sábado, 26 de julho de 2014

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE: ASPEPECTOS CONCEITUAIS, ABORDAGEM CLÍNICA E DIAGNÓSTICA


Vol. 7 , N.  1  - Envelhecimento Humano
Artigos de Revisão
COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE: ASPEPECTOS CONCEITUAIS, ABORDAGEM CLÍNICA E DIAGNÓSTICA
Rená S.G.Clemente1
Sergio T. Ribeiro-Filho2
1. Especialização em Geriatria e Gerontologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ. Médica da Secretaria Municipal de Saúde de Volta Redonda. Médica da Companhia Siderúrgica Nacional.
2. Médico do CIPI da UnATI/UERJ Vice-Presidente da SBGG RJ.
Rená S.G.Clemente
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Sergio T. Ribeiro-Filho
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Resumo

Nos últimos anos, o conceito de Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) em idosos tem sido um tópico muito presente na literatura sobre envelhecimento e demência. Esta condição refere-se a idosos que têm algum grau de perda cognitiva quando comparados a pessoas normais da mesma faixa etária, mas que não preenchem critérios para demência. Estudos epidemiológicos mostram que estes idosos, especialmente aqueles com subtipo amnéstico, têm maior risco de desenvolver Doença de Alzheimer (DA). A importância do tema se justifica pela possibilidade de se determinar marcadores que possam sinalizar o grupo de indivíduos que evoluirá para um quadro demencial, e também pela perspectiva de intervenção neste grupo visando impedir este desfecho. O presente estudo discute os principais aspectos conceituais, clínicos e terapêuticos relacionados ao CCL.

Descritores: Comprometimento cognitivo; Envelhecimento; Memória; Demência; Doença de Alzheimer.


Abstract

In recent years the construct of Mild Cognitive Impairment (MCI) in the elderly has been a frequent topic in the literature on aging and dementia. This condition refers to individuals who have demonstrable cognitive impairment when compared to age matched controls but who do not meet the criteria for dementia. Epidemiological studies show that elderly with MCI have a higher risk of developing Alzheimer's disease (DA), especially those who have the amnestic subtype. The interest in this topic is justified by the necessity to discover biomarkers that can identify the individuals who will ultimately progress to dementia, and the possibility of developing interventions that can prevent this from happening. The current review discusses the recent conceptual basis, and the clinical management of patients with mild cognitive impairment.

Keywords: Cognitive impairment; Aging; Memory; Dementia; Alzheimer disease.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o conceito de CCL em idosos tem sido amplamente discutido na literatura sobre envelhecimento e demência. Refere-se a idosos que têm algum grau de perda cognitiva quando comparados a pessoas normais da mesma faixa etária, mas que não preenchem critérios para demência14,19 podendo representar, em alguns casos, um estágio de transição entre as alterações cognitivas que fazem parte do envelhecimento normal e os primeiros sintomas da DA5. Alguns estudos têm sugerido que o CCL pode representar um fator de risco para DA, tendo em vista a taxa de conversão para esta patologia, em torno de 10 a 15% ao ano, contrastando com a de indivíduos normais, em quem ela varia de 1 a 2% ao ano19. Este artigo tem por finalidade apresentar uma atualização sobre CCL enfatizando seus aspectos conceituais, a abordagem clínica, diagnóstica e terapêutica, destacando a interface entre o envelhecimento cerebral normal e o patológico.


ENVELHECIMENTO CEREBRAL

"Seu poder de concentração diminuía de ano para ano, até o ponto em que precisava anotar num papel cada jogada de xadrez para saber por onde ia. Mas ainda lhe era possível ocupar-se de uma conversação séria sem perder o fio de um concerto...".

Gabriel García Márquez, "O amor nos tempos do cólera".

O envelhecimento normal pode ser acompanhado de certo grau de declínio cognitivo, mas que não chega a interferir substancialmente com as atividades do dia a dia. Aparentemente esta alteração decorre de uma redução da velocidade de processamento de informações e de mudanças em certas habilidades cognitivas específicas, em especial a memória, a atenção, e as funções executivas12.

A prevalência de queixas de memória em idosos na comunidade é alta, com variação de 22% a 56%, correspondendo às alterações cognitivas mais evidentes nesta população10. A tabela 1 descreve os principais tipos de memória, e dessas, as mais afetadas no envelhecimento não patológico são a memória de trabalho e a memória episódica. Esta última diz respeito a informações recentes associadas ao cotidiano, e o seu comprometimento é o principal responsável pela queixa de esquecimento nos idosos2. Já as memórias de procedimentos e semântica costumam estar relativamente preservadas2. Os idosos normais conseguem ter um bom desempenho com relação à atenção seletiva, onde eles se concentram em um objeto ou em um evento de cada vez, mas nas situações que envolvem a atenção dividida, em que é preciso fazer mais de uma tarefa simultaneamente, o rendimento é inferior ao do adulto jovem6.




As chamadas funções executivas estão relacionadas, entre outras coisas, com a capacidade de se estabelecer e modificar estratégias de acordo com a necessidade, e também compreendem análise, planejamento e monitorização, com o objetivo de organização de ações e comportamentos complexos. O seu comprometimento pode ser evidenciado por uma maior dificuldade na resolução de tarefas cotidianas e de problemas mais elaborados, como jogar xadrez, por exemplo. No envelhecimento normal, porém, essa perda não chega a interferir na autonomia do paciente2.

Em relação ao desempenho cognitivo como um todo, imagina-se que possa existir um continuum de perdas, que vai desde o conjunto de deficiências brandas descritas acima, até chegar aos quadros mais graves que caracterizam as síndromes demenciais. O principal divisor de águas, no caso da demência, é que essas perdas são suficientemente grandes para interferir na capacidade de executar as atividades de vida diária, levando, por último, à perda da autonomia e da independência.

Numa posição intermediária deste espectro, encontra-se um grupo de indivíduos que têm certo grau de comprometimento cognitivo, especialmente da memória, maior que o esperado para a idade, mas que não preenchem os critérios para o diagnóstico de demência. Alguns desses indivíduos manterão esta alteração cognitiva estável, podendo inclusive apresentar melhora do quadro; por outro lado, outros irão apresentar uma trajetória desfavorável evoluindo para um quadro demencial.

Do ponto de vista anátomo-patológico, comparando-se o cérebro de um idoso ao de um adulto jovem, se observa certo grau de redução de volume, que ocorre de forma irregular com uma preferência por determinadas áreas, como as regiões hipocampais, importantes para a memória, e os lobos frontais, responsáveis pelas funções executivas7. O número de células nervosas decresce no envelhecimento e a extensão da perda neuronal é variável em função da região examinada, sendo mais pronunciada também no hipocampo e nos lobos frontais7,1. As placas senis (PS) são estruturas extracelulares constituídas principalmente por acúmulo de depósito de peptídeos β-amiloide (Aβ), que são fragmentos protéicos originados a partir da proteólise da proteína precursora de amiloide (PPA)7. Os emaranhados neurofibrilares (ENF) são estruturas intraneuronais, de filamentos helicoidais pareados, que são compostas por agregados da proteína tau fosforilada16. A pequena quantidade de PS e ENF encontrados no envelhecimento normal não têm em si significado patológico21, enquanto na DA estes elementos estão presentes com intensidade maior e com grande perda neuronal. Estudos neuropatológicos mostram que idosos com comprometimento cognitivo, sem critérios para demência, podem apresentar PS e ENF num padrão intermediário entre o envelhecimento normal e a DA5,14,19,22.


ASPECTOS CONCEITUAIS

Nas últimas décadas, diferentes termos têm sido usados por diversos autores para se referir às alterações cognitivas que ocorrem durante o processo de envelhecimento, como por exemplo: "Esquecimento Senil Benigno'', por Kral em 1962; "Comprometimento de Memória Associada à Idade", por Crook e colaboradores em 1986; "Declínio Cognitivo Relacionado à Idade", em 1994 pelo Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais Americano- DSM IV; "Transtorno Cognitivo Leve" pela Classificação Internacional de Doenças- CID 10 em 1992 e "Mild Cognitive Impairment'' em 1999 por Petersen e colaboradores, entre outros.

