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terça-feira, 6 de maio de 2008

História.


ARQUIVOS HISTÓRICOS ESCOLARES: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA E A HISTÓRIA LOCAL

Nadia Gaiofatto Gonçalves1
Resumo
Este trabalho tem como objetivo discutir possibilidades de utilização dos arquivos históricos
escolares para o Ensino de História. Reconhece-se os desafios da formação e ação do professor em
sala de aula – fundamentos teórico-metodológicos que abranjam a concepção, uso e tratamento de
documentos em sala de aula, história local, memória, além da própria finalidade do ensino de
História, e da instituição escolar frente à organização e preservação de seu arquivo histórico.
Porém, entende-se que os arquivos escolares podem contribuir significativamente para o Ensino de
História, por sua acessibilidade, diversidade e tipos de informações, mais próximas,
compreensíveis e potencialmente mais significativas e interessantes para os alunos; e por sua
utilização implicar na possibilidade de articulação entre ensino, pesquisa e extensão na escola,
podendo envolver a comunidade escolar e a comunidade externa à instituição.
Palavras-chave: arquivos históricos escolares; ensino de História; história local.
Abstract
The aim of this paper is to discuss the possibilities for using historical school archives for the
teaching of history. It is recognized that the challenges of qualification and action of the teacher in
the classroom – theoretical-methodological bases that involve the concept, use and treatment of
documents in the classroom, local history, memory and the aim of teaching history itself and the
school in the light of the organization and preservation of its historical archives. However, it is
understood that school archives can make a significant contribution to the teaching of history
because of their accessibility, diversity and types of information which are closer, comprehensive
and potentially more significant and interesting to the students. Another reason is that they make
possible a link between teaching, research and an extension at school and the community outside
the school.
Key words: historical school archives; teaching of history; local history.
Introdução
No campo da História da Educação vem se desenvolvendo um esforço no sentido de
preservar e organizar os arquivos escolares. Esta preocupação e a literatura dela derivada,
enfatizam tais acervos como fontes para pesquisa e produção do conhecimento a respeito das
instituições escolares, no âmbito acadêmico.
Sem ignorar esta relevante dimensão, o presente trabalho propõe-se a discutir uma outra
possível contribuição desses acervos, qual seja, a inserção de documentos do acervo da instituição
escolar no ensino de História, partindo-se de questões relacionadas à história da instituição e da
comunidade escolar, e de sua relação com a história local.
Considera-se aqui que as duas dimensões – pesquisa e ensino – devem ser aliadas nos
esforços de preservação e de recuperação dos acervos escolares, ao mesmo tempo em que essa
proposta de ensino visa tornar a aprendizagem em História mais significativa para os alunos e para
1 Universidade Federal do Paraná – DTPEN/PPGE – nadia_ggoncalves@ufpr.br.
2
a comunidade escolar, podendo promover inclusive um outro desdobramento – a extensão das
reflexões e problematizações geradas no âmbito escolar, com envolvimento da comunidade
externa à instituição. Parte das discussões que seguem têm como base, iniciativas desenvolvidas
na Universidade Federal do Paraná, relacionadas ao tema2.
1. Ensino de História: estabelecendo algumas bases para a discussão
A proposição quanto ao uso de documentos no ensino de História, não é novidade. Mesmo
na abordagem mais tradicional, podia-se encontrar trechos de documentos ou registros
iconográficos em livros didáticos. Porém, o que mudou ao longo do tempo foi o entendimento
quanto ao olhar e a utilização que se deve lançar a esses documentos, a partir da discussão, no
âmbito historiográfico, a respeito da construção da História, do papel do historiador e da
concepção de documento.
Enquanto há algumas décadas o documento, no livro didático, cumpria o papel de
ilustração do fato, utilizado como comprovação da verdade, não problematizado3, atualmente seu
uso não é proposto de forma tão simplista – embora ainda possa ser assim, caso não haja um
encaminhamento metodológico adequado por parte do professor, em sala de aula.
