terça-feira, 5 de maio de 2015

O que é neuropsicologia?




O termo neuropsicologia foi utilizado pela primeira vez em 1913 em uma conferência proferida por Sir William Osler, nos Estados Unidos. Apareceu ainda como um subtítulo na obra de 1949 de Donald Hebb chamada “The Organization of Behavior: A Neuropsychological Theory.” (KRISTENSEN, ALMEIDA e GOMES, 2001).

O conceito de Neuropsicologia para Luria (1981) é a ciência cujo objetivo específico é a investigação do papel dos sistemas cerebrais individuais nas formas complexas da atividade mental. E para Lezak (apud AMBRÓZIO, RIECHI 2005, p.3) “Ciência dedicada a estudar a expressão comportamental das disfunções cerebrais.”
Segundo Malloy-Diniz (2010) A neuropsicológica preocupa-se com a complexa organização cerebral e suas relações com o comportamento e a cognição, tanto em quadros de doença como no desenvolvimento normal, e é definida como a ciência aplicada que estuda a expressão comportamental das disfunções cerebrais.
O neuropsicólogo tem por objetivo principal correlacionar as alterações observadas no comportamento do paciente com as possíveis áreas cerebrais envolvidas, realizando, essencialmente um trabalho de investigação clinica que utiliza testes e exercícios neuropsicológicos. (Malloy-Diniz, 2010)
Segundo Luria (1981) existem três tipos de interação entre o cérebro e o processo mental necessário para o desenvolvimento da atividade mental : A unidade de atenção, a unidade de codificação e processamento, e por fim, a unidade de planificação.
A avaliação neuropsicológica é uma estratégia investigativa destinada a identificar, obter e proporcionar dados e informações sobre o funcionamento mental dos sujeitos. Malloy-Diniz (2010) considera como demanda da avaliação neuropsicológica:
“1. a quantificação e a qualificação detalhadas de alterações das funções cognitivas, buscando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas, tanto em clínica quanto em pesquisa; 2. A avaliação e a reavaliação para acompanhamento dos tratamentos cirúrgicos, medicamentosos e de reabilitação; 3. A avaliação direcionada para o tratamento, visando principalmente à programação de reabilitação neuropsicológica; 4. A avaliação voltada para os aspectos legais, gerando informações e documentos sobre as condições ocupacionais ou incapacidades mentais de pessoas que sofreram algum insulto cerebral ou doença, afetando o sistema nervoso central. (Malloy-Diniz, 2010, p. 51)
Segundo Alcantâra e Ferreira (2010) a atuação do neuropsicólogo clínico na avaliação neuropsicológica é um método de investigações da atenção, percepção, memória, linguagem e raciocínio (funções cognitivas) e do comportamento, utiliza de técnicas de entrevista e exames quantitativos e qualititativos. Sendo na abordadagem quantitativa baseado em normas, análises e estudos de validade, com o método de comparação e padrões para determinar as diferenças entre o pré e pos tratamento a partir de escalas, média e desvio padrão. Já na abordagem qualitativa é um complemento da avalição, contribuiu para os dados que não observaveis através de testes padronizados, para confirmar ou questionar os dados quantitativos.
Malloy-Diniz (2008) ressalta que as principais razões para se solicitar uma avaliação neuropsicológica são:
1. Auxílio diagnóstico: as questões diagnósticas geralmente buscam saber qual seria o problema do paciente e como ele se apresenta. Isso implica que seja feito um diagnóstico diferencial entre quadros que têm manifestações muito semelhantes ou passíveis de serem confundidas.
2. Prognóstico: com o diagnóstico feito, deseja-se estabelecer o curso da evolução e o impacto que a desordem terá à longo prazo. Este tipo de previsão tem a ver com a própria patologia ou condição de base da doença ou transtorno (quando há lesão, com o lugar, o tamanho e lado no qual se encontra e, nesse caso, devem ser considerados os efeitos à distância que elas provocam).
3. Orientação para o tratamento: ao estabelecer a relação entre o comportamento e o substrato cerebral ou a patologia, a avaliação neuropsicológica não só delimita áreas de disfunção, mas também estabelece as hierarquias e a dinâmica das desordens em estudo. Tal delineamento pode contribuir para a escolha ou para mudanças nos tratamentos medicamentosos ou outros.
4. Auxílio para planejamento da reabilitação: a avaliação neuropsicológica estabelece quais são as forças e as fraquezas cognitivas, provendo assim uma espécie de mapa para orientar quais funções devem ser reforçadas ou substituídas por outras.
5. Seleção de pacientes para técnicas especiais: a análise detalhada de funções permite separar subgrupos de pacientes de mesma patologia, possibilitando uma triagem específica de pacientes para um procedimento ou tratamento medicamentoso.
6. Perícia: auxiliar a tomada de decisão que os profissionais da área do direito precisam fazer em uma determinada questão legal.
Fachel & Camey considera-se que, devido os fatores diversos que interferem no processo de avaliação, o diagnóstico elaborado apenas em dados quantitativos facilmente incide em erro. Por isso a importância da interdisciplinaridade das neurociências bem como do uso de instrumentos variados pelo neuropsicólogo. (apud Alcantâra; Ferreira 2000, pág.3)
