sábado, 18 de outubro de 2014

Noções iniciais das crianças sobre probabilidade



Noções iniciais das crianças sobre probabilidade


Alina Galvão Spinillo
Universidade Federal de Pernambuco. Mestrado em Psicologia (área de concentração: Psicologia Cognitiva) do Departamento de Psicologia


Estudos acerca das habilidades cognitivas em crianças tendem a enfatizar mais os limites cognitivos do pensamento infantil do que as noções emergentes. Talvez por uma influência da teoria piagetiana, a lógica da criança tem comumente sido tratada como a ausência de habilidades cognitivas poderosas, concebidas como específicas do pensamento adulto e adolescente como, por exemplo, os conceitos de proporção e probabilidade. Entretanto, há evidências de que estes conceitos fazem parte do repertório cognitivo de crianças.
O conceito de proporção envolve relações entre relações, denominadas relações de segunda-ordem que são o cerne do pensamento proporcional. Piaget e colaboradores (Piaget e Inhelder, 1975; Inhelder e Piaget, 1958), a partir de diversas investigações, concluíram que as dificuldades das crianças em tarefas de proporção decorrem basicamente da incapacidade em estabelecer as relações de segunda-ordem, habilidade esta adquirida apenas no período das operações formais. Entretanto, estudos diversos demonstram que crianças, desde os 6 - 8 anos, são capazes de: 1. fazer julgamentos proporcionais (Brown e Müller, 1976; Müller, 1978, 1979; Tourniaire, 1986; Spinillo, 1990, 1992, 1993a, 1993b; Spinillo e Bryant, 1989(1), 1990(2), 1991); 2. se beneficiar de treinamento envolvendo o conceito de proporção (Siegler e Vago, 1978; Müller, 1979); e 3. aprender sobre proporção a partir de estimativas e de experiências perceptuais desenvolvidas em sala de aula (Brink e Streefland, 1979).
Os estudos conduzidos por Spinillo e Bryant, por exemplo, consistentemente indicam que aos 6 anos a criança estabelece julgamentos proporcionais, estruturando relações de segunda-ordem em tarefas não-numéricas que envolvem relações parte-parte (razão) ao invés de relações parte-todo (fração). Ao explicitar seus julgamentos, as crianças forneciam justificativas que demonstravam a capacidade para estabelecer relações de segunda-ordem. Verificou-se ainda que as crianças usavam o referencial "metade" como estratégia em seus julgamentos para decidir acerca da equivalência ou não-equivalência entre as razões apresentadas na tarefa.
O conceito de probabilidade tem também sido objeto de investigação em diversas pesquisas. Um estudo clássico na literatura é a tarefa de quantificação de probabilidades (Piaget e Inhelder, 1975) que consiste em decidir qual de dois montes de cartas (formados por cartas com e sem cruz) apresenta a maior chance de tirar uma carta com cruz, ou se a chance é a mesma nos dois montes. A composição de cada monte é representada por uma fração onde o numerador corresponde ao número de cartas marcadas com uma cruz (casos favoráveis) e o denominador corresponde ao número total de cartas no monte (casos possíveis). Diversos estágios foram observados na aquisição deste conceito, sendo a probabilidade considerada uma aquisição própria das operações formais. Segundo os autores, as dificuldades com este conceito decorrem do fato de a criança basear suas escolhas no número absoluto de casos favoráveis, escolhendo o monte com o maior número de cartas com cruz e, sobretudo, por não estabelecer relações entre os dois montes a partir do número de cartas com cruz (casos favoráveis) e o número total de cartas em cada monte (casos possíveis).
Estes exemplos sobre a proporção e probabilidade caracterizam os limites do pensamento da criança. Outras evidências, como mencionado, apresentam um quadro mais otimista acerca das habilidades cognitivas das crianças, abrindo espaço, na pesquisa psicológica, para a investigação de fenômenos cognitivos considerados inacessíveis ao pensamento infantil. E nesta perspectiva que se insere o presente estudo, procurando explorar as noções iniciais de crianças acerca de conceitos tradicionalmente concebidos como restritos ao pensamento operacional formal, especificamente, o conceito de probabilidade.
Comentários podem ser feitos acerta de outras possíveis razões para as dificuldades das crianças em tarefas de proporção e de probabilidade. Analisando a natureza das tarefas usualmente adotadas nas pesquisas na área, nota-se que a maioria destas tarefas requer quantificações e cálculos numéricos precisos para sua resolução, adota um paradigma experimental do tipo julgamento e escolha de uma dentre duas alternativas, e requer o estabelecimento de relações do tipo parte-todo que são mais difíceis de serem compreendidas por crianças do que as relações parteparte. Quanto ao conceito de proporção, verificou-se que crianças desde os 6 anos são capazes de resolver satisfatoriamente tarefas de proporção quando os aspectos acima mencionados são considerados no estudo. Ocorreria o mesmo com o conceito de probabilidade? Seriam as crianças capazes de resolver tarefas de probabilidade se:
- fossem solicitadas a realizar algo ao invés de julgar a possibilidade de ocorrência de um dado evento, como, por exemplo, construir arranjos ao invés de julgálos? Neste caso, a questão que se coloca refere-se à natureza do paradigma experimental e da própria tarefa apresentada;
- tivessem que lidar com estimativas ao invés de realizar cálculos numéricos precisos? O questionamento refere-se à natureza das quantidades;
- pudessem estabelecer relações do tipo parte-parte (casos favoráveis vs. casos possíveis), ao invés de relações do tipo parte-todo (casos favoráveis e casos possíveis)? Neste caso, o ponto de questionamento refere-se à natureza das relações envolvidas.
Assim, três aspectos são colocados em perspectiva acerca das tarefas de probabilidade: a natureza do paradigma experimental, as quantidades usadas e as relações envolvidas.
Para responder a estas questões, discutiremos os resultados de alguns estudos acerca das habilidades de crianças em tarefas de probabilidade.

