ser ontologicamente válidas, introduzindo subrepticiamente no discurso termos como "existência". Tudo isso é de uma burrice sem par, aliada a uma formidável malícia.
Dizer, por exemplo, que a noção de identidade envolve a noção de conjunção, é coisa válida em pura lógica construtivista, mas não em metafísica. Na identidade de um ser consigo mesmo não há conjunção nenhuma. A conjunção entra em jogo apenas na construção da proposição lógica que traduz essa identidade para o microcosmo verbal. Atribuir, retroativamente, à identidade do ser as qualidades formais da proposição que o designa é o mesmo que pentear, em vez dos próprios cabelos, a sua imagem no espelho.
É verdade que Lukasiewicz admite a distinção entre validade lógica e ontológica, mas, na medida em que ele admite também uma lógica não-ontológica que ao mesmo tempo possa servir de critério de veracidade nas ciências, essa admissão fica sem efeito, de modo que ele pode continuar a tirar impunemente conclusões ontológicas de puros formalismos construtivos. Enfim, é uma confusão dos diabos.
Os demais esclarecimentos que posso dar a respeito estão no texto sobre "Identidade e univocidade" – trecho do meu livro em preparo "O Olho do Sol" - que eu pretendia divulgar mais tarde, mas que esta discussão me sugere ser oportuno descarregar na minha homepage agora mesmo.

Um abração do

Olavo de Carvalho

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