Em 2004 o Conselho Federal de Psicologia reconheceu a Neuropsicologia como especialidade da Psicologia (Resolução CFP Nº 002/2004), com isso algumas diretrizes sobre a Neuropsicologia foram escritas pela primeira vez de forma reconhecida por um órgão regulador do Psicólogo Brasileiro.
Segundo o CFP existem 3 campos de atuações que são fundamentais na profissão do Neuropsicólogo:
1. Diagnóstico – Através do uso de instrumentos (testes, baterias, escalas) padronizados para avaliação das funções cognitivas, o Neuropsicólogo irá pesquisar o desempenho de habilidades como atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas. Esse diagnóstico tem por objetivo poder coletar os dados clínicos para auxiliar na compreensão da extensão das perdas e explorar os pontos intactos que cada patologia provoca no sistema nervoso central de cada paciente. A partir desta avaliação Neuropsicológica é possível estabelecer tipos de intervenção, de reabilitação particular e específica para indivíduos e/ou grupos de pacientes com disfunções adquiras ou não, genéticas ou não, primariamente Neurológicas ou secundariamente a outros distúrbios (Psiquiátricos).
2. Tratamento (Reabilitação) – Com o diagnóstico em mãos é possível realizar as intervenções necessárias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou adaptar-se às dificuldades. Essas intervenções podem ser no âmbito do funcionamento cognitivo, ou seja, no trabalho direto com as funções cognitivas (memória, linguagem, atenção, etc.) ou com um trabalho muito mais ecológico, no ambiente de convivência do paciente, junto de seus familiares, para que atuem como co-participantes do processo reabilitatório; junto a equipes multiprofissionais e instituições acadêmicas e profissionais, promovendo a cooperação na inserção ou re-inserção de tais indivíduos na comunidade quando possível, ou ainda, na adaptação individual e familiar quando as mudanças nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou de longo prazo.
3. Pesquisa – A pesquisa em Neuropsicologia envolve o estudo de diversas áreas, como o estudo das cognições, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral. Para tais pesquisas o uso de testes Neuropsicológicos é um recurso utilizado, para assim ter um parâmetro do desempenho do paciente nas determinadas funções que estão sendo pesquisadas. Atualmente o uso de drogas específicas, para estimulação ou inibição de determinadas funções, tem sido usadas com freqüência para observar o comportamento e o funcionamento cognitivo dos sujeitos em dadas situações. Outra técnica que muito tem contribuído nas Neurociências e com grande especificidade na Neuropsicologia é o uso de neuroimagem funcional por Ressonância Magnética (fMRI) e tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET-CT) que permitem mapear determinadas áreas relacionadas a atividades específicas, como por exemplo recordação de listas de palavras durante o exame. Portanto, fica claro que a Neuropsicologia é um campo de trabalho e de pesquisa emergente, tanto para a Psicologia, quanto para as Neurociências, avançando e contribuindo de forma única para a compreensão do modo como pensamos e agimos no mundo.
Os testes como instrumentos de avaliação, informam o desempenho do sujeito somente no exato momento da sua aplicação. Diante disso, o neuropsicólogo deve considerar que, se a avaliação envolve etapas variadas e é realizada em diferentes momentos, é imprescindível atentar para as mudanças qualitativas do indivíduo, tais como o uso de fármacos, a realização de tratamento psicológico e/ou fonoaudiológico e qualquer tipo de acontecimento desestruturante durante a semana vigente. (WINOGRAD; JESUS; UEHARA, 2012)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMBRÓZIO, C.; RIECHI, T.; BRITES M.; JAMUS, D.; PETRI, C.; ROSA, T; FAJARDO, D. Neuropsicologia teoria e prática. Disponível em: < http://www.proec.ufpr.br/enec2005/download/pdf/SA%DADE/PDF%20SAUDE/45%20-%20NEUROPSICOLOGIA%20TEORIA%20E%20PR%C1TICA%20-%20rev.pdf>. Acesso em: 21 de out de 2012.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução 02/2004. Disponível em: < http://www.crp.org.br/legislacao/resolucoes/federais/2004/resolucao2004_2.pdf>. Acesso em: 20 de out de 2012.
LURIA, A.R. Fundamentos de Neuropsicologia. (1981). São Paulo: EDUSP.
KRISTENSEN, C.H.; ALMEIDA, R.M.M.; GOMES, W.B. (2001). Desenvolvimento Histórico e Fundamentos Metodológicos da Neuropsicologia Cognitiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(2), p. 259-274.
MALLOY-DINIZ , L.F. [et al.]. Avaliação neuropsicológica – Porto Alegre: Artmed. 2010. 432p.
PONTES, Livia Maria Martins; HUBNER, Maria Martha Costa. A reabilitação neuropsicológica sob a ótica da psicologia comportamental. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 35, n. 1, 2008 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832008000100002&lng=en&nrm=iso>. acesso em 24 Out. 2012
VENTURA, Dora Fix. Um Retrato da Área de Neurociência e Comportamento no Brasil Psicologia. Universidade de São Paulo: Teoria e Pesquisa 2010, Vol. 26 n. especial, pp. 123-129
ALCANTARA, Joseane; FERREIRA, Sandra de Fática Barboza. CONTRIBUIÇÕES DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA PARA O DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR DE QUADROS SINDRÔMICOS: ESTUDO DE CASO. 2010.
Winograd, Monah;Jesus, Milena Vasconcelos Martins de; Uehara, Emmy. Aspectos qualitativos na prática da avaliação neuropsicológica.Ciências & Cognição 2012; Vol 17 (2): 002-013


