O Brincar à Luz da Psicopedagogia
Autora: Santuza Mônica de França P. da Fonseca
O tema que queremos discutir é o brincar e suas implicações. A pergunta que aflora é: qual o objetivo do brincar na Psicopedagogia, no que vai nos ajudar e porque vamos propô-lo?
Iniciamos a discussão a partir de dois pressupostos:
• Uma criança que não consegue brincar encontra-se com alguma questão na área do desenvolvimento que não vai bem.
• O brinquedo para a criança tem o mesmo valor que tem o trabalho para o adulto.
A pessoa humana para estar bem precisa relacionar-se socialmente, trabalhar e amar. A criança saudável brinca e, dessa maneira, aprende a relacionar-se com o mundo adulto, a amar e sentir-se amada.
A importância que o trabalho tem para o adulto equivale à importância do brinquedo para a criança. Onde acontece a aprendizagem? A fim de refletir sobre essa questão, precisamos abordar a inter-relação da Psicanálise com a Psicopedagogia para identificarmos os dois mundos presentes: um mundo interno, da ordem da subjetivação, do desejo, carregado de emoções e um mundo externo, que é objetivo, lógico e social. É na intersecção desses dois mundos que acontecem o brincar e o jogar. E é nesse espaço que a criança, o adolescente e o adulto aprendem; no espaço da intersecção desses dois mundos que acontece a aprendizagem, o espaço transicional estudado por Winnicott. Situam-se aqui, o lugar do jogo e da aprendizagem, que diz respeito ao interno e ao externo ao mesmo tempo.
O brincar apresenta esquema semelhante ao aprender. A palavra do adulto, na criança, é substituída pela brincadeira e pelo jogar. Qual o tema das brincadeiras da criança, no consultório? No consultório, a criança traz os conflitos dela, ela brinca, então, a sua própria vida. Uma criança é capaz de passar através do jogo a um outro aquilo que lhe está faltando, ou parafraseando Gilberto Safra, o jogo das crianças denuncia um saber daquilo que não houve; aparece desenhado no jogo a expectativa de algo que não aconteceu -“o pai que jamais teve, mas que ele concebeu porque jamais teve”.
Na situação do jogo e da brincadeira, as crianças vão reproduzir esquemas próprios da vida e, dentro dos esquemas prévios de relação, vão surgindo os esquemas de suas vidas e os ensaios de papéis futuros que elas irão assumir durante a vida. Sendo assim, as crianças brincam, no consultório, os seus conflitos atuais e para ensaiar esses papéis; porquanto, elas vão, com isso, organizando suas estruturas nos momentos das brincadeiras, uma vez que para brincar elas necessitam antecipar, postergar, relacionar, verificar possibilidades, etc. Um exemplo a esse respeito que vale salientar é a construção das seqüências temporais pelas crianças. O psicopedagogo pode trabalhar essas noções através de histórias contadas, as quais serão recontadas pela criança, com cenários e com personagens e, nesse sentido, estará possibilitando a ela a aquisição desses conceitos.
A criança que não brinca está com seu discurso interno desestruturado e, a partir de um modelo oferecido pelo psicopedagogo, ela vai reconstruir o discurso, a ordenação, o termo-a-termo, a seqüenciação, a seriação, a classificação, a reversibilidade, etc. Outros exemplos podem ser citados e apresentados a partir de algumas histórias e que vão possibilitar momentos nos quais os pacientes poderão reconstruir algumas dessas noções.
Não se pode esquecer, contudo, o respeito também ao brincar solitário da criança, tão bem mencionado por Winnicott. A criança brinca só e o adulto não deve interferir, a não ser que seja convidado. Esse brincar é simbólico, uma vez que está sendo olhado pelo olhar psicopedagógico. Brincar não só para fazer a reorganização interna, mas, também, para ser observado pelo olhar terapêutico. O olhar terapêutico do psicopedagogo equivale à atenção flutuante “sem memória, sem desejo” do psicanalista.
Podemos recordar que, primeiramente a criança brinca com o próprio corpo; depois com os objetos do mundo externo e só mais tarde inclui o outro através dos jogos de regras. Nesse momento, o adulto entra como organizador do ambiente ao oferecer o que é adequado à criança.
Nesse sentido, chamamos à atenção sobre as duas modalidades de brincadeiras: a saudável e a patológica. A criança que repete pode estar querendo interiorizar um esquema de ação, automatizar um mecanismo. A criança que escolhe sempre a mesma coisa, não demonstra expectativa; essa repetição está a serviço não de interiorizar um novo esquema, uma vez que não está conseguindo enfrentar uma situação nova. Para o psicopedagogo, o brincar serve como um meio de desvelar conflitos; mostrar se aquele comportamento da criança frente ao brinquedo é saudável ou patológico e o uso que se pode fazer disso.