As primeiras definições propostas objetivaram caracterizar o distúrbio somente dentro dos limites do processo fisiológico do envelhecimento normal8,11,19 posteriormente, outros sistemas de classificação diagnóstica surgiram, tentando identificar indivíduos com maior risco de desenvolver um processo demencial. Todos estes conceitos referem-se a condições intermediárias entre o normal e o patológico8, e esta diversidade talvez se deva ao fato de ainda não se dispor de recursos diagnósticos eficientes o suficiente para se delimitar a fronteira entre as modificações observadas no envelhecimento normal e aquelas que ocorrem nos estágios iniciais da demência.

O termo "Mild Cognitive Impairment'' (MCI)10,11,12, proposto por Petersen e colaboradores, aqui traduzido como Comprometimento Cognitivo Leve, (CCL), é o recomendado pela Academia Americana de Neurologia, e trata-se de um conceito em evolução6,25. Os critérios iniciais limitavam o comprometimento principalmente ao domínio da memória, fortalecendo o construto do CCL amnéstico. Mais recentemente esses critérios foram ampliados14,22, conforme mostra a Tabela 2, e incluem indivíduos que apresentam algum tipo de comprometimento cognitivo consistente, não necessariamente limitado à memória, embora esse seja o padrão mais comum, preferentemente corroborado por um informante14. O desempenho, especialmente nos testes psicométricos, é um pouco abaixo do esperado para indivíduos da mesma faixa etária e nível educacional. Do ponto de vista funcional os indivíduos são essencialmente independentes, ou seja, capazes de desempenhar suas Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD), portanto não preenchendo os critérios para o diagnóstico de demência5,11,19,25. Estima-se que cerca de 3% da população idosa preencha esses critérios10. Vale ressaltar que, embora os dados neuropsicométricos sejam importantes, principalmente para demonstrar que o desempenho cognitivo é abaixo do esperado, o diagnóstico de CCL ainda é, em última análise, dependente da impressão clínica14.




O CCL é classificado em dois subtipos principais: amnéstico e não amnéstico (Fig.1)18,25. O subtipo amnéstico é o mais conhecido e faz referência a indivíduos com comprometimento da memória, especialmente a episódica, abaixo do esperado para a idade, podendo existir de forma isolada, neste caso sendo denominado CCL amnéstico único domínio, ou ser acompanhado por menores défices cognitivos em outros domínios como linguagem, funções executivas, ou habilidades visuo-espaciais, neste caso chamado CCL amnéstico múltiplos domínios19. No CCL não amnéstico a memória está preservada, e como no anterior pode haver apenas um domínio comprometido ou múltiplos, então denominados CCL não amnéstico único domínio e CCL não amnéstico múltiplos domínios25.


Figura 1. Algoritmo diagnóstico para os subtipos de CCLCCLCCL. Adaptado de Petersen et al. 14,19.



O CCL pode estar relacionado a uma heterogeneidade de condições clínicas18,25, como o mal de Alzheimer, doença cérebro vascular, atrofia fronto-temporal, doenças cardiovasculares, trauma craniano, distúrbios metabólicos, e depressão entre outros. Alguns estudos mostram certa correlação entre o subtipo de CCL, suas possíveis etiologias e o tipo de evolução. Por exemplo, o CCL amnéstico, que é o mais citado na literatura, tem uma presumível etiologia degenerativa, e os pacientes tenderiam a progredir para DA14,19.


ABORDAGEM CLÍNICA DO CCL

Avaliação clínica

Uma breve investigação da função cerebral deve fazer parte da avaliação dos idosos; não leva mais que poucos minutos, devendo ser incorporada ao exame médico1. A anamnese do paciente que chega ao consultório com queixas de alterações cognitivas deve incluir a busca de evidências de mudanças no aspecto cognitivo nos últimos anos e sinais de que essas possíveis deficiências possam estar associadas a perdas funcionais, especialmente nas AIVD. Muitas vezes, a atenta observação do relato do paciente, verificando sua capacidade de fornecer uma história coerente, com seqüência apropriada, sem muitas dificuldades para encontrar as palavras necessárias, já pode render informações valiosas1.

A confirmação dos sintomas por um cuidador, parente, amigo ou outra pessoa que tenha contato regular com o paciente8,19, é fundamental, pois ajuda a determinar o quanto o indivíduo mudou em relação às suas próprias capacidades, sendo útil em especial, nas situações onde o déficit é muito leve ou questionável.

Falhas na memória parecem ocorrer quando indivíduos normais estão fora de suas atividades rotineiras, ou cansados, ou quando solicitados a recordarem de informações não utilizadas recentemente, ou estão desconcentrados ou sob estresse. Entre as alterações mais referidas estão: nomes, onde foram colocados objetos, número de telefone que acabou de olhar e palavras8,19. Estas queixas passam a ter significado maior quando começam a interferir no cotidiano do paciente, sendo importante a comparação do seu desempenho atual com o do passado, ou com o dos amigos contemporâneos.

Considerando que a polifarmácia é um problema comum na população idosa, é fundamental investigar o uso de medicamentos que possam estar interferindo com a cognição, como mostra a Tabela 3.




A presença de depressão8,25 deve ser bem avaliada, e a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) pode ser útil como instrumento de rastreamento neste processo. A depressão pode se acompanhar de transtornos cognitivos, como desorientação, lentidão psicomotora, e, principalmente, de déficits de memória, atenção, e concentração, sendo causa comum de confusão diagnóstica tanto com CCL quanto com processos demenciais. Em algumas situações, as queixas de memória podem ser os únicos sintomas por parte do paciente depressivo, e como se trata de condição potencialmente tratável, seu diagnóstico é obrigatório.

Avaliação cognitiva

Não existem ainda testes neuropsicométricos específicos para a avaliação cognitiva no CCL22, devendo a mesma ser realizada pela investigação dos domínios cognitivos específicos envolvidos, tais como a atenção, a memória e as funções executivas. As informações obtidas são úteis tanto no diagnóstico do comprometimento, como no seu seguimento pelo controle da progressão dos défices, com exames seriados.

É importante frisar que todos os testes têm alta taxa de resultados falso-negativos quando aplicados em uma fase muito inicial de alterações cognitivas, ou em indivíduos com inteligência prévia elevada, e também de falso-positivos em indivíduos normais com baixa escolaridade, condição comum em nosso meio23.

O Miniexame do Estado Mental (MEEM), que é muito usado no atendimento primário para rastrear distúrbios cognitivos, consta de itens que avaliam a orientação temporal e espacial, aprendizagem e evocação, atenção e cálculo, linguagem e habilidades vísuo-espaciais15.

O Teste do Desenho do Relógio (TDR) avalia habilidades vísuo-espaciais, funções executivas e memória, sendo um teste de aplicação simples e rápido15.

Com relação à escala CDR (Clinical Dementia Rating Scale), que avalia o desempenho do indivíduo em várias dimensões (memória, comportamento social e atividades de vida diária), idosos com CCL ou com demência incipiente são classificados como CDR 0.58,11,14,17,19.

Os testes acima são úteis numa avaliação inicial; entretanto, nos indivíduos com suspeita de comprometimento cognitivo, apesar de resultados normais, e também naqueles com escores inferiores aos pontos de corte previstos, pode ser necessário uma avaliação neuropsicométrica mais detalhada14.

A avaliação funcional também deve ser realizada, estando o Índice de Katz de Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) e a escala de Lawton de Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) entre os instrumentos mais utilizados para este fim25.

EXAMES COMPLEMENTARES

A investigação complementar deve ser planejada individualmente, partindo-se de um roteiro básico incluindo exames como hemograma completo, glicemia, perfil lipídico, dosagem da Vitamina B12, estudo da função tireoideana, sorologia para sífilis e exames de neuroimagem14.

A tomografia computadorizada do crânio (TC) pode revelar, nas fases iniciais dos processos neurodegenerativos, alterações muitas vezes difíceis de serem diferenciadas do envelhecimento normal, como certo grau de atrofia cerebral, com perda de substância cinzenta e substância branca, acompanhada de aumento do tamanho dos ventrículos e alargamento dos sulcos e fissuras cerebrais3.