O CONCEITO DE PROBABILIDADE EM CRIANÇAS
Diversos estudos apontam para a existência de noções sobre probabilidade desde muito cedo (Yost, Siegel e Andrews, 1962; Davies, 1965; Goldberg, 1966). Nestes estudos, sob certas condições, crianças de 4-5 anos de idade apresentam uma compreensão da probabilidade. Isto leva-nos a perguntar sob que condições a criança poderia expressar suas noções iniciais sobre probabilidade. Estas condições dizem respeito a diversos aspectos da tarefa.
A Natureza do Paradigma Experimental em Tarefas de Probabilidade
Analisando a literatura na área, observam-se dois tipos de paradigmas experimentais usados na investigação do desenvolvimento da noção de probabilidade. O uso de um ou de outro paradigma tem indicado diferentes níveis de compreensão por parte da criança acerca deste conceito.
O paradigma do procedimento de escolha
Este procedimento consiste em apresentar dois arranjos e solicitar que a criança decida se a chance de conseguir um determinado elemento em um arranjo A é maior, menor ou a mesma que no arranjo B. Este paradigma foi freqüentemente usado por Piaget.
Uma das principais conclusões destes estudos apontam, como causa do insucesso em tarefas de probabilidade, o fato de que as crianças operacionais concretas não consideram o denominador das frações em seus julgamentos (número total de itens em um conjunto, i.e., casos possíveis), atentando apenas para o papel desempenhado pelo numerador (número de itens desejados, i.e., casos favoráveis). Passagens de protocolos descritos por Piaget e Inhelder (1975) ilustram este fato; segundo eles, as crianças tendem a comparar os casos favoráveis em ambos os arranjos, escolhendo aquele que possui um maior número de casos favoráveis, desconsiderando o número total de elementos em cada arranjo.
O paradigma da metodologia de medida funcional
Partindo de uma abordagem de processamento de informação, Anderson (1980) e Wilkening e Anderson (1982) utilizam o paradigma da metodologia de medida funcional. Este paradigma permite que a criança integre as informações relevantes para a resolução de uma dada tarefa, sendo necessário, para isso, que tais informações sejam igualmente enfatizadas. No caso da probabilidade, é importante considerar tanto a informação sobre o número de casos favoráveis (numerador), quanto aquela sobre o número de casos possíveis (denominador). Quando a criança considera os dois componentes em seus julgamentos, diz-se que ela integra a informação.
Acredolo, O'Connor, Banks e Horobin (1989) criticam o paradigma do procedimento de escolha, afirmando que ele é inadequado para detectar as reais habilidades da criança sobre a probabilidade, visto que este paradigma leva o sujeito a considerar apenas o numerador (casos favoráveis) em seus julgamentos, desconsiderando o papel desempenhado pelo denominador (casos possíveis). Segundo estes autores, o paradigma de escolha não detecta, ou pelo menos desencoraja, o aparecimento de regras que a criança já poderia usar para resolver tarefas de probabilidade. Anderson (1980) propõe o uso do paradigma de medidas funcionais que, segundo ele, permite a integração da informação por parte da criança, i.e., integrar numerador e denominador em tarefas de estimativa da probabilidade. Esta hipótese foi testada em dois estudos com crianças de 7 a 11 anos de idade.
O Estudo 1 consistiu em estimar a chance de conseguir uma determinada cor de bombom em um saquinho, indicando as estimativas em uma escala ('Carinha Feliz'), que variava desde uma face sorridente (muita chance) até uma face tristonha (pouca chance). Diversos saquinhos foram apresentados, um por vez, cada um contendo no máximo três diferentes cores de bombons. Usando o paradigma de medida funcional, a criança tinha que estimar o nível de chance em dois tipos de itens:
• o numerador variava e o denominador permanecia constante (exemplo: 1/6, 2/6 e 3/6; 1/8,2/8 e 3/8), salientando, assim, o efeito do numerador; e
• o denominador variava e o numerador permanecia constante (exemplo: 1/6,1/8, 1/10, 2/6, 2/8,2/10), salientando o efeito do denominador.
Quando o denominador (casos possíveis) era mantido constante e o numerador (casos favoráveis) aumentava, estimativas altas eram atribuídas. Quando o numerador era mantido constante e o denominador aumentava, estimativas baixas eram observadas. Concluiu-se que as crianças desde os 7 anos consideram tanto o numerador quanto o denominador em suas estimativas, quando estes componentes variam sistematicamente e são igualmente enfatizados na tarefa.
No Estudo 2, com a mesma escala ('Carinha Feliz'), os itens eram apresentados em tela de computador. Era fornecido um contexto de história, onde um inseto desejava cair em um jarro com flor e evitava cair em jarros com uma aranha dentro. Assim, a criança era alertada para o papel desempenhado tanto pelos casos favoráveis (numerador: flores) que eram desejados, quanto pelos casos desfavoráveis (aranhas) que deviam ser evitados. As duas variáveis eram colocadas igualmente em evidência, precisando ser integradas para a resolução da tarefa. Usando a escala, a criança determinava em cada conjunto de jarros, a chance do inseto cair em um jarro com flor ou a chance de cair em um jarro com aranha.
Os resultados nestes dois estudos contrastam com aqueles obtidos com o emprego do paradigma de escolha: ambos os fatores (numerador e denominador) eram considerados, e mesmo crianças operacionais concretas estimavam probabilidades de forma acurada.
A explicação para o baixo desempenho em tarefas de escolha reside no fato de que as crianças acreditam que uma comparação do número de casos favoráveis (numerador) é informação suficiente para determinar a probabilidade. Horobin e Acredolo (1989) afirmam que mesmo sabendo como integrar as duas variáveis (numerador e denominador), as crianças usam o numerador por ser este mais enfatizado na metodologia de escolha.
Embora não se deva supor que um único paradigma possa explorar todo o processo de aquisição e desenvolvimento de conceitos, a grande contribuição do paradigma de medida funcional é demonstrar que a criança é capaz de considerar mais de um aspecto relevante em uma situação, quando estes são colocados igualmente em evidência, revelando um processo de pensamento mais elaborado do que aquele detectado pelos estudos que adotam o paradigma de escolha.
A questão que se coloca não é se o paradigma de escolha é mais ou menos adequado que o paradigma de medida funcional. O ponto relevante para discussão é que as características da tarefa, em particular o paradigma metodológico utilizado, influenciam o desempenho das crianças no que concerne à expressão de determinadas habilidades que podem emergir em uma determinada situação e não em outras. Desta forma, seria interessante investigar a compreensão da criança sobre probabilidade em diferentes situações.
A natureza das quantidades em tarefas de probabilidade: quantidades discretas e contínuas
A natureza das quantidades em tarefas de probabilidade foi objeto de investigação em estudo desenvolvido por Lovett e Singer (1991)(3), usando a mesma tarefa de Acredolo et al (1989) das aranhas e das flores nos jarros. O objetivo principal era investigar se as crianças estimam probabilidades de forma quantitativa ou não-quantitativa. Três experimentos foram conduzidos com sujeitos pré-escolares, de 1ª, 3ª e 5ª séries, e adultos.
No Experimento 1, verificou-se que muitos sujeitos, especialmente os préescolares, não usavam uma estratégia quantitativa, i.e., não contavam consistentemente o número de flores e de aranhas antes de fazer suas estimativas, mas que mesmo crianças de 1ª série mostravam conhecimento de probabilidade.
O Experimento 2 investigou se a habilidade de estimar probabilidades teria origem em mecanismos perceptuais e se instruções para usar informação quantitativa (contar) dificultaria ou não o desempenho. Duas condições foram contrastadas.
Condição Perceptual: os arranjos apresentado na tela do computador consistiam em um "lago com pedras e água" (quantidades contínuas) que não podiam ser medidas através da estratégia de contar;
Condição Quantitativa: onde, novamente, flores e aranhas eram apresentadas (quantidades discretas), sendo os sujeitos instruídos a contar quantos jarros tinham no total, quantos jarros com flores e com aranhas, antes de fazer suas estimativas. A posição das flores e aranhas era misturada em cada arranjo com o objetivo de dificultar a divisão em subclasses (flores e aranhas).
Verificou-se que as crianças usavam informação perceptual em seus julgamentos.
O Experimento 3 examinou se as crianças preferiam usar estratégias quantitativas ou perceptuais ao estimar. Como no Experimento 1, os arranjos eram formados por flores e aranhas, com uma única diferença: seqüências de flores e seqüências de aranhas eram apresentadas, facilitando a formação de subclasses. Com este controle, a criança poderia usar uma estratégia tanto quantitativa (contar), quanto perceptual (mais aranha do que flores, menos aranha que flores). As estratégias perceptuais eram preferencialmente usadas e poucos sujeitos contavam as flores e as aranhas antes de estimar. A principal conclusão foi que existem mecanismos perceptuais envolvidos no conhecimento sobre probabilidade.
Conclusão semelhante foi também extraída de estudos sobre o desenvolvimento do conceito de proporção (e.g., Müller, 1978; Brink e Streefland, 1979; Spinillo, 1990; Spinillo e Bryant, 1989,1991), o que sugere que as crianças utilizam experiências perceptuais ao construir noções acerca de conceitos complexos, como proporção e probabilidade, e que a estimativa é aspecto importante nesta aquisição.
A natureza das relações em tarefas de probabilidade
A probabilidade envolve relações entre o número de casos favoráveis (exemplo: cartas com cruz) e o número de casos possíveis (exemplo: número total de cartas de um monte) que são do tipo parte-todo. Na tarefa piagetiana de quantificação de probabilidades os itens são representados por uma fração em que o numerador refere-se aos casos favoráveis e o denominador aos casos possíveis. Situação análoga ocorre no estudo de Horobin e Acredolo (1989), onde tanto o numerador quanto o denominador são informações relevantes que precisam ser integradas.
Entretanto, podemos nos perguntar se a probabilidade não poderia também ser resolvida a partir do estabelecimento de relações parte-parte, isto é, a partir de relações entre os casos favoráveis e os casos desfavoráveis. Neste caso, é possível pensar que as relações em tarefas de probabilidade podem ser tratadas tanto em termos de frações (parte-todo), quanto em termos de razões (parte-parte). Como sabido, relações parte-parte são mais fáceis de serem estabelecidas do que relações parte-todo (Piaget, 1969). O uso de relações parte-parte foi observado em crianças desde os 6 anos. Segundo análise conduzida por Spinillo (1990; 1992) acerca das respostas das crianças nesta tarefa de quantificação de probabilidades de Piaget, a criança parece ser capaz de decidir em qual dos montes existe a maior chance de se conseguir uma carta com cruz com base nas relações entre número de casos favoráveis e número de casos desfavoráveis (parte-parte) sem referir-se às relações parte-todo.
Desta forma, existe a possibilidade de que crianças saiam-se bem em tarefas de probabilidade quando a situação puder ser tratada como uma razão, isto é, considerando os casos favoráveis em relação aos casos desfavoráveis sem precisar levar em conta os casos possíveis (denominador).