Para a discussão a respeito das contribuições possíveis de utilização do arquivo histórico
escolar no ensino de História, parte-se de alguns pressupostos, que são elencados a seguir:
1) de que há clareza, por parte do professor, sobre não haver uma verdade absoluta a
respeito do fato histórico, mas versões possíveis, não necessariamente excludentes entre si, ao
ponto dele levar esta postura e compreensão para sua prática como docente, permeando-a e ao seu
discurso e abordagem de História, em sala de aula4;
2) de que os documentos são registros parciais, limitados, de olhares possíveis a respeito
de fatos e práticas;
2 São elas: o Centro de Documentação e Pesquisa em História da Educação – CDPHE, criado em maio de 2005 – site:
www.educacao.ufpr.br/cdphe; o projeto de pesquisa “Arquivo escolar do Colégio Estadual do Paraná: investigação
sobre seu tratamento, ao longo da história da instituição, com base no levantamento, organização e catalogação do
acervo documental” (março/2006); o projeto do Programa Licenciar, “O arquivo escolar como eixo articulador de
atividades de ensino, pesquisa e extensão: diálogos possíveis na escola e entre a Universidade e a escola”
(março/2006); e o Grupo de Estudos Ensino de História, que tem como objetivo discutir fundamentos teóricometodológicos
do ensino de História e possibilidades de usos de materiais didáticos e documentos no ensino de
História para o Ensino Fundamental e Médio (março/2007).
3 Por exemplo, o quadro A Primeira Missa, de Victor Meirelles: por gerações, ele foi reproduzido nos livros didáticos,
e compreendido pelos alunos, em geral, como se fosse uma fotografia da Primeira Missa, e não uma representação,
datada, uma obra gerada em dado contexto (concluída em 1860), com base em outros registros (como a Carta de Pero
Vaz de Caminha), que também eram representações a serem problematizadas.
4 Embora este primeiro pressuposto pareça óbvio, as observações e experiências, no contato com docentes do ensino
básico (de anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio) indicam que nem todos têm esta clareza. E, mesmo
quando a têm, encontram dificuldade em enunciar e trabalhar esta concepção de História permeando os conteúdos, e
não somente como uma unidade de ensino, principalmente quando o livro didático utilizado não a contempla
ostensivamente. Ressalta-se que este tema necessita de estudos mais aprofundados, daí o cuidado em destacá-lo.
3
3) de que as fontes possíveis para a compreensão da História não limitam-se aos registros
escritos e oficiais, mas abrangem também objetos, registros orais, produções escritas não formais,
registros iconográficos, enfim, toda e qualquer forma de informação e registro a respeito do fato
ou tema a ser problematizado e averiguado historicamente;
4) de que o Ensino de História deve efetivamente superar a abordagem informativa,
conteudista, tradicional, desinteressante e não significativa – para professores e alunos – e que
uma das possibilidades para esta superação é sua problematização a partir do que está próximo, do
que é familiar e natural aos alunos. Esse pressuposto é válido e aplicável desde os anos iniciais do
ensino fundamental, quando é necessário haver uma abordagem e desenvolvimento importante das
noções de tempo e espaço, juntamente com o início da problematização da compreensão e
explicação históricas, e o contato com documentos, até o ensino médio, quando a discussão pode
ser mais complexa e as relações entre a história local, regional, nacional e geral, exploradas de
forma mais aprofundada;
5) que este processo de construção do conhecimento histórico deve ser gradativamente
construído no ensino fundamental e médio como um todo, e que é viável inclusive como forma de
superação do dilema quantidade (de conteúdo) x qualidade de aprofundamento, problematização e
construção do conhecimento histórico. Se os sistemas estaduais estabelecem diretrizes quanto a
conteúdos a serem abordados em cada série escolar, o professor possui relativa autonomia para
definir como trabalhá-los. Neste sentido, os pressupostos enunciados nos itens 1 a 4 podem
constituir uma unidade de ensino, mas não se esgotam ali, devendo ser base recorrente de sentido
