Alfabetização fônica computadorizada: usando o computador para desenvolver habilidades fônicas e metafonológicas
Natália Martins Dias
Universidade São Francisco
Mais do que uma questão de direito básico à educação, a apropriação da linguagem escrita garante, hoje, a inserção do indivíduo em um mundo cada vez mais letrado. Neste contexto figura a alfabetização fônica, empregada como método de alfabetização oficial em países como Estados Unidos, Inglaterra e França, dentre outros, recordistas mundiais em competência de leitura e escrita. Em contraste, o Brasil, que ainda propõe oficialmente o método global de alfabetização, sustenta um 36º lugar em tal quesito, isto é, o último lugar (Organization for Economic Cooperation and Development, 2001).
O método fônico baseia-se em instruções fônicas e metafonológicas, de modo a prover um ensino explícito e sistemático das correspondências grafofonêmicas, ao mesmo tempo em que propicia o desenvolvimento de habilidades metafonológicas, ou seja, da consciência fonológica (Capovilla & Capovilla, 2004b). Esta é definida como a habilidade de refletir sobre a estrutura fonológica da linguagem oral, referese tanto à consciência de que a fala pode ser segmentada, quanto à habilidade de discriminar e manipular tais segmentos (Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b).
Para compreender como as instruções sistemáticas de correspondências grafofonêmicas e o desenvolvimento da consciência fonológica podem contribuir para construção da competência de leitura e escrita, uma breve revisão teórica se faz necessária. De forma sucinta, segundo Frith (1985), existem três estratégias para se lidar com a palavra escrita. Na primeira, a logográfica, a leitura e a escrita ainda são incipientes, pois se caracterizam pelo uso de pistas contextuais e não-lingüísticas, tais como as cores, o fundo e a forma global das palavras. Na estratégia alfabética, com o desenvolvimento da rota fonológica, a criança aprende as regras de correspondências grafofonêmicas. A estratégia ortográfica, por sua vez, caracteriza-se pelo processamento visual direto das palavras, ou seja, a criança já possui um léxico mental ortográfico e, a partir desta representação ortográfica, tem acesso direto ao sistema semântico.
Assim, a leitura nessa perspectiva ocorre como um modelo de processo duplo, ou seja, por meio de duas rotas, a fonológica e a lexical (Ellis & Young, 1988; Morton, 1989). Na leitura pela rota fonológica, a seqüência grafêmica é segmentada em unidades menores e convertida nos seus respectivos sons. Em seguida, faz-se a junção dos segmentos fonológicos e produz-se a pronúncia da palavra. O acesso semântico é obtido posteriormente, pelo feedback acústico da forma fonológica produzida em voz alta ou encobertamente. Na rota lexical, a pronúncia é resgatada como um todo a partir do léxico, isto é, sem mediação fonológica. É utilizada na leitura de palavras familiares, que se encontram préarmazenadas no léxico ortográfico. Deste modo, o item é reconhecido ortograficamente, é ativada sua representação semântica e, depois, sua representação fonológica.
Diversos autores têm reconhecido que a rota fonológica é essencial para o desenvolvimento da leitura e escrita (para uma revisão, consultar Share, 1995). De fato, a decodificação fonológica possibilita a aquisição das representações ortográficas, permitindo ulterior leitura lexical. Além da expansão do léxico ortográfico, a rota fonológica também permite a leitura de palavras novas, com as quais mesmo os leitores competentes se deparam todos os dias.
Visto que a rota fonológica é fundamental para a aquisição da leitura e escrita, torna-se também evidente a importância do processamento fonológico e, mais especificamente, da consciência fonológica, pois esta é essencial para os processos de codificação e decodificação. Desta forma, pode-se compreender a eficácia das instruções fônicas e metafonológicas no desenvolvimento de leitura e escrita, pois tais instruções desenvolvem justamente as habilidades fundamentais para o uso competente da rota fonológica.
Corroborando o acima descrito, estudos têm evidenciado que as dificuldades em leitura e escrita se devem, em grande parte, a problemas de processamento fonológico, podendo estes ser atenuados e/ou solucionados com a incorporação de atividades fônicas e metafonológicas em diferentes níveis escolares (Capovilla, 2003). Isto tem sido demonstrado em diversos estudos internacionais (e.g., Bradley & Bryant, 1983; Elbro, Rasmussen & Spelling, 1996; Torgesen & Davis, 1996; Schneider et al., 1997) e nacionais (Capovilla & Capovilla, 2000; Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b).
Procedimentos para implementar a alfabetização fônica já foram descritos em diversos livros e artigos brasileiros (Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b; Capovilla & Capovilla, 2005). Recentemente foi também implementada no CD-Rom Alfabetização fônica computadorizada (Capovilla, Macedo, Capovilla & Diana, 2005). Estesoftware torna ainda mais eficaz a alfabetização e a intervenção em problemas de leitura e escrita, ao integrar o caráter lúdico da informática à apresentação sistemática das letras e de seus respectivos sons e às atividades de consciência fonológica, estimulando o interesse e a participação do alfabetizando.
O software é estruturado sob dois menus principais, 'Consciência fonológica' e 'Alfabeto'. Cada um contém uma série de atividades, que se encontram sucintamente descritas a seguir.
O menu 'Consciência fonológica' integra atividades que visam desenvolver diferentes níveis de consciência fonológica. Inclui os submenus'Palavras', 'Rimas', 'Aliterações', 'Sílabas' e 'Fonemas'.