fonte; https://www.psicologiamsn.com/2013/05/o-que-e-neuropsicologia.html

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Psicofisiologia: A relação corpo e mente




                   A ciência, e particularmente a Ciência Cognitiva, reconhece que o cérebro e todas as suas estruturas são a base de todo processamento de sensações, cognições, sentimentos e movimentos. Este processamento é feito, na maioria dos casos, sem qualquer interferência do ser humano. No entanto, em certas situações, tais como a aceleração do bater do coração, o aumento da humidade nas mãos ou testa, o enrijamento dos músculos, o elevado estado de concentração, as reacções do sistema fisiológico são tão flagrantes que ficamos conscientes de que o nosso corpo está a reagir ao que está acontecer à nossa volta ou ao que estamos a pensar. A maneira como estas reacções fisiológicas são feitas é comum em todos os seres humanos, o que é diferente é a forma como são activados. Esta, na maioria dos casos, é dependente do modo como interpretamos tudo aquilo que apercebemos à nossa volta ou o que nos vai na alma. É esta individualização do modo como processamos informação que faz com que o estudo dos processos psicofisiológicos é difícil de analisar pois o que pode parecer tenebroso para alguns para outros é engraçado ou satisfatório. A questão que então se põem é saber se a actividade, mental ou comportamental, é aceitável à sociedade onde esse indivíduo vive, pois só assim o psicofisiologista pode saber o que fazer caso a maneira como a pessoa reage poder ser considerada disfuncional ou não.

