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terça-feira, 25 de novembro de 2014

O que é desinformação. Olavo de Carvalho


O que é desinformação
Olavo de Carvalho
O Globo, 17 de Março de 2001

Se o público brasileiro não adquirir rapidamente os conhecimentos básicos que o habilitem a reconhecer operações de desinformação pelo menos elementares, toda a nossa imprensa, toda a nossa classe política e até oficiais das Forças Armadas podem se transformar, a curtíssimo prazo, em inermes e tolos agentes desinformadores a serviço da revolução comunista na América Latina.
A maior parte das nossas classes letradas não sabe sequer o que é desinformação. Imagina que é apenas informação falsa para fins gerais de propaganda. Ignora por completo que se trata de ações perfeitamente calculadas em vista de um fim, e que em noventa por cento dos casos esse fim não é influenciar as multidões, mas atingir alvos muito determinados - governantes, grandes empresários, comandos militares - para induzi-los a decisões estratégicas prejudiciais a seus próprios interesses e aos de seu país. A desinformação-propaganda lida apenas com dados políticos ao alcance do povo. A desinformação de alto nível falseia informações especializadas e técnicas de relevância incomparavelmente maior.
O uso de informações falseadas é conhecido nas artes militares desde que o mundo é mundo. "A arte da guerra consiste substancialmente de engodo", dizia Sun-Tzu no século V a. C. Exemplos de informação falsa usada fora do campo militar estrito aparecem, aqui e ali, na história mundial. Calúnias contra judeus e protestantes nos países católicos, contra os católicos e judeus nos países protestantes foram muitas vezes premeditadas para justificar perseguições. Os revolucionários de 1789 montaram uma verdadeira indústria de informações falsas para jogar a opinião pública contra o rei e, depois, para induzi-la a apoiar as medidas tirânicas do governo revolucionário. O exemplo mais célebre foi a "Grande Peur", o "Grande Medo": informações alarmistas espalhadas pelo governo, que, anunciando o iminente retorno das tropas reais - impossível, àquela altura - desencadeavam explosões de violência popular contra os suspeitos de monarquismo; explosões que em seguida o próprio governo mandava a polícia controlar, brilhando no fim com a auréola de pacificador. A história das revoluções é a história da mentira.
Mas tudo isso ainda não era desinformação. Invenção pessoal de Lenin, a desinformação (desinformátsya) consiste em estender sistematicamente o uso da técnica militar de informação falseada para o campo mais geral da estratégia política, cultural, educacional etc., ou seja, em fazer do engodo, que era a base da arte guerreira apenas, o fundamento de toda ação governamental e, portanto, um instrumento de engenharia social e política. Isso transformava a convivência humana inteira numa guerra - numa guerra integral e permanente. Quando Hitler usou pela primeira vez, em 1939, a expressão "guerra total" para designar um tipo moderno de guerra que não envolvia apenas os políticos e militares, mas toda a sociedade, a realidade da coisa já existia desde 1917 na Rússia, mesmo sem combates contra um inimigo externo: o socialismo é a guerra civil total e permanente.
