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Kant e as relações pedagógicas
Ana Lúcia Pinto de Almeida
Mestranda da Faculdade de Educação da UFPel
Introdução e contexto
Conhecido por seu trabalho na elaboração das três críticas (Crítica da Razão Pura, Crítica da Razão Prática e a Crítica do Juízo), o filósofo Immanuel Kant tornou-se um marco na Filosofia. A revolução proposta em sua Crítica da Razão Pura envolve mudanças reais em relação ao problema do conhecimento. Podemos dizer que a primeira crítica se constitui no alicerce de seu trabalho. Ele escreve ainda muitos outros textos, menores mas não menos significantes. É o caso de Sobre a Pedagogia, A paz perpétua e Prolegômenos a uma metafísica dos costumes.É deste texto que será examinado: Resposta à questão: o que é esclarecimento?
Nota
Chamada Revolução Copernicana, pela mudança que trouxe para a relação sujeito/objeto e, portanto, para a produção e a compreensão do entendimento humano, é tão radical e fecunda e de tal modo inovadora que é comparada à revolução realizada por Nicolau Copérnico ao colocar o sol como centro do sistema solar.
O texto, curto, de Kant é resposta a uma pergunta feita por um pregador chamado Zöllner, que se referia a uma questão específica sobre o vínculo conjugal e a religião. Foi escrito em 5 de dezembro de 1783.
O esclarecimento kantiano
Em nota de rodapé no texto O Que é Esclarecimento?, o filósofo acrescenta que essa pergunta é quase tão importante quanto perguntar pelo que é a verdade. Qual a importância? Como filósofo do esclarecimento (Aufklärung), nome que tomou na Prússia, o movimento francês conhecido por Iluminismo, ele também confiava na capacidade da razão humana de retirar o homem de sua menoridade, conforme abertura de seu texto:
Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento; tal é o lema do esclarecimento (Kant, 1985, p. 100, grifo meu).
O Iluminismo caracteriza-se por uma imensa e inabalável confiança na capacidade da razão humana, que conduziria o homem a um estágio mais desenvolvido em seu conhecimento. As consequências se mostrariam em todos os âmbitos da vida humana: história, sociedade, política, educação e mesmo na relação entre as pessoas. É uma aposta na razão. E só é possível pelas condições anteriores: o Renascimento, o racionalismo cartesiano, as mudanças nas concepções de Estado, os progressos científicos do homem, as descobertas marítimas etc
Um leitor mais afoito, ao ler a primeira afirmação, fica se perguntando por que o homem é o responsável por sua menoridade e o que isso quer dizer. Kant não deixa espaço para dúvidas: ser menor significa deixar que outro, por vários motivos, pense por nós. Ser menor é aceitar a tutela. Isso tem alguns poréns: primeiro, exime de qualquer decisão – certa ou errada – que venha a ser tomada. A menoridade tem, portanto, imbricação ética: se me eximo de minhas decisões, não deveria reclamar das consequências; quem abre mão de seu posicionamento ou de sua voz perde o direito às reivindicações. Segundo: levando em conta que a definição mais aceita de homem é a aristotélica “o homem é um animal racional” (na tradução popular do trecho aristotélico), talvez seja dar um salto muito grande compreender o racional aristotélico como um pensar sem tutelas. Se for esse o caso, desconsiderem-se as ponderações subsequentes, pois elas perderão sua força. Mas digamos que, provisoriamente, atribuiremos ao que Aristóteles chama de racional aquilo que em Kant corresponde a maioridade: quando abro mão de pensar, o que me torno? O que sobra de homem em mim? Sendo tarefa exclusivamente humana, tão próxima está do homem que até mesmo o define; se abro mão de ponderar ou refletir, quais as demais propriedades e atributos me sobram e ainda me definem como homem?
Esta é uma inquietação das mais complicadas, já que, ao definir o homem através de algo que, até então, pertence somente à humanidade, todas as demais possibilidades incluem o homem na classe dos animais, mas não o diferencia deles.
Outras coisas podem ser pensadas a partir das primeiras afirmações kantianas. O homem é o próprio culpado se a causa de sua menoridade não se encontra na falta de entendimento: aqui talvez se refira aos que, por motivos de saúde, encontrem-se incapazes de fazer uso de seu próprio entendimento. Fora essa incapacitação, não há desculpa.
