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sexta-feira, 11 de abril de 2014

Veja aqui um capítulo do livro História da Educação Brasileira



 O Fragmento abaixo faz parte do livro História da Educação Brasileira (Cortez, 272 págs., R$ 36), do filósofo Paulo Ghiraldelli. Para conferir a entrevista exclusiva com o autor, publicada no mês de março na revista Educação, clique aqui .

As Teorias Pedagógico-didáticas no Brasil entre os Séculos XX e o XXI - Uma Observação Pessoal

No final da década de 1990, nossos professores poderiam ser apresentados como guiando sua prática por meio da observação de cinco tendências pedagógico-didáticas. Tais tendências se materializavam em propostas pedagógico-didáticas segundo as reflexões de Herbart, Dewey e Paulo Freire, universalmente conhecidas. Acrescentava-se a elas outras duas tendências, circunscritas ao trabalho em nosso país: os passos produzidos por Dermeval Saviani e os passos por mim apresentados.

O quadro comparativo a seguir se apresenta em forma de passos , segundo os quais aconteceria o processo de ensino-aprendizagem de acordo com a inspiração da filosofia da educação de seus autores.



1) O processo de ensino-aprendizagem, para Herbart, começa com a preparação . Consiste na atividade que o professor desenvolve na medida em que recorda ao aluno o assunto anteriormente ensinado ou algo que o aluno já sabe: trata-se de lembrar ao aluno a matéria anteriormente dada. Dewey, por sua vez , não vê necessidade de um tal procedimento, pois acredita que o processo de ensino-aprendizagem tem início quando, pela atividade dos estudantes, eles defrontam com dificuldades e problemas, tendo então o interesse aguçado mais para determinadas coisas do que para outras. Cabe ao professor, então, partir do interesse demonstrado pelos alunos. Paulo Freire vê o processo de ensino-aprendizagem se iniciando em um momento especial, quando o educador está vivendo efetivamente na comunidade dos educandos, observando suas vidas e participando de seus apuros; quando ele adquire as vivências históricas e psíquicas da comunidade - pesquisando sobre a comunidade, deixando de ser educador para ser educador-educando. Saviani, por sua vez, acredita que o primeiro passo da relação ensino-aprendizagem é a prática social . Por tal termo, entende as relações de convivência entre os que serão professores e alunos, e que se encontrarão em um determinado lugar comum, mas que, basicamente, são agentes sociais diferenciados e se posicionam de modo diferente perante o mundo. No entanto, diz ele, a compreensão dessa prática social é hierarquicamente diferente: o professor possui sobre ela uma compreensão que é uma síntese precária do mundo, enquanto os alunos possuem uma compreensão de caráter sincrético.

2) A teoria herbartiana diz que, após a preparação, o professor já pode fazer a apresentação do novo assunto aos alunos - os conceitos morais, históricos e científicos que serão a matéria do processo de ensino-aprendizagem são o carro-chefe do processo mental, e guiam os interesses dos alunos. A teoria deweyana, ao contrário, acredita que o carro-chefe da movimentação psicológica são os interesses e que estes são despertados pelo encontro com dificuldades e com a delimitação de problemas. Assim, para Dewey, da atividade segue-se a enumeração e a eleição de problemas . Paulo Freire acredita na mesma coisa que Dewey, mas acha que os problemas não são tão motivantes quanto os temas geradores de discussão - as palavras-chaves colhidas no seio da comunidade de educandos e que podem despertar a atenção destes na medida em que fazem parte de suas atividades vitais. Saviani, por sua vez, vê o segundo passo sob o rótulo de problematização , que na sua concepção significa detectar quais as questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em conseqüência, ver qual conhecimento é necessário dominar.