            É sabido que o corpo humano é composto de diversos sistemas: nervoso, gastrointestinal, circulatório, respiratório, tegumentório, muscular, urinário, endócrino, imune, esquelético, reprodutor e outros. Mas aquele que tem por função a coordenação de quase todos os outros é o sistema nervoso, pois se o corpo sai fora do seu estado homeostático, ele é, por norma, o primeiro a tentar corrigir o que está errado pois este pode desenvolver problemas difíceis de concertar particularmente se o problema envolve o cérebro. Como foi apontado por Clarke e Sokoloff (1994) o cérebro é um dos primeiros órgãos que pode ser deteriorado quando existe uma perca acentuada de oxigénio ou glucose, um aumento grande de calor ou de um desequilíbrio do nível pH. Portanto o cérebro é não só o controlador do bom funcionamento do corpo como também depende deste para o ser humano poder funcionar tanto quanto se pode desejar. Isto implica que os processos cognitivos e os do corpo interactuam directamente pois uma condição física anormal pode alterar significativamente o que pensamos, o que fazemos ou o que podemos fazer. A Psicofisiologia permite por assim dizer compreender o entendimento entre o cérebro e o corpo humano, usando processos cognitivos como mecanismos para identificar a relação entre estas duas partes.

            Na generalidade quase todas as actividades do corpo humano podem ser analisados pela psicofisiologia. Isto dá a possibilidade de se poder notar a maneira como as pessoas respondem a acontecimentos. Uma possível consequência deste entendimento é que num futuro muito próximo talvez possamos saber, mesmo a nível individual, tudo acerca da maneira como o cérebro processa informação externa (visão, audição, e outros) ou interna (pensamentos, ideias, imagens, visões, sonhos, e assim por diante).

            Para se poder entender o que é a Psicofisiologia é essencial não só ler e saber acerca dos diversos sistemas fisiológicos do ser humano mas também é preponderante que o que a estuda/usa veja a maneira como o sistema fisiológico reage a eventos ou estímulos. O ensino da Psicofisiologia sem mostragem destas reacções é deficiente e sem qualidade. Logo, um curso de Psicologia que tenha por componente a Psicofisiologia tem por obrigação de ter um período de ensino prático. O problema é que hoje em Portugal é muito raro encontrar instrução experimentada da Psicofisiologia nas Licenciaturas de Psicologia. Até quando?




            Metodologia

            Para se captar dados psicofisiológicos usam-se toda uma série de equipamento
simples e já conhecido do público em geral como a Electroencefalografia (EEG), a Electromiografia (EMG), o Electrocardiograma (ECG) ou a Actividade Electrodérmica (AED) ao mais complexo como a actividade de Potenciais de Eventos Relacionados (PER), a Tomografia por Emissão de Positrões (TEP), a Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM), a Imagem Óptica (IO) (Fabiani et al, 1996) ou a Magnetoencefalografia (MEG). A introdução de sistemas informáticos e de novas tecnologias na Psicofisiologia fez com que hoje seja possível analisar actividades cerebrais que até pouco tempo eram consideradas imensuráveis como por exemplo ‘ver’ o que o cérebro faz quando se aprende ou executa um movimento (Jueptner e Weiller, 1998), ou quando se processa cores numa pintura (Zeki e Marini, 1998) ou quando as pessoas estão a fazer testes psicotécnicos para identificar o seu QI (Quociente de Inteligência) (Duncan et al, 2000), ou quando se está a analisar a capacidade da memória das pessoas (Frey e Petrides, 2000), ou mesmo quando uma pessoa pensa de uma cara ou de um lugar. Outras técnicas menos usadas na Psicofisiologia são a Pupilametria, que como o nome indica mede o diâmetro da pupila em relação a certos comportamentos cognitivos como a atenção (Beatty, 1982) e a Pletismografia que mede a abundância/volume da circulação do sangue em certas partes do corpo como por exemplo nos órgãos sexuais (Levin, 1998; Richards, et al 1990). Em Portugal, neste momento, as metodologias mais usados na prática/ensino da Psicofisiologia são o EEG, o EMG, o AED e o ECG. Isto talvez devido ao facto que a única literatura em língua portuguesa que ainda é usada em Portugal no ensino da Psicofisiologia ter sido publicada em 1984 por R. F. Thompson. Isto faz com que o ensino e/ou treino da Psicofisiologia que hoje se faz em alguns sítios tenha um atraso de 17 anos (tendo em consideração a publicação deste artigo = 02/2001) em relação ao que se faz em países de expressão anglo-saxónica onde não só existem vários jornais científicos acerca deste assunto como existem grupos profissionais/científicos como a Society for Psychophysiological Research (SPR).