e abordagem de quaisquer conteúdos nesta disciplina escolar;
6) que nesta proposição de ensino de História, a história da instituição escolar – que não se
limita ao seu âmbito formal, mas envolve a vida cotidiana da instituição, a comunidade escolar
que dela fez parte em algum momento, e suas práticas e cultura – e os diferentes momentos e
contextos para sua compreensão podem ser um ponto de partida muito profícuo para a
problematização e o ensino de História, por várias razões, entre as quais: por nela estarem imersos
os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e portanto lhes parecer conhecida; por
poderem ser problematizadas, descontruídas, desnaturalizadas e compreendidas, por exemplo,
muitas práticas vigentes neste âmbito – neste sentido, explora-se sua historicidade e contexto, com
relações que vão muito além do local, mas que também o consideram, e o aluno pode
compreender-se como agente histórico, que constrói, modifica ou mantém tais práticas, bem como
aqueles que o antecederam; entre outros; e
7) de que desta forma, o ensino de História pode superar muitos dilemas que têm
enfrentado, em especial quanto à sua função na sociedade e na escola contemporâneas,
4
considerando-se que estas também carecem de reflexão e de reformulação5, tornando-se mais
significativo e interessante para alunos e professores, na medida em que estes não se vêem mais
excluídos por uma História pronta e acabada, informativa, que não lhes auxilia a compreender sua
realidade. A proposição é de que a História pode lhes permitir problematizar sua realidade
cotidiana, percebê-la como algo que não é natural, mas que foi construída historicamente, e que
portanto, como agentes históricos que são, as escolhas que eles fazem constituem uma construção
histórica.
2. O arquivo histórico escolar como acervo documental: possibilidades
A escola produz diversos tipos de documentos e registros, exigidos pela administração e
pelo cotidiano burocráticos, que perpassam inclusive seu âmbito pedagógico. Há toda uma
legislação que orienta essa produção, envolvendo o funcionamento da instituição, e a organização
e controle de suas atividades. Além disso, pode-se encontrar no arquivo escolar outros tipos de
documentos que excedem a determinação legal, como fotografias, jornais produzidos pela escola,
cadernos de alunos, recortes de jornais com matérias referentes à instituição, bilhetes, entre outros.
Tendo sido produzidos com maior ou menor intencionalidade, tais documentos registram e
constituem a cultura material escolar, específica daquela instituição, e que “modela e é modelada
pela cultura social” (MENEZES, 2005:4). Ou seja, são testemunhos da vida institucional, da sua
cultura e memória, com as particularidades da escola que os produziu.
Porém, pode-se ir mais além, no uso do arquivo escolar e na busca da compreensão e da
explicação da existência histórica de uma instituição. Segundo a proposição de Justino Magalhães,
“sem deixar de integrá-la na realidade mais ampla que é o sistema educativo, [deve-se]
contextualizá-la, implicando-a no quadro de evolução de uma comunidade e de uma região, [...]
por fim sistematizar e (re)escrever-lhe o itinerário de vida na sua multidimensionalidade,
conferindo um sentido histórico” (1999:64).
Este autor ressalta o arquivo escolar como fonte essencial, uma vez que a trajetória da
instituição é construída “da(s) memória(s) para o arquivo e do arquivo para a memória”
(1998:61), buscando-se integrar uma análise multidimensional desse itinerário. Porém,
contrapondo-se à relevância e riqueza do material encontrado nestes acervos, mostra-se
preocupado com seu estado de guarda e conservação, sofríveis, em Portugal, indicando que essa
situação não é tão distinta da geralmente encontrada no Brasil.
[...] Sede privilegiada de uma multiplicidade de acções humanas, pedagógicas,
culturais, sociais, afectivas, produto de um quotidiano sempre reinventado, da
instituição educativa não resta por vezes mais que um resíduo documental,
irregularmente repartido no tempo e pouco representativo, nomeadamente no que se
refere à riqueza do quotidiano escolar.
