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quarta-feira, 2 de março de 2011

Estudantes que vivenciam a separação dos pais tendem - se não forem bem assistidos - a piorar no desempenho escolar.



 REVISTA EDUCAÇÃO - 02/2011 - EDIÇÃO 166

Vida partida

Estudantes que vivenciam a separação dos pais tendem - se não forem bem assistidos - a piorar no desempenho escolar. Os educadores podem ter papel importante na detecção de problemas
 
Carmen Guerreiro

"Vocês não sabem como é duro ter pais separados!", desabafou uma aluna durante a reunião de classe de sua turma no Colégio Oswald de Andrade, escola de classe média em São Paulo. Durante o encontro, educadores questionavam os estudantes sobre o motivo pelo qual eles não estavam fazendo lição de casa como deveriam. "Essa menina estava sobrecarregada porque, com os pais brigando, tinha de assumir a própria vida sozinha aos 12 anos, sem apoio do pai ou da mãe", conta Luciana Andrade, coordenadora do Fundamental 2 da escola.

E esse tipo de sobrecarga, ao que tudo indica, pode afetar bastante o desempenho escolar e o estado emocional dos jovens. Pesquisa realizada pelo Instituto Glia avalia que filhos de pais separados têm 46% mais chances de ter baixo desempenho na escola e duas vezes mais probabilidade de desenvolver uma doença mental do que crianças com pai e mãe casados. Não morar com um ou ambos os pais, segundo o estudo, confere ao filho 1,8 e 3,2 vezes mais chance de obter notas baixas e riscos para a saúde mental, respectivamente.

Para a instituição organizadora da pesquisa, a boa saúde mental se caracteriza por "um estado de bem-estar no qual a criança, o adolescente ou o adulto encontra-se apto a exercer suas habilidades, superar as adversidades da vida, poder estudar e trabalhar de forma produtiva". Foram entrevistados pais e professores de mais de 9 mil crianças e adolescentes de 81 cidades de 16 estados das cinco regiões brasileiras.

Esses resultados são indicações de fatores de risco a que crianças e jovens estão expostos, como explica Marco Antônio Arruda, neurologista organizador do Projeto Atenção Brasil: Saúde mental e desempenho escolar em crianças e adolescentes brasileiros. "É a mesma situação de falar que o fumo, o colesterol e a pressão alta são fatores de risco para doenças cardiovasculares. Estabelecer a relação de causa e efeito, no entanto, só se acompanharmos o indivíduo por certo tempo", explica. Com o objetivo de minimizar esses fatores de risco, o médico providenciou a publicação da pesquisa em formato de cartilha, destinada a educadores.

Questões por responder
A partir dos resultados do levantamento, no entanto, restam algumas dúvidas: o simples fato de ter pais separados leva as crianças a ir mal na escola? As crianças com pais casados não têm o mesmo tipo de dificuldade? A psicóloga e psicopedagoga Maria Cecília Nascimento esclarece que a questão não é tão simples.

"Há uma estreita relação entre lar e escola, por isso uma grande parte dos problemas educacionais infantis continua a ser originado no lar. O relacionamento entre pais e filhos e a harmonia do casal são elementos fundamentais para a obtenção de um bom desempenho escolar. No entanto, minha experiência profissional em consultório demonstra que filhos de famílias estruturadas também apresentam dificuldades escolares", observa.

Segundo ela, não há duvidas de que o que acontece no âmbito familiar da criança, como a separação dos pais, interfere no seu emocional, podendo apresentar comportamentos prejudiciais no desempenho escolar, mas essa é apenas uma possibilidade que é minimizada quando os pais, mesmo que separados, dão atenção e participam da educação dos filhos. "Estes aprendem mais e melhor com o apoio dos pais, sentindo-se mais seguros, motivados, estimulados e com vontade de aprender."

O fator que define se uma criança é ou não afetada por esse tipo de evento familiar pode estar ligado ao que Arruda se refere como "resiliência" - a capacidade da criança de se adaptar e lidar com uma situação difícil separadamente da sua vida escolar. "Na física, resiliência é a capacidade de um material sofrer transformação e voltar ao seu estado original, como a borracha e o elástico. Esse conceito foi transferido para a saúde mental infantil e crianças com alto desempenho escolar e bons índices de saúde mental são consideradas altamente resilientes. São capazes de sofrer o impacto e, com a perda, não se deformarem, e voltarem a seu estado original", explica.

Para Luciana, do Colégio Oswald de Andrade, a forma como a criança lida com uma perda familiar - a exemplo de um divórcio - e como isso influencia seu desempenho escolar depende de sua estabilidade emocional, da estrutura e rotina que os pais estabelecem para ela ou não e de questões práticas como a lição de casa, que depende de livros que são esquecidos na casa do pai ou da mãe.