O submenu'Palavras' propõe atividades como a de completar frases, em que é apresentada uma frase com uma palavra faltando, como'Eu comi ____ hoje.' Logo abaixo da frase, são apresentadas figuras como alternativas de resposta, como'ímã', 'hipopótamo', 'lápis', 'chocolate' e 'jaqueta'. A criança é solicitada a selecionar a figura que completa a frase e, ao fazê-lo de modo correto, osoftware apresenta uma nova tela com a frase completa,'Eu comi chocolate hoje'. Numa outra atividade, são apresentadas frases com pseudopalavras, devendo a criança substituir tais pseudopalavras por palavras. Para tanto, deve clicar sobre a figura que pode dar sentido à frase.
No submenu'Rimas' são apresentadas atividades para selecionar figuras cujos nomes terminem com o mesmo som. Por exemplo, a instrução solicita que a criança clique sobre as figuras que terminem com"eira" e são apresentadas figuras de'cadeira', 'geladeira', 'pão', 'mamadeira', 'queijo' e 'mala', sendo que, ao passar o mouse sobre as figuras, osoftware apresenta seus nomes falados. São também apresentadas atividades em que se deve selecionar palavras que terminam de uma determinada forma, i.e., com o mesmo som.
Em 'Aliterações', de modo análogo a'Rimas', são apresentadas atividades voltadas para selecionar figuras. Posteriormente, são identificadas palavras cujos nomes comecem com um mesmo som.
O submenu'Sílabas' apresenta atividades de contagem de sílabas, em que a criança deve selecionar figuras cujos nomes são monossílabos, dissílabos, trissílabos ou tetrassílabos. Há, também, atividades de adição, subtração e transposição de sílabas em palavras escritas com formas geométricas. Por exemplo, numa atividade há duas formas geométricas, que representam as sílabas'lo' – 'bo', pronunciadas pelo software. A criança é instruída a selecionar a figura cujo nome resulta da inversão destas sílabas. Para tanto, deve selecionar uma dentre as figuras apresentadas como alternativas de resposta, no caso, a figura de'bolo'.
Em'Fonemas' são propostas atividades de adição, subtração e inversão de fonemas em palavras escritas com formas geométricas, em que cada forma representa um som. Por exemplo, numa atividade há três formas geométricas que representam os sons /a/ /t/ /a/, pronunciados pelo software. A criança deve selecionar a figura cujo nome resulta da adição do som /p/ no início de 'ata', ou seja, a figura de'pata'.
O menu 'Alfabeto' ilustra atividades cujo objetivo é o ensino sistemático das correspondências entre grafemas e fonemas. É dividido em 'Vogais','Consoantes', 'Encontrando palavras' e'Descobrindo palavras'. Em'Vogais' e 'Consoantes', há um submenu para cada letra, que é apresentada em tipo cursivo e de fôrma, maiúscula e minúscula. Ao passar o mouse sobre a letra, o software apresenta o seu som, o que facilita a aprendizagem das correspondências letrasom. Subsequentemente, são apresentadas diversas atividades com figuras e palavras, como leitura de textos, seleção de palavras e figuras que começam com a letra-alvo, e atividades de completar palavras com as letras que faltam.
Em 'Encontrando palavras', são apresentados caçapalavras em que a criança deve encontrar, num quadro, as palavras apresentadas. Em'Descobrindo palavras', a criança deve descobrir qual é a palavra escondida. Na tela são apresentados os traços correspondentes à palavra a ser descoberta, o que deve ser feito clicando sobre as letras do alfabeto. Ao clicar com o mouse sobre uma letra que faz parte da palavra, a letra aparece no local correto e uma parte do desenho é revelada.
É importante destacar que o software apresenta as atividades em um grau crescente de dificuldade e, em todas as atividades, os sons das letras, bem como os nomes das palavras e das figuras soam quando se passa o mouse sobre elas, facilitando a execução das atividades e a aprendizagem das correspondências grafofonêmicas. O software Alfabetização fônica computadorizada é acompanhado pelo livroFundamentação Teórica e guia para o usuário (Capovilla, Capovilla & Macedo, 2005), que fornece as bases teóricas subjacentes às atividades e diretrizes para a implementação do software.
Finalizando, as evidências, oriundas de estudos internacionais e nacionais já citados, ratificam a eficácia da alfabetização fônica no ensino tanto de normoléxicos quanto de disléxicos, sendo eficaz no tratamento e na prevenção dos problemas de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 2004b). Desta forma, o CD-RomAlfabetização Fônica Computadorizada (Capovilla, Macedo, Capovilla & Diana, 2005), dentre ouotras estratégias, é uma ferramenta útil e eficaz que pode ser utilizada tanto por professores nas escolas, quanto por profissionais de reabilitação que trabalham com dificuldades de leitura e escrita na clínica. Seu caráter lúdico é fundamental para o engajamento da criança na execução das atividades, aumentando a eficácia do procedimento.
Referências
Bradley, L., & Bryant, P. (1983). Categorizing sounds and learning to read: A causal connection.Nature, 301, 419- 421. [ Links ]
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Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2004a)Problemas de Leitura e Escrita: como identificar, prevenir e remediar, numa abordagem fonológica (4ª ed.). São Paulo, SP: Memnon. [ Links ]
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Sobre a autora
Natália Martins Dias (natalia_mdias@yahoo.com.br) é graduanda do curso de Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista do Programa de Iniciação Científica, PIBIC/ CNPq
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE)
Universidade Estadual de MaringáPrograma de Pós-Graduação em Psicologia
Av. Colombo, 5790
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fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572006000100017&script=sci_arttext
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