08/04/2014
às 22:04 \ CulturaParem de confundir educação com ensino. Eduquem-se. Assistam aos vídeos de Bruno Garschagen (exclusivo) e José Monir Nasser sobre a vida intelectual no Brasil
Bruno e Alexandre são agora meus colegas de editora Record – e seus livros, assim como o meu, estão previstos para 2015. Estive presente no Fashion Mall e filmei pelo celular a metade final da excelente palestra de Bruno, que compartilho aqui, com exclusividade. Assistam.
E já que ele falou da diferença entre educação e ensino, vamos a ela também.
E já que ele falou da diferença entre educação e ensino, vamos a ela também.
É um assunto tão importante, tão grande, tão extraordinariamente urgente que eu me sinto assim cumprindo uma espécie de obrigação pública ao fazê-lo. Quando você fica pensando como foi que nós esquecemos a educação, como é que nós a perdemos, e aí ficamos elegendo essas bobagens como educação… Quer dizer, esse conjunto de ideários modernos que se chama de educação é um pouco dessa autoilusão.
Quem foi compreender onde é que foi parar a educação foi o padre Ivan Illich (1926-2002). O que o padre Ivan Illich faz, na verdade, é propor o seguinte: “Para com esse negócio de escola. Escola nenhuma. A única coisa que interessa é que aqueles que querem aprender alguma coisa se encontrem com aqueles que querem ensinar alguma coisa. E isso que nós chamamos aí de educação não é educação de jeito nenhum, é alguma coisa próxima do conceito de Ensino.”
Então o que o padre faz, logo de cara, é destruir essa falsa equação entre educação e Ensino, como se essas coisas não tivessem nenhuma ligação uma com a outra. E de fato, se você prestar atenção, se você não destrói essa ligação, você não entende nada mesmo desse assunto. A pré-condição para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer nos assuntos educacionais é nós destruirmos essa pseudoequação chamada Ensino = Educação.
Continua o padre Ivan Illich dizendo que isso que se chama de Ensino não tem nada a ver com educação porque ele é basicamente uma metodologia de distribuição de posições sociais. Não se imagina de fato que alguém vai aprender alguma coisa. É apenas um método pelo qual você distribui entre as pessoas privilégios que podem depois servir para fins de todos os tipos, mas sobretudo profissionais.
E agora vocês imaginam então a situação de alguém que está lidando com o departamento de pessoal de uma firma grande: ascensorista, por exemplo. Se você não estabelecer uma enorme quantidade de obstáculos de qualificação, você irá ter uma lista de pessoas para analisar o currículo que vai demorar uns cinco anos para você chegar no último. Então o que acontece? Essa turma de RH vai lá e põe assim no jornal: para ser ascensorista, tem que ter o segundo grau completo. Daqui a pouquinho tem que ter curso de administração de empresas, porque o único objetivo disso é reduzir a quantidade de pessoas candidatas àquele determinado curso [cargo].
Essencialmente é isso que nós temos que resolver com o Ensino moderno. O Ensino moderno é apenas um meio de você separar as pessoas com perspectivas diferentes de capacidade de obter emprego. E é por isso que todo debate de qualidade de Ensino é um debate vazio, porque no fundo, no fundo, esse assunto não tem nada a ver com educação, é apenas um assunto de “promoção social”, digamos assim entre aspas. Essa é a tese do padre Ivan Illich, de que nós nos enganamos profundamente ao imaginar o que tem aí no assunto Ensino.
E quando eu chamo de Ensino são esses rituais de natureza governamental, porque, mesmo quando é privado, obedece aos rituais estabelecidos pelo governo federal, ou o governo estadual, o governo municipal, enfim, o que for… Esse conjunto de rituais não tem nada a ver com educar alguém. Essa é a realidade que a gente precisa entender.