3) Herbart acredita que uma vez que o novo assunto foi introduzido, isto é, uma vez que novas idéias e conceitos morais, históricos e científicos estão postos, eles serão assimilados pelos alunos na medida em que estes puderem ser induzidos a uma associação com as idéias e conceitos já sabidos. Dewey, por sua vez, nessa fase do processo de ensino-aprendizagem, está preocupado em ajudar os alunos na atividade de formulação de hipóteses ou caminhos heurísticos para enfrentar os problemas admitidos na fase anterior. Mas ele não pode ainda fazer isso, lhe faltam dados, e os dados devem ser coletados pelo professor e pelos alunos: a coleta de dados é feita de um modo amplo, usando todos os recursos disponíveis. Paulo Freire, então, na medida em que já trabalhou os temas geradores, começa a problematizá-los: a problematização de Paulo Freire implica no desenvolvimento de uma atividade de diálogo horizontal entre educador-educando e educando-educador de modo que os ternas geradores possam ser entendidos corno problemas - mas problema, neste caso, quer dizer problema político . A problematização ocorre se o tema gerador é visto nas suas relações com o poder, com a perversidade das instituições, com a demagogia das elites etc. Saviani, que pensa nos conhecimentos necessários para enfrentar os problemas da prática social, quer, agora, a instrumentalização . Isto, segundo ele, não é equipar o aluno de técnicas, mas fazer com que as camadas populares venham a deter as ferramentas culturais necessárias à luta social que travam dioturnamente para se libertarem da exploração em que estariam vivendo.

4) Nesta fase, a teoria herbartiana acredita que o aluno já aprendeu o novo por associação com o velho, mas que agora ele precisa sair do caso particular exposto e traçar generalizações , abstrações, leis a respeito dos conceitos. Ele precisa, agora, de definições. O professor, é claro, pode insistir para que o aluno faça inferências e chegue então a adotar leis, na moral e na ciência. A teoria deweyana, nessa fase, quer alimentar e formular hipóteses ou caminhos eurísticos através dos dados colhidos na fase anterior. Sendo assim, a atividade do professor e do estudante, agora, é a de buscar interpretar o que veio das bibliotecas e outros meios, inclusive o que veio da própria memória, os dados capazes de dar uma arquitetura mais empírica às hipóteses ou tirar uma melhor razoabilidade para os caminhos heurísticos. Na teoria freireana, este é o momento em que educador-educando e educando-educador, ao traçarem as relações entre suas vidas e o poder, através da problematização dos temas geradores, chegam a perceber o que acontece com eles enquanto seres sociais e políticos, e então chegam à conscientização, passam a ter consciência de suas condições na pólis . Saviani usa neste passo o termo catarse , que para ele é o momento em que as bases sociais, políticas e econômicas, ou seja, as estruturas da vida social, são elaboradas e incorporadas como superestruturas, ou seja, como conjunto articulado de noções dos mais diversos tipos nas consciências dos alunos. Isto é, tratar-se-ia do momento em que os instrumentos culturais seriam transformados em elementos ativos de transformação social.

5) Nessa última fase, na teoria herbartiana, o aluno deve ser posto na condição de aplicar as leis, abstrações e generalizações a casos diferentes, ainda inéditos na situação particular, sua, de ensino-aprendizagem. Para tal o aluno faz exercícios, resolve problemas, responde questões expondo definições etc. Na última fase, na teoria deweyana, opta-se por uma ou duas hipóteses
em detrimento de outras na medida em que há confirmação destas por processos experimentais . Tem-se então uma tese. Ou então, opta-se por uma heurística e, assim, por uma conclusão, na medida em que a plausibilidade das outras formulações heurísticas caiu por terra frente às exigências de coerência lógica etc. O aluno, então, está apto a usar todo esse processo (os cinco passos) diante de qualquer outra situação. O passo final na teoria freireana é a tentativa de solução do problema apontado desde o tema gerador através da ação política, que pode inclusive ter desdobramentos práticos de ação político-partidária . O último passo de Saviani é a prática social, só que agora, segundo ele, os alunos a entenderiam não mais como sincrética, mas ascenderiam a um nível sintético, ao nível do professor que, por sua vez, também melhoraria sua compreensão inicial.

Em meados da década de 1990, sem acreditar que tais teorias se excluem, e sem supor que uma supera a outra, elaborei passos diferentes, que entendia mais condizentes com o que os professores atuais mais jovens, em várias partes do mundo, estavam seguindo. Para tal, consegui inspiração nos trabalhos de filósofos estadunidenses Richard Rorty e Donald Davidson, trazendo-os para o âmbito do que eu mesmo fazia em sala de aula.

Eis minha elaboração dos passos pedagógicos que acredito que são mais eficazes.