5 Sobre dilemas colocados para a escola e para o ensino de História na atualidade, ver Suzanne Citron (1990).
5
Com efeito, a uma gestão do acto pedagógico de uma forma geral muito
selectiva, relativamente à quantidade e à qualidade da informação que os intervenientes
entendem dever conservar, [...] tem vindo a associar-se, por outro lado, a ausência de
uma política esclarecida sobre a conservação, preservação e organização documental,
pelo que os fundos documentais das instituições educativas têm ficado dependentes do
arbítrio dos agentes responsáveis e dos imprevistos que o tempo e a gestão dos espaços,
por vezes exíguos, permitem. (1999:75)
Por sua vez, Diana Vidal, com base em Pierre Nora (1993), destaca os arquivos como
lugares de memória, locais de guarda dos acervos, mas ao mesmo tempo, “constantemente abertos
a novas leituras acerca do passado e o presente” (2005:19)6. Na perspectiva de sua utilização como
fonte de pesquisa e de ensino para a compreensão da história da instituição escolar, o arquivo
deixa de ser algo relegado ao esquecimento, a depósitos insalubres, ou mesmo de ser entendido
como algo indesejado e inútil:
[...] integrado à vida da escola, o arquivo pode fornecer-lhe elementos para a reflexão
sobre o passado da instituição, das pessoas que a freqüentaram ou freqüentam, das
práticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabeleceu e
estabelece com seu entorno (a cidade e a região na qual se insere) (VIDAL, 2005:24).
Esta pode ser uma possibilidade muito promissora para uma desejável articulação entre
ensino e pesquisa, e também para a promoção de diálogos com a comunidade escolar.
3. O uso de documentos do arquivo histórico escolar no ensino de História
Tratando-se das possibilidades de utilização de documentos no ensino de História, além
dos pressupostos enunciados no tópico 1, deve-se lembrar da necessária formação inicial e
continuada do professor, tanto referindo-se às concepções de História e de sua escrita, de
documentos e de sua utilização no âmbito escolar, quanto ao aperfeiçoamento metodológico
específico que cada tipo de documento exige, para sua análise e utilização.
No caso específico aqui abordado, em que a escola, como espaço de problematização
temática e de produção dos documentos, permite uma aproximação com a abordagem de história
local, é fundamental que o professor conheça os limites e as possibilidades que essa articulação
pode oferecer, a fim de repensar sua prática, e a aplicabilidade da proposta em sua realidade de
trabalho. Segundo Circe Bittencourt, “a história local tem sido indicada como necessária para o
ensino por possibilitar a compreensão do entorno aluno, identificando o passado sempre presente
nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer – , e igualmente
por situar os problemas significativos da história presente” (2004:168).
6 Estes arquivos necessitam de tratamento adequado, com organização e descarte entendidos como procedimentos
complementares, situados dentro de um processo técnico, o que exige o diálogo com arquivistas. Tratando-se da
especificidade dos documentos e arquivos escolares, o esforço deve ocorrer no sentido de transformar o arquivo morto
em Arquivo Histórico, ou seja, organizado e funcionalmente integrado ao arquivo corrente, discutindo-se e criando-se,
no âmbito da instituição educacional, critérios para conservação e descarte, planos de destinação da documentação,
elaborados “para além da lógica administrativa”(p.22), de forma a abranger outros âmbitos que ultrapassem a
Secretaria da escola e a norma legal.
6
Porém, cabe esclarecer, como alertam Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli, “que
uma realidade local não contém, em si mesma, a chave de sua própria explicação, pois os
problemas culturais, políticos, econômicos e sociais de uma localidade explicam-se, também, pela
relação com outras localidades, outros países e, até mesmo, por processos históricos mais amplos”
(2004:112). Nesse sentido, os cuidados para evitar o reducionismo e o etnocentrismo devem ser
constantes. Faz-se necessária a articulação entre os conteúdos da história local e do tema
abordado, com os conteúdos da história regional, nacional e geral.
O eixo temático aqui proposto, a orientar a problematização e o ensino de história, seria a
história da instituição escolar ou da comunidade escolar que por ali passou, abrangendo também
suas práticas e cultura. Porém, mesmo outros temas, que não tenham necessariamente a instituição
escolar como eixo central, podem partir de fontes geradas pela escola para suas atividades, por
exemplo: as representações de infância ou de família; diferentes abordagens referentes às noções
de tempo, como permanência ou mudanças/ transformações, seja na escola, nas roupas, nas
atividades cívicas, nas relações de gênero, entre muitos outros.