No início de seu Discurso do Método, René Descartes articula a ideia de que “o Bon Sens é a coisa do mundo mais bem partilhada...” (1996, p. 65); seria possível uma correspondência entre esse Bon sens cartesiano e o entendimento kantiano? Ambos parecem dizer, por motivações diferentes, que não há desculpas para deixar-se alienar nem para fazer julgamentos errôneos. Não cabe aqui explorar a crítica que Kant faz ao sistema cartesiano, ao modo como Descartes chega às primeiras certezas e o que são elas. Apenas apontamos um diálogo entre a filosofia cartesiana e a filosofia kantiana na intenção de demonstrar que pensar é pensar sobre algo. Esse algo pode ser uma elaboração que já está tomada como certa e válida. Quando o ponto em questão é o conhecimento produzido pelos homens, precisamos ter a clareza de entender que não existem sentenças definitivas; os paradigmas podem e serão substituídos na medida em que o processo histórico e a produção de necessidades se apresentarem.
Para muitos, pensar por si mesmo é um esforço desnecessário, inválido, pouco produtivo. Para que pensar por si mesmo, se outros tantos já pensaram essas coisas antes de mim? Kant demonstra que, mesmo vivendo toda sua vida em um único vilarejo, seu conhecimento dos vícios do homem é universal; temos delineada a preguiça, o esforço intelectual é considerado inútil e se justifica: alguém certamente vai dar conta desse esforço.
Nota
Qualquer um dos sentidos apresentados a seguir, incluídos no Dicionário Houaiss, pode ser atribuído à preguiça kantiana: a) estado de prostração e moleza, de causa orgânica ou psíquica, que leva o indivíduo à inatividade; desânimo, esmorecimento, indolência; b) aversão ao trabalho; ócio, vadiagem; c) falta de capricho, de esmero; negligência, desleixo; d) falta de pressa ou de empenho; morosidade, lentidão.
Uma segunda razão para essa alienação ou menoridade é o medo. Assim como alguns homens são preguiçosos demais para um esforço intelectual, outros homens são extremamente medrosos, têm grande receio de expor aquilo que pensam porque seus tutores os amedrontam. Faz parte da tarefa do tutor tornar o indivíduo inseguro, tímido em seu pensar, pois os tutores não gostariam de ser questionados ou colocados em posição desfavorável, perdendo assim sua condição. Ainda há uma terceira possibilidade, que são homens preguiçosos e medrosos. Não há como afirmar que seja a maioria, mas percebe-se que são muitos e estão distribuídos em todas as culturas com maiores ou menores graus de esclarecimento (não no sentido kantiano).
Nietzsche retoma este tema na sua Genealogia da Moral; o rebanho é conduzido pelo pastor. O rebanho não questiona o pastor, na verdade ele nem mesmo sabe sobre o que o pastor fala, apenas segue o caminho previamente traçado por este. Nietzsche chamará a isso moral do rebanho. Obviamente o ponto trabalhado por ele não é a maioridade e sim a moralidade. Como já havia sido afirmada a questão da maioridade, traz consigo a esfera da eticidade, que no caso de Nietzsche recebe a ênfase. Kant irá desenvolver essa relação nos Prolegômenos; seu interesse aqui é clarear o que é o esclarecimento e o que ele pode oferecer aos homens. O filósofo delineia a questão da liberdade, mas não a aprofunda. A aproximação entre o pensamento nietzschiano e o kantiano pode ser percebida no trecho kantiano, que é bem duro:
A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e, além do mais, perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente essas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro (Kant, 1985, p. 102).
Mais: o problema levantado por Kant em seguida, a formação de preconceitos e de seus efeitos nocivos, é o tema central do texto de Nietzsche: “As minhas ideias acerca da origem dos nossos preconceitos morais – porque tal é o assunto desta obra...” (Nietzsche, 1991, p. X). O diálogo, entretanto, não é tranquilo. O irreverente Nietzsche, ao retomar as teses kantianas, tem por intenção desmontá-las, uma a uma. Em determinado ponto da Genealogia diz “o indivíduo autônomo e supermoral (porque “autônomo” e “moral” excluem-se)...” (Nietzsche, 1991, p. 29); não está batendo no velho Kant aqui? A disputa se dá entre uma autonomia moral e uma autonomia supermoral, a última não vinculada a uma moral de escravos, que verdadeiramente não liberta nem ao menos oferece a verdadeira liberdade. Esta já é uma liberdade condicionada a uma moralidade, a uma moral dominante. Prestemos atenção às palavras de Nietzsche:
O sacerdote ascético deve ser o salvador predestinado, o pastor e defensor do rebanho doente; tal é a sua prodigiosa missão histórica. A “dominação sobre os doentes”: eis o seu papel, a sua arte, a sua mestria, a sua felicidade. É preciso que ele também seja doente para se poder entender com os doentes, mas é preciso também que seja forte, pelo menos na vontade, a fim de possuir a confiança dos doentes e ser para eles um amparo, um escudo, um mestre, um tirano, um deus. Tem que defender o seu rebanho contra quem? (Nietzsche, 1991, p. 87).
Não parece que ambos estão descrevendo os tutores? Aqueles que através do medo dominam e não permitem a liberdade de pensar? O sacerdote asceta não é, de alguma maneira, também o tutor?
Os tutores supervisionam a passagem da menoridade para a maioridade de modo que têm o controle da situação. Um público pode se esclarecer e, como diz Kant, se tiver liberdade, é certo que se esclareça, mas irá contrariar muitos interesses, tanto daqueles que são esclarecidos como daqueles que não são.
De acordo com Houaiss, um regionalismo: a) nas estâncias, estações ferroviárias, charqueadas e matadouros, corredor curto e estreito, entre fileiras de estacas ou aramados por onde se leva o gado para marcá-lo, castrá-lo, curá-lo, vaciná-lo, descorná-lo, pesá-lo, conduzi-lo ao banho carrapaticida ou ao vagão de transporte ou abatê-lo; b) pequeno curral para onde se leva o gado lanígero que vai ser tosado.
Autonomia
Japiassú e Marcondes, Dicionário Básico de Filosofia: liberdade política de uma sociedade capaz de governar-se por si mesma e de forma independente, quer dizer, com autodeterminação.
O tutor é aquele que ensina o caminho do brete e mantém a todos no caminho. Não é conveniente sair desse trajeto, pois muitos são os perigos que aguardam os homens que se atrevem tanto a caminhar por outra estrada como a pensar por si mesmos. O uso da palavra brete se dá para seguir a ideia kantiana de gado. Gado não pensa, segue um ao outro de modo cego. Para o gado, basta apenas a comida, que pode ser a mesma todos os dias. Não há revolta, não há perigo de desobediência. Será que o esclarecimento kantiano pode ser autonomia? Os gregos entendiam autonomia como o direito de reger-se segundo suas próprias leis; é isso o esclarecimento kantiano? Sim e não. Pode-se conservar a ideia de autogovernar-se, mas a concepção grega diz respeito a uma sociedade e não propriamente aos indivíduos de modo singular. Kant está pensando sobre as singularidades, cada homem capaz de pensar por si mesmo. Ao pensar por si mesmo, sair do si mesmo e ir a público.
O verdadeiro esclarecimento, aquele que pode promover mudanças e manter assim a ideia de progresso na história, não é o uso privado da razão. Um homem poderia dizer: mesmo que não me exponha publicamente, sou esclarecido, alcancei minha maioridade intelectual. Kant se opõe a isso. Ser esclarecido é, na singularidade, fazer uso público da razão; esse uso é o que garante o progresso da razão, que pode realizar o esclarecimento entre os homens (Kant, 1985, p. 104).O liberalismo kantiano revela-se em todo seu esplendor quando este afirma que quando alguém (que tenha negócios ou um sacerdote. Estes são os exemplos kantianos) esclarecido, ou seja, no uso de seu próprio entendimento, nota que é seu dever tomar a palavra para defender os interesses de sua comunidade, não deve sofrer retaliações. Seus negócios não podem ser prejudicados por ter feito o que era seu dever como homem do esclarecimento. É a defesa da liberdade individual sem coerções. Um homem, quando esclarecido, pode e deve falar sem ser prejudicado. Aponta ainda a possibilidade de um acordo entre determinadas esferas, acordo este que colocaria sob jugo a época seguinte, de modo que não pudesse desenvolver seus conhecimentos sem ferir este acordo. “Isto seria um crime contra a natureza humana” (Kant, 1985, p. 108) e as gerações seguintes estão amparadas para desconsiderar tal acordo.
Nota
Tal como aparece no texto A Pedagogia, Kant confiava na noção de progresso histórico. Faz sentido que a ideia apareça em texto destinado a pensar a educação: para que haja progresso é preciso educar; uma geração educa e prepara a outra para ser o homem do futuro. Assim há progresso.
O homem pode protelar seu próprio esclarecimento, mas não pode abrir mão dele, já que estaria ferindo o direito da humanidade de avançar seus conhecimentos.