Então, por exemplo: há todo ano um debate sobre se deve ou não, como é que se diz?, aprovar automaticamente os alunos. A turma que acha que tem que aprovar automaticamente é composta fundamentalmente dos cínicos, que acham que é isso mesmo que eu estou descrevendo, e acham: “Ah, já que é uma coisa mesmo de faz-de-conta, qual é o problema de aprovar automaticamente então os alunos?” E o pessoal que acha que não deve aprovar automaticamente são os otimistas que acham que isso tem a ver com educação e ainda imaginam que possa haver alguma educação no sistema de Ensino. Eles só têm interesse em preencher papelzinho e lista de presença e isso e aquilo outro, então ele permite que um professor qualquer dê a aula que bem entender…
Olha, faz 20 anos que eu fui professor de tudo quanto é jeito: fui professor de inglês do segundo grau, fui professor de economia, sou professor de pós-graduação, faço tudo quanto é coisa. Nunca na minha história de professor apareceu alguém para discutir a aula que eu estava dando.
Mas o problema desses indivíduos é que eles precisam saber alguma coisa antes de ensinar aos outros e, se eles vieram do mundo do Ensino, provavelmente vieram já contaminados com os defeitos do próprio Ensino. O que nós temos aí é um caso perdido. O Ensino é completamente irrecuperável. Para conseguir um sujeito que saiba alguma coisa para dar aula é um investimento terrivelmente grande e só se pode fazer com uma pequena parcela dos professores e também a de fato uma pequena parcela de alunos que gostariam de empreendê-lo. Mas, fora isso, o resto se contenta com esse mise-en-scene, com essa espécie de farsa geral chamada Ensino, e que é mais ou menos…
A escola pública no Brasil, por exemplo, é um negócio que só existe para contestar a tese de que não existe nada, de que não existe mais. Há boas escolas aqui e acolá, mas a média é muito terrível. Você imagina que, depois de 8 anos, em que nós raptamos as crianças 5 horas por dia, durante 8 anos, gastamos um quarto do orçamento com isso, até por lei…
Todo mundo é burro? Ninguém sabe ler? Não parece a vocês haver alguma coisa terrivelmente errada nisso? A eficiência de um negócio desse é altamente ridícula. Nós não sabemos o que estamos fazendo. Mas a nossa rebelião vai até o ponto em que a gente entende que se trata simplesmente de Ensino, e não se trata de educação. E educação não pode existir nesta base em que ocorre o tal do Ensino brasileiro.
Pois se a gente não entende essa diferença de educação e Ensino, também nós não entendemos o que o Trivium quer nos mostrar. Porque o Trivium é de fato um instrumento de educação. Não só o Trivium, como o Quadrivium, aquilo que se chama de 7 Artes Liberais. A própria expressão 7 Artes Liberais quer nos dizer que – a parte liberal do título – quer nos dizer que há uma liberdade intrínseca nesse assunto, ou seja, esses conhecimentos que o Trivium e o Quadrivium permitem que nós tenhamos são conhecimentos livres, você os obtêm SE você bem entender.
E essa é a primeira condição para que haja alguma educação. A educação tem de ser necessariamente voluntária. Não pode ser de modo nenhum forçada por nenhuma espécie de método e é por isso que eu sempre digo para todo mundo que eu sou o professor mais feliz que se possa conceber, porque eu tenho 600 alunos voluntários. E é muito pouca gente capaz de ter a mesma quantidade de alunos voluntários.
Os meus alunos vêm todos porque querem. E isso é a garantia de que eu tenho realmente a possibilidade de educar alguém, porque eu estou de certo modo protegido por essa vontade, esse desejo, que é o que não existe no mundo do Ensino, porque o mundo do Ensino precisa fazer o ritual da presença. E o ritual da presença é esse ritual de que nós conhecemos os resultados aí.
Em suma:
Parem de confundir educação com ensino. Eduquem-se.
Felipe Moura Brasil - http://www.veja.com/felipemourabrasil
fonte; http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/04/08/parem-de-confundir-educacao-com-ensino-eduquem-se-assistam-aos-videos-de-bruno-garschagen-exclusivo-e-jose-monir-nasser-sobre-a-vida-intelectual-no-brasil/
Obrigado pela visita, volte sempre.
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