Etnohistória ou História Indígena?
Osvaldo Silva Galdames
Quando Clark Wissler utilizou, em 1909, o termo Etnohistória, estava se referindo a um método que combinava os dados arqueológicos e os históricos - provenientes de cronistas, funcionários públicos, missionários e viajantes - com o objetivo de reconstruir a história das culturas pré-letradas para as quais não se possuía antecedentes contemporâneos (BAERREIS,1961:49). Nesse sentido, as fontes escritas cumpriam um papel similar ao dos informantes empregados pelos etnógrafos. Tratava-se, então, de buscar na documentação européia respostas às indagações sobre as estruturas socio-econômicas e políticas, as idéias e crenças religiosas ou o sistema de parentesco das etnias americanas.
Naturalmente, as informações assim obtidas deviam submeter-se a uma severa crítica interna e externa, afim de filtrá-las dos preconceitos ou interpretações falsas inerentes a toda e qualquer observação de fatos culturais, realizados por pessoas estranhas à sociedade descrita. O resultado foi o desenvolvimento de uma nova técnica, vinculada tanto à História como à Antropologia, da qual surgiu uma metodologia, na qual também desempenhava um importante papel a tradição oral que, na falta de outra denominação, se chamou etnohistória.
Daí se conclui - como assinalou Trigger (1982) - que a etnohistória não é uma disciplina autônoma, mas uma metodologia usada por pesquisadores que devem possuir “além da habilidade de um bom historiador convencional, um sólido conhecimento de etnografia, se querem ser capazes de avaliar as fontes e interpretá-las com um entendimento razoável das percepções e motivações do povo nativo envolvido”. (TRIGGER,1982:9)
O etnohistoriador é, portanto, um historiador das sociedades não-ocidentais. Devido à natureza de seu trabalho, ele deve combinar métodos próprios das disciplinas históricas e antropológicas, incluindo a arqueologia. Somente dessa forma poderá reconstruir o passado daquelas culturas que entraram no mundo ocidental durante a época em que os europeus se lançaram ao descobrimento e colonização de outros continentes. Partindo dessa perspectiva, podemos distinguir dois campos de ação para a etnohistória. Um representaria o interesse de revelar o comportamento das instituições sociais, econômicas, políticas e ideológicas das culturas nativas no momento do contato com os europeus. O outro, a preocupação de estudar as mudanças vivenciadas pelas sociedades indígenas, como conseqüência deste contato com a cultura ocidental, fenômeno que se traduz em um processo de aculturação.
Com base no que acabamos de descrever aqui, muitos pesquisadores argumentam que a etnohistória é, mais apropriadamente, a história de uma determinada etnia. Eles defendem que. por esse motivo, o termo devia ser abandonado e substituído pelo de história de tal ou qual sociedade nativa. Nesse sentido, por exemplo, os doutores John Murra e Franklin Pease falam de uma história andina. No Chile também estamos em condições de começar a escrever as histórias dos diversos grupos étnicos que habitavam nosso território no momento da chegada dos conquistadores. Para isso, além das crônicas do século XVI, contamos com a possibilidade de prospectar, em busca de novas informações, nos arquivos civis e eclesiásticos, recorrer à tradição oral, à analise dos mitos, aos trabalhos etnográficos ou aos dados produzidos pela arqueologia. Deste modo, podemos revelar o comportamento cultural daquelas sociedades no momento em que foram contatadas pelos europeus e as mudanças ocasionadas pelo contato.
O objetivo da pesquisa etnohistórica justifica que uma das áreas do Programa de Mestrado em História, oferecido pelo Departamento de Ciências Históricas da Universidade do Chile seja Etnohistória, considerando-a como um termo genérico, da mesma forma que História do Chile, História da América ou História Universal e que admite especializações tendentes a estudar certos aspectos ou a reconstruir, em forma global, a história de um grupo nativo em especial.
O segundo simpósio tinha como finalidade “aprofundar a problemática do contato com processo de aculturação, centrando-se em situações históricas próprias do período pós-conquista (fases colonial e republicana)”.
Houve também uma mesa de comunicações, onde se abriu espaço para a exposição de trabalhos que não tinham uma relação direta com os simpósios.
No total, foram apresentados cerca de trinta trabalhos. Lamentavelmente, nem todos foram enviados a tempo para sua publicação neste primeiro volume, no qual se juntam o Departamento de Ciências Históricas e a Faculdade de Filosofia, Humanidades e Educação para comemorar o Quinto Centenário do Descobrimento da América.
BIBLIOGRAFIA
· BAERREIS, David (1961): The Ethnohistorical Approach and Archaelogy. Ethnohistory 8:49-77
· EWERS, S.R.(1961): Symposium in the Concept of Etnohistory. Ethnohistory 7:262-270
· LURIE, Nancy (1961): Ethnohistory: An Ethnological Point of View. Ethnohistory 8:78-92
· STURTEVANT, W.C.(1966):Anthropology, History and Ethnohistory. Ethnohistory 13:1-51
· TRIGGER, Bruce (1978): Ethnohistory and Archaeology. Ontario Archaeology 30:17-24
· ---------------------- (1982): Ethnohistory: Problems and Prospects. Ethnohistory 29:1-19
· VALENTINE, C. A. (1960): Use of the Ethnohistory in an Acculturation Study. E Ethnohistory 7:1-28
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