O psicopedagogo pode oferecer possibilidades que minimizem os traços patológicos da criança, todavia, deve sempre propor atividades que o paciente tenha condições de realizar. Através do brincar, o profissional pode identificar e compreender a modalidade de aprendizagem do paciente – se é predominantemente acomodativa ou predominantemente assimilativa –, se o paciente cumpre de forma satisfatória o que lhe é solicitado, entretanto, fica paralisado diante do conhecimento, podemos dizer que sua modalidade é predominantemente acomodativa; ao passo que, se ele cria desordenadamente, mas não consegue transformar para construir o conhecimento, denominamos sua aprendizagem como predominantemente assimilativa, conforme postularam Sara Paín e Alicia Fernández.
Sendo assim, o brincar se destaca novamente para nos revelar que os esquemas que a criança usa para organizar as brincadeiras são os mesmos que ela usa para lidar com o conhecimento. Nessa perspectiva, é fundamental esse entendimento a fim de que o psicopedagogo possa identificar e intervir positivamente nas dificuldades da criança.
Para que serve proporcionar, observar e compreender o brincar na Psicopedagogia? Qual é o fim desse brincar? E na Psicanálise, como atua?
Na Psicanálise, o olhar é para o inconsciente, interpreta-se o inconsciente a partir da conflitiva que vai remeter às relações passadas. A Psicopedagogia, por sua vez, trabalha com o que está posto, no aqui, no agora, na dificuldade de aprendizagem que se apresenta e cuja interpretação é da ordem do pré-consciente.
Referências:
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
SAFRA, Gilberto. Fenômenos e objetos transicionais. Série: A visão clínica de Gilberto Safra. Aula ministrada na USP em 23 de dezembro de 2004. São Paulo: Edições Sobornost, 2005. 1 disco óptico digital (58 min), DVD.
WINNICOTT, D. W. O Brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
Santuza Mônica de França Pereira da Fonseca. Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Educação. Atua como psicopedagoga no Centro Estadual de Educação Especial –CEEsp em Natal/RN. Professora substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no curso de Pedagogia.
http://www.profala.com/arteducesp100.htm
Autora: Santuza Mônica de França P. da Fonseca
O tema que queremos discutir é o brincar e suas implicações. A pergunta que aflora é: qual o objetivo do brincar na Psicopedagogia, no que vai nos ajudar e porque vamos propô-lo?
Iniciamos a discussão a partir de dois pressupostos:
• Uma criança que não consegue brincar encontra-se com alguma questão na área do desenvolvimento que não vai bem.
• O brinquedo para a criança tem o mesmo valor que tem o trabalho para o adulto.
A pessoa humana para estar bem precisa relacionar-se socialmente, trabalhar e amar. A criança saudável brinca e, dessa maneira, aprende a relacionar-se com o mundo adulto, a amar e sentir-se amada.
A importância que o trabalho tem para o adulto equivale à importância do brinquedo para a criança. Onde acontece a aprendizagem? A fim de refletir sobre essa questão, precisamos abordar a inter-relação da Psicanálise com a Psicopedagogia para identificarmos os dois mundos presentes: um mundo interno, da ordem da subjetivação, do desejo, carregado de emoções e um mundo externo, que é objetivo, lógico e social. É na intersecção desses dois mundos que acontecem o brincar e o jogar. E é nesse espaço que a criança, o adolescente e o adulto aprendem; no espaço da intersecção desses dois mundos que acontece a aprendizagem, o espaço transicional estudado por Winnicott. Situam-se aqui, o lugar do jogo e da aprendizagem, que diz respeito ao interno e ao externo ao mesmo tempo.
O brincar apresenta esquema semelhante ao aprender. A palavra do adulto, na criança, é substituída pela brincadeira e pelo jogar. Qual o tema das brincadeiras da criança, no consultório? No consultório, a criança traz os conflitos dela, ela brinca, então, a sua própria vida. Uma criança é capaz de passar através do jogo a um outro aquilo que lhe está faltando, ou parafraseando Gilberto Safra, o jogo das crianças denuncia um saber daquilo que não houve; aparece desenhado no jogo a expectativa de algo que não aconteceu -“o pai que jamais teve, mas que ele concebeu porque jamais teve”.
