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segunda-feira, 9 de junho de 2014

Psicanálise e educação infantil: diálogos a partir de uma pesquisa.



Leda Mariza Fischer Bernardino

Rosa Maria Marini Mariotto

 Resumo
O artigo parte de uma pesquisa realizada pelas autoras com bebês e suas educadoras em centros de educação infantil, através da aplicação do protocolo IRDI-18, cujos resultados apontaram uma insuficiência do cumprimento da função materna nestes ambientes; embora a função paterna seja cumprida a contento. Discutem-se as possíveis conseqüências disto para a construção do psiquismo dos bebês e o papel da psicanálise e do discurso psicanalítico na educação infantil. Debate-se a questão da pesquisa em psicanálise e a idéia de prevenção, contraposta ao só-depois próprio do funcionamento inconsciente. Como conclusão, propõe-se a intervenção do psicanalista como promotor da circulação da palavra em três níveis: com os bebês, com as educadoras e com os pais.
Palavras-chave: bebês, educadoras, psicanálise na Educação Infantil, prevenção, pesquisa em psicanálise.

Abstract
This paper results from a research realized by the authors involving babies and their educators at children education centers through the application of the protocol IRDI-18. The results indicated an insufficiency of the accomplishment of the maternal function at these places, even though the paternal function was fulfilled on a satisfactory manner. It is discussed the possible consequences for the construction of these babies’ psychism and the function of the psychoanalysis and the psychoanalytical discourse in children education. It is also discussed the issue of the research in psychoanalysis and the idea of prevention, opposed to the “deferred” so characteristic of the unconscious functioning. As a conclusion, it is proposed the psychoanalyst’s intervention as a promoter of the circulation of words in three levels: with babies, educators and parents.
Key-words: babies, educators, psychoanalysis in Children Education, prevention, research in psychoanalysis.


A introdução do discurso psicanalítico no ambiente da educação infantil começou a ganhar consistência a partir de trabalhos que demonstram os frutos possíveis desta interlocução; (Carvalho, 2000; Aragão, 2001; Baptista 2002; Flach 2006; Bernardino e outros, 2008; Atem, 2009; e Mariotto, 2009), para citar apenas propostas de cunho investigativo acadêmico.
A relevância destes estudos neste campo social se destaca pelo fato de que a escola de Educação Infantil é um lugar de inscrição e inserção da criança no espaço público, ultrapassando as funções assistencial e pedagógica que lhe são concernentes, pois dá continuidade ao trabalho de subjetivação que já se supõe ter sido iniciado na intimidade da família de origem.