A ressonância magnética nuclear (RMN) pode mostrar reduções volumétricas do lobo temporal, especialmente giro para-hipocampal, amígdala e hipocampo, e do córtex entorrinal, que podem ser úteis para separar os indivíduos com CCL dos controles normais e também para identificar idosos com CCL com risco aumentado para conversão para DA5,14,19,25. A espectroscopia de prótons por RMN tem aparecido como método útil19 para o fornecimento de dados sobre alterações bioquímicas e metabólicas cerebrais.

Estudos com técnicas de RMN funcional demonstram que pacientes com CCL têm deficiência de perfusão arterial da região para-hipocampal durante tarefas de memorização, quando comparados a pessoas normais26. A tomografia por emissão de fóton único (SPECT) não tem se mostrado muito útil na avaliação desses pacientes. Já a tomografia por emissão de pósitrons (PET) é capaz de mostrar redução do metabolismo de glicose no lobo temporal medial nos pacientes com CCL, quando comparados com indivíduos normais9, mas a utilidade desse método na prática clínica ainda não foi estabelecida14.

Outra possibilidade em estudo é a medida não invasiva da quantidade de amilóide depositada no cérebro através de marcadores que se ligam de forma reversível ao amilóide cerebral e que podem ser quantificados com técnicas de PET24. Apesar das limitações impostas pelo alto custo destes métodos, espera-se que os mesmos possam vir a se tornar instrumentos úteis para auxiliar a detecção precoce das doenças neurodegenerativas.

Além dos exames referidos, encontra-se em estudo a utilização de marcadores bioquímicos e genéticos. Os marcadores bioquímicos pesquisados têm sido a proteína tau e o peptídeo β-amiloide (Aβ) no líquido cefalorraquidiano, sendo relatado um aumento da proteína tau e uma diminuição nos níveis do peptídeo Aβ 1-42 semelhante aos pacientes com DA, indicando que estes marcadores poderiam diferenciar precocemente um envelhecimento normal de um processo demencial incipiente. Estes exames, além de serem invasivos, ainda não têm sua utilidade clínica bem estabelecida14,25.

Com relação aos biomarcadores genéticos, a presença do alelo ε4 da Apolipoproteína E (Apo E) pode ser preditiva de um maior índice de progressão para DA, porém, até o momento, os dados são insuficientes para se recomendar a genotipagem rotineira da Apo E nos pacientes com CCL14,16,19,25.

Atualmente o emprego destes marcadores se limita ao campo da pesquisa científica1, mas é possível que seu uso, correlacionado a achados de neuroimagem, testes neuropsicométricos, e sintomas clínicos, venha trazer subsídios como indicadores diagnósticos e prognósticos em idosos com CCL25.


CCL COMO PREDITOR DE DEMÊNCIA

Os estudos de prevalência mostram taxas de conversão de CCL para DA em torno de 10 a 15% ao ano, enquanto que em indivíduos normais a evolução para DA é de 1 a 2 % por ano17. A Tabela 4 mostra o resumo destes resultados.




As seguintes variáveis tem sido relacionadas como predisponentes para conversão para DA: idade avançada, baixo nível de escolaridade22, CCL subtipo amnéstico14,18, grau de alteração cognitiva medido por avaliação neuropsicológica14, comprometimento funcional auto declarado ou por informante25, presumível etiologia neurodegenerativa18,25, redução volumétrica do córtex entorrinal e do hipocampo na RMN25, e presença do alelo ε4 da Apo E19,22.

Um estudo recente, que acompanhou a evolução de 539 pessoas com CCL amnéstico, demonstrou que testes neuropsicométricos simples, que incluem testes de evocação tardia de listas de palavras e o ADAS-cog, quando combinados, têm alto poder preditivo para a evolução para DA em 36 meses13.

Além do maior risco de evolução para demência, é importante ressaltar que existe um significativo aumento da morbidade e mortalidade entre idosos com CCL25 assim como maior necessidade de internação em instituições de longa permanência1.


ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Até o momento não existem evidências que o tratamento farmacológico no CCL possa ter um impacto na redução na taxa de conversão para DA1,5,14,25.

Dentre os medicamentos estudados estão: inibidores da colinesterase, anti-inflamatórios não esteroides, estrógenos, vitamina E, e Ginkgo biloba14. Os resultados dos diversos estudos em curso poderão ser reavaliados nos próximos anos, trazendo novas perspectivas para o tratamento medicamentoso no CCL.

Petersen e colaboradores20, em um estudo com o uso de donepezil em CCL com um seguimento de 3 anos, encontraram uma menor progressão para DA nos primeiros 12 meses, em relação ao grupo em uso de placebo, mas o resultado não se manteve até o final do estudo. Porém, no subgrupo dos portadores do alelo ε4 da Apo E que usaram Donepezil, observou-se uma resposta melhor.

Um estilo de vida cognitivamente engajado parece ter um efeito protetor para demência. Embora ainda não devidamente valorizada, a intervenção cognitiva vem aparecendo em diversos estudos como uma das possibilidades promissoras em CCL para prevenir ou retardar uma progressão para demência.

É essencial o controle de patologias como depressão, hipertensão arterial, arritmias cardíacas, dislipidemias, obesidade e diabetes mellitus, que por si, já são fatores de risco para a evolução para um quadro demencial8,25.

Finalmente, com relação às medidas gerais recomenda-se a adoção de hábitos saudáveis, como uma dieta adequada, atividade física regular e cessação do tabagismo. A intervenção envolvendo o suporte psicológico, planejamento dos compromissos financeiros, seguro de saúde e organização da rotina da vida cotidiana8, pode proporcionar uma melhor qualidade de vida ao idoso com CCL e sua família.


CONCLUSÃO

O CCL é um conceito relativamente novo, com as primeiras referências datadas de 1999, mas atualmente é um dos temas mais estudados em geriatria. O desafio para os clínicos é identificar o subgrupo de indivíduos que progredirá para demência. Espera-se que avanços na tecnologia diagnóstica possam, no futuro, fornecer o instrumental necessário, e que, paralelamente, surjam avanços no tratamento farmacológico capazes de impedir o curso da perda cognitiva progressiva. De toda forma, a Academia Americana de Neurologia recomenda que esses pacientes sejam acompanhados e sua evolução monitorizada. Por outro lado, a detecção do problema nos seus estágios iniciais teria vantagens, já que possibilitaria a preparação da família e a adoção de algumas intervenções que minimizassem o sofrimento do paciente e lhe proporcionassem uma melhor qualidade de vida.

No curto prazo, o que se pode fazer de mais impacto, apesar dos parcos recursos diagnósticos e terapêuticos, é alertar, e se possível treinar o profissional de atendimento primário a reconhecer os sintomas e sinais, muitas vezes sutis, dessa perda cognitiva incipiente, para que se possa iniciar uma avaliação diagnóstica mais precisa, seja pelo próprio, aplicando, por exemplo, testes neuropsicométricos de triagem, ou encaminhando o paciente a centros mais especializados. Isto poderá trazer benefícios para o paciente, sua família, e para a sociedade como um todo.


REFERÊNCIAS

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quarta-feira, 23 de julho de 2014

Psicomotricidade na Educação Física Escolar: Importância e aplicabilidade

psicomotricidade

Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo.



Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização. 

A Educação Física Escolar nos dias atuais levou-nos a perceber as diversas possibilidades de garantir a formação integral dos alunos por meio do movimento humano. No entanto, a busca por ferramentas de auxilio na aprendizagem escolar tem se tornado uma constante multidisciplinar, na qual a Educação Física e o conhecimento da psicomotricidade nas aulas abrangem a relação desenvolvimento motor e intelectual da criança. Compreendendo que os estudos atuais ultrapassam os problemas motores, pesquisam-se as ligações com as áreas psicomotoras: Coordenação Motora Fina e Global, Estruturação Espacial, Orientação Temporal, Lateralidade, Estruturação Corporal e as relações com a aprendizagem no contexto escolar. 

