Uma prática social de linguagem imprescindível para a participação no mundo da escrita
Você, professor, provavelmente já precisou produzir diferentes tipos de textos ao longo de sua trajetória profissional, como relatórios, planejamentos, monografias. Os advogados escrevem processos, petições, contratos. Os pesquisadores divulgam suas descobertas por meio de artigos científicos. Os cineastas produzem roteiros de filmes.
Essas são algumas situações profissionais em que é necessário produzir textos, mas elas não as únicas. Em atividades cotidianas, frequentemente, precisamos escrever recados, instruções, e-mails, comentários em redes sociais. A escrita também nos permite registrar nossas experiências em diários, compartilhá-las por meio de cartas e e-mails e ainda expressar nossa subjetividade em poesias, contos, crônicas.
A produção de textos é uma prática social de linguagem. Isso significa que, para participar ativamente da sociedade, como cidadãos da cultura escrita, precisamos ser capazes de escrever textos. Segundo a especialista em ensino da Língua Portuguesa, Kátia Lomba Bräkling, "em várias circunstâncias da vida escrevemos textos, para diferentes interlocutores [para quem?], com distintas finalidades [para quê?], organizados nos mais diversos gêneros [como se escreve], para circular em diferentes espaços sociais [coloquiais, formais etc.]".
Um pouco de teoria
Para dar conta de ajudar seus alunos a escrever com autonomia, é preciso, primeiramente, assumir uma concepção de linguagemclara. Diferentes correntes teóricas definem o que é a linguagem e você precisa ter consciência da concepção que embasa sua prática em sala.As três concepções de linguagem mais comuns que já nortearam (e, em algumas instituições, ainda norteiam) as práticas de ensino são:
- a linguagem como expressão do pensamento;
- a linguagem como instrumento de comunicação;
- a linguagem como forma de interação.
Cada concepção implica uma prática pedagógica específica e, consequentemente, uma maneira distinta do estudante se relacionar com a língua.
A linguagem como expressão do pensamento
Essa concepção tem origem na tradição gramatical grega, vigorou durante toda a Idade Média e só foi superada no início do século 20. Segundo Alba Maria Perfeito, especialista em linguística e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), essa corrente assume a língua como uma atividade mental. Regido por normas que definem o certo e o errado, o uso da língua é visto como uma consequência de pensá-la corretamente. Desse modo, fala e escreve bem o indivíduo que pensa bem. A heterogeneidade linguística e as variações determinadas pelas diferentes situações de uso são completamente desconsideradas nessa concepção.
Sob essa ótica, o ensino da língua se resume ao ensino das normas gramaticais. Acreditava-se que, para produzir bons textos, bastava ao aluno dominar tais regras. "Essa visão de linguagem permeou o ensino de língua materna no Brasil e foi mantida, praticamente sem grandes mudanças até o final da década de 1960. Segue tendo repercussões atualmente", afirma Alba no artigo Concepções de Linguagem e Análise Linguística: Diagnóstico para Propostas de Intervenção.
A linguagem como instrumento de comunicação
A ruptura com a corrente anterior se deu com as pesquisas do linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913). No início do século 20, ele focou a organização interna da língua, sua estrutura. A linguagem deixou de ser entendida como expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação. Nesse modelo, a língua passou a ser considerada um código por meio do qual um emissor transmite uma mensagem a um receptor, independentemente das condições históricas e sociais em que ambos se encontram.
O ensino pautado por essa concepção foca prioritariamente as estruturas - os substantivos, os verbos, os pronomes, etc. - que compõem a língua e seu emprego correto em frases. Predominam os exercícios estruturais mecânicos de seguir modelos, de múltipla escolha e de completar lacunas.
A linguagem como forma de interação
Com base nas pesquisas desenvolvidas pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) - e pelo grupo de intelectuais de formação variada que ficou conhecido como Círculo de Bakhtin -, a linguagem passa ser concebida como um constante processo de interação, mediado pelo diálogo. Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação.Ao conceber a linguagem como forma de interação, o ensino da língua materna passa a ser o ensino das práticas de linguagem, isto é, dos diferentes usos que se faz da língua em diferentes contextos.
É nessa concepção de linguagem como forma de interação que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para Língua Portuguesa no Ensino Fundamental 1 estão fundamentados:
"O estabelecimento de eixos organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental parte do pressuposto que a língua se realiza no uso, nas práticas sociais; que os indivíduos se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio, por meio da ação sobre eles; que é importante que o indivíduo possa expandir sua capacidade de uso da língua e adquirir outras que não possui em situações linguisticamente significativas, situações de uso de fato."
A especificidade do trabalho nas séries iniciais
No 1º e 2º anos, todos devem produzir textos, inclusive os pequenos que não estiverem alfabetizados. Por meio do ditado, seja para os colegas ou para o professor, esses alunos vão se apropriando, ao mesmo tempo, da linguagem escrita e do sistema alfabético. Aqueles que já estiverem alfabetizados precisam ser desafiados a conquistar cada vez mais autonomia, planejando, escrevendo e revisando seus textos de acordo com os propósitos, o gênero e seus potenciais leitores.
Leia mais no link abaixo
fonte