Neste ambiente, os berçários recebem os bebês de poucos meses até cerca de dois anos, tempo que a psicanálise destaca como fundamental para a construção do psiquismo, desde a proposta fundamental de Winnicott (1978), ao dizer que é no primeiro ano de vida que se estabelecem as bases para a saúde psíquica. Este mesmo autor fez a afirmação de que só se pode conceber o bebê humano dentro de um ambiente, a partir dos laços que ele estabelece com os adultos significativos para ele. Para Bénamy e Golse (2007) o bebê “não pode ser pensado fora de relação, isto é, fora de sua relação com o adulto no cerne de um funcionamento diático e triádico” (p. 76), referindo-se aos cuidados maternos que permitem ao bebê não somente “enfrentar sua imaturidade biológica e funcional”, mas principalmente “assumir a instauração de seu aparelho psíquico” (p. 76), e a relação com o mundo a partir desta instauração. Ao passar grande parte do dia no ambiente de creche, é essencial que o bebê encontre aí uma continuidade destes cuidados desta mesma ordem, ou seja: tanto cuidados referentes ao seu bem-estar físico, quanto cuidados referentes à organização de seu mundo interno. Assim, o que se requer de um educador neste ambiente de berçário é que ele possa dar continuidade aos cuidados maternos do corpinho do bebê, como também, que ele seja capaz de estabelecer um laço significativo com este bebê, para dar sequência às construções mentais do mundo que ele precisa continuar realizando neste ambiente extrafamiliar. Neste aspecto, o estatuto do corpo do bebê para o cuidador/educador adquire especial realce, pois embora seja o ponto de encontro entre eles, não pode ser tomado apenas como objeto de cuidados, mas como sede de experiências prazerosas e desprazerosas que – ao serem compartilhadas – permitirão ao bebê dar sentido ao mundo que o cerca. Ainda segundo Benamy e Golse (2007) “pode-se dizer hoje que o corpo do bebê representa a via real de acesso aos processos de simbolização, de subjetivação, de semantização e de semiotização na espécie humana” (p.9).
Estas experiências e reflexões teóricas apontam que o trabalho do psicanalista em creches e pré-escolas orienta-se a partir de três eixos de intervenção: em relação aos educadores, às crianças e aos seus pais. Propostas de trabalho que contemplem cada um dos elementos em jogo, na montagem das redes discursivas características deste campo, tornam-se fundamentais.
Foi seguindo esta diretriz que um projeto piloto, de aplicação do Protocolo Clínico de Risco para o Desenvolvimento Infantil IRDI-18, foi realizado em 2007 em um Centro Municipal de Educação Infantil. Este protocolo é decorrente da validação de dezoito indicadores do Protocolo IRDI, na Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil, realizada no período de 1999 a 2008, e cujos resultados foram relatados em Kupfer et alli, 2010. Os resultados obtidos no projeto piloto de uso do IRDI-18 em ambiente de educação infantil indicaram a viabilidade e a relevância desta iniciativa (Bernardino, Vaz, Quadros & Vaz, 2008), já verificada igualmente por Mariotto (2007; 2009), o que incentivou a realização de um estudo de maior porte.