1) Passo 1: narrativa. Não vejo o processo de aprendizagem se iniciando senão quando os problemas já estão apresentados ou re presentados - por meio de narrativas. Não há problema que venha puro, bruto, para o aluno. O aluno já recebe (ou já vive) o problema enquanto problema. Ou seja, ele vê um filme, lê um livro, escuta um colega ou sua mãe, lê um jornal, ouve o rádio ou a
televisão, consulta a Internet, participa da conversa de adultos e de seus pares, enfrenta o sermão do padre ou pastor, houve conselhos médicos etc. Ele tem ao seu redor problemas que lhe são problemas na medida em que assim apareceram nas narrativas que lhe chegam, e que é sua vida cultural. As narrativas que preenchem sua vida cultural são narrativas que trazem problemas . Eis aí o único e primeiro passo do processo de ensino. Sem narrativas não há início nenhum de processo de ensino-aprendizagem. E as narrativas só são interessantes se trazem um problema. Quem daria atenção a uma narrativa se ela não lhe inserisse um problema? Algo que torne o leitor curioso? Não creio que exista assunto que precise ser problematizado porque veio de uma maneira não problematizada. Se vamos ao cinema, e ganhamos uma narrativa, temos
uma narrativa que já é um problema posto pelo diretor do filme ou pelo escritor ou criador. A maioria dos outros passos pedagógicos, dos autores citados, pressupõe que há algo que chega aos alunos exteriormente a alguma forma de narrativa, e que precisa ser, a posteriori , problematizado ou ensinado etc. Não! Os problemas já aparecem mediatizados, e por isso eles estão inseridos em uma narrativa qualquer. Nada chega aos alunos que já não esteja mediatizado.
E nada lhes chega pelo trabalho ou prática social ou vivência. Tudo lhes chega por narrativas, deles mesmos ou de outros.

2) Passo 2: comparação de narrativas. O papel do professor é escolher, junto com os alunos, as narrativas mais interessantes, mais propícias do e ao momento. Tal escola pode ser contingente ou pode ser feita de maneira planejada, conforme o ambiente escolar que se está, conforme o nível e a idade dos alunos e, enfim, conforme um grau mais ou menos aberto de objetivos de ensino a serem atingidos, previamente pensados pelo professor. Uma narrativa escolhida pode ser um texto banal, por exemplo, um horóscopo que um aluno traz e que insiste que está guiando sua vida; ou um filme que o professor sugere a partir de um determinado momento da vida dos alunos; ou a bula de um remédio que a televisão informa que está sendo retirado do mercado por causar algum dano ou, enfim, a foto retirada de um site que mostra uma montagem estranha, que nos faz pensar duas coisas opostas ao mesmo tempo; ou uma música que vinha sendo apresentada sem que ganhasse atenção alguma e que começa, agora, a incomodar (por exemplo, durante o início do contraataque norte-americano ao terrorismo, a música de John Lennon, Imagine , foi "desaconselhada" por algumas autoridades a tocar nas rádios nos Estados
Unidos). Após a escolha, a atividade então passa a ser conjunta, entre alunos e professor. Eles iniciam o trabalho de ver o quanto aquela narrativa, nos problemas que ela apresenta como centrais, no seu âmago ou na sua periferia, se articulam ou não com o romance que é a vida de cada um, a história ou a narrativa que está sendo escrita, gravada em algum lugar (no corpo ou na memória) de cada um. Isso vale não só para os alunos, mas também para o professor. Essa articulação é um ponto chave, e exige do professor sensibilidade, cultura filosófica, social e histórica. Mas, antes de tudo, exige dele "pé no chão". Menos teoria e mais abertura para a articulação direta entre o romance que é a vida de cada aluno e a narrativa escolhida - eis aí a chave do sucesso didático nesse passo.