COMENTÁRIOS
A partir destas considerações, é possível pensar que as crianças apresentam uma lógica mais elaborada do que supúnhamos, fato este que tem implicações teóricas importantes. Determinadas capacidades cognitivas, geralmente concebidas como um "privilégio" do pensamento do adulto e do adolescente, estão presentes em crianças. E preciso considerar que os fenômenos cognitivos não podem ser tratados como fenômenos tudo-ou-nada, onde crianças não possuem e adolescentes possuem determinadas habilidades. As noções iniciais acerca de razão, proporção, probabilidades parecem estar associadas a aspectos perceptuais e não apenas a quantificações precisas. Esta afirmação remete-nos a uma questão bastante interessante, relacionada à aquisição de conceitos matemáticos: a estimativa.
Estimativas têm sido exploradas para investigar as noções iniciais de crianças acerca de diversos conceitos como proporção e probabilidade. Segundo Brown e Müller (1976), muitas das dificuldades das crianças com determinados conceitos residem na dificuldade em realizar cálculos numéricos requeridos na tarefa e não necessariamente na incapacidade em compreender tais conceitos. Bryant (1974) afirma que a criança, ao fazer julgamento acerca de quantidades, usa, inicialmente, códigos relativos (exemplo: "maior do que", "menor do que" e "igual a") antes de utilizar códigos absolutos. Streefland (1982(4) e Brink e Streefland (1979) enfatizam que estimativas são um recurso poderoso tanto para o ensino de conceitos matemáticos quanto para a investigação das noções iniciais sobre estes conceitos. Assim, seria interessante investigar as noções iniciais que crianças têm sobre probabilidade a partir de situações que envolvem estimativas.
A presente investigação teve por objetivo examinar a capacidade de crianças (5-8 anos) em estimar a probabilidade a partir de um paradigma experimental diferente daquele usualmente adotado nos estudos sobre probabilidade. Como mencionado anteriormente, as tarefas de probabilidade citadas na literatura têm se caracterizado por tarefas que envolvem julgamentos de arranjos e escolha de alternativas. A tarefa utilizada neste estudo requer que a criança construa um dado arranjo a partir de um nível de probabilidade determinado pelo experimentador. Estimativas e relações parte-parte são aspectos também explorados nesta investigação.

MÉTODO
Sujeitos:
Foram estudadas sessenta crianças igualmente divididas em quatro grupos etários: 5, 6, 7 e 8 anos, alunas de pré-escolar e séries iniciais do primeiro grau de escola particular freqüentada por crianças de classe média da cidade do Recife.
Procedimento e Planejamento Experimental:
A tarefa consistiu em construir um dado arranjo com um total de oito ou de doze fichas (azul e rosa) de forma a ter:
1. muita chance de conseguir a fichinha da cor preferida;
2. pouca chance de conseguir a fichinha da cor preferida;
3. mesma chance de conseguir e de não conseguir a fichinha da cor preferida;
4. certeza de conseguir a fichinha da cor preferida;
5. nenhuma chance de conseguir a fichinha da cor preferida.
Todas as crianças foram individualmente entrevistadas em uma única sessão, na presença de um experimentador que registrava (através de gravações e anotações escritas) tanto o comportamento verbal da criança quanto os procedimentos de resolução adotados. As entrevistas foram gravadas e transcritas em protocolos individuais. Antes de iniciar a tarefa, a criança escolhia dentre as duas cores de fichas de papelão, a de que gostava mais. A cor preferida era utilizada como os casos favoráveis e a cor não preferida, como os casos desfavoráveis.
Foram apresentados 10 itens ao todo, dos quais cinco envolviam arranjos com oito elementos e cinco com arranjos de doze elementos. Decidida a partir de sorteio, a ordem de apresentação dos itens era a mesma para todos os sujeitos: muita chance, pouca chance, mesma chance, certeza e impossibilidade. Os cinco primeiros itens envolviam a construção de arranjos com oito elementos e os cinco últimos itens, arranjos com doze elementos.
Material
Foram empregados gravador, fitas cassete áudio, folhas de registro contendo os itens da tarefa (onde eram anotadas as respostas e procedimentos dos sujeitos durante a entrevista) e fichas circulares de papelão em duas cores (azul e rosa).

RESULTADOS
Os resultados são discutidos em função do número e porcentagem de acertos. Foi conduzida uma análise qualitativa, considerando-se os procedimentos de resolução adotados na construção dos arranjos e as principais dificuldades experimentadas pelas crianças.
O desempenho das crianças por idade em cada tipo de item é apresentado na Tabela 1.


Desempenho Geral
Em todas as idades, os percentuais de acertos foram altos, principalmente aos 7 e 8 anos (91% e 95%, respectivamente). Este resultado sugere que as crianças nas idades investigadas têm noções acerca de como construir arranjos com determinados índices de probabilidade. Uma possível explicação para este alto índice de acertos reside nas características da tarefa: o uso de estimativas, ao invés de quantificações numéricas precisas, e o fato da tarefa requerer "fazer algo" (i.e., construir um arranjo), ao invés de julgamento de arranjos já construídos. E possível supor que este tipo de situação, de alguma forma, favoreça o surgimento de noções iniciais que parecem não emergir em outras situações. Este aspecto é retomado nas discussões, no final deste texto.
Considerando os totais de acertos em cada item, em todas as idades, observa-se que o item mais difícil de ser construído era "Certeza" de conseguir a ficha da cor preferida (62%). Isto ocorreu porque muitas das crianças, ao serem solicitadas a construir um arranjo com "Certeza" de conseguir uma ficha da cor preferida, construíam um arranjo com "Muita Chance".
O segundo tipo de item mais difícil, considerando-se os total na Tabela 1, era a construção de arranjos com "Muita Chance" (78%). Ao analisarem-se os protocolos individuais, observa-se que diversas crianças, ao invés de construírem arranjos com "Muita Chance", construíram arranjos com "Certeza" de conseguir a ficha da cor preferida. Este resultado sugere que a principal dificuldade das crianças, nesta faixa etária, reside no fato de confundir "Certeza" com "Muita Chance". Esta dificuldade é mais acentuada do que a confundir "Muita Chance" com "Certeza".
Nos demais itens ("Pouca Chance", "Mesma Chance" e "Impossibilidade"), os percentuais de acerto foram semelhantes e bastante altos (93%, 92% e 93%, respectivamente), indicando que as crianças não apresentavam dificuldades na construção destes índices de probabilidade, fazendo a distinção entre eles.
Tabela 2 mostra o nível de desempenho dos sujeitos por idade.


Verifica-se que 60% (9 sujeitos) das crianças de 5 anos e 67% (10 sujeitos) das de 6 anos apresentam índices de acertos entre 80% e 100%. Aos 7 anos, este índice é alcançado por 93% (14 sujeitos) das crianças e aos 8 anos é alcançado por todos os sujeitos sem exceção. Apenas 6 sujeitos (10%), em toda a amostra, alcançaram 40% ou menos de acerto. Estes dados demonstram que a tarefa era bastante acessível para as crianças da faixa etária investigada.
Desempenho por idade em cada item
Considerando idade separadamente, notou-se que para as crianças de 6,7 e 8 anos, o arranjo mais difícil de ser construído foi "Certeza" de conseguir ficha da cor preferida. Para as crianças de 5 anos, entretanto, acrescentam-se, a esta dificuldade, os itens "Muita Chance".
O desempenho das crianças de 7 e 8 anos é bastante semelhante. A única diferença é que para as crianças de 7 anos, construir um arranjo com "Muita Chance" é mais difícil do que para as de 8 anos (87% e 100%, respectivamente). As crianças de 5 e 6 também apresentam um desempenho semelhante, residindo a maior diferença nos itens "Muita Chance" e "Mesma Chance". (Tabela 1)
De maneira geral, os dados revelam dois níveis distintos no desempenho das crianças ao construir por estimativa arranjos em probabilidade. Em um primeiro nível, encontram-se as crianças de 5-6 anos e, em um segundo nível, as de 7-8 anos.
Natureza das dificuldades
Para uma maior compreensão das dificuldades experimentadas pelas crianças foi realizado um levantamento dos tipos de erros em cada item por idade (Tabela 3).


