segunda-feira, 11 de maio de 2015

Parem de confundir educação com ensino. Eduquem-se. Assistam aos vídeos de Bruno Garschagen (exclusivo) e José Monir Nasser sobre a vida intelectual no Brasil




08/04/2014
 às 22:04 \ Cultura

Parem de confundir educação com ensino. Eduquem-se. Assistam aos vídeos de Bruno Garschagen (exclusivo) e José Monir Nasser sobre a vida intelectual no Brasil

Bruno Fashion Mondays Foto oficial 1Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa e Universidade de Oxford (visiting student) e formado em Direito, o professor, podcaster e escritor capixaba Bruno Garschagen falou sobre as dificuldades e oportunidades relacionadas à vida intelectual no Brasil, em edição de 7 de abril do Fashion Mondays, uma série de palestras realizadas às segundas-feiras no São Conrado Fashion Mall, no Rio de Janeiro, com curadoria de Alexandre Borges, que entrou no fim para mediar as perguntas da plateia.
Bruno e Alexandre são agora meus colegas de editora Record – e seus livros, assim como o meu, estão previstos para 2015. Estive presente no Fashion Mall e filmei pelo celular a metade final da excelente palestra de Bruno, que compartilho aqui, com exclusividade. Assistam.

E já que ele falou da diferença entre educação e ensino, vamos a ela também.
Fashion Mondays Bruno Alexandre Pim Foto OficialEnquanto nas escolas brasileiras Walesca Popozuda vira uma “grande pensadora contemporânea” em questão de prova de filosofia do Centro de Ensino Médio 3 de Taguatinga, no Distrito Federal, e o professor de geografia do oitavo ano revela à turma do filho de Fernanda Torres no Rio de Janeiro que a palavra lucro vem de outra, logro, que quer dizer roubo, de modo que se um pipoqueiro emprega alguém ele se apropria do esforço alheio, o que é reprovável, nada melhor que ouvir um dos grandes mestres que o Brasil já teve, José Monir Nasser (morto aos 56 anos em março de 2013), colocar as coisas nos seus devidos lugares. Transcrevo este seu vídeo fundamental, com parte de sua palestra na ocasião do lançamento da edição brasileira do “Trivium“, da irmã Miriam Joseph (1898-1982), do qual ele escreveu oprefácio. Voltarei ao assunto em breve.