Segundo Barreto (2000) o desenvolvimento psicomotor é importante na prevenção de problemas de aprendizagem. Portanto, a psicomotricidade nas aulas de Educação Física pode auxiliar na aprendizagem escolar, contribuindo para um fenômeno cultural que consiste de ações psicomotoras exercidas sobre o ser humano de maneira a favorecer comportamentos e transformações. O homem comunica-se através da linguagem verbal, também através de gestos, movimentos, olhares, forma de caminhar - sua linguagem corporal. A esta comunicação, a este estar-no-mundo intenso dentro do limite da corporeidade-espaço próprio do sujeito, pode-se nominar psicomotricidade.

Embora, conforme admitem os próprios autores, esta visão possa ir longe demais enquanto generalização, os estudos sobre o desenvolvimento humano parecem seguir esquemas, descrevendo o desenvolvimento normal para que se possa compreender o diferente. A psicomotricidade não foge a esta regra quando define os padrões considerados normais para o desenvolvimento psicomotor (considerando descrições feitas pela neurologia, fisioterapia, fonoaudiologia e áreas afins), desenvolvendo pontos de referência escalonados a partir dos quais se poderão construir todos os testes infantis e as escalas de quociente de desenvolvimento; e, por conseguinte, avaliar e diagnosticar o atraso atual, assim como o desenvolvimento futuro. (Coste, 1981) "A identidade da Psicomotricidade e a validade dos conceitos que emprega para se legitimar revelam uma síntese inquestionável entre o afetivo e o cognitivo, que se encontram no motor, é a lógica do funcionamento do sistema nervoso, em cuja integração maturativa emerge uma mente que transporta imagens e representações e que resulta duma aprendizagem mediatizada dentro dum contexto sócio-cultural e sócio-histórico" (Fonseca, 1988). 

Segundo Fonseca (1988) em Psicomotricidade, o corpo não é entendido como fiel instrumento de adaptação ao meio envolvente ou como instrumento mecânico que é preciso educar, dominar, comandar, automatizar, treinar ou aperfeiçoar, pelo contrário, o seu enfoque centra-se na importância da qualidade relacional e na mediatização, visando à fluidez eutônica, a segurança gravitacional, a estruturação somatognósica e a organização práxica expressiva do indivíduo. Privilegia a totalidade do ser, a sua dimensão prospectiva de evolução e a sua unidade psicossomática, por isso está mais próxima da neurologia, da psicologia, da psiquiatria, da psicanálise, da fenomenologia, da antropologia etc. 

A psicomotricidade é a posição global do sujeito. Pode ser entendido como a função de ser humano que sintetiza psiquismo e motricidade com o propósito de permitir ao indivíduo adaptar de maneira flexível e harmoniosa ao meio que o cerca. Pode ser entendido como um olhar globalizado que percebe a relação entre a motricidade e o psiquismo como entre o indivíduo global e o mundo externo. Pode ser entendido como uma técnica cuja organização de atividades possibilite à pessoa conhecer de uma maneira concreta seu ser e seu ambiente de imediato para atuar de maneira adaptada. (De Meur y Staes, 1984). 

A Educação Física e a psicomotricidade são metodologias interligadas em que o desenvolvimento dos aspectos motor, social, emocional dos movimentos corporais é vivenciado, através de atividades motoras. Pode-se afirmar que a Educação Física possui um impacto positivo no pensamento, no conhecimento e ação, nos domínios cognitivos, na vida do ser humano. Entretanto o individuo fisicamente educado vai para uma vida ativa, saudável e produtiva, criando uma integração segura e adequado desenvolvimento de corpo, mente e espírito. 

Portanto, a Educação Física, pelas suas possibilidades de desenvolver a dimensão psicomotora das pessoas, com os domínios cognitivos e sociais, é de grande importância no desenvolvimento da aprendizagem escolar. Assim a Educação Física, através de atividades afetivas, psicomotoras e sociopsicomotoras, constituem-se num fator de equilíbrio na vida das pessoas, expresso na interação entre o espírito e o corpo, a afetividade e a energia, o indivíduo e o grupo, promovendo a totalidade do ser humano.

Leonires Barbosa Gomes
Especialista em Educação Física Escolar
CREF 979 G/DF CBAt 598 Nível I

Referências
BARRETO, Sidirley de Jesús. Psicomotricidade, educação e reeducação. 2ª ed. Blumenau: Livraria Acadêmica, 2000. 
COSTE, J. C. A psicomotricidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FONSECA, Vitor. Psicomotricidade. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
MEUR, A de e STAES, L Psicomotricidade: educação e reeducação. São Paulo: Manole, 1984


http://www.educacaofisica.com.br/index.php/escola/canais-escola/educacao-fisica-escolar/21865-psicomotricidade-na-educacao-fisica-escolar-importancia-e-aplicabilidade

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terça-feira, 22 de julho de 2014

Plasticidade Cerebral e Podas Neuronais (Apoptose)



Imagem: http://www.bluesci.org/?p=6631
      Durante muitos anos predominou a crença de que após o nascimento os neurônios eram incapazes de se recuperar de lesões e não tinham como se auto reproduzir. Porém, com o avanço da ciência, sabe-se que esta teoria não é totalmente verdadeira. Os neurônios são capazes de se modificar durante toda a vida e até mesmo se auto reproduzir em alguns locais do cérebro. A Plasticidade Cerebral, como é conhecida esta capacidade adaptativa do SNC (Sistema Nervoso Central), é a habilidade para modifica a organização estrutural e funcional em resposta à experiência (estímulos ambientais).
     Conforme estudos de BRUNO NETO [2007], a Plasticidade Cerebral poderá ocorrer através de: è eliminação de neurônios que não estão sendo utilizados; èmodificação do dinamismo morfológico e funcional daqueles neurônios que são utilizados, através do crescimento dos seus dendritos e axônios; è modificação das estruturas envolvidas nas sinapses (dendritos, espinhas dendríticas, terminal axônico);è formação de novas sinapses; è modificação na produção das substancias neurotransmissoras.
     Nosso cérebro é uma obra de arte em constante construção, a cada nova aprendizagem, novos circuitos neuronais são ativados, novas sinapses são formadas, eis aí a plasticidade. Cada neurônio envolvido neste ativo processo, aumenta seu vigor funcional, reduzindo assim, a possibilidade de ser eliminado através da “apoptose”.
     “Apoptose” é uma espécie de suicídio dos neurônios, um processo de poda dos mesmos (fortalecimento de sinapses necessárias à via e perda de sinapses menos importantes), uma vez que alguns deles não estão em constante uso; Sendo assim, após um determinado tempo, faz-se o desligamento de alguns, para dar espaço para outros neurônios que estejam em constante uso poderem se desenvolver com maior eficiência. Alguns autores apontam que a cada ciclo de 7 anos, em média, nossa psique sofre modificações internas pelas podas neuronais e vivencias comportamentais onde recebemos influencias do meio em que vivemos, afetando assim nossa subjetividade e nos tornando indivíduos permanentemente mutáveis.
    Uma das  primeiras podas neuronais, se dá na primeira infância, ao nascer  o cérebro desenvolve muitas ramificações neuronais afim de que a criança possa se desenvolver em toda e qualquer área, mas com o passar do tempo algumas ramificações são utilizadas mais que as outras, e assim as menos ou nunca utilizadas, passam pela primeira poda neuronal, o próprio cérebro descarta todos os neurônios que até então não foram utilizados de forma adequada. Conforme cartilha emitida pela OEA – Organização dos Estados Americanos (2010, p. 29-30),
Durante a etapa pré-natal e a primeira infância, o cérebro produz muitos mais neurônios e conexões sinápticas de que chegará a necessitar, como uma forma de garantir que uma quantidade suficiente de células chegue a seu destino e que conectem-se de forma adequada. No entanto, para se organizar, o sistema nervoso programa a morte celular de vários neurônios (apoptose) e a poda de milhares de sinapses que não estabeleceram conexões funcionais ou que “já cumpriram sua tarefa”. As sinapses que envolvem “neurônios competentes e ativos na rede” são as que permanecerão e a funcionalidade de cada um destes circuitos neuronais é o que nos permitirá aprender, memorizar, perceber, sentir, mover-nos, ler, somar ou emitir, desde respostas reflexas até as mais complexas análises relacionadas à física quântica.