Aos 5 anos as crianças apresentam oito tipos diferentes de erros; aos 6 anos este número cai para cinco tipos, aos 7 anos apenas dois tipos de erros são observados, enquanto aos 8 anos um único tipo foi detectado. Estes resultados mostram claramente que com a idade diminuem tanto o número de erros quanto os tipos de erros que as crianças apresentam. Aos 5 e 6 anos os erros são os mais variados possíveis, em especial aos 5 anos; porém, a maior freqüência incide sobre confundir "Muita Chance" com "Certeza" e "Certeza" com "Muita Chance". Aos 7 e 8 anos os erros concentram-se em um ou dois tipos, caracterizando-se por confundir "Certeza" com "Muita Chance". Verifica-se que este tipo de erro permanece mesmo entre algumas crianças de 8 anos, demonstrando, assim, que estes índices de probabilidade são difíceis de serem discriminados pelas crianças nesta idade.
Procedimentos na construção de arranjos
Foram analisados os procedimentos de resolução adotados pelas crianças em cada tipo de item. De maneira geral, dois tipos inadequados de procedimento foram observados durante a construção dos arranjos:
1. erro quanto ao número total de fichas no arranjo: a criança construía um arranjo com um número maior ou menor de fichas do que o requerido (8 ou 12);
2. erro quanto à cor a ser usada: a criança usava apenas fichinhas de uma única cor nos itens "Pouca Chance" (apenas os casos desfavoráveis) e "Muita Chance" (apenas os casos favoráveis); ou usava as duas cores nos itens "Certeza" e "Impossibilidade".
Quando o primeiro tipo de erro era observado, o experimentador interferia, lembrando que o número total de fichas permitido no arranjo era de 8 (ou 12) fichas. Quando o segundo tipo de erro ocorria, o experimentador lembrava que havia itens em que a criança podia usar as duas cores e outros itens em que podia usar apenas uma cor. Havia crianças que não consideravam as interferências do experimentador; enquanto outras as consideravam, reconstruindo seus arranjos, chegando, muitas vezes, ao acerto. Outras, mesmo considerando as interferências e tentando reconstruir seus arranjos, não eram capazes de chegar ao acerto. E importante mencionar que os comentários contidos nas interferências do experimentador já haviam sido fornecidos aos sujeitos no início da entrevista, quando dadas as instruções para a realização da tarefa.
Os procedimentos usados para a construção dos arranjos são descritos a seguir. O efeito da interferência do experimentador na construção dos arranjos está incluído nestes procedimentos.
Procedimento 1: Erro, mesmo com a interferência do experimentador
A criança erra inicialmente e mesmo com as intervenções do experimentador não se mostra capaz de reorganizar o arranjo inicialmente construído. Exemplos:
Muita Chance (8 fichas)
C - (Pega de uma só vez 9 fichas da cor preferida, contando).
E - Só pode 8 fichinhas.
C -(Retira uma ficha). Agora é 8.
E - Às vezes usa fichas de uma só cor e às vezes usa fichas de duas cores. Quero que você faça um conjunto de fichas para ter "Muita Chance" de conseguir ficha rosa (cor preferida).
C - É, assim é muita chance. Tem 8 da que eu queroArranjo final: 8 fichas da cor preferida.
Pouca Chance (12 fichas)
C - (Pega de imediato 10 fichas da cor não preferida, conta e acrescenta mais duas)
E - Como eu disse antes, tem vezes que pode usar 8 fichas e tem vezes que usa 8 .Esse é de 12 fichas. Eu também disse que nesse jogo de fazer os conjuntos tem vezes que usa uma cor só e tem vezes que usa as duas cores de fichas. Agora, você tem que fazer um conjunto com Pouca Chance de conseguir a ficha azul que é a sua preferida.
C - (Olha para o arranjo, pensa. Retira uma ficha do arranjo e coloca uma da corpreferida.Olha novamente para o arranjo e desfaz a troca, voltando a colocar a fichada cor não preferida). Assim é melhor.
Arranjo final: 12 fichas da cor não preferida.
Certeza (8 fichas)
C - (Pega de imediato 7 fichas da cor preferida e uma da cor não preferida).
E - Às vezes pode usar uma só cor e às vezes duas cores, lembra? Assim, você tem certeza que vai tirar a ficha azul (cor preferida)?
C - Assim tá bom, porque dá sorte de tirar azul. Tem muita azul e pouca rosa.
Arranjo final: 7 fichas da cor preferida e 1 da cor não preferida.
Impossibilidade (8 fichas)
C - (Coloca 5 fichas da cor não preferida e 3 fichas da cor preferida).
E - Tem vezes que é para usar uma cor e vezes que é para usar duas cores. Você precisa fazer um conjunto com nenhuma chance de conseguir ficha rosa (cor preferida). Desse jeito que você fez tem nenhuma chance de conseguir ficha rosa?
C - Porque tem mais azul que rosa.
Arranjo final: 5 fichas da cor não preferida e 3 fichas da cor preferida.
Em outro exemplo, observa-se que a criança garante a impossibilidade de tirar a ficha da cor preferida baseando-se na configuração física das fichas.
C - (Arruma 2 fichas da cor preferida no centro de um círculo feito de 10 fichas da cor não preferida).
E - Pode usar uma ou duas cores.
C - Essas fichas rosa estão no meio e azul protege para não tirar rosa.
Arranjo final: 10 fichas da cor não preferida e 2 da cor preferida.
Mesma chance (8 fichas)
C - (Pega 5 fichas da cor preferida e 3 fichas da cor não preferida).
E - Desta vez são 8 fichinhas. Tem que fazer o conjunto de um jeito que tenha a Mesma Chance de tirar ficha azul e ficha rosa. Esse seu conjunto tem a mesma chance?
C - Tem 5 azul e 3 rosa. E aí fica 8 bolinhas.
E - Mas é a Mesma Chance de tirar ficha azul e rosa?
C - (Não responde).
Arranjo final: 5 fichas da cor preferida e 3 fichas da cor não preferida.
Procedimento 2: Erro inicial, acertando com ajuda a partir da intervenção do experimentador.
A criança erra inicialmente, mas consegue reconstruir o arranjo a partir das intervenções do experimentador, chegando ao acerto. Exemplos:
Muita Chance (12 fichas)
C - (Inicia a construção do arranjo, selecionando 11 fichas da cor preferida e 3 da cor não preferida).
E - São 12 fichas agora.
C - ( Conta todas as fichas). Então..., tem que ser menos dessa (retira 2 da cor preferida, ficando 9) e menos dessa (retira 1 da cor não preferida, ficando 2). Deixa ver...(conta). Falta mais uma da boa (coloca mais utna da cor preferida).
Arranjo final: 10 fichas da cor preferida e duas da cor não preferida.
Pouca Chance (8 fichas)
C - (Usa 8 fichas da cor não preferida.)
E - É prá usar 8 fichas. Pode ser de uma só cor ou de duas cores.
C - (Pensa).
E - É para fazer um conjunto com Pouca Chance de conseguir ficha azul (cor preferida).
C - (Troca uma ficha rosa, não preferida, por uma azul que é a cor preferida).
Arranjo final: 7 fichas da cor não preferida e 1 ficha da cor preferida.
Mesma Chance (12 fichas)
C - (Coloca 11 fichas da cor preferida e 1 da cor não preferida).
E - Deste jeito é a Mesma Chance de tirar ficha azul e de tirar rosa?
C - (Olha e pensa). É não! Fica assim: (desfaz todo o arranjo e coloca 6 azuis e 6 rosas). Fica empate.
Arranjo final: 6 fichas da cor preferida e 6 fichas da cor não preferida.
Certeza
Este procedimento não foi adotado neste tipo de item por nenhum sujeito.
Impossibilidade
Este procedimento não foi adotado neste tipo de item por nenhum sujeito.
Procedimento 3: Acerto por tateio sem intervenção do experimentador.
Há uma preocupação inicial em construir arranjos com o número de fichas requerido (8 ou 12), contando sempre quantas fichas já foram colocadas no arranjo e quantas ainda faltam colocar.
Muita Chance
Inicia a construção do arranjo selecionando de imediato 8 ou 12 fichas da cor preferida. Procede as trocas necessárias, trocando uma a uma as fichas da cor preferida por fichas da cor não preferida, até que o arranjo tenha mais fichas da cor preferida do que fichas da cor não preferida.
Pouca Chance
Inicia a construção do arranjo selecionando de imediato 8 ou 12 fichas da cor não preferida. Procede as trocas necessárias, trocando uma a uma as fichas da cor não preferida por fichas da cor preferida, até que o arranjo tenha mais fichas da cor não preferida do que fichas da cor preferida.
Mesma Chance
Inicia a construção do arranjo selecionando fichas das duas cores. No caso de arranjos com 8 elementos, tende a colocar de imediato 4 ou 5 fichas da cor preferida, e no caso de arranjos com 12 elementos tende a colocar 6 ou 7 fichas da cor preferida. Há crianças que iniciam a construção do arranjo colocando uma ficha da cor preferida e uma da não preferida, alternadamente, uma ao dado da outra. Arruma as fichas em duas fileiras paralelas (horizontal ou vertical): uma formada por fichas da cor preferida e outra por fichas da cor não preferida. Procura emparelhar ambas as cores, fazendo correspondência termo-a-termo. Procede, então, às trocas necessárias (preferida por não preferida) de forma que ambas as fileiras contenham o mesmo número de elementos. Verifica se o arranjo possui o número total de fichas requerido (8 ou 12). Com esta disposição em fileiras procura garantir a igualdade entre o número de fichas da cor preferida e da cor não preferida.
Certeza
Este procedimento não foi adotado neste tipo de item por nenhum sujeito.
Impossibilidade
Este procedimento não foi adotado neste tipo de item por nenhum sujeito.
Procedimento 4: Acerto por antecipação
A criança antecipa mentalmente o arranjo a ser construído, acertando de imediato e sem tateios.
Muita Chance
De imediato, seleciona 6 ou 7 fichas do cor preferida, quando o total é 8; ou 10 ou 11, quando o total é 12, completando com as fichas da cor não preferida até fazer um total de 8 ou 12 fichas.
Pouca Chance
De imediato, seleciona 6 ou 7 fichas da cor não preferida, quando o total é 8; ou 10 ou 11, quando o total é 12, completando com as fichas da cor preferida até fazer um total de 8 ou 12 fichas.
Certeza
A criança, de imediato, seleciona 8 ou 12 fichas da cor preferida.
Mesma Chance
A criança, de imediato, seleciona 4 fichas da cor preferida e 4 da cor não preferida, quando os arranjos solicitados são de 8 fichas, ou 6 da cor preferida e 6 da cor não preferida, quando os arranjos solicitados são de 12 fichas. Neste procedimento, a criança não recorre a estratégias de arrumar as fichas em fileiras paralelas uma de cada cor, como fazia no procedimento 3.
Impossibilidade
A criança, de imediato, seleciona 8 ou 12 fichas da cor não preferida.
Tabela 4 apresenta a distribuição destes procedimentos por idade.


Verifica-se que, nos arranjos "Muita Chance", "Pouca Chance" e "Mesma Chance", as crianças usam os quatro tipos de procedimentos; enquanto nos arranjos "Certeza" e "Impossibilidade", apenas os procedimentos 1 e 4 são adotados. Isto sugere que estes dois tipos de arranjos ou são construídos acertadamente de imediato (procedimento 4) ou a criança erra, sem conseguir fazer uma reconstrução correta do arranjo apesar da intervenção do experimentador (procedimento 1).


DISCUSSÃO
Os resultados apresentados são de caráter exploratório, tratados apenas de forma qualitativa, sem terem sido submetidos a um tratamento estatístico. Além do mais, os resultados originam-se de procedimentos metodológicos inovadores e bastante distintos daqueles tradicionalmente aditados pelas pesquisas na área. As principais diferenças podem ser assim apontadas: 1. envolve estimativas ao invés de quantificações numéricas precisas, como ocorre na maioria das tarefas; 2. paradigma experimental diferente: enquanto o maioria das tarefas em pesquisas sobre probabilidade caracteriza-se por tarefas de julgamento, a tarefa neste estudo envolveu a construção de arranjos; e 3. sistema de análise: maior ênfase nos processos de resolução do que nos critérios de julgamento.
E necessário explorar em mais detalhes o papel das estimativas na aquisição de conceitos lógico-matemáticos, bem como estudos que contrastem o desempenho de crianças em diferentes tarefas de probabilidade, entendendo-se por desempenho tanto o número de acertos quanto os procedimentos de resolução utilizados.
No entanto, apesar de seu caráter exploratório, os resultados apontam aspectos importantes acerca das noções iniciais de crianças sobre a probabilidade.
Primeiro, situações diferentes podem gerar quadros distintos quanto às habilidades cognitivas de crianças. Há situações que podem favorecer o surgimento de noções iniciais que não emergem em outras situações. Por exemplo, o desempenho dos sujeitos neste estudo indica um nível de compreensão sobre a probabilidade maior do que aquele observado em tarefas de julgamento. Esta questão precisa ser examinada de maneira sistemática, comparando-se o desempenho de crianças em tarefas análogas, onde uma tarefa envolva julgamento de arranjos e outra, a construção de arranjos. Este aspecto está sendo investigado em um projeto mais amplo do qual esta pesquisa faz parte.
Segundo, há dificuldades específicas experimentadas pelas crianças ao construírem arranjos. Ficou claro, por exemplo, que construir um arranjo do tipo "Certeza" é mais difícil do que construir outros tipos de arranjos. Esta parece ser uma dificuldade inicial que não é de imediato superada, visto que mesmo as crianças de 8 anos ainda apresentavam dificuldades na construção deste tipo de arranjo, Esta dificuldade seria específica da natureza da tarefa ou apareceria em outras situações?
Terceiro, através das verbalizações das crianças nota-se que elas constróem os arranjos a partir de relações do tipo parte-parte, i.e., comparando qualitativamente ("mais do que", "menos que", "igual a") o número de fichas da cor preferida (casos favoráveis) com o número de fichas da cor não preferida (casos desfavoráveis). Comparações parte-todo (casos favoráveis e casos possíveis) não foram observadas. Este dado indica que as crianças tendem a tratar a tarefa como razão, e não como fração.
Quarto, a construção de arranjos baseada em estimativas parece ser tarefa possível de ser realizada por crianças na faixa etária investigada. Estimar surge como uma habilidade cognitiva importante que permite investigar noções iniciais emergentes quanto a conceitos complexos, como é o caso da probabilidade.
Quinto, o estudo apresenta contribuições interessantes acerca das noções espontâneas que as crianças possuem antes de serem formalmente instruídas sobre probabilidade.
O principal ponto a ser ressaltado é que é importante compreender o desenvolvimento e a aquisição de conceitos em situações, e não como um fenômeno isolado de contextos situacionais. Podemos ter um quadro mais realístico das habilidades e limites do pensamento infantil quando a situação é considerada como elemento importante na constituição do próprio conceito.

Referências Bibliográficas
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Willcening, F. e Anderson, N.H. (1982) Comparison of two rule-assessment methodologies for studying cognitive development and knowledge structure. Psychological Bulletin, 92,215-237.
Yost, O.A.; Siegel, A.E. e Andrews, L.M. (1962) Nonverbal probability judgements by young children. Chíld Development, 33, 769-780.



(1) Spinillo, A.G. e Bryant, RE. (1989) The initial understanding of ratio and proportion in young children. 13rd International Conference for the Psychology of Mathematics Education (PME), Paris, França 
(2) Spinillo, A.G. e Bryant, RE. (1990) Ratio and proportion: judging part-part reations in discrete and continuous quantities. Trabalho apresentado na IV European Conference on Developmental Psychology, Stirling, U.K 
(3) Lovett, S.B. e Singer, J.A. (1991) The development of children's understanding of probability: perceptual and quantitative conceptions. Trabalho apresentado no Biennial Meetings of the Society for Research in Child Development, Seattle,WA 
(4) Streefland, L. (1982) The role of rough estimation in learning ratio and proportion: an exploratory research. Proceedings of the Sixth International Conference for the Psychology of Mathematics Education (PME), Antwerp, Holand




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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O que são os Transtornos de Linguagem? Causas e Tipos. Maria Alice Fontes



Introdução

Partindo-se do pressuposto de que a principal ferramenta para o ser humano interagir com o mundo e formar vínculos é a linguagem, conclui-se que dificuldades nos campos social e intelectual podem emergir caso exista algum problema no processo de desenvolvimento da linguagem do indivíduo. Tais dificuldades são identificadas por baixo rendimento acadêmico, isolamento social ou retardo no desenvolvimento cognitivo, que por sua vez, acabam sendo responsáveis por prejuízos no desenvolvimento psicológico da criança, podendo gerar transtornos de conduta ou emocionais significativos. Dessa forma, vários casos de Transtornos de Linguagem são assistidos tanto pelo fonoaudiólogo quanto pelo psicólogo e/ou outros profissionais. 1 

O que são os Transtornos de Linguagem?

Entende-se por Transtornos de Linguagem os quadros que apresentam desvios nos padrões normais de aquisição da linguagem desde suas etapas iniciais. Entretanto, crianças normais variam amplamente na idade na qual elas iniciam a aquisição da linguagem falada e no ritmo no qual as habilidades de linguagem se tornam firmemente estabelecidas. 2 

Existem diferentes tipos de Transtornos de Linguagem, embora seja freqüente a presença de comorbidades, tanto entre si, como entre transtornos psicológicos. Sendo assim, muitas crianças que apresentam atrasos na aquisição da linguagem, possuem dificuldades de leitura e escrita, e também problemas nos RELACIONAMENTOS interpessoais, que levam respectivamente, a um rendimento escolar deficiente e a possíveis transtornos da esfera emocional e de comportamento. 1, 2 

Embora a criança que apresenta algum quadro de Transtorno de Linguagem seja capaz de se comunicar melhor em situações que lhe sejam familiares, o comprometimento da linguagem existe em qualquer situação. 2 

Quais são as causas?

As etiologias das alterações da linguagem e da fala podem envolver aspectos genéticos, degenerativos, lesionais, ambientais e/ou emocionais. Alguns autores classificam os transtornos com base em dois tipos de fatores que podem alterar e incidir desfavoravelmente na evolução da comunicação e da linguagem: fatores orgânicos, sejam eles genéticos, neurológicos ou anatômicos e fatores emocionais. Entretanto, outros autores consideram que a diferenciação entre os transtornos de etiologia orgânica e psicológica pode resultar mais útil no adulto, embora ambos os tipos de fatores devam ser considerados de forma integrada. Na criança essa diferenciação está ultrapassada, já que o efeito de qualquer fator orgânico ou psicológico tem repercussões sobre o conjunto de processos de ordem psicológica que constituem a aquisição e o desenvolvimento da linguagem.3 

Tipos de Transtornos de Linguagem

Os transtornos que interferem na comunicação do indivíduo, podem estar relacionados à fala, à linguagem, à audição ou à voz. 

Dislalia
Normalmente até os 6 anos de idade, a maioria dos sons da fala já está adquirida. A dislalia ou transtorno específico de articulação da fala corre quando a aquisição dos sons da fala pala criança está atrasada ou desviada, levando a:

  • má articulação e conseqüente dificuldade para que os outros a entendam;
  • omissões, distorções ou substituições dos sons da fala;
  • inconsistência na coocorrência de sons (isto é, a criança pode produzir fonemas corretamente em algumas posições nas palavras, mas não em outras). 2

A gravidade do distúrbio articulatório varia de pouco ou nenhum efeito sobre a inteligibilidade da fala até uma fala completamente ininteligível, embora mesmo nestes casos, as pessoas da família compreendam o que a criança quer expressar. 

Existem vários fatores etiológicos, além dos aspectos que favorecem indiretamente a existência e manutenção da alteração, como 3:

  • permanência de esquemas de articulação infantis;
  • déficit na discriminação auditiva;
  • déficit na orientação do ato motor da língua.

Alterações na respiração, inadequação da mastigação e deglutição, hábitos orais inadequados (uso prolongado da chupeta e mamadeira, onicofagia e sucção de dedo), podem causar prejuízos anatômicos e funcionais no sistema orofacial da criança, alterando os movimentos adequados e necessários para a produção correta dos fonemas. 

Diversas classificações são encontradas para o distúrbio articulatório, entretanto, a classificação abaixo é bastante esclarecedora:

  • Dislalias fonológicas: os mecanismos de conceitualização dos sons e as relações entre significantes e significados estão afetados, os sons não se organizam em sistemas e não existe uma forma apropriada de usá-los em um contexto;
  • Dislalias fonéticas: determinadas por processos fisiológicos, de realização articulatória com traços característicos de incoordenação motora e/ou insensibilidade orgânica. 4

Existem alterações articulatórias nos casos de disartrias, entretanto estas são ocasionadas por danos cerebrais. 