Esclarecimento e dialética do esclarecimento
Kant sabe que o seu tempo não é o tempo do esclarecimento, é o tempo do projetar. Sua confiança na razão dava-lhe esperanças em um tempo melhor, de homens mais instruídos e dispostos a qualificar a existência de todos os outros. Aqui, de nosso tempo, sabemos que essa história não teve um final feliz. O astucioso homem, no seu afã de dominar tanto a natureza como ao outro e, por vezes, inclusive a si mesmo, não consegue realizar o projeto Iluminista. Em nossa época, as Luzes se apagam. O rumo é perdido e todo o desenvolvimento só ganha sentido quando usado como instrumento de dominação e barbárie. Kant estava certo: ainda falta muito tempo para que os homens façam bom uso de seu entendimento. Os obstáculos são menores, a ciência dá conta de muitos conhecimentos antes necessários, mas inexistentes. Os homens caminharam muito, alguns ainda no brete, outros sendo guiados por tutores ou gurus por escolha própria, outros ainda se abandonam à preguiça e a covardia; poucos são os que, imbuídos dos ideais virtuosos do esclarecimento, perseguem a libertação da humanidade do jugo da ignorância. Estranhamente, ao que parece, não tanto os filósofos – mais os homens de ciências com o status alcançado pelo endeusamento desta.
Se for feita então a pergunta: "vivemos agora uma época esclarecida [<aufgeklärten>]"?, a resposta será: "não, vivemos em uma época de esclarecimento [<Aufklärung>]. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornar progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento [<Aufklärung>] geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento [<Aufklärung>] ou o século de Frederico (Kant, 1985, p.112).
Se nos for feita a mesma pergunta, talvez devamos responder como Kant: esta ainda é uma época de esclarecimento, com tudo que isso possa acarretar aos homens.
Guido de Almeida, reconhecido intelectual brasileiro, tradutor do livro Dialética do Esclarecimento, coloca na nota de abertura que Kant define esclarecimento “como um processo de emancipação intelectual resultando, de um lado, da superação da ignorância e da preguiça de pensar por conta própria e, de outro (...)”, da tutela. O projeto do esclarecimento é valioso: acender as luzes em meio às trevas da ignorância, desencantando, então, o mundo aterrorizador. O homem não merece e não deve permanecer no escuro. Iluminar o mundo é pôr de lado o mítico e entender o que é racional. A contribuição kantiana é fundamental, pois, entre outras coisas, delimita o que é passível de entendimento e sobre o qual podemos produzir conhecimento e o que está fora da esfera racional. Kant nos poupa trabalho, mas, segundo seu conceito de esclarecimento, não deveríamos simplesmente aceitá-lo; teríamos que avaliá-lo, provocando nosso próprio esclarecimento.
Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer escrevem a respeito do esclarecimento:
No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objectivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 19).
Séculos após a resposta kantiana, os filósofos da chamada Escola de Frankfurt, que constituem o que conhecemos por teoria crítica (em oposição à teoria tradicional, herdada de Descartes), também abrem sua obra de forma triunfal; sua assertiva inaugural põe abaixo os pilares do esclarecimento ao mesmo tempo que expõe seu projeto. A referência é direta ao texto kantiano: o homem, pelo projeto do esclarecimento, deveria ter perdido o medo e tornado-se senhor de si, mas o que acontece? Não só o projeto mostra-se falido como aqueles homens que se esclareceram levaram a humanidade à barbárie. Oriundos da experiência das guerras mundiais e das perseguições, necessitando sair de seu próprio país para preservar suas vidas e as dos seus, os filósofos viam no projeto do esclarecimento aquilo que possibilitou ao homem chegar à catástrofe e à calamidade. A razão que deveria promover o desencantamento do mundo promove o medo, a guerra, o domínio do mais forte, a violência sob formas nunca vistas. Kant não poderia prever tal uso da razão esclarecida. Ele foi ingênuo (teria relação com o protestantismo?)! Confiou que, junto com o esclarecimento, viria a maioridade moral! Como disse Nietzsche, autonomia exclui moral; não há motivos para que se acredite que ambas caminhem juntas, principalmente em se tratando do homem. O tema do livro de Adorno e Horkheimer é entender por que a humanidade, ao invés de entrar em um estado propriamente humano, está caminhando para novos tipos de barbárie.
A atualidade deste texto filosófico está em perceber as nuances alcançadas pela astúcia, em expor todos os recursos utilizados pelo homem para manter a miséria e a dominação de uns sobre os outros. Mesmo sendo válido o esforço dos filósofos frankfurtianos, a explicação pode ser simplificada, uma vez que, ao referir-se ao homem, não há garantia de bom uso do conhecimento. Não há como prever os caminhos que a humanidade tomará ao sentir-se segura, senhora, sobre o planeta.
Referências
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Paulus, 2002.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento? In: KANT, Immanuel. Textos seletos. Trad. Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985.
NIETZSCHE, Friedrich. A genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Publicado em 13 de outubro de 2009
Publicado em 06 de outubro de 2009
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