Uma experiência de pesquisa
Assim, no período de 2009 a 2010, foi realizada uma pesquisa com uma amostra representativa de bebês dos Centros Municipais de Educação Infantil do Município de Curitiba, com fins de detecção de riscos precoces na clientela dos berçários ali existentes, para implantar no ambiente de Educação Infantil ações efetivas de prevenção em saúde mental na primeira infância, bem como para o aprimoramento dos profissionais que ali trabalham. Esta pesquisa se deu com a aplicação do Protocolo IRDI-18, já testado com sucesso no projeto piloto neste ambiente de educação infantil.
Nesta pesquisa, ao todo foram avaliadas 35 crianças na faixa etária de 4 meses a 18 meses incompletos, sendo 20 de sexo masculino e 15 do sexo feminino, no período de março a dezembro de 2009, distribuídas em 09 CMEIS selecionados. Todas as crianças foram avaliadas no mínimo duas vezes, por estagiárias de psicologia previamente capacitadas para a aplicação do instrumento, em faixas etárias diferentes (atual e pregressa). Dos 35 protocolos aplicados, contendo cada um 18 indicadores, chegou-se a um total de 630 indicadores avaliados. Os dados obtidos na aplicação do protocolo IRDI foram analisados e discutidos a partir de três categorias: (1) Análise por indicadores ausentes, (2) Análise por CMEI e (3) Análise por criança.
De modo geral, destacamos que 64 indicadores obtiveram resposta Ausente (A), ou seja, 10,1% do total da amostra. Levando em consideração que os indicadores são sinais de que os elementos necessários para o processo de constituição psíquica estão em curso, este percentual de respostas ausentes aponta um risco relativo na população pesquisada. O conjunto dos resultados analisados demonstra que nas creches pesquisadas, as educadoras cumprem a contento seu papel educativo no que se refere às regras sociais, mas seu papel de cuidados que refletem uma educação mais ampla – educação para o surgimento de um sujeito, apresenta-se pouco desenvolvido.
Das 35 crianças avaliadas, 11 foram consideradas CASOou seja: apresentaram dois ou mais indicadores ausentes na relação com pelo menos uma das educadoras e não os apresentaram presentes com nenhuma outra educadora, sendo 31% da amostra. Observa-se que se trata de um percentual alto, que excede a faixa de 12 a 29 % prevista em estudos já realizados com populações de países em desenvolvimento segundo dados da OMS (Giel e outros, 1981), do ponto de vista de riscos psíquicos. Dos nove CMEIs pesquisados – denominados de A a I – notou-se o grande número de crianças-caso no CMEI B: 04, para um total de 05; seguido dos CMEIs H (2 casos para um total de 2),  C (2 casos para um total de 5) e A (1 caso para 2 crianças que compunham a amostra). Já os CMEIS E, G e I não tiveram crianças/caso. Resultados que ajudam não apenas na detecção de crianças em risco psíquico, mas também na reflexão em cada ambiente educacional a respeito do trabalho desenvolvido pela equipe de educadores.
Os resultados da pesquisa atual confirmaram pontos já explorados nas pesquisas anteriores: do ponto de vista dos profissionais das creches pesquisadas, as ações tradicionalmente entendidas como educativas, de introdução dos bebês no sistema de funcionamento coletivo, nas regras e leis do mundo social, são bem delineadas e se exercem a contento, resultando em um cumprimento do que psicanaliticamente se descreve como “função paterna”, como Mariotto (2009) já apontou: “Parece ser este o estatuto mais pertinente a ser dado à creche e àqueles que a representam junto ao bebê, cuja função é promover o afastamento da relação primordial entre a mãe e sua cria, introduzindo o registro assimétrico do terceiro” (p.119).
Entretanto, no que concerne às ações que poderiam ser empreendidas no sentido do estabelecimento de uma relação educadora/bebê de qualidade para garantir a continuidade do que se conhece como “função materna” e que concerne aos aspectos psíquicos que estão em início de constituição, foram observadas ausências de indicadores importantes, sinalizando uma não ocupação deste lugar pela educadora da creche e uma falta deste elemento constitutivo para o bebê. Desta forma, os bebês em creche ficam muito tempo à deriva, sem encontrar nos adultos que os cercam um ponto de referência para sua relação com o ambiente social no qual se encontram. Além disso, alguns aspectos que são