Mostrando postagens com marcador Modelagem matemática.. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Modelagem matemática.. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Modelagem matemática.


MODELAGEM

Matemática gostosa é a do dia-a-dia

Conceitos como área, volume e porcentagem, quando aplicados para analisar situações vividas pela criança, levam a um aprendizado mais criativo, agradável e duradouro

Raquel Ribeiro
  • Aumenta o tamanho da letra
  • Diminui o tamanho da letra
  • Expande ou comprime o texto

Raquel Ribeiro

Fotos Raquel Ribeiro

A aluna Joana Canton tira as medidas de um pacote de biscoitos: modelo matemático na busca de uma compra justa

Clima de recreio. A professora Carlete Bortolanza, da Escola de Educação Básica Padre Izidoro Benjamin Moro, em Lindóia do Sul (SC), distribuía na 5ª série pacotes de biscoito recheado em dois formatos: quadrado e redondo. A boca das crianças já estava cheia d'água, mas todas tinham que responder à pergunta: "Qual dos dois tipos vocês comprariam?" Começava ali mais um projeto de Carlete para levar a turma a aplicar de forma prática — e útil — os conceitos matemáticos. Os mesmos que, vistos de forma tradicional, poderiam apenas pular do livro didático para o quadro-negro e, depois, cair no esquecimento.

Respostas espontâneas já indicavam que o pacote redondo era o preferido da garotada, o que se confirmou em seguida com uma pesquisa de opinião. "Será que vamos economizar mais comprando o redondo?", foi a próxima pergunta de Carlete. Cálculos, a classe logo percebeu, seriam necessários para concluir. A aula silenciosa, em que cada um se concentra nos seus cálculos, deu lugar a burburinhos matemáticos: "Será que cabe o mesmo tanto em cada pacote? Qual é maior? Quanto custa? Quanto pesa cada biscoito?"

Assim, com estímulos permanentes e direcionados ao uso de conceitos da disciplina, Carlete fez os alunos analisar a situação, se valendo de argumentos matemáticos para escolher entre uma e outra embalagem (veja as atividades). Os pacotes precisariam ser medidos para que se calculasse o volume, a quantidade de material gasto na embalagem, a relação custo/benefício... Uma matemática viva, que fez os estudantes perceberem a sua utilidade para analisar uma situação real e imediata.

A necessidade mostra para que servem as contas

Com essa metodologia, Carlete aplica no Ensino Fundamental, já há algum tempo, o que os especialistas chamam de modelagem matemática. Trata-se de um conceito que permeia inúmeras situações do nosso dia-a-dia, como a previsão do crescimento populacional do país ou a racionalização da produção de frangos em uma granja.

"No ensino tradicional de Matemática, os exemplos são hipotéticos e incomuns fora da sala de aula. Na modelagem, partimos da realidade", compara Geraldo Pompeu Jr., professor da Universidade Estadual Paulista, em Guaratinguetá (SP). Assim, nas suas aulas você pode abordar situações cotidianas e, naturalmente, aplicar fórmulas e conceitos para analisá-las. No ensino básico, é evidente, os cálculos são mais simples, mas o princípio é o mesmo: uma seqüência de atividades baseada em um método de desenvolvimento científico.

Para o aluno, aplicar a Matemática em questões verdadeiras faz diferença, pois ele percebe que a disciplina não nasceu na sala de aula! "Os conhecimentos matemáticos surgiram por necessidade!", diz Rosemar Aparecida Guerrini Fiorentin, professora de Matemática e diretora da escola Padre Izidoro. Ir da prática para a teoria atende a demanda de dez entre dez jovens que vivem perguntando: "Por que aprender isso?"

Essa nova relação com a disciplina fica evidente em uma cena ímpar. Carlete entra na sala e distribui folhas com uma tabela em branco para a realização de mais uma etapa do trabalho. "Profê, é prova?", perguntam. "Se for?", devolve Carlete. A chiadeira é geral. "Mas se for uma atividade sobre os biscoitos?", continua. "Aí, tudo beeeeeem", a garotada responde em uníssono.

Quando a modelagem é utilizada, o ensino fica atraente para o estudante, apesar de mais trabalhoso para o professor acostumado a dar respostas aos problemas — e não a formulá-los. Carlete já passou momentos de insegurança ao lecionar assim, mas revela que a experiência é sua aliada. "Depois de cinco, seis trabalhos com modelagem, você aprende a contornar as dificuldades."

Modelagem é mais que resolver problemas

Quando a gente ouve uma receita na TV e não a usa, logo esquece. Mas se põe a mão na massa, as instruções "entram" naturalmente na memória. A modelagem tem essa função: leva o estudante a tomar posse do aprendizado. Uma distinção se faz necessária: modelagem não é a mesma coisa que resolução de problemas. Outro projeto da Padre Izidoro ilustra bem a diferença. Em junho, por ocasião da festa junina, os estudantes se viram envolvidos com a produção de bandeirinhas para enfeitar a escola. Pedir a eles que usassem as formas geométricas para desenhá-las levaria apenas à resolução de um problema — o que não deixa de ser um passo no processo. "Mas estimular a classe a produzi-las de forma a economizar ao máximo o papel exige a criação de um modelo", explica Maria Salett Biembengut, professora da Universidade Regional de Blumenau e pioneira em aplicar a estratégia no ensino escolar. "Quando o aluno faz o modelo, significa que ele aprendeu os conceitos e sabe aplicá-los."

Em 1988, Maria Salett fez a primeira experiência na rede pública e se surpreendeu vendo garotos discutindo Matemática entre eles. Autora de artigos e livros sobre o tema, ela afirma que o professor interessado em implementar a teoria deve começar aos poucos, procurando e adaptando à sua realidade exemplos bem-sucedidos. Recorrer à experiência de quem já trabalha com essa linha de ensino é outra opção.

Foi com Maria Salett que Carlete e Rosemar se iniciaram há cinco anos. Desde então usam a modelagem e participam de um grupo de estudos em Pomerode (SC), no qual trocam idéias e discutem resultados. Aliás, nem sempre positivos. Da mesma forma que uma empresa tira um produto do mercado por rejeição, você pode constatar que o modelo criado para fins didáticos não deu certo. Não há fracasso algum nisso. Na prática, constata-se que a Matemática não é tão exata nem leva sempre à mesma solução.

CONTEÚDOS APLICADOS NA PRÁTICA

Modelos matemáticos podem ser estáticos, como a planta de uma casa, ou dinâmicos, como uma tabela de crescimento populacional. Inúmeros campos de conhecimento fazem uso deles. O cientista britânico Isaac Newton (1643-1727), por dar um tratamento matemático às leis da física, pode ser considerado um dos pioneiros na área. Hoje, com ajuda da computação de alta velocidade, os modelos se espalham por áreas essenciais e, por vezes, inusitadas. É possível fazer simulações complicadíssimas em tempo recorde para prever, por exemplo, as variações do clima. Igualmente rápidos e intricados, cálculos feitos durante a transmissão de uma partida de futebol permitem a emissoras de TV reproduzir o movimento das câmeras e oferecer ao espectador o recurso do tira-teima.

Na escola, os cálculos são muito mais básicos, mas a seqüência do raciocínio é igualmente sofisticada. É preciso entender aonde se quer chegar e identificar que variáveis e que dados serão mensurados e coletados para formular conclusões. Os modelos criados pelos alunos podem ser expressos em fórmulas, diagramas, gráficos, tabelas e têm o objetivo de solucionar um problema ligado ao cotidiano. Veja, a seguir, o passo-a-passo das duas experiências feitas por turmas de 5ª série.

Biscoitos com o preço mais justo

Na atividade sobre biscoitos recheados, a professora Carlete ensinou conceitos de geometria plana e espacial e de estatística. Quando apresentou o tema à classe, tratou de preparar antes uma pesquisa de opinião para determinar a preferência da turma com relação aos pacotes. Ao lançar a enquete e tabular os dados, os alunos aplicaram conceitos de estatística. Calcularam freqüência absoluta e relativa e construíram gráficos. Veja o formulário da pesquisa, com duas questões:

1. Qual embalagem você prefere?
( ) forma de paralelepípedo
( ) forma cilíndrica

2. Você gostaria que as embalagens fossem ilustradas com:
( ) personagens infantis
( ) imagens sobre a origem dos produtos (cacau, milho, vaca)
( ) imagens de brinquedos
( ) imagens de esportes

Para concluir sobre a melhor compra, considerando a relação entre preço e quantidade de biscoito oferecida, as crianças compararam os produtos respondendo às seguintes perguntas:

Quanto pesa cada biscoito?

Com base na informação impressa no rótulo, os alunos chegaram à massa individual de cada biscoito. Eles concluíram que, apesar de o pacote cilíndrico trazer 15 unidades, contra 13 do outro modelo, o biscoito redondo tem menos massa do que o quadrado

Quanto cabe em cada pacote?

A turma tirou todas as medidas das embalagens necessárias para o cálculo da capacidade de cada modelo e verificou que o cilíndrico tem maior capacidade e, portanto, poderia trazer mais do produto, o que justificaria o preço mais alto. Porém, não é o que acontece na prática.

Quanto custa para o fabricante?

O grupo percebeu que, para aquem produz o biscoito, a embalagem cilíndrica é mais econômica, pois é confeccionada com menos material. Essa conclusão das duas embalagens e o cálculo da área da superfície(S)

Qual, afinal, é a melhor compra?

Os estudantes concluíram que, sem dúvida, o pacote na forma de paralelepípedo é mais econômico.

Bandeirinhas sem desperdício de papel

Fotos Raquel Ribeiro

Mônica e Ludiana, da 5ª série: autoras do modelo mais econômico de corte

Como conseguir o maior número de bandeirinhas de festa junina por folha de papel colorido? Com esse desafio, proposto durante os preparativos para as comemorações deste ano, Carlete instigou a turma a criar um modelo geométrico. As variáveis consideradas foram as medidas da folha (cada dupla ganhou uma) e da própria bandeirinha. Para desenhar cada uma delas, as crianças seguiram uma série de instruções fornecidas antes pela professora, que envolveram, além das medidas, conceitos como ponto médio, simetria e diagonal.

Procurando a melhor forma de encaixar bandeirinhas na folha, as duplas chegaram a soluções que variaram de 22 a 42 unidades. Para encontrar a opção mais econômica, aplicaram conceitos relacionados ao cálculo de área e às propriedades das figuras geométricas. A ilustração reproduz o modelo mais eficiente (claro, o que permitiu o corte de 42 unidades), em que as alunas Ludiana Canton e Mônica Canton encaixaram as formas alternadamente.

PARA NÃO SE AFOGAR EM NÚMEROS

Não pense que você vai dormir ensinando de forma tradicional e acordar com tudo trocado pela modelagem. É preciso se familiarizar com o tema, estudar bastante, conversar com quem já trabalha assim e, se possível, se especializar. Há cursos de formação continuada e disciplinas de pós-graduação em Educação Matemática. Vale também acompanhar as feiras da área que ocorrem em vários estados.

Horário restrito e currículo "camisa-de-força" dificultam a aplicação dessa linha de ensino. Não dá para trabalhar com modelagem se está preestabelecido que, em cada aula, você tem que avançar um determinado número de páginas do livro didático.

É preciso paciência para ganhar terreno, conquistar a confiança da diretoria da escola e dos colegas. Mas vale a pena: quando realizada em equipe, a modelagem rende muito mais, pois tem tudo para ser interdisciplinar.

É imprescindível escolher o tema da modelagem conforme os conteúdos do currículo. Claro que os questionamentos dos alunos podem trazer novas idéias. Tudo bem sair do script, mas o professor tem de saber aonde quer chegar.

Antes de aprender a criar modelos, o aluno precisa ser apresentado a um exemplo. Uma sugestão para introduzir o tema é mostrar que há modelo em tudo… do sapato ao satélite!

A mesma modelagem proporciona resultados diferentes dependendo do perfil dos alunos. É importante respeitar o ritmo de cada um e dosar os conteúdos.

Modelagem requer coragem. Tem hora em que o professor precisa dizer aos alunos: "Isso eu não sei. Vamos ter de aprender juntos". A sinceridade e a cumplicidade são ótimas aliadas do aprendizado.

Quer saber mais?

Escola de Educação Básica Padre Izidoro Benjamin Moro, R. Floriano Peixoto, 78, 89735-000, Lindóia do Sul, SC, tel. (49) 446-1241.

Maria Salett Biembengut, e-mail: salett@furb.br

Geraldo Pompeu Jr., e-mail: gpompeujr@feg.unesp.br

BIBLIOGRAFIA

A Matemática e os Temas Transversais, Geraldo Pompeu Jr. e Alexandrina Monteiro, 160 págs., Ed. Moderna, tel. (11) 6090-1300, 27 reais

Ensino e Aprendizagem com Modelagem Matemática, Rodney C. Bassanezi, 392 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 39 reais

Modelagem Matemática no Ensino, Maria Salett Biembengut e Nelson Hein, 128 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 21 reais

revistanovaescola Matemática é D+ (Sólidos Geométricos - 2ª série)


revistanovaescola Matemática é D+ - Proporcionalidade (2ª série)


Fonte: Índice da edição 174 - ago/2004

Obrigado por sua visita, volte sempre.

pegue a sua no TemplatesdaLua.com

Conversas sobre Didática,