No governo de Lenin, a desinformação era também a regra geral da política externa. A famosa abertura econômica, planejada como etapa dialética de uma iminente estatização total, foi anunciada como sinal de um promissor abrandamento do rigor revolucionário, não só para atrair os capitalistas, mas para dissuadir os governos ocidentais de apoiar qualquer esforço contra-revolucionário. Assim, muitos líderes exilados, desamparados pelos países que os abrigavam e iludidos pela falsa promessa de democratização na Rússia, voltaram à pátria conforme calculado e, obviamente, foram fuzilados no ato. Dos que não voltaram, muitos foram mortos no próprio local de exílio por agentes da Tcheka, a futura KGB.
O uso da informação traiçoeira nessa escala era uma novidade absoluta na política mundial. Para fazer idéia de quanto as potências ocidentais estavam despreparadas para isso, basta saber que os EUA não tiveram um serviço secreto regular para operar no exterior em tempo de paz senão às vésperas da II Guerra Mundial. Outro ponto de comparação: a "ofensiva cultural" soviética - sedução e compra de consciências nas altas esferas intelectuais e no show business - começou já nos anos 20. A CIA não reagiu com iniciativa semelhante senão na década de 50 - e foi logo barrada pela gritaria geral da mídia contra a "histeria anticomunista".
Não obstante a abjeta inermidade das potências ocidentais ante a Revolução Russa, o governo leninista mantinha o povo em sobressalto, alardeando que milhares de agentes secretos estrangeiros estavam em solo russo armando a contra-revolução. Um dos raros agentes que comprovadamente estavam lá era o inglês Sidney Reilly, um informante mitômano que o Foreign Office considerava pouquíssimo confiável, e do qual a propaganda soviética fez o mentor supremo da iminente invasão estrangeira que, evidentemente, nunca aconteceu. Para avaliar o alcance dos efeitos da desinformação soviética, basta notar que até a década de 70 o livro de Michael Sayers e Albert E. Kahn, "A grande conspiração", inspirado no alarmismo leninista de 1917, ainda circulava em tradução brasileira como obra séria, com a chancela de uma grande editora. Diante de casos como esse, de autodesinformação residual espontânea, não espanta que os soviéticos tivessem em baixíssima conta a inteligência dos brasileiros, principalmente comunistas.
Operações de desinformação em larga escala só são possíveis para um regime totalitário, com o controle estatal dos meios de difusão, ou para um partido clandestino com poder de vida e morte sobre seus militantes. Qualquer tentativa similar em ambiente democrático esbarra na fiscalização da imprensa e do Legislativo. Não há, pois, equivalente ocidental da desinformação soviética. Um governo pode, é claro, fazer propaganda enganosa, mas não pode fazer desinformação porque lhe faltam os meios para o domínio calculado dos efeitos, que é precisamente o que distingue a técnica leninista. Inversa e complementarmente, a liberdade de informação nos países democráticos sempre foi de uma utilidade formidável para a desinformação soviética, não só pelo contínuo vazamento de informações secretas do governo para a imprensa, mas também pela facilidade de divulgar informações falsas pela mídia ávida de denúncias e escândalos. O célebre general armênio Ivan I. Agayants, por muitas décadas chefe do departamento de desinformação da KGB, chegava a ficar espantado ante a facilidade de plantar mentiras na imprensa norte-americana. Espantado e grato. Ele dizia: "Se os americanos não tivessem a liberdade de imprensa, eu a inventaria para eles."
NB: Este assunto continua no artigo da semana que vem. Por enquanto, vão apenas tratando de conjeturar, se quiserem, o seguinte: quantos técnicos em desinformação, que aprenderam em Cuba sob a orientação da KGB, são hoje "formadores de opinião" no Brasil?