        Outro período  de poda neuronal se dá na adolescência e pode levar anos até se concretizar por completo.
   Muitos estudos estão apontando para que casos como Autismo e Esquizofrenia estejam relacionados com a poda neuronal, a um menor número de podas, com conexões errôneas entre os neurônios, pois em alguns casos o autismo tem suas características mais salientes por volta dos 2 anos e a esquizofrenia manifesta-se na adolescência, sendo que estas duas fases ocorrem grandes podas neuronais. Conforme LAGE (2006), em entrevista com Mercadante,
O autismo costuma aparecer antes dos três anos, nessa idade, diz Mercadante, há uma "poda neural" que reestrutura o cérebro. Suspeita-se que, nos autistas, essa "poda" seja diferente, alterando alguns circuitos cerebrais. Por isso, crianças autistas podem regredir e até parar de falar nessa idade.
     Também falando sobre podas neurais, o site Innatia, traz um artigo sobre o assunto, de onde faço  a transcrição do mesmo:
O cérebro humano está em construção até o final da adolescência, de acordo com vários especialistas.  Segundo o pediatra americano Jay Giedd, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental, em Bethesda (EUA), o cérebro humano está em constante crescimento (construção), até o final da adolescência. O pesquisador apresentou os resultados de seu estudo em Barcelona. Este analisou mais de 2.000 pessoas com idade entre 3 e 25 anos, o que lhe permitiu observar que, no final da infância, o cérebro passa por um aumento 'inconcebível' de neurônios e conexões neurais, que em seguida são reduzidos durante a adolescência. Esta "poda" neural, que culmina com a passagem da adolescência para a idade adulta, que ocorre primeiro na parte de trás do cérebro e, finalmente, no córtex frontal, que é o que controla o raciocínio, tomada de decisão e controle emocional. A descoberta desmente a tese de que o cérebro começa a ficar totalmente maduro entre 8 e 12 anos e explica a questão por que muitos adolescentes não começam a pensar e se comportar como adultos a uma idade tão avançada que às vezes ultrapassa 20 anos, de acordo com o pesquisador. Ele também descobriu que o corte neuronal ocorre mais cedo nas meninas do que em meninos e nos jovens mais inteligentes, ela ocorre em uma idade mais jovem.  Enquanto isso, Ignacio Morgado, professor de Psicobiologia da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e coordenador da conferência, diz que a maneira de pensar e de processamento de informação para as mulheres e homens são diferentes, mas o resultado final é o mesmo, embora ela atinge o interior diferente. Ele também investiga que as mulheres são mais sensíveis para o emocional, e mais abrangentes sobre as desgraças dos outros, o que as torna mais propensas a sofrer de doenças subjacentes, emocionais, tais como ansiedade ou depressão. Em qualquer caso, Morgado acredita que ainda há muito a ser descoberto sobre as diferenças cerebrais entre homens e mulheres.

Referência Bibliográfica:


GIEDD. Inside the Teenage Brain. Full interview available on the web at:http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/teenbrain/interviews/giedd.html

LAGE, Amarilis. Igual mas diferente. 2006. Disponível emhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2707200601.htm 

National Institute of Mental Health (2005) The Adolescent Brain: a work in progress. Available on line at www.thenationalcampaign.org/resources/pdf/BRAIN.pdf

OEA – Organização dos Estados Americanos. Primeira Infância: Um olhar desde a Neuroeducação. EUA: OEA, 2010.


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segunda-feira, 21 de julho de 2014

As contribuições da Psicomotricidade na Educação Infantil

As contribuições da Psicomotricidade na Educação Infantil

Andreza Santiago Gottgtroy de Araujo
Graduada em Pedagogia (FABEL)
Eduardo Rodrigues da Silva
Mestre em Educação Física e Cultura (UGF)

Introdução

Este estudo tem por foco de investigação a importância da Psicomotricidade na Educação Infantil, como meio de auxiliar o desenvolvimento das crianças, por meio das experiências motoras, cognitivas e socioafetivas indispensáveis à formação.
Há várias definições em torno do que seja a Psicomotricidade, desde o seu surgimento, quando seguia uma vertente teórica, depois prática, até chegar ao meio-termo entre as duas. Contudo, podemos dizer que a Psicomotricidade tem como objeto de estudo o movimento humano, reunindo as áreas pedagógicas e de saúde.
A Psicomotricidade envolve toda ação realizada pelo indivíduo; é a integração entre o psiquismo e a motricidade, buscando um desenvolvimento global, focando os aspectos afetivos, motores e cognitivos, levando o indivíduo à tomada de consciência do seu corpo por meio do movimento.
Este estudo pontua também algumas fases fundamentais dentro do processo de desenvolvimento motor infantil de grande relevância, com o intuito de auxiliar pedagogos e professores, para que entendam os conceitos da Psicomotricidade e sua importância no processo de aprendizagem das crianças na Educação Infantil.
Le Boulch (1985, p. 221) observa que “75% do desenvolvimento psicomotor ocorrem na fase pré-escolar, e o bom funcionamento dessa área facilitará o processo de aprendizagem futura”.
Portanto, é importante que o professor da Educação Infantil tenha consciência de que a criança atua no mundo por meio do movimento; daí a importância de o professor conhecer o desenvolvimento motor e suas fases, para que seja capaz de propor atividades fundamentadas nos conceitos da psicomotricidade, criando currículos e projetos em que as crianças utilizem o corpo como meio para explorar, criar, brincar, imaginar, sentir e aprender.
Num ambiente altamente favorável, o nosso menino ou menina pode encontrar possibilidade de retirar o máximo proveito de suas potencialidades inatas. Num ambiente diferente e hostil, apenas algumas dessas potencialidades básicas poderão exprimir-se (GESELL, 2003, p. 42).
O processo educativo não deve basear-se somente em teorias, mas também na força das relações afetivas; quando as crianças vivem em um ambiente que as compreende, elas se tornam mais autoconfiantes. Dessa forma, a qualidade na relação entre professor e aluno é fundamental no processo pedagógico.
Há algum tempo, as crianças experimentavam de maneira espontânea, por meio do brincar diário, atividades motoras suficientes para que adquirissem habilidades motoras mais complexas. Os verbos brincar, aprender e crescer eram indissociáveis.
A infância hoje é bem diferente; algumas mudanças aconteceram; a urbanização, a necessidade de segurança e o avanço tecnológico são fatores que diminuíram os espaços e a liberdade para que as crianças pudessem simplesmente brincar.
É nesse momento que a escola deve ser a grande aliada, não somente para garantir um futuro profissional brilhante para essas crianças como também, do mesmo modo, ajudando-as se tornar indivíduos autônomos, criativos e críticos.