3) Passo 3: esboço de nova narrativa. O terceiro passo implica na continuidade da discussão da articulação entre as narrativas dos alunos e a narrativa mostrada inicialmente. Aqui é a fase do esboço de novas narrativas (o que só vai se concretizar no quarto passo). Aqui o professor pode introduzir narrativas que talvez não ocorram aos alunos, como as da sociologia, psicologia,
medicina, literatura etc. É importante que o aluno perceba que essas narrativas (ciência, ficção, história etc.) são narrativas sobre as duas narrativas anteriores, a dele e a apresentada. Estas tais narrativas, de alguma maneira, emitem um parecer, um juízo, uma explicação, uma redação, um efeito estético, moral ou intelectual sobre a articulação feita entre a narrativa pessoal e a apresentada. Mas é preciso que o aluno saiba que cada nova narrativa - da ciência, da ficção e da história - não tem o direito de se julgar mais verdadeira que a outra , nem que as antecessoras. Elas não podem querer, nem direta nem subliminarmente, se equilibrarem em uma hierarquia epistemológica. Afinal, que narrativa poderia se achar no direito de julgar - se dizendo a única verdadeira - a articulação entre uma história trazida para a sala e o romance pessoal? (Em geral, nesse momento dos meus passos pedagógicos, quando eu os exponho a grupos de professores, muitos professores se apavoram e se desesperam, pois descobrem que a narrativa que têm em mãos como sendo a verdade, como sendo aquela que explica todas as outras narrativas é, também ela, uma narrativa a mais, cuja crença ele nem sempre adquiriu de um modo diferente do que adquiriu outras crenças. Este é um passo importante que, em todos os outros métodos, não existe, e derruba qualquer tipo de dogma).

4) Quarto passo: nova narrativa. Este passo, agora, é importantíssimo: trata-se da construção de novas narrativas através de textos teóricos, contos, sites , filmes, fitas, CDs, programas, fotos, desenhos, peça escrita ou representada, mímica, conto oral ou similar etc. O que importa aqui é que o aluno possa ir além da articulação entre seus problemas e os problemas da narrativa
mostrada inicialmente, gerando algo que é novo . Este elemento novo pode ou não incorporar as narrativas próprias do terceiro passo - ciência, ficção e história. Trata-se de um produto da própria capacidade intelectual do aluno - é a sua narrativa. Vai apresentar os seus valores e objetivos e, enfim, o seu senso estético e, principalmente, do seu gosto em optar por um tipo de finalidade
e por um tipo de meio para a construção na nova narrativa. Só um professor com sensibilidade pode, então, se envolver de peito aberto com esse passo crucial. Quaisquer reservas e pré-julgamentos, nesta fase, e todo o processo pedagógico-didático, irá cair por terra.

5) Passo 5: intervenção. Se o aluno conseguiu dar o passo 4, naturalmente já está em meio ao passo 5, pois este nada mais é que a divulgação, entre seus pares e, talvez, para além deles, de sua nova narrativa como elemento que pode provocar modificações em outros. Modificações de suas conversas e modos de pensamento no campo da cultura, da política e da vida social. A escola e o professor devem, aqui, incentivar a divulgação do material produzido. Pode haver aí um novo romance , o romance que traz como personagem da vida nacional o próprio estudante (este livro foi escrito assim: iniciou-se com a vida em família, passou pela minha vida e se fez um novo texto, que não é nem o que a minha família me contou nem o que eu havia lido e ouvido na academia a respeito de educação, e nem exclusivamente a minha experiência pessoal
como professor).

O que é importante perceber - e aí está a habilidade e a cultura necessárias para ser professor - que tais passos se acomodam a qualquer assunto . O termo "narrativa", que empreguei aqui, serve para qualquer assunto. Desde o início isso deve ter ficado claro. O que deve ficar claro, também, é que não há espaço, nos meus passos, para a idéia de "catarse" (Saviani) ou de "conscientização" (Paulo Freire). Tais idéias pressupõem ou que se passe por uma purificação ou que se passe por uma tomada de consciência. Isso implica, nas filosofias de Saviani e Paulo Freire, que a narrativa do ponto de chegada, o conhecimento a que se chega para se poder intervir ou na prática social ou na lida política, seja, de fato, o conhecimento da Realidade Como Ela É. Esse tipo de realismo filosófico está abolido nos meus passos. Meu ponto de chegada é uma narrativa que faz sentido , que me é útil para objetivos que abram portas para a ampliação da democracia. Mas não tenho nenhum motivo para me jactar de estar de posse da realidade como ela é após ter passado por um processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, meus passos não estão comprometidos com o vanguardismo do marxismo (em Saviani ou em Paulo Freire). Pois eu não tenho a Realidade nas mãos. O que tenho é um discurso em formas diversas (que é real, mas com "r" e não com "R"), o qual eu terei de usar com habilidade para convencer os outros do que quero, do que acho que é melhor etc. 
 
 http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/noticias/artigo233813-1.asp


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