ABC da desinformação 
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 10 de janeiro de 2013
          
Para quem zela pela sobrevivência do seu cérebro num tempo de naufrágio universal da inteligência, nada mais urgente do que compreender o que é realmente “desinformação”. O uso corrente da palavra como rótulo infamante para denegrir qualquer opinião adversa é garantia segura de que as verdadeiras operações de desinformação passarão despercebidas, condição necessária e quase suficiente do seu sucesso.
          Só há dois tipos de desinformação genuína, e cada um deles requer muito mais planejamento e execução cuidadosa do que o mero vício jornalístico de espalhar mentirinhas ideologicamente sedutoras.
          O primeiro tipo – e, de longe, o mais importante – é aquele que tem como alvo não o público em geral, a massa ignara, e sim os homens do poder, os que tomam decisões de grande alcance. Dificilmente uma dessas criaturas se deixa orientar pelo que sai na mídia popular. Para influenciá-las é preciso colocar no seu entourage (ou conquistar mediante suborno, chantagem etc.) assessores técnicos que sejam da sua plena confiança. E mesmo estes têm de ser muito prudentes no manejo do fluxo de informações que levará seus chefes a tomar as decisões erradas, favoráveis ao inimigo que controla de longe a situação. A importância dessas operações é imensurável, muito mais do que o cidadão comum pode imaginar, e ninguém foi (e é ainda) mais hábil em manejá-las do que a boa e velha KGB (atual FSB). Graças à pletora de documentos secretos revelados após a queda da URSS, hoje sabe-se que desde os anos 40 os agentes soviéticos moldaram a seu belprazer algumas das principais decisões estratégicas do governo de Washington no cenário internacional, induzindo-o a trabalhar contra os interesses mais vitais da nação americana.
          O exemplo mais claro e didático está no livro Operation Snow: How a Soviet Mole in FDR’s White House Triggered Pearl Harbor, de John Koster (Regnery, 2012). “Mole” (toupeira) é, no jargão dos serviços de inteligência, o termo técnico que designa o agente infiltrado. A toupeira, no caso, foi Harry Dexter White, alto funcionário do Tesouro, homem de confiança de Franklin Delano Roosevelt e, como os documentos comprovam, agente soviético.
          A situação era a seguinte em 1941. O governo militarista e expansionista do Japão estava dividido entre duas correntes: uma queria retormar a velha guerra com a Rússia. A outra queria ajudar os nazistas contra as potências ocidentais. A Rússia, sob ataque alemão desde junho, não podia oferecer resistência eficaz aos japoneses do outro lado do território. Profundo conhecedor da língua, da cultura e da política japonesas, e colocado, ademais, numa posição desde a qual podia facilmente influenciar as decisões econômicas do governo Roosevelt, Harry Dexter White foi contratado pelos soviéticos para criar artificialmente um conflito entre o Japão e os EUA. A seqüência de memorandos e estudos estratégicos com que ele remoldou para pior as relações econômicas entre os dois países foi uma obra de gênio, levando Roosevelt a impor às importacões japonesas de petróleo limitações drásticas que do ponto de vista americano pareciam simplesmente razoáveis, mas que no contexto japonês, e em língua japonesa, soavam como verdadeiras declarações de guerra. O Japão respondeu com o ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 – não por coincidência, um dia depois que a Rússia, livre da ameaça nipônica, lançava aos alemães um contra-ataque maciço.
          Psicologicamente, Pearl Harbor é ainda hoje um símbolo aglutinador do patriotismo americano, mas, em termos substantivos, foi uma tremenda vitória da desinformação soviética.
          O outro tipo de desinformação é antes uma obra de engenharia social. Não se dirige ao governo para moldar suas decisões, mas, ao contrário, vem do governo e de seus centros de poder associados e desce para a massa popular, depois que as decisões já estão tomadas e é preciso, para implementá-las, conquistar o apoio do eleitorado, mantê-lo na total ignorância do que os altos círculos estão fazendo ou ajustar sua conduta aos padrões exigidos pela nova política.
          Pode-se chamar esses dois tipos de micro e macrodesinformação. As dificuldades são consideráveis em ambos os casos, mas de natureza bem diversa. Se o primeiro é inviável sem o máximo de sigilo e o manejo fino do fluxo de informações, o segundo requer o controle completo dos meios maiores e mais prestigiosos de difusão, podendo no entanto coexistir com alguma contestação menor – ou marginal -- que, estatisticamente, não afete os sentimentos da massa popular.
          No Brasil essa condição é facílima de alcançar, pois a grande mídia foi sempre dependente de verbas governamentais e não se atreve a morder a mão que a alimenta. Foi assim que os maiores jornais e canais de TV consentiram em ocultar a existência do Foro de São Paulo até o momento em que, dominador completo da situação continental, este já podia se exibir em público sem maiores riscos.
          Nos EUA a coisa teve de ser precedida de um longo e complexo processo de concentração da mídia nas mãos dos grupos globalistas que hoje disputam com a Rússia as afeições do bloco islâmico. Quando esses grupos colocaram Barack Hussein Obama no governo para minar o poder nacional dos EUA e operar um giro de 180 graus na política externa americana, fazendo do antigo aliado de Israel o maior protetor que os radicais muçulmanos já tiveram no Ocidente, a mídia já estava preparada para ocultar não somente a biografia altamente comprometedora do presidente, mas até algumas das suas executive orders mais ambiciosas e daninhas, que entram em vigor sem que a população fique sabendo de nada.

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