Podem ser utilizados nessa proposta desde documentos oficiais, até aqueles mais diversos,
conforme o tema e recorte escolhidos, como fotografias, recortes de jornais e revistas, diários de
classe, cadernos de alunos, provas, livros didáticos, objetos utilizados no processo pedagógico,
além dos registros documentais, os mais variados, que podem ser trazidos pelos alunos para
subsídio da discussão. A fonte oral, segundo Serlei Ranzi (2001), também é uma interessante
possibilidade, quando se trata da história e memória de uma instituição escolar e da comunidade
que por ali passou, construindo e constituindo, portanto, essa história, e não se limitando a ela.
O trabalho do professor exigirá, neste caso, domínio de metodologias adequadas, para que
possa selecionar e utilizar as diferentes fontes possíveis para subsidiar o trabalho, tanto em sala de
aula – como discute Francisco Ferraz (1999) –, quanto no caso de um projeto maior, caso a
proposta não fique restrita à sala, mas envolva também a comunidade escolar e até mesmo a
comunidade externa e passada da instituição. Como ressalta Circe Bittencourt,
[...] os documentos [...] são registros produzidos sem intenção didática e criados por
intermédio de diferentes linguagens, que expressam formas diversas de comunicação.
São muito variados quanto à origem e precisam ser analisados de acordo com suas
características de linguagem e especificidades de comunicação” (2004:333).
3.1. Um breve exemplo de possibilidades de uso de documento do arquivo histórico escolar
Este tópico não tem a pretensão de esgotar possibilidades de exploração temática ou
explicativa, ou de indicar um modelo para o uso de documento no ensino de História, mas apenas
de ilustrar brevemente seu potencial de uso no ensino, a partir de um documento extraído do
Arquivo Histórico do Colégio Estadual do Paraná, de Curitiba.
7
Para tanto, utiliza-se aqui as proposições de Gemma Traveria (2005) para problematização
e discussão de fontes primárias no ensino de História, consideradas muito pertinentes, por
sugerirem caminhos viáveis para essa prática pedagógica e contribuírem para a construção de um
ensino de História mais instigante e significativo. A partir de uma pergunta principal ou de uma
hipótese provisória sobre determinado tema, o professor deve tomar os cuidados para escolher
fontes adequadas aos seus objetivos, ao perfil da turma, e identificar quais temas são possíveis de
abordar com esse modelo e as fontes disponíveis. Deve orientar o processo de interação ativa entre
a investigação e a análise, por meio da problematização, visando à produção do conhecimento, e
se possível, à formulação de novos problemas e hipóteses a serem investigados.
Especificamente quanto à análise de documento histórico em sala de aula, o esquema
apresentado por Circe Bittencourt (2004:334) é bastante útil para este aspecto da atividade:
Descrever o documento

PARA ← Mobilizar os saberes e conhecimentos prévios
↙ ↓ ↘
Explicar Situar Identificar a natureza do documento e explorar esta
. o documento o documento característica
(contexto/
autor)

Para chegar a identificar limites e o interesse do documento, isto é, criticá-lo.