"O problema é que às vezes os filhos ficam abandonados, sozinhos, e não têm orientação e cobrança adequadas, pois os pais estão preocupados demais com a separação", afirma. O problema não seria a separação em si, mas como os pais deixam o fato influenciar a vida do filho - expondo-o a brigas constantes, fazendo dele um meio de comunicação entre os adultos, muitas vezes de forma manipulativa, ou privando-o de uma rotina organizada e assistida.

"Muitas vezes o aluno é inteligente, capaz, esperto, mas não entrega os trabalhos. Outros têm nota baixa por dificuldade de aprender e compreender, apesar de se esforçar. Mas, em princípio, não existe nenhuma correlação entre nota baixa e pais separados. Muitas vezes pais separados funcionam melhor para o filho do que pais juntos que não conseguem se entender em relação à criação e rotina escolar do jovem", diz.

O papel do educador
Apesar de a separação dos pais não levar, obrigatoriamente, ao mau desempenho escolar, muitos alunos enfrentam essa dificuldade em maior ou menor grau. Nesse cenário, os professores muitas vezes são os primeiros a presenciar mudanças no comportamento desse aluno e cabe a eles identificar a fonte do problema e prestar ajuda, seja no âmbito escolar, seja ao fazer um alerta aos pais.

 "Hoje, o tempo que os pais têm para ficar com os filhos é inferior ao do professor. Por isso, elaboramos a cartilha, para que o educador esteja informado e, diante de um aluno com dificuldades, saiba identificar fatores de risco", diz Arruda.

A psicopedagoga Maria Cecília aponta que o professor deve estar atento a mudanças de comportamento do aluno, já que suas dificuldades podem vir à tona de diversas maneiras. "Alguns se mostram mais dispersos, apáticos, não demonstram interesse e envolvimento com as atividades. Outros são hiperativos e agitados", diagnostica. Independentemente de como a criança ou adolescente demonstra os problemas que está enfrentando em função da separação dos pais, Luciana, do Oswald de Andrade, defende que deve haver um canal aberto para conversa entre alunos e professores. "Cada escola lida com a questão de uma maneira. Na nossa, é muito fácil de perceber quando o aluno está passando por esse tipo de dificuldade, pois eles conversam com os professores, existe uma relação de diálogo. Quando aquele aluno que sempre fez as atividades começa a deixar de fazer ou fica calado, o educador deve procurar conversar, e depois falar com a coordenação." Se não houver melhora, a escola deve chamar os pais.

Luciana defende que, nesse tipo de situação, sejam abordados aspectos exclusivamente escolares, sem imiscuir-se na vida pessoal do aluno e de sua família. "O que ela pode fazer em benefício do aluno é em âmbito escolar e isso é muito importante. Pode ajudá-lo e à família a se organizar melhor, mostrar para os pais quanto o filho está sofrendo, procurar alternativas e soluções", argumenta. Cecília concorda e acrescenta que a coordenação deve explicar aos pais que a participação na vida escolar de seus filhos, desde que não invasiva e estimulando sua autonomia, pode influenciar de modo efetivo o desenvolvimento escolar. Coisa que, de resto, é necessária para filhos de pais casados, separados, órfãos de pai ou de mãe.

Para fazer o download da pesquisa Atenção Brasil e da cartilha para o professor, 
CLIQUE AQUI.
Trabalho coletivo
Liliane Guimarães faz parte de uma equipe de cinco psicólogos que trabalham temas comportamentais com as turmas de alunos entre 4 e 8 anos da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. A questão da separação dos pais tornou-se tão forte e recorrente na sala de aula que os professores pediram aos psicólogos a elaboração de uma aula especial para discutir o tema com as crianças. O conteúdo da aula, que Liliane publicou no site do Ministério da Educação (veja link ao lado), tem como objetivo fazer com que os alunos expressem seus sentimentos em relação à separação dos pais, discutam, tirem dúvidas e reflitam sobre a questão em detalhes - como viver em duas casas diferentes, como lidar com outros parceiros do pai ou da mãe etc.

"Nossa proposta é fazer esse trabalho no coletivo da sala de aula, porque individualmente pode configurar em atendimento clínico e nosso objetivo é atender um grupo de crianças em uma perspectiva educacional, porque essas dificuldades são questões que estão atrapalhando o desenvolvimento, as relações com os colegas e a aprendizagem. Entendemos que não é uma questão específica de uma criança, a turma toda se beneficia com o diálogo", afirma Liliane.

"A expressão do luto é importante para que a criança possa vivenciá-lo de forma menos angustiante. Se ela guardar essa emoção de forma prejudicial, isso vai enfraquecê-la e reaparecer no futuro de forma muito mais intensa." A psicóloga reuniu também livros infantis e adultos que podem ajudar professores a trabalhar e entender a separação dos pais em sala de aula.

Conheça a aula proposta para trabalhar o tema "pais separados"CLIQUE AQUI


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