É um assunto tão importante, tão grande, tão extraordinariamente urgente que eu me sinto assim cumprindo uma espécie de obrigação pública ao fazê-lo. Quando você fica pensando como foi que nós esquecemos a educação, como é que nós a perdemos, e aí ficamos elegendo essas bobagens como educação… Quer dizer, esse conjunto de ideários modernos que se chama de educação é um pouco dessa autoilusão.
Quem foi compreender onde é que foi parar a educação foi o padre Ivan Illich (1926-2002). O que o padre Ivan Illich faz, na verdade, é propor o seguinte: “Para com esse negócio de escola. Escola nenhuma. A única coisa que interessa é que aqueles que querem aprender alguma coisa se encontrem com aqueles que querem ensinar alguma coisa. E isso que nós chamamos aí de educação não é educação de jeito nenhum, é alguma coisa próxima do conceito de Ensino.”
Então o que o padre faz, logo de cara, é destruir essa falsa equação entre educação e Ensino, como se essas coisas não tivessem nenhuma ligação uma com a outra. E de fato, se você prestar atenção, se você não destrói essa ligação, você não entende nada mesmo desse assunto. A pré-condição para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer nos assuntos educacionais é nós destruirmos essa pseudoequação chamada Ensino = Educação.
Continua o padre Ivan Illich dizendo que isso que se chama de Ensino não tem nada a ver com educação porque ele é basicamente uma metodologia de distribuição de posições sociais. Não se imagina de fato que alguém vai aprender alguma coisa. É apenas um método pelo qual você distribui entre as pessoas privilégios que podem depois servir para fins de todos os tipos, mas sobretudo profissionais.
E agora vocês imaginam então a situação de alguém que está lidando com o departamento de pessoal de uma firma grande: ascensorista, por exemplo. Se você não estabelecer uma enorme quantidade de obstáculos de qualificação, você irá ter uma lista de pessoas para analisar o currículo que vai demorar uns cinco anos para você chegar no último. Então o que acontece? Essa turma de RH vai lá e põe assim no jornal: para ser ascensorista, tem que ter o segundo grau completo. Daqui a pouquinho tem que ter curso de administração de empresas, porque o único objetivo disso é reduzir a quantidade de pessoas candidatas àquele determinado curso [cargo].
Essencialmente é isso que nós temos que resolver com o Ensino moderno. O Ensino moderno é apenas um meio de você separar as pessoas com perspectivas diferentes de capacidade de obter emprego. E é por isso que todo debate de qualidade de Ensino é um debate vazio, porque no fundo, no fundo, esse assunto não tem nada a ver com educação, é apenas um assunto de “promoção social”, digamos assim entre aspas. Essa é a tese do padre Ivan Illich, de que nós nos enganamos profundamente ao imaginar o que tem aí no assunto Ensino.
E quando eu chamo de Ensino são esses rituais de natureza governamental, porque, mesmo quando é privado, obedece aos rituais estabelecidos pelo governo federal, ou o governo estadual, o governo municipal, enfim, o que for… Esse conjunto de rituais não tem nada a ver com educar alguém. Essa é a realidade que a gente precisa entender.
Então, por exemplo: há todo ano um debate sobre se deve ou não, como é que se diz?, aprovar automaticamente os alunos. A turma que acha que tem que aprovar automaticamente é composta fundamentalmente dos cínicos, que acham que é isso mesmo que eu estou descrevendo, e acham: “Ah, já que é uma coisa mesmo de faz-de-conta, qual é o problema de aprovar automaticamente então os alunos?” E o pessoal que acha que não deve aprovar automaticamente são os otimistas que acham que isso tem a ver com educação e ainda imaginam que possa haver alguma educação no sistema de Ensino. Eles só têm interesse em preencher papelzinho e lista de presença e isso e aquilo outro, então ele permite que um professor qualquer dê a aula que bem entender…
Olha, faz 20 anos que eu fui professor de tudo quanto é jeito: fui professor de inglês do segundo grau, fui professor de economia, sou professor de pós-graduação, faço tudo quanto é coisa. Nunca na minha história de professor apareceu alguém para discutir a aula que eu estava dando.
Mas o problema desses indivíduos é que eles precisam saber alguma coisa antes de ensinar aos outros e, se eles vieram do mundo do Ensino, provavelmente vieram já contaminados com os defeitos do próprio Ensino. O que nós temos aí é um caso perdido. O Ensino é completamente irrecuperável. Para conseguir um sujeito que saiba alguma coisa para dar aula é um investimento terrivelmente grande e só se pode fazer com uma pequena parcela dos professores e também a de fato uma pequena parcela de alunos que gostariam de empreendê-lo. Mas, fora isso, o resto se contenta com esse mise-en-scene, com essa espécie de farsa geral chamada Ensino, e que é mais ou menos…
A escola pública no Brasil, por exemplo, é um negócio que só existe para contestar a tese de que não existe nada, de que não existe mais. Há boas escolas aqui e acolá, mas a média é muito terrível. Você imagina que, depois de 8 anos, em que nós raptamos as crianças 5 horas por dia, durante 8 anos, gastamos um quarto do orçamento com isso, até por lei…
Todo mundo é burro? Ninguém sabe ler? Não parece a vocês haver alguma coisa terrivelmente errada nisso? A eficiência de um negócio desse é altamente ridícula. Nós não sabemos o que estamos fazendo. Mas a nossa rebelião vai até o ponto em que a gente entende que se trata simplesmente de Ensino, e não se trata de educação. E educação não pode existir nesta base em que ocorre o tal do Ensino brasileiro.
Pois se a gente não entende essa diferença de educação e Ensino, também nós não entendemos o que o Trivium quer nos mostrar. Porque o Trivium é de fato um instrumento de educação. Não só o Trivium, como o Quadrivium, aquilo que se chama de 7 Artes Liberais. A própria expressão 7 Artes Liberais quer nos dizer que – a parte liberal do título – quer nos dizer que há uma liberdade intrínseca nesse assunto, ou seja, esses conhecimentos que o Trivium e o Quadrivium permitem que nós tenhamos são conhecimentos livres, você os obtêm SE você bem entender.
E essa é a primeira condição para que haja alguma educação. A educação tem de ser necessariamente voluntária. Não pode ser de modo nenhum forçada por nenhuma espécie de método e é por isso que eu sempre digo para todo mundo que eu sou o professor mais feliz que se possa conceber, porque eu tenho 600 alunos voluntários. E é muito pouca gente capaz de ter a mesma quantidade de alunos voluntários.
Os meus alunos vêm todos porque querem. E isso é a garantia de que eu tenho realmente a possibilidade de educar alguém, porque eu estou de certo modo protegido por essa vontade, esse desejo, que é o que não existe no mundo do Ensino, porque o mundo do Ensino precisa fazer o ritual da presença. E o ritual da presença é esse ritual de que nós conhecemos os resultados aí.
Em suma:
Parem de confundir educação com ensino. Eduquem-se.
Felipe Moura Brasil - http://www.veja.com/felipemourabrasil
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fonte; http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/04/08/parem-de-confundir-educacao-com-ensino-eduquem-se-assistam-aos-videos-de-bruno-garschagen-exclusivo-e-jose-monir-nasser-sobre-a-vida-intelectual-no-brasil/
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