Devido ao espaço restrito, optou-se por utilizar parte do Regimento Interno do Colégio
Estadual do Paraná, aprovado em 24 e 25 de junho de 1966:
DO CORPO DISCENTE
Art.27 – São deveres do aluno:
a) realizar os trabalhos discentes com assiduidade e pontualidade;
b) acatar as autoridades escolares;
c) tratar com urbanidade os professores, funcionários e colegas;
d) apresentar-se limpo e adequadamente vestido;
e) apresentar-se devidamente uniformizado para as sessões de educação física e para as
atividades escolares quando para isso fôr determinante:
f) possuir o material escolar mínimo exigido, mantendo-o em perfeita ordem;
g) entrar para as aulas e delas sair sem tumulto, mantendo no transcurso das mesmas,
atitude educada;
h) manter em perfeito estado o patrimônio em geral, zelando pela sua conservação e
indenizar os prejuízos quando produzir dano material ao Estabelecimento e a objetos de
colegas e funcionários;
i) portar-se corretamente na via pública mormente quando uniformizado;
j) portar-se nos intervalos das aulas dentro dos limites da boa educação;
l) abster-se de atos contrários aos bons costumes zelando pelo bom nome do
Estabelecimento;
m) erguer-se no seu lugar, em atitude correta à entrada ou saía de professores,
autoridades de ensino ou visitantes;
n) comparecer às comemorações cívicas determinadas pelo Colégio, participando com o
máximo respeito e educação;
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o) participar de associações estudantis do Colégio autorizadas pela Direção;
p) cumprir todas as disposições dêste Regimento, bem como, de instruções
regulamentares, avisos e editais expedidos pela Administração.
Art.28. São direitos dos alunos:
a) receber sem quaisquer discriminações, ensino, na forma da lei;
b) organizar-se em grêmios estudantis e recreativos, respeitadas as disposições legais;
c) freqüentar a biblioteca, instalações esportivas e outras do Estabelecimento, sem
prejuízo de suas atividades escolares;
d) receber benefícios, de cooperativas ou serviços instalados com essa finalidade;
e) reunir-se em comissão para apresentar sugestões relativas ao bom andamento do
ensino e dos serviços.
Art.29. É vedado ao aluno:
a) entrar na sala durante a aula ou dela sair sem permissão expressa do professor;
b) ausentar-se do Estabelecimento no transcurso das aulas sem aquiescência da
Direção;
c) agredir colegas e praticar atos turbulentos ou perigosos nas dependências do colégio
ou em suas proximidades;
d) participar de movimentos que culminem em ausências coletivas às aulas e trabalhos
escolares:
e) permanecer no Colégio sem comparecer às aulas a não ser em casos especiais
devidamente autorizados;
f) promover, sem autorização do diretor, rifas, coletas ou subscrições, dentro ou fora do
Estabelecimento;
g) promover manifestações coletivas ou delas participar sem a necessária autorização
do Diretor;
h) introduzir, no Colégio, bebidas alcoólicas, substâncias tóxicas, irritantes ou
psicotrópicas, armas, materiais inflamáveis ou explosivos;
i) portar ou introduzir revistas, livros, fotografias ou impressos, de moral duvidosa;
j) ostentar vícios, a prática de jogos de azar ou uso de bebidas alcoólicas;
l) realizar ou participar durante os períodos letivos de congressos, semanas estudantis
ou quaisquer outras manifestações que perturbem a boa marcha dos trabalhos
escolares;
m) ocupar-se em trabalhos estranhos durante as aulas;
n) provocar conscientemente, por palavras, gestos ou atitudes a hilaridade ou desvio da
atenção da classe;
o) levar e utilizar nas aulas, qualquer objeto com que possa propositadamente distrair
ou distrair a atenção dos colegas;
p) permanecer nas dependências do Estabelecimento fora do horário de suas aulas sem
que para isso esteja autorizado pela Direção;
q) utilizar-se de qualquer tipo de fraude na realização dos trabalhos escolares.
(COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ, 1966:7-9)
Objetivos: identificar o ideal de aluno, no documento; discutir o papel estabelecido para a
escola, no período; identificar se há relações entre os valores culturais e familiares e a norma
escolar, e entre a norma escolar e o governo autoritário do período (ditadura militar).
Perguntas norteadoras iniciais: 1) Como seria o aluno ideal, conforme o documento? E o
aluno-problema? 2) Qual o “lugar” estabelecido para o aluno, na escola (participação, voz,
acesso)? 3) Quais exigências materiais e comportamentais eram estabelecidas aos alunos do
Colégio? 4) Os alunos tinham mais direitos ou deveres?
As perguntas apresentadas visam a um primeiro contato com o documento, e à descrição
de suas informações principais, de acordo com os objetivos acima estabelecidos.