Na situação do jogo e da brincadeira, as crianças vão reproduzir esquemas próprios da vida e, dentro dos esquemas prévios de relação, vão surgindo os esquemas de suas vidas e os ensaios de papéis futuros que elas irão assumir durante a vida. Sendo assim, as crianças brincam, no consultório, os seus conflitos atuais e para ensaiar esses papéis; porquanto, elas vão, com isso, organizando suas estruturas nos momentos das brincadeiras, uma vez que para brincar elas necessitam antecipar, postergar, relacionar, verificar possibilidades, etc. Um exemplo a esse respeito que vale salientar é a construção das seqüências temporais pelas crianças. O psicopedagogo pode trabalhar essas noções através de histórias contadas, as quais serão recontadas pela criança, com cenários e com personagens e, nesse sentido, estará possibilitando a ela a aquisição desses conceitos.
A criança que não brinca está com seu discurso interno desestruturado e, a partir de um modelo oferecido pelo psicopedagogo, ela vai reconstruir o discurso, a ordenação, o termo-a-termo, a seqüenciação, a seriação, a classificação, a reversibilidade, etc. Outros exemplos podem ser citados e apresentados a partir de algumas histórias e que vão possibilitar momentos nos quais os pacientes poderão reconstruir algumas dessas noções.
Não se pode esquecer, contudo, o respeito também ao brincar solitário da criança, tão bem mencionado por Winnicott. A criança brinca só e o adulto não deve interferir, a não ser que seja convidado. Esse brincar é simbólico, uma vez que está sendo olhado pelo olhar psicopedagógico. Brincar não só para fazer a reorganização interna, mas, também, para ser observado pelo olhar terapêutico. O olhar terapêutico do psicopedagogo equivale à atenção flutuante “sem memória, sem desejo” do psicanalista.
Podemos recordar que, primeiramente a criança brinca com o próprio corpo; depois com os objetos do mundo externo e só mais tarde inclui o outro através dos jogos de regras. Nesse momento, o adulto entra como organizador do ambiente ao oferecer o que é adequado à criança.
Nesse sentido, chamamos à atenção sobre as duas modalidades de brincadeiras: a saudável e a patológica. A criança que repete pode estar querendo interiorizar um esquema de ação, automatizar um mecanismo. A criança que escolhe sempre a mesma coisa, não demonstra expectativa; essa repetição está a serviço não de interiorizar um novo esquema, uma vez que não está conseguindo enfrentar uma situação nova. Para o psicopedagogo, o brincar serve como um meio de desvelar conflitos; mostrar se aquele comportamento da criança frente ao brinquedo é saudável ou patológico e o uso que se pode fazer disso.
O psicopedagogo pode oferecer possibilidades que minimizem os traços patológicos da criança, todavia, deve sempre propor atividades que o paciente tenha condições de realizar. Através do brincar, o profissional pode identificar e compreender a modalidade de aprendizagem do paciente – se é predominantemente acomodativa ou predominantemente assimilativa –, se o paciente cumpre de forma satisfatória o que lhe é solicitado, entretanto, fica paralisado diante do conhecimento, podemos dizer que sua modalidade é predominantemente acomodativa; ao passo que, se ele cria desordenadamente, mas não consegue transformar para construir o conhecimento, denominamos sua aprendizagem como predominantemente assimilativa, conforme postularam Sara Paín e Alicia Fernández.
Sendo assim, o brincar se destaca novamente para nos revelar que os esquemas que a criança usa para organizar as brincadeiras são os mesmos que ela usa para lidar com o conhecimento. Nessa perspectiva, é fundamental esse entendimento a fim de que o psicopedagogo possa identificar e intervir positivamente nas dificuldades da criança.
Para que serve proporcionar, observar e compreender o brincar na Psicopedagogia? Qual é o fim desse brincar? E na Psicanálise, como atua?
Na Psicanálise, o olhar é para o inconsciente, interpreta-se o inconsciente a partir da conflitiva que vai remeter às relações passadas. A Psicopedagogia, por sua vez, trabalha com o que está posto, no aqui, no agora, na dificuldade de aprendizagem que se apresenta e cuja interpretação é da ordem do pré-consciente.
Referências:
FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
SAFRA, Gilberto. Fenômenos e objetos transicionais. Série: A visão clínica de Gilberto Safra. Aula ministrada na USP em 23 de dezembro de 2004. São Paulo: Edições Sobornost, 2005. 1 disco óptico digital (58 min), DVD.
WINNICOTT, D. W. O Brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
Santuza Mônica de França Pereira da Fonseca. Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Educação. Atua como psicopedagoga no Centro Estadual de Educação Especial –CEEsp em Natal/RN. Professora substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no curso de Pedagogia.
http://www.profala.com/arteducesp100.htm