extremamente importantes do ponto de vista subjetivo, como a inserção no campo da linguagem e da fala de modo acessível aos bebês, são pouco ou mal entendidos pelo educador, que não foi preparado em sua formação para estes aspectos. Por exemplo, a função do brincar como elemento chave na compreensão e elaboração de experiências vividas; ou a prática do mamanhês como maneira preferencial de capturar a atenção dos bebês, solicitando-os em um lugar de sujeitos falantes, são pontos praticamente desconhecidos das educadoras. A possibilidade de dar um lugar singular para cada bebê fica muito restrita, diante das demandas urgentes do ambiente coletivo, o que produz por parte do educador uma fala mais coletiva, sem o direcionamento do olhar e da palavra para cada criança em particular. Por outro lado, a suposição do que cada bebê estaria manifestando em cada momento, a espera para “ler” em suas manifestações um determinado afeto, determinada demanda, determinado desconforto, dão lugar a afirmações muito decididas do que a educadora, de seu ponto de vista, decide coletivamente propor para os bebês.
Do ponto de vista dos bebês, o que mais chamou atenção foi a ausência do “estranhamento”, dado já obtido nas pesquisas anteriores supracitadas, mas realçado aqui nesta pesquisa, tendo em vista o número e a variedade de bebês pesquisados. Este organizador psíquico proposto por Spitz (1979) e retomado como um dos indicadores do protocolo, a “capacidade de estranhamento do bebê” encontra-se muito ausente na creche, ambiente em que o número de adultos não significativos para as crianças é grande – desde os estagiários até os pais dos coleguinhas, é um conjunto de pessoas que circula em torno dos bebês sem lhes dizer particularmente respeito. Os bebês convivem com esta realidade – de ver várias faces, de ouvir várias vozes – e mesmo sendo cuidados preferencialmente ou habitualmente por um ou mais adultos, não dão indícios de que façam uma diferenciação entre estes e os outros adultos que circulam no local. Somos levados a questionar vários pontos quanto à relação com o outro e com o Outro aí estabelecidas. Embora saibamos que o bebê tem como eixo central de constituição subjetiva suas figuras parentais e familiares – pois é deles que vai receber os significantes primordiais para suas identificações, a indicação de um lugar na família e as coordenadas para suas relações pulsionais fundadoras do campo do desejo – o grande número de horas que os bebês permanecem em creche nos tempos atuais nos leva a refletir sobre o efeito subjetivo desta permanência continuada em um ambiente social no qual não há um outro situado nesta função de Outro, principalmente se verificamos, através de dados empíricos de pesquisa – que esta relação não é significativa o suficiente para lhes permitir distinguir este outro dos demais adultos anônimos do ambiente.
Outro resultado que trouxe um número preocupante de indicadores ausentes foi no indicador (11), que se refere à construção de uma linguagem particular entre educador e bebê, num total de 25,7% de respostas A. Podemos observar a partir deste dado o pouco lugar fornecido à singularidade do pequenino no laço com seu adulto cuidador, que se dirige aos bebês de modo coletivo e não particular. Sabemos que o bebê não tem capacidade de se apropriar da linguagem se não houver um intermediário que o introduza na língua falada, e isto precisa ser feito na medida das capacidades – bem incipientes – de fala do bebê. Por isso, desenvolver pequenos vocábulos acessíveis e que são tomados como manifestações da linguagem é uma etapa importante no reconhecimento de si no lugar de sujeito, fazendo do bebê um falante quando ainda tem poucas possibilidades reais de ascender à linguagem como função. Da forma como costuma ocorrer neste ambiente coletivo de berçário, o bebê é chamado a ser “ouvinte” e realmente entende o que lhe falam nesta fala coletiva, mas o que ele poderia manifestar de singular e que lhe outorgaria um lugar de “falante” é pouco explorado.
Estes dados corroboram a necessidade de implementar, neste ambiente da Educação Infantil, ações de prevenção no que concerne aos bebês e de aprimoramento da formação no que concerne aos profissionais de creche, pois, como indicam Bénamy e Golse (2007) “uma atitude de prevenção só se justifica a partir da detecção de distorções do vínculo”.

SOBRE A PREVENÇÃO EM PSICANÁLISE
Uma relação aparentemente insólita envolve estes dois significantes: prevenção e psicanálise. Freud nos apontou que o tempo que vigora para a psicanálise é o tempo lógico, aquele do só-depois, de um a posteriori que permite ressignificar as experiências vividas. Como seria possível prevenir com esta lógica do só… depois? Tanto mais que estamos falando de bebês, ou seja, seres no início da vida?
É bem verdade que os bebês acabaram de nascer, do ponto de vista orgânico e social. Mas simbolicamente, eles vêm fazer parte de uma história, de uma série, de movimentos anteriores que vão desde o sonho da menina encenado na brincadeira de bonecas de um dia vir a ser como sua mãe, até o projeto em conjunto do casal que resolve se unir pra um dia ter uma família. Vem fazer parte de uma cadeia de gerações, vem dar continuidade a uma história familiar há tempos começada. Na sua própria e incipiente história, nasce depois de todo um tempo gestacional de sensações proprioceptivas, táteis, sonoras, de palavras em torno de exames, de imagens, de experiências que marcam o período pré e perinatal. Assim, do ponto de vista simbólico, os bebês já estão no depois, eles já têm experiências a ressignificar.
Além disso, prevenir sempre foi uma prática alheia à da psicanálise, apesar das ambições de Freud (1932) de que poderia haver uma “profilaxia das neuroses”, pois a prática mesma da psicanálise de crianças questiona esta possibilidade de garantir um destino ou prever um desfecho. Sabemos que o fato de ter feito uma análise quando criança não previne uma neurose no adulto.
Entretanto, sabemos também que a vivência de uma análise ensina ao sujeito – de qualquer idade – o caminho da cura pela palavra, ou, dizendo de outra forma, quem faz análise sabe que falar, recordar, transferenciar, dá outro direcionamento às questões essenciais da vida e permite uma elaboração diferente do vivido, uma subjetivação das crises.
Quando recorremos à psicanálise para elaborar um instrumento de detecção de riscos psíquicos e para dar chance de intervenção a tempo para os casos de crianças que foram percebidas em risco, fundamentamo-nos discurso psicanalítico sobre o processo de constituição do sujeito e sobre o lugar da palavra e do desejo neste processo. As vicissitudes neste processo representam o campo da psicopatologia da infância, que engloba as defesas da criança diante das dificuldades inerentes ao encontro faltoso entre natureza e cultura. Neste âmbito, o que se previne a tempo é a instalação de defesas maciças de proteção do psiquismo em risco, que podem se fixar em um encaminhamento estrutural de tipo patológico grave, quando as condições relacionais, interpsíquicas e intrapsíquicas da criança se deparam com o mesmo nível de dificuldades por muito tempo. Neste caso, defesas acionadas provisoriamente, para lidar com uma urgência psíquica, tornam-se permanentes. Evidentemente, a própria estruturação subjetiva é uma defesa – da subjetividade – como Freud (1894) muito cedo em sua obra apontou. Mas quando as defesas são acionadas à contramão do exercício subjetivo – caso das patologias graves da infância, como o autismo, a psicose, as depressões graves, os distúrbios psicossomáticos precoces – cobrando um custo subjetivo muito alto, o que se destaca é o sofrimento psíquico, é a fixação de defesas incapacitantes.
Prevenir, a partir da psicanálise, é sustentar possibilidades de fala e de desejo que são veiculadas pela palavra e pelo outro situado na posição privilegiada de Outro que sustenta a suposição do sujeito ainda por vir. Significa permitir à criança, principalmente ao infans, trilhar um caminho mais amplo e mais diversificado de significantes, no qual a vida parece digna de ser vivida em toda sua plenitude, porque tanto o elemento pulsional está presente quanto os elementos simbólicos que servem de âncora à existência subjetiva.
Sendo assim, conjugar estes dois verbos aparentemente distantes – prevenir e psicanalisar – parece ser possível quando se considera que um sujeito se constitui na linguagem, um sujeito se organiza e se positiva pela fala, um sujeito pode desejar desde que seja possível uma enunciação própria. Deste modo, fazer circular a palavra é criar condições para o livre exercício da subjetividade. Esta é a regra fundamental da psicanálise, que se aplica ao pé da letra na psicanálise em intensão, na clínica psicanalítica. Esta também é a regra quando a psicanálise é praticada em extensão e vai, por exemplo, à escola de educação infantil.

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO INFANTIL
            Há muitos anos trabalhando neste ambiente de creches e pré-escolas, nossas experiências tendo como norte a psicanálise, apontam para várias possibilidades de intervenção, sempre com a diretiva de promover, neste ambiente de educação infantil, a circulação da palavra, pois, segundo Kupfer (2000) “quando há circulação de discursos, as pessoas podem se implicar em seu fazer, podem participar dele ativamente, podem se responsabilizar por aquilo que fazem ou dizem. Mudam ativamente os discursos, assim como são por eles mudadas, de modo permanente” (p. 137). Assim, podemos propor três principais níveis de atuação: junto às crianças, junto aos pais, junto aos educadores,
Nas experiências com as próprias crianças, o brincar é a técnica por excelência, tal qual na clínica psicanalítica. A diferença está no fato de que se trata de grupos em um ambiente coletivo e do âmbito escolar. O brincar com este sentido de dar lugar ao sujeito e ao seu desejo pode acontecer na educação infantil através da hora da brincadeira com os bebês no colchonete, na visita a cada berço pra trocar palavras e olhares em torno de um chocalho, um móbile, pretexto para entrar em relação; pode acontecer em brincadeiras de grupinhos, quando se resgatam canções de roda, do folclore e se propõe compartilhar estes jogos; pode ser nos jogos de dramatização de historinhas infantis, com constantes trocas de papeis, em que cada criança pode fazer de conta, alternadamente, que é vários personagens – desde o vilão até a fada. O fio condutor de todas estas situações não está no que se faz, mas na posição que se ocupa ao conduzir o que se faz: supondo sujeitos, estabelecendo demandas, fazendo alternância de presença/ausência e transmitindo função paterna. Isto se destaca na maneira como se escuta cada criança, no modo como se resolve um conflito, no estilo de marcar o início e o término dos encontros. Além disso, são experiências que recorrem ao que o campo simbólico nos oferece de significantes próprios para a infância – os contos, os cantos, as lendas, os brinquedos – desde tempos imemoriais até a atualidade.
No que se refere aos pais, a escuta de suas questões quanto ao desenvolvimento do filho, a impasses familiares, a dúvidas quanto ao processo escolar, são conduzidas de forma a reconhecê-los no lugar de pais e a convocá-los a exercer seu saber a partir de sua história, sua cultura. As entrevistas de pais e os grupos de pais, mesmo que tenham como mote uma questão a ser debatida, mesmo que eles venham com a expectativa de “aprender” dos ditos “especialistas”, são conduzidos de forma a devolver-lhes o lugar de saber sobre seu filho, a reconhecer nas queixas e nos sintomas do filho sua pertença familiar e a articular as dificuldades dos filhos com as suas próprias, às vezes recuperando uma infância que parecia perdida e que irrompe a partir de um dilema com o filho.
Finalmente, no que se refere aos educadores, o trabalho pode ser com duas vertentes: da transmissão e da formação do profissional. Da transmissão, falamos do que é importante que eles saibam para poder atuar na educação no sentido pleno do termo: transmitir marcas simbólicas (Lajonquière, 1997). Como concebe Kupfer (2000, p. 35) o ato de educar é “o ato por meio do qual o Outro primordial se intromete na carne doinfans, transformando-a em linguagem”. É importante poder transmitir-lhes o valor do mamanhês, por exemplo; a importância de falar particularmente a cada criança; o valor do brincar na vida da criança, mais além do aspecto pedagógico; os diferentes impasses pulsionais envolvidos nos cuidados cotidianos de um bebê e de uma criança pequena. Da formação, falamos de um cuidado daquele que cuida: ouvir e acolher o educador em sua subjetividade, para que ele possa ocupar o lugar daquele que cuida das crianças enquanto sujeitos. Como observa Crespin (2005): é um desafio ocupar este lugar de “substituto materno”, pois segundo a autora “de modo algum se trata de substituir alguém (…) mas sim de sustentar, no lugar do Outro, um desejo e uma presença capazes de permitir ao sujeito aí se apoiar para se construir” (p. 105). Os trabalhos que se podem propor são os grupos de discussão de situações de sala de aula, por exemplo, ou reuniões para refletir sobre as situações do cotidiano da creche. O psicanalista pode ser, como aponta Missonnier (2003) “um agente de ligação, que abre na inter e na intrasubjetividade representações de uns e de outros”. Segundo este autor, é preciso buscar “manter a coerência do grupo, apoiando-se em sua capacidade de conter e esclarecer os investimentos relacionais dos cuidadores” (Missonier, 2003). Percebe-se que esta intervenção é indireta, como assinalam Nezelof, Ropers e Duquet (2002), pois visa “favorecer a emergência dos recursos relacionais inerentes a cada profissional, a aumentar sua segurança profissional, a manter continuidade e coerência em suas intervenções”.

SOBRE A PESQUISA EM PSICANÁLISE
A psicanálise é ao mesmo tempo uma teoria sobre o psiquismo, uma práxis clínica e um método de investigação do inconsciente. Para Freud (1913) tratamento e investigação coincidem.
Isto por si só exige do pesquisador psicanalista uma posição de confronto com o desejo, devendo reconhecer no seu trabalho a quota de impossibilidade de revelação da verdade. Se o psicanalista como pesquisador visa a um saber, ele não poderá contar com saberes já estabelecido que serão ou não verificados. A surpresa da descoberta é parte integrante da própria investigação.
O redimensionamento da relação entre psicanálise e ciência, permite que se reafirme o método e o estilo de pesquisa, produzindo também uma particular articulação entre seus objetivos, seus fins e seu produto.
O pesquisador psicanalista constrói o percurso por conta dos passos que dá. É um processo que inclui o pesquisador e não apenas a pesquisa em si. É, portanto, este o eixo da investigação, diferentemente de outras concepções teórico-científicas que acentuam o resultado obtido e o caminho percorrido para tal.
Em primeiro lugar porque a pesquisa carrega em si a marca da singularidade do pesquisador, fazendo oposição ao universalizante e objetivante. Ao se debruçar sobre o dito ‘objeto’ de pesquisa, este por sua vez, sofre transformações, perde sua unidade. Como conseqüência, os conceitos entram numa crise epistemológica, produzindo rupturas de concepções e exigindo seu tensionamento máximo. É neste sentido que a pesquisa em psicanálise opera mais do lado da interpretação do que do postulado, já que se impõe a ela novos arranjos, reordenações metodológicas e conceituais, em que a certeza precisa se transformar em pergunta e onde será necessário contemplar o ‘caso a caso’ com o universal. Assim, um método que se diga psicanalítico de pesquisa dirige seu olhar não para o que teria de comum entre os sujeitos da pesquisa, mas paro o que surgisse de singular, de peculiar a cada um. Isso não quer dizer que a quantificação estatística, por exemplo, perca seu lugar, mas sim que ela muda de posição, deixando de ser um fim em si mesmo.
Assim, uma condição fundamental desta singular forma de fazer pesquisa é a de que o pesquisador faça uma imersão no material de pesquisa como forma de se aproximar do objeto a ser pesquisado, respeitando assim, sua natureza dinâmica. Não é possível isolar o objeto do investigador, e é por isso que a relação entre o objetivo e o subjetivo é peculiar. Até porque nosso objeto está longe de configurar como linear e contínuo, muito menos materializável e porque nosso método permite – ou exige? – que o pesquisador se debruce sobre seu campo enquanto psicanalista.
A pesquisa que ora apresentamos, permitiu verificar alguns elementos teórico-práticos que ainda nos surpreendem, que exigem mais estudos e que requerem novas formulações.
Circular por um ambiente especialmente criado para a criança e a infância sugere que a equipe esteja voltada para este sujeito. No entanto, a aplicação do IRDI revelou um dado preocupante: a fragilidade discursiva entre a educadora e bebê, não fazendo deste seu interlocutor principal. Não raro, a equipe fala dos bebês, mas não com eles.
No que tange à ausência de estranhamento por parte dos bebês, este dado impõe necessária reflexão a respeito da qualidade e consistência do educador/cuidador ao se revestir da função de Grande Outro. Se, para Lebrun (2004), o pai é o primeiro estranho familiar, função esta desempenhada pelo educador, o que é que se produz nas creches onde ninguém opera como estranho? Isto também não afetaria a condição ‘familiar’ deste outro cuidador? O que faz com que a estranheza causada pela eclosão, no seio mesmo do familiar (em ambos os sentidos da palavra), de uma não-familiaridade conhecida e antiga não tenha lugar neste ambiente?
Por outro lado, seria este um indicador pertinente ao espaço educacional, na medida em que é essencialmente público e, portanto, estranho em sua natureza? Haveria algum comprometimento no devir psíquico destas crianças que muito precocemente passam a viver de modo mais público e menos privado?
Como se pode perceber, alguns conceitos psicanalíticos foram postos à prova, bem como nossa “escuta”, ao tentarmos “ler” os achados de nossa investigação à luz de nossas concepções de sujeito, de desejo, de falasser, de Outro primordial, de funções materna e paterna, e outros. Ao irmos à pré-escola, deixamos um pouco o setting analítico e seu manejo, para esticar o discurso e a prática psicanalíticos ao máximo. No só-depois desta escrita, para concluir, retomamos o ponto inicial que nos instigou: fazer pesquisa é também psicanalisar.

Sobre as autoras:
Leda Mariza Fischer Bernardino é professora titular da PUCPR, pós doutora em Tratamento e Prevenção Psicológica pela Université de Paris 7, Denis Diderot. Psicanalista, analista membro da Associação Psicanalítica de Curitiba e da Association Lacanienne Internationale.
Rosa Maria Marini Mariotto é professora da PUCPR, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pelo IPUSP, membro da ABEBE, psicanalista, analista membro da Associação Psicanalítica de Curitiba.

REFERÊNCIAS
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Recebido 20 de abril
Aceito 18 de maio


fonte; http://www.apccuritiba.com.br/artigos/ed-20-psicanalise-e-educacao-infantil-dialogos-a-partir-de-uma-pesquisa/

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