Disfemia
A disfemia é conhecida pela dificuldade em manter a fluência da expressão verbal, é um transtorno de fluência da palavra, que se caracteriza por uma expressão verbal interrompida em seu ritmo, de maneira mais ou menos brusca. 3 O tipo mais comum de disfemia é a gagueira, também chamada de tartamudez. 1 

A tartamudez se caracteriza pela interrupção da fluência verbal, por meio de repetições ou prolongamento dos sons, sílabas ou palavras. Freqüentemente, ela vem acompanhada de movimentos corporais, como balançar os braços e as mãos, piscar os olhos ou tremor labial, na tentativa de superar o bloqueio da fala. 1, 5, 6, 7, 8 Observa-se que a freqüência e a intensidade da gagueira estão associadas ao estado emocional do indivíduo. 

Muitas crianças apresentam uma disfluência, também chamada gagueira fisiológica, entre os dois e cinco anos de idade, o que é considerado normal, visto que o desenvolvimento e a aquisição da linguagem se dão de forma intensa nesse período. A criança apresenta uma fala vacilante, repetições de vocábulos, semelhantes ao gaguejar, mas assim como a disfluência aparece, com o desenvolvimento da criança ela cessa. Recomenda-se não chamar a atenção da criança a respeito desse comportamento, nem corrigi-la ou completar frases e palavras por ela. Nessa fase pais e professores necessitam paciência e a espera para que a criança possa voltar a falar com ritmo normal. A procura por um tratamento só deve ser feita se a disfluência permanecer após essa fase. 7, 8 

Não se reconhece uma etiologia única para a gagueira, e as formas terapêuticas e abordagens de tratamento são variadas, visando em alguns casos uma melhor adaptação social e emocional, passando pelo enfrentamento de situações de exposição verbal, pela diminuição da ansiedade e o aumento da auto-estima. 

Afasia
As afasias compreendem os transtornos de linguagem causados por uma lesão cerebral, ocorrida após a aquisição total da linguagem ou durante seu processo. Existem diferentes tipo de afasias, porém elas são definidas de acordo com o local lesionado. 1 

Independente do local da lesão, a afasia é vista como um transtorno de linguagem no qual existe uma perda parcial ou total da capacidade de expressão dos pensamentos por sinais e da compreensão dos mesmos. Assim, entende-se que a afasia é a incapacidade de compreender a palavra falada, de leitura e escrita, embora essas últimas se apresentem em graus variáveis. 6 

Disfonias
Embora não estejam incluídas nos transtornos de linguagem, as disfonias implicam as alterações na qualidade da voz ou em sua emissão, conseqüente de distúrbios orgânicos ou funcionais das cordas vocais ou ainda por uma respiração incorreta. 6 A disfonia pode se apresentar através da rouquidão, soprosidade ou aspereza da voz. 

As circunstâncias afetivas, emocionais, os fatores culturais e estéticos, a idade, o sexo, as exigências e autovalorização da própria voz são fatores que influem diretamente na avaliação da patologia da vocal. 3 

As disfonias podem ser causadas por alterações orgânicas, desarmonia ou incoordenação dos músculos respiratórios, laríngeos e das cavidades de ressonância, principalmente geradas pelo mau uso ou abuso vocal. O otorrinolaringologista deve ser o médico que fará exames clínicos para diagnóstico juntamente com o fonoaudiólogo que atuará na reabilitação vocal. 

Referências Bibliográficas

  1. ARDOUIN, J., BUSTOS, C., GAYÓ, R., JARPA, M. Transtornos del lenguaje en la infancia, 2000.http://www.udec.cl/~ivalfaro/apsique/des/traslen.html
  2. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 3 51 p.
  3. CASANOVA, J. P. e col. Manual de Fonoaudiologia. Porto Alegre: artes Médicas, 1992.
  4. ISSLER, S. Articulação e Linguagem. Antares, 1983.
  5. http://www.geocities.com/HotSprings/Sauna/6119/transtornos.htm
  6. http://ascha.org/speech/disabilities/stuttering.cfm
  7. http://www.psicologoinfanti.com/translengu.htm



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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Simbólico, Signo, Significado, Significante: Social e Individual no Ato Comunicativo


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Ferdinand de Saussure, autor do Curso de Linguística Geral (1916), contribui com seus estudos de maneira significativa para o desenvolvimento da Linguística e de conceitos cujo entendimento é fundamental para uma mediação de qualidade no processo de aquisição e utilização da língua escrita.

 



O autor disserta sobre Língua e Fala, sendo a primeira o objeto de estudo da Linguística. Língua e Fala seriam, respectivamente, características social e individual do ato comunicativo verbal.



A Língua é, segundo Saussure, “a unidade da linguagem, e é constituída por um sistema de signos”. Em outras palavras, Língua é um conjunto de unidades que forma um todo. Sendo esta depositada como produto social na mente de cada falante da comunidade, por isso possui homogeneidade.



A Fala é um ato individual. É a concretização da Língua pelos falantes e, por isso, não apresenta homogeneidade, é variável e circunstancial.



O signo é composto pela associação entre SIGNIFICADO (conceito) e SIGNIFICANTE (imagem acústica). Essa relação não se trata de associar um “objeto” a um “termo”, mas sim um conceito a uma imagem acústica.



Ainda segundo Saussure, temos o Significado como “o valor, sentido ou conteúdo semântico de um signo linguístico e o Significante como imagem acústica ou manifestação fônica do signo linguístico”.


Língua e Fala, embora configurem processos distintos, têm igual importância no processo de aquisição e utilização da língua escrita. Entretanto, a escola tende a excluir de seus processos de ensino a linguagem da fala. Tal exclusão não permite a vivência da dinâmica social e da mutabilidade da Língua dos falantes, colocando a diversidade linguística existente em nossa nação à margem dos processos escolares.



A escola tem a priori o trabalho com as estruturas linguísticas, separando Língua de seu uso e de seu contexto social, de forma a distanciar a prática pedagógica cotidiana da possibilidade de expandir e aprofundar a experimentação do simbólico de seu grupo e da produção de sentidos no educando.


Para que tal realidade se reverta, é necessário priorizar estratégias e atividades em que Língua e Fala sejam vivenciadas, problematizadas e que interajam entre si. De forma a propiciar ao aluno discutir e se expressar escrita e oralmente, de forma coletiva e individual, através de atividades que ampliem os seus campos de significação.



Assim, é possível obter uma escola inclusiva, que acolha a diversidade, que abrigue valores democráticos e que se consolide como espaço privilegiado na formação global dos indivíduos, na superação das dificuldades de aprendizagem e na construção crítica dos conhecimentos, e na formação do leitor/autor proficiente.


Paula Moita é professora REGENTE de Sala de Leitura na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e professora substituta no Colégio Pedro II. Pós-graduada em Psicopedagogia e graduada em Pedagogia pela UERJ. Ao longo do exercício profissional e da vida acadêmica, vem desenvolvendo pesquisa a respeito das dificuldades de aprendizagem e aquisição da leitura e escrita.


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