O problema

Diante das diversas dificuldades com que nos deparamos nas nossas atividades diárias na condição de educadores, por vezes acabamos rotulando nossos alunos como desatentos, desmotivados, indisciplinados ou incapazes de desempenhar atividades mais complexas, não considerando que muitas dificuldades estão atribuídas as práticas psicomotoras que deixaram de ser trabalhadas durante a Educação Infantil.
A criança deve viver o seu corpo através de uma motricidade não condicionada, em que os grandes grupos musculares participem e preparem os pequenos músculos, responsáveis por tarefas mais precisas e ajustadas. Antes de pegar num lápis, a criança já deve ter, em termos históricos, uma grande utilização da sua mão em contato com inúmeros objetos (FONSECA, 1993, p. 89).
As descobertas e as aprendizagens das crianças na fase pré-escolar ocorrem por sua vivência corporal, pela exploração do ambiente e da manipulação dos objetos. As práticas quase sempre inadequadas ou insuficientes de atividades psicomotoras importantes para o processo de aprendizagem é consequência da falta de conhecimento do professor da Educação Infantil. A formação inicial desse professor não o qualifica o suficiente para a fundamentação psicomotora e, com isso, não têm conhecimentos suficientes para propiciar às crianças atividades adequadas ao bom desenvolvimento psicomotor.
Contudo, as atividades precisam ser planejadas, o que demanda reflexão, pois a associação de exercícios puramente analíticos, que exigem além da fase de desenvolvimento daquele grupo, corre o risco de inibir as crianças menos desenvolvidas.
Nessa perspectiva, é necessário que os professores da Educação Infantil tenham uma formação inicial consistente e acompanhada de permanentes atualizações; a Psicomotricidade é uma delas.
O objetivo deste estudo é suscitar questionamentos, debates e reflexões acerca da importância da Psicomotricidade no currículo da Educação Infantil, como proposta de atuação para professores, pedagogos e demais profissionais da área de Educação. Com a finalidade de facilitar o entendimento dos conceitos teóricos, buscando enfatizar as contribuições positivas, pontuamos alguns aspectos básicos da Psicomotricidade, como equilíbrio, lateralidade e esquema corporal, de grande relevância no processo de aprendizagem das crianças.
Cabe ressaltar a importância do professor para assumir o papel de facilitador, permitindo à criança situações e estímulos cada vez mais variados, com experiências concretas e vividas com o corpo inteiro, trazendo a Psicomotricidade sob um olhar pedagógico e preventivo.
Este estudo se propõe a desenvolver o pensamento crítico e reflexivo quanto à importância da Psicomotricidade no contexto escolar, em especial durante a Educação Infantil, por meio da relação próxima entre o desenvolvimento psicomotor e as aquisições básicas para as aprendizagens escolares.
Como pedagogos conscientes da utilidade da Psicomotricidade na escola, temos como dever orientar e conscientizar os professores e demais profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de que a educação pelo movimento é uma peça fundamental na área pedagógica.
Este estudo foi desenvolvido a partir de leitura crítica e redação dialógica a partir dos autores que abordaram o assunto. Foram consultadas referências bibliográficas das áreas de Psicomotricidade, Pedagogia e Educação Física, tendo como público-alvo o professor da Educação Infantil, pois pensamos que todos os professores deveriam ter acesso aos conhecimentos psicomotores, a fim de propiciar que as crianças realizem experiências com o corpo indispensáveis ao desenvolvimento mental e social.
Durante a idade pré-escolar, deverão ser identificados problemas de desenvolvimento que possam comprometer a aprendizagem escolar, bem como desenvolver aptidões pré-escolares necessárias. Durante a idade escolar, as atitudes dos educadores, a aplicação de seus métodos e a invenção de novos instrumentos deveriam ser estudadas em termos interdisciplinares (FONSECA, 2008, p. 534).
Baseada nisso, dá-se a necessidade de cuidar integralmente da criança que adentra a escola, dando possibilidades e condições motoras, cognitivas e socioafetivas.

A Educação Infantil

A Educação Infantil no Brasil não é preocupação muito antiga; durante muito tempo o papel das escolas que atendiam crianças de 0 a 5 anos era de caráter apenas assistencialista; hoje quebramos o paradigma de que nessa faixa etária elas vão à escola somente para “brincar”. E entendemos que a função de brincar é também um processo educativo para novas descobertas cognitivas e de importância na relação que a criança estabelece com os objetos e com os grupos.
O atendimento institucional à criança no Brasil e no mundo mostra, ao longo de sua história, concepções diferentes sobre sua finalidade social e formadora. A criança é um indivíduo dotado de capacidades e que necessita de um ambiente favorável, estável, acolhedor e construtivo para se desenvolver. Como nem sempre a vivência familiar favorece esses elementos, é dever da escola oportunizá-las nas melhores condições possíveis.
A partir da Constituição Federal de 1988, a Educação Infantil em creches e pré-escolas passou a ser, do ponto de vista legal, dever do Estado e direito da criança (Art. 208, inciso IV). Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o MEC, a fim de orientar as escolas, elaborou em 1998 o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, volume 3, p. 23). Nele está:
Nesse processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis.
Entendendo a importância da pré-escola como etapa anterior ao Ensino Fundamental de grande relevância no desenvolvimento da criança e para as aquisições de aprendizagens futuras, a LDB, por meio da Lei nº 12.796, de 2013, alterou o seu Art. 6º, obrigando pais e responsáveis a matricular a criança na Educação Básica a partir dos quatro anos de idade.
Nesses novos tempos, o desafio é estimular a criança na Educação Infantil sem perder a ludicidade, levando à criança atividades adequadas e prazerosas, respeitando sempre as características individuais. A Educação Infantil tem como propósito o desenvolvimento integral da criança, numa linguagem que consente que as crianças ajam sobre o físico. Por isso, é de extrema importância a abordagem da Psicomotricidade nessa etapa do desenvolvimento infantil, possibilitando que ela compreenda o seu corpo e as maneiras de se expressar por meio dele, localizando-se no tempo e no espaço.
Segundo Freire (1989, p. 20),
o significado, nessa primeira fase da vida, depende, mais que em qualquer outra, da ação corporal. Entre os sinais gráficos de uma língua escrita e o mundo concreto, existe um mediador, às vezes esquecido, que é a ação corporal.
Atualmente, é bastante comum nas pré-escolas brasileiras a “preparação para a prontidão”, que seria um treinamento, antecipação, aceleração ou preparação para o 1º ano do Ensino Fundamental. Kramer (2007, p. 25) afirma:
Por não levarem em consideração os determinantes sociológicos e antropológicos do processo educacional e por terem uma concepção da criança apenas como “futuro adulto” é que tais estratégias se voltam apenas à preparação.
Nessa perspectiva, muitas escolas de Educação Infantil não dão a devida importância para a estruturação do desenvolvimento psicomotor, que é a base determinante para a aquisição das novas aprendizagens dentro e fora da escola.

A Psicomotricidade e o desenvolvimento infantil

Desde a Antiguidade o corpo humano é valorizado. É possível perceber no pensamento da cultura grega o culto ao esplendor físico, retratado principalmente nas suas obras de arte e esculturas existentes até os dias atuais nos templos da Grécia. A história conta que, por longo tempo, o ser humano foi entendido de forma fragmentada, separando o corpo e a alma; esse dualismo sempre foi motivo de estudo.
Ao longo dos tempos, vários pensamentos românticos tentaram explicar essa relação entre corpo e mente; porém, a partir de alguns pensamentos mais radicais, no século XIX o termo Psicomotricidade apareceu pela primeira vez num discurso médico, mais especificamente neurológico, para nomear as zonas do córtex cerebral situadas além das regiões motoras.
A história do saber da Psicomotricidade representa já um século de esforço de ação e de pensamento; a sua cientificidade, na era da cibernética e da informática, vai-nos permitir certamente ir mais longe da descrição das relações mútuas e recíprocas da convivência do corpo com o psíquico. Essa intimidade filogenética e ontogenética representa o triunfo evolutivo da espécie humana, um longo passado de vários milhões de anos de conquistas psicomotoras (FONSECA, 1988, p. 99).
Considerado o Pai da Psicomotricidade, Dupré, neuropsiquiatra francês, em 1909 foi uma figura de grande importância para o âmbito psicomotor, já que afirmou a independência da debilidade motora com um possível correlato neurológico. Depois desvincula e estabelece as diferenças entre elas, constatando que é possível ter dificuldades motoras sem alterações intelectuais e vice-versa.
Em 1947, Julian Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine a concepção de debilidade motora, considerando-a uma síndrome com suas particularidades próprias, e delimita com nitidez os transtornos psicomotores que hesitam entre o neurológico e o psiquiátrico. Nesse momento, a influência da Neuropsiquiatria é determinante. O corpo é apenas um instrumento, uma ferramenta de trabalho para o reeducador que se propõe a consertá-lo, visando corrigir distúrbios e preencher lacunas de desenvolvimento das crianças excepcionais.
A Psicomotricidade passa a ser entendida como uma ciência que estuda o indivíduo em função de seus movimentos, sua realização, seus aspectos motores, afetivos, cognitivos, resultados da relação do sujeito com o seu meio social.
Como se pode notar, a Psicomotricidade tem o objetivo de enxergar o ser humano em sua totalidade, nunca separando o corpo (sinestésico), o sujeito (relacional) e a afetividade; sendo assim, ela busca, por meio da ação motora, estabelecer o equilíbrio desse ser, dando lhe possibilidades de encontrar seu espaço e de se identificar com o meio do qual faz parte (GONÇALVES, 2011, p. 21).
No Brasil, a Psciomotricidade desenvolveu-se pela vertente da Educação Física e, até os anos 1980, a Psicomotricidade na escola ocupava-se apenas dos problemas e das dificuldades ligadas às estruturas psicomotoras de base, como andar, saltar, correr, observar equilíbrio, lateralidade e noção espaço-corporal, entre outros. Nos dias atuais, os educadores e outros profissionais que atuam na escola devem procurar especializar-se em atender a demanda que as crianças trazem para o ambiente escolar, a fim de transformar o conceito de reeducação para o de educação em sua definição mais ampla. A partir dessas novas contribuições, a Psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas, adquirindo suas próprias especificidades.
Segundo a etimologia, a palavra Psicomotricidade é formada por dois termos de diferentes: a palavra psyché, traduzida por “alma”, e a palavra latina motorius, traduzida por “que tem movimento”. Diversos autores e estudiosos da Psicomotricidade registram definições a respeito dessa ciência e, dentro da perspectiva deste estudo, destacamos a definição dada pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade:
A Psicomotricidade é uma ciência que tem como objetivo o estudo do homem através do seu corpo em movimento em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, em que o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade e sua socialização.
É pelo seu corpo que a criança vai descobrir o mundo, explorar situações, experimentar sensações, expressando-se, percebendo-se e percebendo o que as cerca. Por meio da interiorização das sensações, à medida que a criança se desenvolve e quanto mais o meio oferecer condições, ela vai ampliando suas percepções e controlando seu corpo.
É por meio do movimento que a criança explora o mundo exterior e é por essas experiências concretas que são construídas as noções básicas para o desenvolvimento intelectual. Por isso, a importância de que a criança viva o concreto; é a partir dessa exploração que ela desenvolve a consciência de si e do mundo externo.
Desde os primeiros dias de vida a criança se desenvolve de forma contínua, e é pelo movimento que a criança estabelece as primeiras formas de linguagem. Entendemos que, para que ocorra um desenvolvimento global e harmonioso da criança, o professor deverá estar habilitado e é de relevante importância que ele entenda os conceitos da Psicomotricidade, as bases psicomotoras e suas aplicabilidades no processo de aprendizagem; é importante estimular o toque, a percepção do próprio corpo, pular, correr, subir, descer, andar descalço, perceber as diferentes texturas, manipular objetos de diferentes tamanhos, permitido uma união entre a psique e o corpo. O professor deve permitir que os alunos experimentem o mundo ao seu redor sem interferir o tempo todo com métodos e resultados. Porém observar, sem bases teóricas, as crianças brincando significa deixar escapar a essência do ato.
É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos e é manipulando-os que ela redescobre o mundo; porém essa descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e de largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada.
A Psicomotricidade não é exclusiva de um método, de uma “escola” ou de uma “corrente” de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano (AJURIAGUERRA, apud FONSECA, 1988, p. 332).
Durante as duas últimas décadas, algumas mudanças aconteceram na vida cotidiana do homem moderno, talvez porque os espaços tenham se reduzido devido à urbanização, à necessidade de segurança, à modernização tecnológica, levando as crianças a interagir mais com as máquinas do que com outras crianças. Essas modificações têm afetado principalmente as relações familiares e as crianças, que vem sofrendo com sedentarismo precoce. Outro fator de grande relevância é a iniciação escolar cada vez mais cedo, o que torna a instituição escolar responsável por grande parte da estimulação motora, emocional, cognitiva e social, tornando-se um espaço importante para que as crianças possam experimentar novas vivências.
Porém, independente de quais fatores foram responsáveis, o que não muda é o fato de que, para crescer e aprender, a criança precisa conhecer o seu meio e vivê-lo concretamente. É pelo conhecimento do seu corpo, da exploração de objetos, das relações afetivas que a criança terá subsídios cognitivos, motores e afetivos para suportar a sucessão de informações a que será exposta durante seu crescimento.

Estimulação psicomotora

O primeiro objeto que a criança percebe é o próprio corpo. É pelas sensações, mobilizações e deslocamento que se dá este conhecimento. Alves (2012) fala da importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento da inteligência, da afetividade, das relações sociais na vida do indivíduo e que elas determinam suas capacidades futuras.
O gesto é o primeiro instrumento social de compreensão e expressão da criança. Ações como apontar, evocar, apanhar começam a substituir o choro; a criança gesticula para exprimir situações e ações que ainda não consegue verbalizar, constituindo um importante modo de comunicação que antecede o vocabulário fonético. “Antes da linguagem, as ações motoras é que determinam as ações mentais” (GONÇALVES, 2011, p. 28).
A estimulação motora põe a criança em contato com o objeto, com o meio e com ela mesma, criando uma comunicação corporal cheia de significados. O que diferencia a estimulação motora de uma atividade motora é a intenção de provocar aprimoramento do esquema corporal, ou seja, a criança é estimulada a organizar habilidades diferentes das já experimentadas. É fundamental facilitar a interação da criança com o mundo dos objetos, por meio da experiência concreta e do brincar; a aprendizagem torna-se mais do que um processo acomodativo, para uma aprendizagem mais contextualizada e repleta de significados.
À medida que se colocam maneiras diferentes e novas para executar o movimento anteriormente conhecido, a criança se vê desorganizada e todo um sistema cerebral é ativado, buscando na cognição, na emoção e no aparato motor uma forma de perceber, decodificar, planificar e executar o novo movimento (GONÇALVES, 2011, p. 30).
Por isso, é importante colocar a criança em situação na qual será preciso que ela busque novas situações para conseguir um resultado desejado, mais ela colocará seu cérebro em funcionamento, o que, além de contribuir para o desenvolvimento cognitivo, será importante para sua organização motora, sua autonomia e a criatividade.

Aspectos do desenvolvimento motor

Equilíbrio

O movimento depende de uma atitude; a coordenação do movimento necessita de um bom equilíbrio, que é um dos sentidos mais importantes do corpo humano. O tônus é o que assegura e controla a musculatura para a maioria dos movimentos e atividade postural.
Na medida em que a criança cresce, o equilíbrio torna-se cada vez mais fundamental para a sustentação do corpo.
A equilibração pode ser estática ou dinâmica; Alves (2012) define como:
  • Equilíbrio estático: movimentos não locomotores, como ficar em pé, apenas com a ponta dos pés tocando o solo;
  • Equilíbrio dinâmico: movimentos locomotores, como o andar em marcha normal sobre uma linha pré-delimitada.
Uma das principais características do equilíbrio e domínio postural é a capacidade de locomoção. É importante que a escola estimule as habilidades e destrezas motoras para desenvolver os movimentos mais complexos, como andar, correr, saltar, girar, agarrar, ter relações sexuais e outros movimentos.
É pelo equilíbrio que a criança começa a se movimentar, e a partir desse momento passa a explorar os objetos e a interagir com tudo ao seu redor, propiciando a sua verticalidade.
A postura bípede deve submeter-se às leis do equilíbrio; para isso, inumeráveis reflexos posturais de origem filogenética devem intervir assim que o deslocamento e a flutuação do centro de gravidade se observam, exatamente para provocar mudanças posturais corretivas, desencadeadas pela ação dos receptores labirínticos, visuais e somaestésicos (FONSECA, 2004, p. 67).
A criança que possui equilíbrio adequado desempenha suas atividades com menor esforço e desgaste, garantindo uma movimentação harmônica e coordenada.

Lateralidade

A lateralidade está relacionada à predominância de um hemisfério cerebral sobre o outro. Quando ocorre a dominância do hemisfério esquerdo sobre o direito, temos o individuo destro; quando ocorre a dominância do hemisfério direito sobre o esquerdo, temos o individuo canhoto ou sinistro; quando não existe predomínio claro e se usa discretamente os dois lados, temos o ambidestro (ALVES, 2012). Embora seja legítimo afirmar que haja cooperação dos lados dos dois hemisférios na formação da inteligência Jean Marie Tasset (apud ALVES, 2012, p. 72) define “a lateralidade como apreensão da ideia de direita e esquerda, dizendo que esse conhecimento deve ser automatizado o mais cedo possível, enfatizando que a automatização da lateralização é necessária e indispensável”.
O conhecimento do próprio corpo é de grande importância nas relações do indivíduo com o mundo exterior, e não depende exclusivamente do desenvolvimento cognitivo, mas também das percepções, das sensações visuais, táteis, sinestésicas e da contribuição da linguagem.
A lateralidade é examinada a partir dos órgãos pares, como pés, mãos, olhos e ouvidos e por meio de gestos do dia a dia. Não devemos definir a lateralidade como sendo apenas o conhecimento esquerda e direita, mas sim toda a percepção do seu eixo corporal.
Todas as noções espaciais básicas, como as de em cima – embaixo, por cima–por baixo, frente–trás, dentro–fora, antes–depois, esquerda–direita etc., que são noções relativas, estão estruturalmente dependentes da noção de lateralidade, do binômio corpo–cérebro, dos nossos membros, dos nossos sentidos e dos nossos hemisférios, binômio psicomotor entendido como centro autogeométrico de orientação (AJURIAGUERRA, apud FONSECA, 2008, p. 242).
É de fundamental importância que as crianças experimentem atividades que utilizem ambos os lados do corpo, favorecendo um desenvolvimento eficiente dos movimentos. Quando a criança chega a determinada fase escolar, entre os 6 e 8 anos, é habitual que já tenha noção de direita e esquerda e dos dois lados do corpo, ou seja, que seja capaz de perceber que direita e esquerda não dependem apenas uma da outra, mas também da posição do outro e do seu deslocamento.
Porém, crianças mais velhas por vezes possuem problemas de aprendizagem oriundos dessa debilidade motora, precisando de treinamento específico da lateralidade para prevenir ou eliminar sintomas como palavras fora de ordem e escrita espelhada, entre outros, reduzindo as possibilidades de adquirir a dislexia.
Reafirmando o que diz Alves (2012): “quando as alterações psicomotoras de ordem geral se manifestam, interferem nas tarefas escolares, refletindo-se mais diretamente na escrita”.
É aconselhável que o professor não empregue os termos esquerda e direita antes que a lateralização esteja bem definida.

Esquema corporal

Para Alves (2012), “o corpo é, portanto, o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e interagir com o mundo”. Partindo desse conceito, o desenvolvimento cognitivo se constrói a partir da relação da criança com o meio, onde ela começa ampliar suas percepções e interiorizar as sensações já experimentadas; é fundamental que ela tenha conhecimento adequado do seu corpo.
O esquema corporal é a consciência que a criança passa a ter sobre o próprio corpo, das partes que o compõem e das possibilidades desse corpo, tanto em movimento como em posição estática.
Para a elaboração do esquema corporal é relevante que a criança vivencie estímulos sensoriais que as possibilite discriminar as partes do próprio corpo e as funções que elas desempenham.
A criança passa por níveis de desenvolvimento e experiências dia a dia, desde o seu nascimento. Inicialmente suas explorações sensoriais vêm por meio da boca, depois do tato e mais tarde ela descobre os pés. A integração do tronco acontece quando a criança começa a se locomover; nesse momento ocorre a configuração total.
Todas as experiências da criança (o prazer e a dor, o sucesso ou o fracasso) são sempre vividas corporalmente. Se acrescentarmos valores sociais que o meio dá ao corpo e a certas partes, esse corpo termina por ser investido de significações, de sentido e de valores muito particulares e absolutamente pessoais (VAYER, 1984, p. 30).
Esses valores a que Vayer se refere serão de fundamental importância para a formação do esquema corporal e da imagem corporal, que é a impressão que se tem de si mesmo.
Portanto, durante a Educação Infantil é interessante desenvolver atividades que permitam à criança a tomada de consciência do seu próprio corpo, a possibilidade de ele tomar várias posições diferentes, ter capacidade de nomear e apontar as partes do corpo, movimentar-se de todas as maneiras e descrever os movimentos, representar graficamente o corpo, identificar sensações e dominar a linguagem corporal.

Considerações

Os objetivos deste estudo eram apresentar essencialmente a importância da Psicomotricidade na Educação Infantil e o quanto esses conhecimentos são indispensáveis na formação do professor, pois a falta deles dificulta as ações educativas em prol de um desenvolvimento integrado entre o corpo, a mente e o social.
A sociedade e a escola “tradicional” não podem continuar a ser passivas, sentadas, fechadas, acríticas, competitivas, autoritárias, traumatizantes, servis ou segregacionistas. De fato, a saúde e a educação, seus agentes, métodos e instrumentos, precisam ser inovados e reconstruídos à luz de uma investigação psicopedagógica, interdisciplinar, que impeça o fosso ente a prática e a teoria, entre a ação e o pensamento (FONSECA, 2008, p. 534).
A escola, hoje em dia, é um importante agente motivador do desenvolvimento infantil; quando integramos a Psicomotricidade às atividades escolares, temos como resultado os benefícios da motricidade, do autoconhecimento e a ajuda na vivência em grupo, pois por meio das atividades psicomotoras e dos jogos as crianças precisam aceitar regras, e, quando começam a ter essa compreensão, mais facilmente aceitarão as regras da vida social.
Verificou-se, por este estudo, a necessidade de que o professor se conscientize de que a Psicomotricidade pode agregar experiências sensoriais, motoras, afetivas e sociais repletas de significados. Usando a empatia ao traçar seu trabalho psicomotor, pois é preciso nos colocar no lugar daquelas crianças, passamos a tratá-las como se fossem nossos aqueles corpos.
Sabemos que não há desenvolvimento igual ao outro; como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem, precisamos promover atividades psicomotoras adequadas às necessidades individuais e às etapas do desenvolvimento infantil.
Para entender de maneira prática a necessidade de incluir atividades motoras nas práticas educativas, tome-se o exemplo de uma pessoa que não teve sua lateralidade bem desenvolvida; normalmente ela terá dificuldades para aprender a ler e a escrever (uma vez que a leitura e a escrita realizam-se da esquerda para a direita) e ainda confundir letras simétricas (b/d, p/q) ou até mesmo em efetuar cálculos matemáticos, entre outros.
Diante dessas considerações, percebemos que é de extrema importância refletir sobre nossas práticas, além de analisar e recriar nossas metodologias de ensino. É preciso oportunizar as possibilidades para as crianças da Educação Infantil, pois o aprender deve estar cercado de intenções, motivações e desejos de se comunicar com o seu meio.

Referências

ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2012.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE. Código de Ética do Psicomotricista.Disponível em <www.psicomotricidade.com.br/etica.htm>. Acesso em 03 jun.2013.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394/96. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 12 maio 2013.
BRASIL. RCNEI – Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil – volume 3. Brasil, 1998. p.15-40.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade, psicologia e pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade, perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FONSECA, Vitor da. Da filogênese à ontogênese da motricidade. Porto Alegre: Artmed, 1988.
FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física.São Paulo: Scipione, 1989.
GESELL, Arnold. A criança dos 0 aos 5 anos. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GONÇALVES, Fátima. Do andar ao escrever: um caminho psicomotor. São Paulo: Cultural RBL, 2011.
LOVISARO, Martha. Psicomotricidade aplicada à escola: guia prático de prevenção das dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
KRAMER, Sonia (org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a Educação Infantil. 14ª. ed. São Paulo: Ática, 2007.
LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MOLCHO, Samy. A linguagem corporal da criança. 4ª ed. São Paulo: Gente, 2007.
VAYER, P. O equilíbrio corporal – uma abordagem dinâmica dos problemas da atitude e do comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

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