Em um segundo momento, busca-se outras informações para a sua compreensão, por meio
de outras questões, que envolvem seu contexto e que necessitam de outras fontes, primárias e
9
secundárias, para serem respondidas: 1) Quem participava da escrita e aprovação do Regimento
Escolar? 2) Houve alguma razão especial para que este fosse produzido, em 1966? Se sim, qual foi
o motivo? 3) É possível localizar o Regimento anterior, para fins de comparação? E o posterior? 4)
Como o Colégio Estadual do Paraná era visto pela população de Curitiba e pela comunidade
escolar, na época? Essa imagem tem relação com os valores expressos no Regimento Interno? 5)
Quais valores podem ser identificados, subsidiando a elaboração do Regimento Interno? Eles eram
comuns, à época? 6) Como as pessoas que compunham a comunidade escolar, naquela época,
percebiam o ideal de aluno e as normas estabelecidas para o Colégio? Elas eram aceitas? Eram
respeitadas, ou eram questionadas? 7) Há relação entre o período militar de 1964 e o conteúdo do
documento? E com a função da escola? 8) A comunidade escolar da época percebeu alguma
relação (continuidade ou ruptura) entre a ditadura militar e a função da escola (mudanças em seu
funcionamento), ou entre a forma de tratamento dos alunos? Como essas pessoas manifestam ou
justificam essa percepção?
Estas perguntas não esgotam as muitas possibilidades de questionamento, mas permitem
ilustrar um encaminhamento possível. Além disso, a relação entre o passado e o presente, não
abordada acima, com a problematização da função da escola, do papel do aluno e do Regimento
Escolar na atualidade, são outro desdobramento viável. Ainda, este é um encaminhamento
metodológico que pode permitir abordar a questão das representações sobre o fato histórico, ou
seja, de fontes distintas, é provável que sejam encontradas diferentes versões, percepções,
explicações sobre a História. O tema ditadura militar, por exemplo, seria muito profícuo para essa
discussão, pois entre as informações do livro didático, e depoimentos da comunidade escolar,
pode-se encontrar olhares distintos sobre o que foi e quais os efeitos ou resultados sentidos por
diferentes grupos sociais, em relação a este momento e contexto histórico.
Considerações finais
Os encaminhamentos e usos de documentos de arquivos históricos escolares, aqui
brevemente apresentados, visam sensibilizar a comunidade escolar, em especial os docentes e os
responsáveis pela guarda dos arquivos históricos escolares para a importância de sua preservação;
e evidenciar o potencial dos documentos do arquivo histórico escolar como fontes para um eixo
temático importante de trabalho na escola, como a história e memória da instituição e da
comunidade escolar, contribuindo para um ensino mais significativo e potencialmente mais
interessante para os alunos, e para o diálogo mais efetivo com a comunidade.
Pode-se ressaltar um fator extremamente relevante como contribuição para o ensino de
História, por parte do uso de documentos do arquivo histórico escolar, especificamente na
proposição do tema História e Memória da instituição educativa e da comunidade escolar: em
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escolas caracterizadas por heterogeneidade de seu corpo discente, no sentido de origens de bairros
diversos, em que se torna difícil ou inviável o desenvolvimento da história local com o tema
Bairro, por exemplo, a escola pode ser o fator comum entre o alunado, que permita a
problematização, o estudo e a compreensão da história local, regional, nacional e geral.
Os documentos e temas relacionados à instituição escolar permitem o trabalho do
professor, no ensino de História, desde os anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio,
partindo-se do pressuposto de que o que parece natural e familiar ao aluno fará mais sentido e será
mais interessante para ele, quando perceber que a realidade que o cerca não é tão natural como ele
imaginava.
Finalmente, a instituição escolar, por estar presente em diferentes tempos, espaços, culturas
e sociedades, poderá ser um eixo temático muito profícuo para o ensino de História, considerandose
que o trabalho com documentos não pressupõe uma dissociação dos conteúdos formais, ou seja,
do currículo estabelecido.
Referências
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