A análise dos Potenciais de Eventos Relacionados (PER) (em Inglês = Event-Related Potencials ou ERPs) é uma técnica nova, que identifica aspectos específicos do EEG e que envolve o uso de sistemas informáticos. Para aqueles que querem aprofundar o conhecimento sobre esta técnica devem consultar a literatura publicada por Donchin (1979). Uma explicação muito breve do PER é que ele é uma manifestação no EEG de actividades cerebrais que acontecem quando uma pessoa se prepara ou responde a acontecimentos exclusivamente cognitivos ou ambientais. Portanto, são manifestações puramente do foro psicológico, como por exemplo atenção, memória, plasticidade neurológica e outros (Rugg e Coles, 1995). Os PERs que derivam do processamento cortical tendo por base acontecimentos (estímulos) exteriores são chamados Exógenos, aqueles PERs que resultam de processamento cortical sem a intromissão de estímulos exteriores são Endógenos.

De acordo com Vaughan (1969) existem quatro tipos de PERs: os Potenciais Evocados Sensoriais (PES), que como o nome indica são basicamente o produto de estímulos visuais, auditivos, olfactivos ou somatológicos; os Potenciais Motores (PM) que antecedem e acompanham movimentos voluntários; os Potenciais de Longa Mora (PLM) que visam todos os componentes positivos ou negativos do PER e que acontecem depois de um intervalo de 250 e acabam ao fim de 550 milissegundos. Estes mostram respostas corticais subjectivas provenientes de estímulos esperados ou inesperados. Por último os Potenciais de Mudanças Continuadas (PMC) que foram descobertos por Walter et al (1964) e aos quais chamou Variações de Contingentes Negativos (VCN). Estes podem-se observar em situações nas quais as pessoas são avisadas para responder a um acontecimento algum tempo depois de terem recebido um sinal de aviso. Por exemplo uma pessoa recebe um sinal sonoro e passado algum tempo tem que carregar um botão assim que vê uma luz.

EEG que hoje se usa para se poder identificar os PERs tem um maior número de eléctrodos, na ordem dos 128 a 256 (Tucker, 1993), do que se usava antigamente (16 eléctrodos). Isto faz com que a analise seja mais precisa em relatar o que o cérebro faz quando processa informação ao ponto de agora se poder construir mapas cerebrais em 3-dimensões dos originadores dos PERs (Perrin et al, 1987). No entanto, e na maioria dos casos, ainda se usa o Sistema Internacional (SI) 10-20 de 16 eléctrodos. Em alguns casos o EEG é gravado em fita magnética e depois analisado por um computador. Mas, devido à rapidez dos sistemas informáticos que hoje se podem adquirir, o sinal do EEG é digitalizado em tempo real e analisado por meio de uma técnica de médias. Por exemplo, se quisermos analisar PESs visuais, colocamos eléctrodos na posição O1 e O2 (do SI 10-20) no crânio. Depois, apresentamos uma série de estímulos visuais, como uma base quadricular de quadrados brancos e negros, a intervalos certos e durante um certo período de tempo. Sempre que a base quadricular é apresentada, um segmento do EEG é digitalizado para dentro da memória do computador e os pontos digitais da onda deste segmento do EEG é somada aos pontos dos segmentos que já estão na memória do computador. Ao fim do período do tempo total da experiência faz-se uma média de todos os pontos digitalizados. Isto resulta numa curva PER que contêm todas as suas componentes. Os picos positivos e negativos da onda PER podem ser definidos como sendo aspectos do PER relacionados com a) as localizações do SI 10-20, b) relacionados com as estruturas neurológicas do cérebro (Fabiani et al, 1987) e c) serem usados em associação com o TEP, o RfRM, o MEG e o IO. Isto resulta numa melhor quantificação e identificação das diversas estruturas cerebrais que estão em actuação durante o processamento da informação dos diversos estímulos ou actividades cognitivas.

O princípio e o uso do MEG são muito parecidos com o que se faz no EEG, mas com a diferença de que o MEG mede a actividade magnética das células nervosas do cérebro. Isto faz com que os problemas que encontramos no EEG, tais como as percas de resolução e qualidade eléctrica da actividade encefálica devido à espessura ou a forma do osso craniano, ou ao campo de resolução da actividade cerebral ser mais larga no EEG, ou aos eléctrodos serem fixados no couro cabeludo, ou também devido ao facto que o MEG não necessita de eléctrodos de referencia e portanto mais ser mais fácil e precisa a identificação da origem da actividade cerebral, seja mais afectado por medidas parasitas do que o MEG.

A Tomografia por Emissão de Positrões (TEP) assim como a Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM) são técnicas muito novas mas que no entanto já estão a prover dados acerca da maneira como o cérebro processa o comportamento e toda uma série de informação impossível de se ver até agora.

O TEP é usado no estudo das funções do cérebro que actuam principalmente no desenvolvimento dos seres humanos, no seu envelhecimento, nas consequências de acidentes cerebrais, e no tratamento e diagnose de comportamentos disfuncionais tanto no foro mental como físico. Esta técnica, desenvolvida nos anos 70, deve-se à descoberta de radiotraçadores de vida curta, como o O15 (com uma vida de 2 minutos), o N13 (com uma vida de 10 minutos), o C11 (com uma vida de 20 minutos), e o F18 (com uma vida de 110 minutos), que possibilita a observação de actividades cerebrais de curta duração em pessoas intactas e vivas. Como o Oxigénio, o Nitrogénio e o Carbono (assim como o Fluorídico - um composto de Flúor e Hidrogénio) são parte integrante do corpo humano, estes elementos podem-se misturar com fármacos ou outras substâncias radioquímicas (como o Butanol, ou a Água) para assim podermos identificar o local de actuação destes produtos no sistema fisiológico.

Estas substâncias são sintetizadas por meio de aceleradores de partículas (em Inglês = Cyclotron), que as irradia de protões e deuterões, e que depois de purificadas ou são injectadas ou inaladas por pessoas. Os radiotraçadores enfraquecem porque emitem positrões, que são electrões instáveis, escassos em neutrões, com uma carga positiva, que não se movimentam muito e que quando encontram electrões negativos ‘explodem’. Quando isto acontece, as suas massas convertem-se em fotões de alta energia (Raios Gama) que se propagam em direcções opostas (180º) ao movimento inicial. Isto faz com que este novo movimento possa ser detectado por aparelhos que permitem identificar o local onde existe um maior número de ‘explosões’ e assim localizar a área cerebral com maior concentração de radiotraçadores, que na maioria dos casos é a área que esta a ser usada para executar o comportamento em causa. O radiotraçador O15-Água é o mais usado no estudo de actividades cerebrais. No entanto devido ao facto que esta substância tem uma certa dificuldade em passar a barreira hematoencefálica, em situações onde se requerer uma alta absorção do radiotraçador pelo cérebro, usa-se o O15-Butanol. No entanto o O15-Água é mais fácil de se adquirir e relativamente menos dispendioso, pois trabalhos que usam a técnica do TEP são altamente onerosos e precisam de equipas de especialistas tais como físicos, neurologistas, informáticos, psicólogos e outros. Os estudos que usam o radiotraçador O15-Água investigam áreas cerebrais que controlam comportamentos humanos como o controle motor, a atenção, a percepção, a memória, as emoções, a linguagem, a imaginação, o sono, e alguns comportamentos disfuncionais tais como ataques de pânico ou ansiedade. Presentemente o TEP está a ser usado no estudo de comportamentos bastante mais complexos como a aprendizagem (Savage et al, 2001), que faz com que esta tecnologia possa mostrar dentro em breve mostrar todos os segredos que o cérebro ainda têm para nos dar. Em parte devido à descoberta de novos radiotraçadores tais como a sintetização de substâncias que o próprio cérebro usa como a serotonina ou a dopamina, ou de aminoácidos usados por tumores cerebrais. Portanto, o uso esta técnica em pessoas com enfermidades ou intactos só pode ser limitada ou por causa do seu uso ser acima das posses económicas do país em causa, ou então do pouco conhecimento que se tem acerca dela.

Em relação à Representação funcional por Ressonância Magnética (RfRM), pode-se dizer que algumas das suas desvantagens em relação ao TEP, é de ser muito mais afectado por variáveis parasitas como movimentos da cabeça, de não se poder apresentar estímulos a todos os sensos humanos (visual, auditivo, tacto, gustativo e o olfacto), de a sua análise ser muito mais complexa, de não se poder actuar/falar com o participante, de não se poder fazer em conjunto outras medidas psicofisiológicas como o EEG/PER, ECGEMG ou o AED, e de não se poder fazer análises em todo o cérebro (o RfEM tem alguma dificuldade em analisar certas partes cerebrais localizadas no lobo frontal). No entanto o RfRM em relação ao TEP tem a vantagem do custo do seu uso ser menor, a resolução espacial (a espessura de cada fatia cerebral = voxels) ser superior (no RfRM = 1mm; no TEP = de 3 a 15 mm), não haver problemas de radiação se utilizarmos o mesmo participante muitas vezes, de ser possível fazer estudos relacionados com eventos cerebrais pequenos (RfEM = 30 mseg, no TEP = 100 mseg), e de ser possível fazerem-se estudos de caso.

Um dos primeiros estudos que usou o RfRM foi feito em 1991 por Belliveau et al e foi publicado no jornal Science. Quer dizer que esta técnica é relativamente nova e é um desenvolvimento da Tomografia por Ressonância Magnética (TRM) já usada em alguns laboratórios no país. O TRM é baseado na ideia de que átomos do corpo humano se orientam ou paralelamente ou em 180º em relação a um campo magnético. Este campo, gerado por um sistema de magnetos num estado de supercondutividade e que pode variar entre 0,5 a 3 Teslas, é equivalente a 10 - 60 mil vezes mais forte do que o campo magnético da Terra. O principal objectivo do TRM é medir a distribuição magnética dentro do corpo. Este é feito de biliões de átomos que giram e se movimentam aleatoriamente. Um dos átomos mais abundantes no corpo humano é o hidrogénio que tem um protão e um electrão e um largo momento magnético. Este não é mais do que a facilidade que os átomos de hidrogénio têm em se alinharem quando são colocados dentro de um campo magnético. Isto implica que quando um corpo humano entra dentro de um TRM os magnetos alinham os átomos a girarem e a bambolearem de uma certa maneira, também chamada a precessão. Logo após este alinhamento uma onda de uma certa frequência, gerada por uma bobine (que em TRMs que produzem imagens em 3D têm bobines gradientes nos três planos) ligada a um transmissor de rádio, produz um pulso que faz com que os átomos na parte do corpo humano que se quer analisar comecem a girar e a precessar de acordo com essa frequência, também chamada a frequência de Larmour. A introdução do pulso no TRM chama-se Ressonância. A frequência da Ressonância é calculada tendo por base o tipo de tecido humano que se está a observar e a potência do campo magnético. Geralmente cada TRM tem três bobines gradientes que estão posicionados de uma certa maneira e que quando são ligadas e desligadas rapidamente alteram o campo magnético numa área do corpo humano muito pequena. A imagem dessa parte (o voxel) é obtida através da medição do tempo que a energia electromagnética dos protões de hidrogénio tomam em voltarem a girar como antes de terem recebido o pulso – tempo de relaxamento (T1). A medição deste tempo é feita em certos intervalos (TR). Quanto mais pequeno for este intervalo melhor é a resolução da imagem. Uma outra medida que também se tira é o T2, que é usada principalmente no RfRM. Esta refere-se ao tempo de abatimento da potência do pulso e à perca da coerência do giro dos protões. Toda esta informação vai para um computador gráfico que usando programas dedicados (como o Fast Fourier Transformation - FFT) traduz os dados obtidos de cada pulso numa imagem.

O sangue, sendo uma substância rica em átomos de hidrogénio, é um óptimo candidato para TRM. Portanto, pode-se medir não só o tempo de relaxamento dos giros dos átomos (e assim mostrar as diversas partes do encéfalo), assim como o movimento do sangue. Mas em relação ao cérebro o que é também importante avaliar é o seu volume sanguíneo pois este altera-se devido às mudanças da oxigenação do sangue quando pessoas processam estímulos internos (pensamentos, ideias, imagens) ou externos (activação de sensores). Isto é o que o RfRM faz, pois consegue identificar o tipo de glóbulos vermelhos no cérebro. Esta técnica, chamada a Dependência do Nível de Oxigénio no Sangue (DNOS) [em inglês = Blood Oxygenation Level Dependent (BOLD], apresentada por Ogawa et al (1992), identifica a intensidade do sinal obtido pelo TRM devido à quantia do oxigénio na hemoglobina dos glóbulos vermelhos e do volume sanguíneo nas veias e capilares do cérebro. Estas mudanças do sinal podem ser usadas para medir, indirectamente, as mudanças do volume sanguíneo em locais específicos no cérebro. Portanto quando um ser humano processa um estímulo, uma área cerebral entra em actuação. