quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Avaliar para crescer



Índice da edição 138 - dez/2000

Avaliação

Avaliar para crescer

No ambiente escolar, a avaliação só faz sentido quando serve para auxiliar o estudante a superar as dificuldades

Paola Gentile
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Masao Goto Filho

Cristiane Ishihara, professora de Matemática da 5ª série no Colégio Assunção, em São Paulo

"Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim. Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e como ensinar"

Notas fechadas, boletins entregues, diários de classe arquivados. Missão cumprida? Não para Cristiane Ishihara, professora de Matemática das 5ªs séries no Colégio Assunção, em São Paulo. Como faz ao final de cada bimestre, ela vai pegar as anotações que fez em sala de aula, os resultados dos exames e os questionários que a turma responde após as provas. Tudo com um objetivo: avaliar o próprio desempenho. "Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim. Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e como ensinar", afirma. Cristiane está dando o primeiro e mais importante passo rumo a um sistema de avaliação escolar justo e motivador. Culpar o aluno pelas notas baixas, o desinteresse ou a indisciplina nem passa pela cabeça dela. "Basta que alguns tenham ido mal nas provas para eu saber que preciso mudar de didática ou reforçar conteúdos".

Ao rever seu trabalho, Cristiane mostrou que está mesmo no caminho certo. "Não interessa o instrumento utilizado. Pode ser prova, chamada oral, trabalho em grupo ou relatório. O importante é ter vontade de mudar e usar os resultados para refletir sobre a prática", explica o consultor e educador Celso Vasconcelos. Para ele, de nada adianta selecionar novos conteúdos ou métodos diferentes de medir o aprendizado se não houver intencionalidade — palavra que ele define, em tom de brincadeira, como "a intenção que vira realidade". "Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os professores devem se questionar como recuperar a aprendizagem", aconselha.

Mas por que mudar se tudo está correndo bem? O professor ensina, o aluno presta atenção e faz a prova. Se foi bem, aprendeu. Se foi mal, azar — é preciso seguir com o currículo. Esse sistema, cristalizado há séculos, deposita nos conteúdos uma importância maior do que eles realmente têm. Até os anos 60, 80% do que se ensinava eram fatos e conceitos. A prova tradicional avaliava bem o nível de memorização dos alunos. Hoje, essa cota caiu para 30%. Além de fatos e conceitos, os estudantes devem conhecer procedimentos, desenvolver competências. E a mesma prova escrita continua a ser aplicada...

Se a missão da escola ao raiar do século XXI é desenvolver as potencialidades das crianças e transformá-las em cidadãos, a finalidade da avaliação tem de ser adaptada, certo? "Na minha opinião, seu principal papel deve ser ajudar o aluno a superar suas necessidades a partir de mudanças efetivas nas atividades de ensino", define Vasconcelos. "O ideal é que ela contribua para que todo estudante assuma poder sobre si mesmo, tenha consciência do que já é capaz e em que deve melhorar", diz Charles Hadji, professor e diretor do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Grenoble, na Suíça (leia entrevista na segunda página).

É consenso entre os educadores que o aprendizado, na sala de aula, não se dá de forma uniforme. Cada um de nós tem seu ritmo, suas facilidades e dificuldades. Afinal, somos pessoas distintas. O que complica bastante a vida do professor, que passa a ter de avaliar cada aluno de um jeito. "Sim, todos merecem ser julgados em relação a si mesmos, não na comparação com os colegas", afirma o espanhol Antoni Zabala, especialista em Filosofia e Psicologia da Educação e professor da Universidade de Barcelona. "Não dá para fugir", continua ele. "É essencial atender à diversidade dos estudantes."

Ele dá um exemplo. "Que altura deve pular um jovem de 11 anos?" A resposta é: "Depende..." Depende de sua potência motora, de suas capacidades físicas e emocionais, das experiências anteriores e do treinamento, do interesse pela atividade e muito mais.

Por isso, alguns saltam 80 centímetros. Outros, 1 metro. Poucos, 1,20 metro. "Se estabelecemos uma altura fixa, excluímos os que não conseguirem chegar lá no dia em que a habilidade for medida". Da mesma forma, "quanto" deve saber uma criança? A resposta também é depende. De sua história, dos conhecimentos prévios, da relação com o saber e de incontáveis outros fatores. E não existe ninguém mais capacitado do que o professor para saber "quanto" essa criança domina (ou tem a obrigação de dominar) em termos de conteúdos, conceitos e competências.

O papel do desejo

Quando a escola não leva isso em conta, o estrago é inevitável. Estudos realizados pela pesquisadora Kátia Smole sobre o impacto da avaliação na auto-estima do aluno mostram que os boletins baseados no desempenho em provas têm apenas uma função: classificar a garotada em "bons" ou "maus", o que tem cada vez menos utilidade. "O pressuposto de que existe uma inteligência padrão está ultrapassado", avalia. Segundo ela, o que acaba ocorrendo são desvios no objetivo maior da escola, que é ensinar. Ao sentenciar que uns são mais e outros, menos, o saber fica em segundo plano. "O jovem valoriza a nota, não o aprendizado", exemplifica. "Em vez de se relacionar com o mundo, ele só vai querer aprender em troca de prêmio (a nota) e, nesse ambiente, só sobrevive quem se adapta ao toma lá, dá cá."

Mas existe uma conseqüência mais nefasta: tirar da criança a vontade de aprender. Afinal, só existe motivação quando há desejo. O aluno que não valoriza o saber não tem motivos para cobiçá-lo. "O antigo sistema forma pessoas submissas e intolerantes. Quem não consegue atender à expectativa do professor e da sociedade acaba marginalizado", analisa Kátia.

Antoni Zabala apresenta exemplos bem práticos — e recheados de comparações com fatos do dia-a-dia — para ajudar a desatar esse grande nó. "O professor deve ser um misto de nutricionista e cozinheiro", diz ele. "O primeiro preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos. No planejamento da aula, devemos agir como nutricionistas, pensando nas competências que o aluno deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como cozinheiros, propondo atividades interessantes e que possam ser executadas com prazer."

Na sua opinião, a avaliação completa envolve quatro etapas, tantas quantas uma dona-de-casa executa ao fazer compras. "Ela vê o que tem na despensa, lista o que falta, estabelece objetivos — como preparar refeições balanceadas — e vai ao mercado", descreve. "Lá, ela começa uma série de observações, que podem mudar os rumos da tarefa original. Se um produto estiver muito caro, a saída será buscar outro ponto de venda. Se estiver estragado, terá de ser substituído por outro de semelhante valor nutritivo."

Traduzindo para a sala de aula, o professor precisa de objetivos claros, saber o que os alunos já conhecem e preparar o que eles devem aprender — tudo em função de suas necessidades (avaliação inicial). O segundo passo é selecionar conteúdos e atividades adequadas àquela turma (avaliação reguladora). Periodicamente, ele deve parar e analisar o que já foi feito, para medir o desempenho dos estudantes (avaliação final). Ao final, todo o processo tem de ser repensado, de forma a mudar os pontos deficientes e aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem (avaliação integradora). Clique aqui para conhecer um exemplo muito objetivo de como fazer isso, com estratégias específicas para vários conteúdos, tendo como ponto de partida o estudo da Bacia Amazônica.

A primeira pergunta que professores, coordenadores e diretores devem fazer é: Com que objetivo vamos avaliar? Para formar pessoas ou futuros universitários? Para classificar e excluir alunos ou para ajudá-los a aprender? Para humilhá-los com suas dificuldades ou incentivá-los com suas conquistas? É importante frisar que não existe resposta certa ou errada. Ela está no projeto pedagógico de cada escola. Se a opção é selecionar os melhores e excluir os outros, então a melhor saída é a boa e velha prova. Caso o compromisso seja no sentido de incentivar o aluno a enfrentar desafios, então a conversa muda de rumo.

Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Ao contrário. "A escola ideal, que atenda à formação de cada um individualmente, não existirá nunca. Mas estabelecer que esse é o horizonte aumenta as chances de acertar o caminho", acredita Zabala. Celso Vasconcelos também entende que o sistema tradicional não atende aos objetivos da escola do terceiro milênio, mas acha que é possível democratizá-lo. "Se a nota for dinâmica e servir como indicadora da situação do aluno naquele momento, ela pode apontar rumos a seguir".

Idéias de mestre

"Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os docentes devem sempre se questionar sobre a melhor maneira de questionar sobre a melhor maneira de recuperar a aprendizagem"

Celso Vasconcelos
Íntegra da entrevista

"O professor tem de ser um misto de nutricionista e cozinheiro para elaborar refeições saudáveis e pratos apetitosos, ou seja, desenvolver atividades prazerosas e eficientes"

Antoni Zabala
Íntegra da entrevista

"É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes"

Luiz Carlos de Menezes

Incentivo ao aprender

É justamente o que faz Cristiane Ishihara. Ela criou um jeito próprio de melhor aproveitar o exame. Dias depois de aplicá-lo, ela o distribui novamente, em branco, e pede que cada aluno responda, para cada problema proposto, se:

fez e está seguro de que aprendeu;

fez, mas não está seguro de que tenha aprendido;

fez, mas tem certeza de que errou por ter-se confundido na resolução;

fez, mas tem certeza de que errou porque não aprendeu;

se não fez, qual o motivo.

"Essa foi a maneira que encontrei de colocar a prova a serviço dos estudantes", explica. Depois de tabular as respostas, ela detecta as dificuldades gerais da turma e as específicas de um determinado grupo, além do nível de segurança de cada um em relação aos conteúdos. Se a maioria apresentou deficiência, Cristiane ensina tudo de outra maneira. Se alguns não aprenderam, ela prepara exercícios para ser trabalhados em casa ou na sala de aula.

De mestre a parceiro

Esse método é elogiado por especialistas. "A dificuldade do aluno deve mesmo ser encarada como um desafio pelo professor", endossa Luiz Carlos de Menezes, físico, educador e um dos autores da matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "O importante é que a avaliação esteja fundamentada, explicando claramente aqueles tópicos em que o estudante avançou e quais ele ainda precisa trabalhar." Sem esquecer, é claro, de mostrar como isso pode ser feito.

Dessa maneira, o educador se torna um parceiro, que quer e vai ajudar: "É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes." Assim como Zabala e Vasconcelos, Menezes encara a prova com muitas restrições, pois ela geralmente é centrada na memorização e no uso de algoritmos e foca conteúdos científicos com dia e hora marcada para acontecer.

É por isso que muitos apontam o professor de Educação Infantil como um modelo a ser seguido. Todos os dias, ele oferece atividades diferentes e criativas para reter a atenção das crianças, orienta todo o trabalho, que geralmente é feito em grupo, e observa. Observa muito, e aí está o segredo. A cada dois ou três meses elabora um relatório para os pais, enumerando os pontos em que o aluno avançou e os que precisam ser trabalhados, tanto no que diz respeito a conhecimentos como a atitudes (conheça experiência do Colégio Pueri Domus na página 3).

Mas como olhar atentamente e conhecer bem cada estudante, se as classes têm 30 ou 40 deles e o professor tem duas ou três aulas por semana com diversas turmas, que mudam todos os anos? Já imaginou propor atividades diferentes de acordo com o nível de aprendizado e, ainda por cima, fazer um relatório personalizado no final de cada bimestre?

Sim, é possível fazer isso. A saída mais eficiente, dizem os especialistas, é propor trabalhos em grupo, que permitem observar melhor as atitudes individuais e coletivas. Menezes sugere ainda que se dê prioridade a estudos do meio, com propostas de atividades variadas, nas quais todos tenham a chance de explorar suas potencialidades. Um bom exemplo disso é o Colégio Lourenço Castanho, que organiza viagens com finalidades didáticas (leia sobre na página4).

Outro consenso é a importância da auto-avaliação. Ela está diretamente ligada a um dos objetivos fundamentais da educação: aprender a aprender. É óbvio que o próprio aluno tem as melhores condições de dizer o que sabe e o que não sabe, se um determinado método de ensino foi ou não eficaz no seu aprendizado e de que maneira ele acredita que pode compreender determinados conteúdos com mais facilidade. Para isso, basta conversar com a turma, de forma sincera e direta, ou fazer questionários onde todos possam expor livremente suas críticas e sugestões. Quanto mais freqüentes forem essas conversas mais rapidamente aparecerão os problemas e, o que realmente importa, as respectivas soluções. Para caminhar nessa direção, as escolas da rede municipal de João Monlevade, em Minas Gerais, estão se reinventando (página 5 desta reportagem).

"Disciplinas, espaço e tempo devem ser instrumentos da educação, não seus carrascos", resume Zabala. E você? Gostou do que leu nessa reportagem e quer transformar sua escola? Ouça o conselho de Zabala. "Se você quer mudar as formas de avaliar, parabéns. O passo mais importante para a mudança acaba de ser dado."

Que saber mais?

Contatos

Colégio Lourenço Castanho, R. Bueno Brandão, 283, CEP 04509-021, São Paulo, SP, tel. (11) 3842-2151

Escola Emilie de Villeneuve, R. Madre Emilie de Villeneuve, 331, CEP 04367-090, São Paulo, SP, tel. (11) 5563-8588

Escola Pueri Domus, R. Verbo Divino, 993-A, CEP 04719-001, São Paulo, SP, tel. (11) 5182-2155

Secretaria Municipal da Educação de João Monlevade, Av. Getúlio Vargas, 4798, CEP 35930-008, João Monlevade, MG, tel. (31) 3859-2094

Bibliografia

Avaliação Desmistificada, Charles Hadji, 136 págs., Ed. Artmed, tel. (51) 330-3444, 21 reais

Avaliação da Aprendizagem: Prática de Mudança, Celso Vasconcelos, 120 págs., Ed. Libertad, tel. (11) 5062-8515, 18 reais

Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente, Celso Vasconcelos, 120 págs., Ed. Libertad, 18 reais

Como Trabalhar Conteúdos Procedimentais em Aula, Antoni Zabala, 198 págs., Ed. Artmed, 34 reais

A Prática Educativa, Antoni Zabala, 224 págs., Ed. Artmed, 36 reais

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0138/aberto/mt_246908.shtml

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As crianças e a aprendizagem


As crianças e a aprendizagem

Essas perguntas são feitas entre os educadores há bem pouco tempo.
Antigamente, acreditava-se que as crianças aprendiam apenas recebendo informações de um professor. O professor explicava, ditava regras, mostrava figuras. A criança ouvia, copiava, decorava e devia aprender. Quando não aprendia, culpava-se a criança (desatenta, irresponsável) ou falta de "jeito" do professor.
Atualmente existem outras idéias sobre aprendizagem. Elas são o produto do trabalho de certos educadores e psicólogos que têm procurado responder as perguntas apresentadas no início deste texto. O campo de estudo desses pesquisadores chama-se Psicologia Cognitiva (piscologia é a ciência que estuda o pensamento e as emoções; a palavra cognitiva refere-se ao conhecimento).
Os conceitos da Psicologia Cognitiva aplicam-se ao conhecimento e à aprendizagem em geral e naturalmente valem para o conhecimento matemático. Essas idéias não negam completamente as idéias antigas sobre o aprendizado. É possível aprender recebendo informações, treinando e decorando regras. Mas, dessa maneira, a compreensão daquilo que se aprende costuma ser bem pequena. E esta é a diferença: o que se procura através da Psicologia Cognitiva é favorecer o aprendizado com compreensão.
Vamos exemplificar esta última afirmação. Experimentemos mostrar a uma criança duas bolachas iguais, uma inteira e a outra partida em quatro pedaços. Quase todas as crianças de cinco anos de idade vão dizer que as quantidades de bolacha não são iguais. Muitas vão achar que há maior quantidade na bolacha em pedaços. Já as crianças mais velhas reconhecerão facilmente que as quantidades são iguais.
Esse exemplo mostra um fato comum: em certos estágios do pensamento as crianças pensam que a disposição das partes altera a quantidade. Por isso, para as crianças pequenas, pode parecer que a quantidade de bolacha aumenta se ela for partida em pedaços.

Os pesquisadores da Psicologia Cognitiva também elaboraram idéias sobre o que é aprender. Eles declaram que aprender com compreensão é um processo pessoal, que acontece dentro da cabeça de cada um. Esse processo exige que o aprendiz pense por si próprio.
Assim, para a Psicologia Cognitiva, simplesmente receber informações de um professor não é suficiente para que o aluno aprenda com compreensão, porque, nesse caso, a criança fica passiva, não pensa com a própria cabeça.
A Psicologia estudou também quais objetos ou atividades ajudam a aprender. Ela tem mostrado que o pensamento e o aprendizado da criança desenvolvem-se ligados à observação e investigação do mundo. Quanto mais a criança explora as coisas do mundo, mais ela é capaz de relacionar fatos e idéias, tirar conclusões; ou seja, mais ela é capaz de pensar e compreender.
Por exemplo, as crianças que tiveram oportunidade de praticar relações comerciais (compras, pagamentos, trocas) costumam ser mais capazes de resolver problemas matemáticos envolvendo esses assuntos do que crianças que não tiveram tais experiências.



No caso da matemática parece ser mais difícil fazer a criança explorar o mundo à sua volta, porque as noções matemáticas nem sempre aparecem com clareza nas situações do cotidiano. Por isso, procura-se criar um mundo artificial que facilita a exploração pela criança.
Esse mundo artifical é constituído, em grande parte, por materiais concretos que a criança pode manipular, montar, etc. São objetos ou conjuntos de objetos que representam as relações matemáticas que os alunos devem compreender. Frisamos que as relações matemáticas não estão nos objetos em si. Elas podem se formar na cabeça da criança, desde que o material seja bem utilizado.
Exemplos desses materiais concretos são o ábaco e o material dourado, que já foram examinados por nós nos módulos anteriores. Eles são utilizados na aprendizagem das regras de nosso sistema de numeração e das técnicas operatórias, temas fundamentais da matemática nas séries iniciais do 1º grau.
Além do ábaco e do material dourado, existem muitos outros materiais que podem ser usados no aprendizado da matemática. Apesar da importância dos materiais na aprendizagem e da quantidade de escritos teóricos sobre eles, os materiais em si podem ser muito simples, facéis de construir e substituíveis (quando não se consegue obter um tipo de material, pode-se substituí-lo por outro, sem muita dificuldade).



Parece-nos necessário, porém, alertar o professor sobre alguns elementos importantes na utilização de materiais concretos.
Já dissemos que noções matemáticas se formam na cabeça da criança e não estão no próprio material. Dissemos ainda que o material favorece o aprendizado, desde que seja bem utilizado.
Vejamos o que significam essas duas afirmações, em termos práticos:
Primeiro, o material deve ser oferecido às crianças antes das explicações teóricas e do trabalho com lápis e papel. É preciso que os alunos tenham tempo e liberdade para explorar o material, brincar um pouco com ele, fazer descobertas sobre sua organização. Após algum tempo de trabalho livre, o professor pode intervir, propondo questões, estimulando os alunos a manifestarem sua opinião. Em resumo, são essenciais, neste início, a ação e o raciocínio do aluno, pois, como dissemos, é só ele mesmo que pode formar as noções matemáticas.
A partir da observação e manipulação, da troca de idéias entre alunos e entre estes e o professor é que as relações matemáticas começam a ser percebidas e enunciadas. O professor deve então, aos poucos, ir organizando esse conhecimento.
Para concluir, podemos dizer que a atitude adequada do professor, em relação ao uso do material concreto, decorre de ele conceder o ensino de matemática nas séries iniciais como um convite à exploração, à descoberta e ao raciocínio.

Fonte: http://educar.sc.usp.br/matematica/m4l2.htm

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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As doenças da educação


Há saídas para o problema
Depressão, distúrbios de voz e enfermidades osteomusculares: sob forte pressão social, o professor adoece muito. Reflete, mais do que tudo, os problemas da organização do trabalho
Rubem Barros

Dezembro. Ano letivo terminado ou em vias de sê-lo, hora de programar férias, vida familiar, viagens, convívio com os grupos de afinidade. Será mesmo? Ou é o momento de viver a angústia de saber se o contrato com a escola será renovado para o próximo ano, de sofrer pressões da chefia pela entrega das notas e dos alunos e familiares pelos conceitos que lhes serão atribuídos? Ao que parece, para os professores brasileiros das escolas públicas e privadas, por motivos inerentes a cada uma das redes, a descrição que envolve dúvida e tensão é mais próxima da realidade que a primeira, hoje quase um idílio natalino.
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As doenças da educação
Clique para ampliar (Ilustração: Alex Silva)


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É o que transparece quando se olha para a questão da saúde no ambiente escolar, marcado pelas queixas e pelo efetivo adoecimento de muitos professores. Identificado também por um imenso vazio no que diz respeito à instauração de políticas públicas que busquem, a partir da compreensão da atividade docente, valorizar processos e práticas que estimulem o cuidar-se e a construção de um espaço comum saudável, sob os aspectos físico e psíquico. E que leva os professores, muitas vezes, a abdicar do ato de educar, seja na busca de um ambiente em que haja menos pressão, seja por falta de comprometimento com seu ofício.

Se essa tônica de adoecimento em função da sobrecarga e da instabilidade do trabalho não é prerrogativa do universo da educação, nele ela se manifesta fortemente. Levantamento feito pela Secretaria de Gestão Pública do Estado de São Paulo em 2006 apontava a concessão de 139 mil licenças no ano, em um universo de 285 mil professores e funcionários, com 4,5 milhões de dias de trabalho perdidos. Nesse levantamento, aparecem como principais causas para a concessão das licenças os transtornos mentais (32,2%), as doenças do sistema osteomuscular (17,6%) e as do aparelho respiratório (7,4%), classificação em que, à falta de outra mais específica, imagina-se que estejam incluídas as doenças do aparelho fonador, que levam aos distúrbios de voz, comuns entre professores. O aparelho circulatório, principal causa de mortes entre a população em geral, veio a seguir, com 6,5%. Explicações adicionais sobre o documento poderiam elucidar, por exemplo, quais ocorrências se enquadram na categoria "lesões e envenenamentos" (6,8%), mas o assessor de imprensa da Secretaria, Marcelo Pawel, disse preferir esperar a conclusão de nova pesquisa e não indicou ninguém para explicar a que está disponível.

Estudo anterior, de 2003, encomendado pela Apeoesp, o sindicato estadual dos docentes paulistas, mostra a mesma prevalência de doenças, com pequenas mudanças na classificação: estresse (21,8%); problemas de voz (17,6%); tendinite (16,1%), bursite (8,7%); depressão (7,2%). O quadro mostra três áreas que trazem maior risco à prática docente: a da saúde psíquica, com ocorrência de estresse, depressão e síndrome de Burnout; do aparelho fonador, ligado ao uso sistemático da voz; e do aparelho osteomuscular, decorrente de questões posturais e do uso da lousa.

Dulcinea Rosemberg e Meri Gerlin, do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), autoras do estudo Diálogos sobre readaptação profissional em educação, que integra o livro Trabalho e saúde do professor (Autêntica, 2008), enfatizam as mudanças no mundo laboral contemporâneo. Para as pesquisadoras, são necessários câmbios num cenário "caracterizado pela precarização das relações de trabalho, pela contínua perda dos direitos de proteção ao trabalhador, pelas instáveis formas de contratação, pelo baixo investimento em processos de educação permanente e pelos fracos vínculos que os trabalhadores estabelecem nos e com os seus espaços-processos de trabalho".

No estudo Condições de trabalho e saúde dos professores da rede particular de ensino em Vitória da Conquista (BA), realizado em 2001 junto aos docentes dos dez maiores colégios privados da cidade, um grupo de pesquisadores, a maioria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, levantou os aspectos considerados negativos pelos docentes, com impacto no desenvolvimento de seu trabalho. Ritmo acelerado e ritmo frenético de trabalho (67,9% e 54,9%, respectivamente), posição inadequada e incômoda do corpo e de cabeça e braços (65,4% e 53,4%), atividade física rápida e contínua (63,8%) e longos períodos de intensa concentração em uma mesma tarefa (51,9%) foram os principais. Entre as queixas mais freqüentes, dores nos braços, ombros, pernas, cansaço mental, dor de garganta.

No mesmo trabalho, um dado revela que muitos problemas podem estar se agravando por falta de cuidados preventivos: "apenas 28% dos professores realizavam os exames médicos periódicos previstos na legislação", referência à Norma Regulamentadora 7, do Ministério do Trabalho, que trata das obrigações do contratante na "promoção e preservação da saúde do conjunto de seus trabalhadores". Pela norma, a periodicidade mínima para os exames médicos é de dois anos. Mas, dependendo do risco inerente à profissão, ela pode ser menor do que anual.

Públicas: longe da idéia de RH
Se em muitas escolas privadas o problema é seguir a legislação básica de saúde, nas redes públicas, onde os professores são "fregueses contumazes" dos médicos peritos, existe um problema de origem na organização administrativa entre as esferas de trabalho, como aponta o médico perito e atual coordenador-geral de Seguridade Social da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Sérgio Carneiro. Para ele, o fato de a perícia médica estar separada do órgão administrativo responsável pelas políticas dos recursos humanos contribui para a falta de ações que visem a saúde do trabalhador.

A psicanalista Sandra Almeida adverte: há aqueles que permanecem criativos e produtivos, mesmo sem condições ideais
Ou seja, a administração pública ainda parece distante da visão de que o trabalhador deve ter um rol variado de recompensas pelo seu trabalho. Restaram as antigas estruturas de atendimento ao servidor público, normalmente congestionadas e marcadas pela precariedade dos serviços. Com um acréscimo, no caso da educação: "fabricam-se coisas que são dadas como importantes em outras secretarias e isso é mandado para as escolas. Querem resolver todos os problemas da sociedade na escola - o trânsito, a família, diversas demandas sociais. Como se a escola fosse igual em todos os lugares e reproduzisse um modelo ideal de nação, pensado longe dela", reflete.

Para Carneiro, o que mais afeta a saúde no âmbito da educação é a organização do trabalho: as jornadas são muito longas, o número de alunos por classe é alto, há falta de material didático, alunos com dificuldades de aprendizagem e falta de infra-estrutura e meios para educá-los e, numa reação em cadeia, as chefias os pressionam cada vez mais.

Essa análise, assim como um dos antídotos para mudar esse quadro, é compartilhada pelos pesquisadores que tratam do tema. "Os docentes precisam ter um espaço de escuta institucional. É preciso democratizar as relações nas instituições. Pode-se substituir o giz, ter tratamento acústico, que são medidas importantes, mas isso não dá conta do problema. O cerne é a organização do trabalho", completa Carneiro.

Dulcinea Rosemberg, da Ufes, lembra que soluções paliativas, como a prescrição de readaptação (normalmente requisitada pelo próprio docente, que não agüenta mais desempenhar sua função), são respostas individualizadas para um problema que é coletivo/epidemiológico. "Além disso, não se trata apenas de indicar as situações que estão adoecendo os professores, mas também de pensar com eles um conceito de saúde que propicie novas normas de vida no trabalho", acrescenta.

Um dos meios para isso seria a criação de "espaços dialógicos", mas que não se contaminassem com o mesmo vírus da imobilidade presente às reuniões de ordem burocrática, diz a pesquisadora, que sugere a "composição de grupos cujos pares tenham objetivos comuns".

A parte e o todo
Mas, se ainda falta chegar a uma diagnose mais precisa, como aponta o médico especialista em saúde pública Herval Pina Ribeiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para quem a maioria dos estudos disponíveis não tem rigor epidemiológico, pois em geral partem da análise de uma doença específica, e não das condições do trabalho, os caminhos para a saúde não são só coletivos.

Sandra Almeida, da UCB, lembra que o adoecimento resulta do entrelaçamento das condições individuais, das "configurações subjetivas singulares do sujeito" e da esfera organizacional. "Há sujeitos que não adoecem no exercício profissional, permanecendo criativos, produtivos e gratificados ao longo dos anos, embora suas condições de trabalho não sejam as melhores", diz, contrapondo a visão de que, com o quadro atual, não há saídas.

Por essa via, não há receituário de ações, apenas o imperativo da reflexão e do autoquestionamento sobre como vencer os desafios cotidianos que nos traz a lida com outros seres humanos, sobretudo aqueles com os quais se devem manter práticas educativas. Uma saída positiva encontrada para essa questão foi relatada pelos pesquisadores Maria do Socorro Mariano, da Universidade Tiradentes, e Hélder Muniz, da Universidade Federal Fluminense, no artigo Trabalho docente e saúde: o caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, publicado em 2006 na revista Estudos e Pesquisas em Psicologia, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

No trabalho, Socorro e Muniz discorrem sobre as estratégias defensivas encontradas por professores de uma escola da rede municipal de João Pessoa/PB. Para subverter um quadro de falta de material didático e indisciplina dos alunos, entre outras queixas, as docentes da escola descreveram suas estratégias de enfrentamento da questão. Elas iam desde a criação de momentos de descontração em que utilizavam o canto, as conversas e brincadeiras, a uma "regra de ofício" bastante enfatizada: o domínio da turma. Para chegar a ela, as docentes relatavam alguns pré-requisitos necessários: especialização técnica em relação à disciplina ministrada, com requalificação profissional constante, planejamento e preparo antecipado das aulas e boa exposição dos conteúdos em sala. "Ter esse domínio", relatam os pesquisadores, "significa menos angústia e maior controle da situação em sala de aula, com condições mais favoráveis de exercer a atividade de ensinar e de se relacionar com as alunos."

As intenções reveladas por professores, gestores escolares ou pela sociedade em geral em seus discursos, de dar prioridade à educação e à formação dos indivíduos como cidadãos, ganhariam muito se fossem alinhadas com atitudes coerentes. O choque entre discurso e ação, entretanto, parece produzir um ambiente de esquizofrenia coletiva. Coerência, criação de espaços compartilhados de elaboração e discussão de práticas e, sobretudo, disposição educativa parecem ser ingredientes sob medida para que outros meses de dezembro possam servir como fechamento de um ciclo e momento de reaver forças para janeiros vindouros.

PARA SABER MAIS

Educação, carinho e trabalho, de Wanderley Codo, Vozes, 2002;
Mal-estar na educação: o sofrimento psíquico de professores, de Sandra Conte de Almeida e Rosana de Aguiar, Editora Juruá, 2008;
Por uma psicologia do trabalho, de Wanderley Codo, Vozes, 2006;
Profissão professor - O itinerário profissional e a construção da escola, de Antonio Bolívar, Edusc, 2002
Psicodinâmica do trabalho - Contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho, de Dejours, Abdoucheli e Jayet, Atlas, 1994;
Trabalho e saúde do professor: cartografias no percurso, de Maria Elizabeth de Barros, Ana Heckert e Lílian Margoto (organizadoras), Autêntica, 2008.

Veja também:
Mão dupla
Desde o império
Cartografias no Percurso


- B de Bush
- É brincando que a gente aprende
- O apartheid educacional
- Duplo endereço

Fonte: REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 140

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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Saberes diferentes

Saberes diferentes

Foto de barqueiro transportando duas pessoas
Em um rio largo, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Em uma das viagens, iam um advogado e uma professora. Como quem gosta de falar muito, o advogado pergunta ao barqueiro:

- Companheiro, você entende de leis?
- Não! Respondeu o barqueiro.

E o advogado compadecido:
- É uma pena, você perdeu metade da vida!

A professora muito social entra em conversa:
- Seu barqueiro, você sabe ler e escrever?
- Também não. Responde o remador.
- Que pena! - lamenta-se a mestre. Você perdeu metade da vida.

Nisso chega uma onda bastante forte e vira o barco.
O canoeiro preocupado, pergunta:
- Vocês sabem nadar?
- Não! Respondem eles rapidamente.
- Então é uma pena.

E conclui o barqueiro
- Vocês perderam toda a vida!!!!

"Não há saber mais ou menos: há saberes diferentes." (Paulo Freire)

MORAL DA HISTÓRIA:

Valorize todas as pessoas com quem tem contato. Cada uma tem algo diferente para ensinar.

Fonte: http://www.senado.gov.br/sf/senado/portaldoservidor/jornal/jornal69/moral_historia.aspx

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domingo, 14 de dezembro de 2008

O QUE É LÍNGUA?


O QUE É LÍNGUA?

Ricardo Schütz
7 de fevereiro de 2008

WHAT IS LANGUAGE?

A language is a complete, complex, changing, arbitrary system of primarily oral symbols learned and used for communication within the cultural framework of a linguistic community. (Hector Hammerly, 26)


A language is the system of symbols with the most general meanings of any used by humans. These symbols are transmitted, usually as strings of sounds, one after another. They are used to communicate or store information, or even to design and think. The scientific study of the nature and structure of languages is called linguistics.

The symbols are words, and their meanings cover everything we humans deal with. Language is not perfect: it may not be good at describing the sensations we feel when riding a bike, but it's the best description we have. Music -- which is not language -- may be used to symbolize emotions, but without words music cannot tell you how to bake a cake.

When the symbols are transmitted only between locations in the brain, we are thinking in language. When the symbols are converted into sounds and the sounds are heard by others, we are talking or communicating. When the symbols are converted into bits in a computer or printed on paper, or when we write, we are storing information. (Thomas Eccardt)


O QUE É LÍNGUA?

Sob um aspecto técnico-analítico, línguas são sistemas de comunicação:
  • criativos;
  • arbitrários;
  • fundamentalmente orais, complementarmente gráficos;
  • compostos de símbolos com significados convencionalizados;
  • que ocorrem dentro de uma determinada comunidade ou cultura, estando a ela intrinsecamente ligados;
  • ao alcance de qualquer ser humano e assimilados intuitivamente por todos, de forma semelhante;
  • possuindo, diferentes línguas, entre si, características universais.

Quanto à sua essência, línguas são fenômenos inerentes ao ser humano e semelhantes a ele próprio: sistemáticos porém complexos, arbitrários, irregulares, mostrando um acentuado grau de tolerância a variações, repletos de ambigüidades, em constante evolução aleatória e incontroláveis.

Quanto à sua origem, línguas são habilidades criadas por sociedades humanas, fruto da interação de seus membros.

Quanto à sua função, línguas podem ser definidas como sistemas de representação cognitiva do universo através dos quais as pessoas constroem suas relações. (Como uma freqüentadora de nosso site colocou, sem ter citado entretanto a fonte.) É um reflexo criativo influenciado pela cultura de seus falantes. Língua é também o principal instrumento de desenvolvimento cognitivo do ser humano. Como Vygotsky sustentou, existe uma profunda interdependência entre linguagem e pensamento, um fornecendo subsídios ao outro. Palavras que não representam uma idéia são como uma coisa morta, da mesma forma que uma idéia não incorporada em palavras não passa de uma sombra.

Língua e pensamento são um reflexo criativo.
Language is a system of cognitive representation of the universe.
It is a creative reflection influenced by the culture of its speakers.

O QUE É FLUÊNCIA EM LÍNGUAS?

Fluência oral é o aspecto mais importante da habilidade lingüística. Refere-se à continuidade de produção oral e intelectual da pessoa e reflete sua capacidade funcional quando interage em ambientes da língua e da cultura em questão. Representa um grau inverso ao número de interrupções, idéias não concluídas, falta de clareza e constrangimentos causados por diferenças culturais. Embora dependa de habilidades específicas como pronúncia, familiaridade com estruturas gramaticais e vocabulário, pode também ser influenciada pelo grau de interferência da língua materna e falta de familiaridade com a cultura, bem como por fatores psicológicos como inibição, perfeccionismo (excessiva preocupação com a forma em detrimento do conteúdo), preconceito lingüístico, etc. A fluência é difícil de ser medida e qualquer método de avaliação será inevitavelmente subjetivo em grande parte.

BIBLIOGRAFIA

Brown, H. Douglas. Principles of Language Learning and Teaching. Prentice Hall Regents, 1994.
Eccardt, Thomas. The Museum of Human Language . Online. January 14, 2002.
Hammerly, Hector. Synthesis in Second Language Teaching. An Introduction to Languistics. Blaine, Wash.: Second Language Publications, 1982.
Vygotsky, L. S. Thought and Language. Cambridge, MA: The M.I.T. Press, 1985.

Fonte: Schütz, Ricardo. "O que é língua?." English Made in Brazil . Online. 14 de dezembro de 2008.

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sábado, 13 de dezembro de 2008

A IDADE E O APRENDIZADO DE LÍNGUAS.


A IDADE E O APRENDIZADO DE LÍNGUAS

Já na Babilônia e no antigo Egito o homem procurava entender a complexidade de suas habilidades cognitivas, e especialmente a capacidade de assimilar e usar línguas.

Hoje, o que se aceita de forma geral, com base no que as ciências da neurolingüística, da psicologia e da lingüística oferecem, é uma série de hipóteses que procuram explicar esta habilidade exclusiva do ser humano. Essas hipóteses são resultado de estudos científicos que ajudam a explicar, não só o desempenho cognitivo do ser humano, mas também as diferenças entre crianças e adultos.


A IDADE CRÍTICACritical age chart

Parece não haver dúvida de que existe uma idade crítica, a partir da qual o aprendizado começa a ficar mais difícil e o teto começa a baixar. Este período parece situar-se entre os 12 e os 14 anos, podendo entretanto variar muito conforme a pessoa e, principalmente, conforme as características do ambiente lingüístico em que o aprendizado ocorre. As limitações que começam a se manifestar a partir da puberdade são fundamentalmente de pronúncia, como mostra o gráfico ao lado.

    O estudo dos diferentes fatores que afetam o desenvolvimento cognitivo do ser humano pode ajudar a explicar o fenômeno da idade crítica. Os principais fatores são:

  • fatores biológicos
  • fatores cognitivos
  • fatores de ordem afetiva
  • o ambiente e o input lingüístico
  • FATORES BIOLÓGICOS

    Os órgãos diretamente envolvidos na habilidade lingüística do ser humano são o cérebro, o aparelho auditivo e o aparelho articulatório (cordas vocais, cavidades bucal e nasal, língua, lábios, dentes). Destes, sem dúvida, o cérebro é o mais importante.

  • A hipótese da lateralização do cérebro - Pesquisas no campo da neurologia demonstram que os dois hemisférios cerebrais desempenham diferentes funções. O lado esquerdo é o lado lógico, analítico; enquanto que o direito é o lado criativo, artístico, sensível à música, responsável pelas emoções e especializado em percepção e construção de modelos e estruturas de conhecimento. O hemisfério direito seria, por assim dizer, a porta de entrada das experiências e a área de processamento dessas experiências para transformá-las em conhecimento.

Sabe-se também que a lateralização do cérebro ocorre a partir da puberdade. Ou seja, no cérebro de uma criança os dois hemisférios estão mais interligados do que no cérebro de um adulto, correspondendo esta interligação ao período de aprendizado máximo. A assimilação da língua ocorreria via hemisfério direito para ser sedimentada no hemisfério esquerdo como habilidade permanente. Portanto, o desempenho superior das crianças estaria relacionado à maior interação entre os dois hemisférios cerebrais.

  • Acuidade auditiva - É sabido que crianças e adolescentes possuem uma acuidade auditiva superior. Fato curioso e ilustrativo disto, é a recente controvérsia na Inglaterra a respeito de um dispositivo, lançado no mercado em 2006, que emite um son desagradável aos ouvidos, som este que só crianças e jovens de até 25 anos conseguem ouvir. O aparelho tem sido usado para evitar aglomeração de jovens frente a lojas, escolas, etc. Notícia recentemente publicada em um site de notícias diz:

    Ultrasonic anti-teen device - Feb 12, 2008
    The creators of a pioneering device that uses high-frequency sound to stop teenagers congregating outside shops, schools and railway stations reacted angrily today to news that the government-appointed Children's Commissioner wants to see it banned.
    The £500 Mosquito device has been installed at some 3,500 locations across the country since it first went on sale in January 2006. It emits an irritating, high-pitched sound that can only be heard by children and young people up into their early twenties, forcing them to move on.
    (Their sound causes discomfort to young ears - but their frequency is above the normal hearing range of people over 25.)
    But Sir Albert Aynsley-Green, the Children's Commissioner for England appointed to represent the views of the country’s 11 million children, has set up a campaign – called Buzz Off – that is calling for the Mosquito to be banned on grounds that it infringes the rights of young people.

    Meanwhile in the US students are using a new ring tone to receive messages in class — and many teachers can't even hear the ring.
    Some students are downloading a ring tone off the Internet that is too high-pitched to be heard by most adults. With it, high schoolers can receive text message alerts on their cell phones without the teacher knowing.
    As people age, many develop what's known as aging ear — a loss of the ability to hear higher-frequency sounds.

Além da capacidade auditiva superior, uma provável maior flexibilidade muscular do aparelho articulatório também ajudaria a explicar o fenômeno da marcante superioridade infantil no processo de assimilação de línguas.

FATORES COGNITIVOS

Formação da matriz fonológica - O adulto monolíngüe, por já possuir uma matriz fonológica sedimentada, se caracteriza por uma sensibilidade auditiva amortecida, treinada a perceber e produzir apenas os fonemas do sistema de sua língua materna. A criança, por sua vez, ainda no início de seu desenvolvimento cognitivo, com filtros menos desenvolvidos e hábitos menos enraizados, mantém a habilidade de expandir sua matriz fonológica, podendo adquirir um sistema enriquecido por fonemas de línguas estrangeiras com as quais vier a ter contato.

Assimilação natural x extudo formal - Uma diferença importante entre crianças e adultos quanto à suas habilidades cognitivas, é que o adulto já passou por grande parte de seu desenvolvimento cognitivo. Com um caminho maior já percorrido e uma bagagem maior acumulada, o adulto tem a capacidade de lidar com conceitos abstratos e hipotéticos, enquanto que a cognição das crianças, ainda em fase de construção, depende fundamentalmente de experiências concretas, de percepção direta. Isto explica a capacidade superior dos adultos de compreender a estrutura gramatical da língua estrangeira e de compará-la à de sua língua materna. Explica também a tolerância superior dos adultos quando submetidos a situações artificiais com o propósito de exercitarem línguas estrangeiras, bem como a tendência de buscar simples transferências no plano de vocabulário, com ajuda de dicionários.

Stephen Krashen, em sua hipótese learning/acquisition, estabelece uma distinção clara entre learning (estudo formal - receber e acumular informações e transformá-las em conhecimento por meio de esforço intelectual e de capacidade de raciocínio lógico) e acquisition (desenvolver habilidades funcionais através de assimilação natural, intuitiva, inconsciente, nas situações reais e concretas de ambientes de interação humana) e sustenta a predominância de acquisition sobre learning no desenvolvimento de proficiência em línguas.

Krashen defende a importância maior de acquisition sobre learning referindo-se a adolescentes e adultos. Considerando que acquisition está mais intimamente ligado aos processos cognitivos do ser humano na infância, é lógico e evidente deduzirmos que acquisition é ainda mais preponderante no caso do aprendizado de crianças.

Portanto, se proficiência lingüística pouco depende de conhecimento armazenado, mas sim de habilidade assimilada na prática, construída através de experiências concretas, fica com mais clareza explicada a superioridade das crianças no aprendizado de línguas.

A HIPÓTESE DA HARPAZ

A hipótese de Harpaz é a mais esclarecedora. A aquisição da fala e a descoberta do mundo são processos paralelos para a criança. A interação lingüística da qual a criança participa proporciona a maioria dos dados nesse processo de desenvolvimento cognitivo. Como conseqüência, as estruturas neurais no cérebro que correspondem aos conceitos que vão sendo aprendidos acabam naturalmente e intimamente associadas às estruturas neurais que correspondem às formas da língua.

Quando um adulto aprende uma língua estrangeira, seus conceitos (já formados) já possuem estruturas neurais fixas associadas às formas da língua materna. As estruturas neurais correspondentes às novas formas da língua estrangeira não possuem relação com as estruturas dos conceitos já formados, sendo esta uma associação mais difícil de ser estabelecida. É por isto que, no aprendizado de adultos, as dificuldades causadas pela interferência da língua materna são maiores.

A respeito do aprendizado de línguas na infância e da interferência da língua materna, Harpaz diz:

Humans are born with an ability to comprehend and generate all kinds of phonemes, but during childhood (starting from birth, and maybe before) this ability is shaped by experience such that only the phonemes of the native language are easily comprehended and generated. In adults, these abilities are much less plastic, so adult learners of a new language find it specially difficult to comprehend and generate the phonemes of the new language that are not used in their native language.

At the time of learning to speak, the child learns to understand the world, and linguistic interaction forms most of the data in this learning. As a result, the learned neural structures that correspond to concepts tend to be associated with the neural structures that correspond to the words (by Hebbian mechanisms).

When an older person learns a language, the concepts already have neural structures, which are quite fixed. The neural structures corresponding to the words in the new language, which are determined by the perceptual input, have no relations to the former structures, and hence the association is relatively difficult to learn.

In learning a new language, the learner is not only required to perform new sequences of mental and motoric operations, but is also required not to perform the old ones. The old sequences are very thoroughly learned through practice, so it is very difficult to avoid performing them. Thus older second language learners find it very difficult not to slip back into their old language, both in terms of motoric actions (pronunciation) and mental actions (syntax structures, phrases etc.). For a young child, this is much less of a problem, because his/her language performance is much less practiced.

(Harpaz, Yehouda. http://human-brain.org/myths.html. Online. Dec 1, 2007)

FATORES AFETIVOS E PSICOLÓGICOS

A hipótese conhecida como affective filter, também de Stephen Krashen, explica que fatores de ordem psicológico-afetiva podem causar um impacto direto na capacidade de aprendizado, tais como:

  • desmotivação: é a ausência de motivo espontâneo, causada por programas não autenticados pela presença da cultura estrangeira e que não representam desafio. Também freqüentemente causada pela frustração de não se ter alcançado proficiência através do estudo formal ou pelo insucesso em sistemas de avaliação (exames, notas, etc.). Experiências anteriores de resultados negativos, podem desencorajar o aluno de uma nova tentativa. Aquele que não se identifica com a cultura estrangeira, - ou que às vezes até a despreza, - normalmente por falta de informação a respeito da mesma, estará desmotivado para aprender sua língua. Já a criança, por natureza tem um alto grau de curiosidade pelo desconhecido e forte sintonia com tudo no ambiente que a rodeia.

  • perfeccionismo: tendência a preocupar-se excessivamente com a forma, e idéia radicalizada do conceito de certo e errado em se tratando de línguas. A pessoa prefere não correr o risco de cometer deslizes.

  • falta de autoconfiança: talvez causada por traumas durante a educação recebida em casa ou na escola, e pela radicalização do conceito de certo e errado em se tratando de línguas. A pessoa que tem uma boa imagem de si próprio e autoconfiança, é por natureza mais experimentador e descobridor.

  • dependência da eloqüência: A precisão e elegância no falar é uma conquista alcançada ao longo da vida, fruto de uma carreira acadêmica. Essa habilidade com nossa língua materna representa segurança e poder, dos quais é difícil abrir mão. Isso torna a tarefa de começar de novo na língua estrangeira, do quase nada, de forma rudimentar, como se pouco inteligente fôssemos, extremamente frustrante.

  • autoconsciência: consciência da própria imagem; capacidade de imaginar o que os outros podem pensar e preocupar-se com isso.

  • ansiedade: causada pela expectativa excessiva de obtenção de resultados.

  • provincianismo: atitude de se fechar naquilo com que se identifica, seu jeito de ser e de falar; de se sentir inseguro fora deles - problema freqüentemente observado em adolescentes.

Ora, todos esses bloqueios são resultado da vida pregressa do indivíduo, podendo ocorrer portanto unicamente em adolescentes e principalmente adultos. Fica, pois, novamente evidenciado que as crianças, ainda livres de tais bloqueios, devem ter uma capacidade de assimilação superior à dos adultos.

O AMBIENTE E O INPUT LINGÜÍSTICO

Krashen, em sua comprehensible input hypothesis, sustenta que assimilação de línguas ocorre em situações reais, quando a pessoa está exposta a uma linguagem que esteja um pouco acima (não muito acima) de sua capacidade de entendimento. Ora, é natural que quando adultos se dirigem à crianças, usam um linguajar próprio, modificado tanto no plano estrutural como no vocabulário, para se aproximar ao nível de compreensão da criança. Já nos ambientes em que adultos vivem, eles não recebem o mesmo tipo de tratamento. Uma vez que são adultos, seu universo de pensamento e linguagem é mais amplo; ou seja, o caminho já desbravado é maior e a linguagem, por eles almejada e a eles dirigida, tende a ser mais complexa e os conceitos mais abstratos, facilmente se situando além de seu nível de entendimento.

Desta forma, podemos concluir que os ambientes de convívio das crianças são, por natureza, mais propícios ao aprendizado de línguas do que os ambientes dos adultos.

CONCLUSÕES:

  • Linguagem é um elemento de relacionamento humano e todos desenvolvem proficiência em línguas estrangeiras mais através de acquisition (desenvolvimento de habilidades através de assimilação natural, intuitiva, inconsciente, em ambientes de interação humana) do que de learning (estudo formal - memorizar informações e transformá-las em conhecimento através de esforço intelectual), especialmente crianças. Portanto, línguas não podem ser ensinadas, mas serão aprendidas se houver o ambiente apropriado.

  • Crianças assimilam línguas com mais facilidade, porém têm grande resistência ao aprendizado formal, artificial e dirigido. As crianças, mais do que os adultos, precisam e se beneficiam de contato humano para desenvolver suas habilidades lingüísticas. Entretanto, se perceberem que a pessoa que deles se aproxima fala a língua materna, dificilmente se submeterão à difícil e frustrante artificialidade de usar outro meio de comunicação. Elas só procuram assimilar e fazer uso da língua estrangeira em situações de autêntica necessidade, desenvolvendo sua habilidade e construindo seu próprio aprendizado a partir de situações reais de interação em ambiente da língua e da cultura estrangeira. Portanto, a autenticidade do ambiente, principalmente na pessoa do facilitador, é mais importante do que o caráter das atividades (lúdicas ou não), e ambos são mais importantes do que qualquer planificação didática predeterminada.

  • O ritmo de assimilação das crianças é mais rápido e, o teto, mais alto.

  • Existe uma idade crítica (12 a 14 anos), a partir da qual o ser humano gradativamente perde a capacidade de assimilar línguas ao nível de língua materna. Essa perda é mais perceptível na pronúncia. Até os 12 ou 14 anos de idade, a criança que tiver contato suficiente com o idioma, o assimilará de forma tão completa quanto a língua materna.

  • No nosso caso (brasileiros que vivem no Brasil), onde ambientes autênticos de língua e cultura estrangeira são raros, decisões a respeito do aprendizado de inglês de crianças devem ser baseadas menos na idade e mais na oportunidade. De nada adiantará colocar a criança cedo em contato com uma língua estrangeira se o modelo oferecido for caracterizado por desvios e ausência de valores culturais – é melhor esperar por uma oportunidade melhor.

  • É grande a responsabilidade ao se colocar crianças, que ainda não atingiram a idade crítica, em clubes, cursinhos ou escolinhas que oferecem inglês. Se os instrutores tiverem uma proficiência limitada, com sotaque e outros desvios que normalmente caracterizam aquele que não é nativo, todos os desvios serão transferidos à criança, podendo causar danos irreversíveis a seu potencial de assimilação. Seria como colocar a gema bruta nas mãos de um lapidador aprendiz. Veja Sinalização Fonética.

  • Atividades que expõem a criança ao sistema ortográfico do inglês, o qual se caracteriza por extrema irregularidade e acentuado contraste em relação ao português, são prejudiciais. Veja Correlação Ortografia x Pronúncia.

  • Uma vez que o momento ideal de se alcançar proficiência em línguas estrangeiras é a idade escolar e, sendo bilingüismo uma qualificação básica do indivíduo na sociedade moderna, compete às escolas de ensino fundamental e médio proporcionar ambientes autênticos de language acquisition.

  • É grande a responsabilidade do poder público em abrir urgentemente as fronteiras culturais, facilitando a vinda de falantes nativos de línguas estrangeiras através de um enquadramento legal específico e burocracia simplificada, bem como incentivando a criação de organizações voltadas a intercâmbio lingüístico e cultural e promovendo a isenção fiscal das mesmas.



BIBLIOGRAFIA
Bialystok, Ellen. "Effects of Bilingualism and Biliteracy on Children's Emerging Concepts of Print". Developmental Psychology, Vol. 33, No. 3.
Brown, H. Douglas. Principles of Language Learning and Teaching. Prentice Hall Regents, 1994.
Clampitt, Sharon. Age and the Acquisition Process. Inter American University of Puerto Rico.
Fromkin, Victoria and Robert Rodman. An Introduction to Language. Fort Worth, TX: Harcourt Brace College Publishers, 1974.
Harpaz, Yehouda. "Myths and misconceptions in Cognitive Science". Human Cognition in the Human Brain. . Online. Nov 1, 2003.
Krashen, Stephen D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Prentice-Hall International, 1987.
Krashen, Stephen D. Second Language Acquisition and Second Language Learning. Prentice-Hall International, 1988.


Schütz, Ricardo. "A Idade e o Aprendizado de Línguas." English Made in Brazil . Online. 13 de dezembro de 2008.

Fonte: http://www.sk.com.br/sk-apre2.html

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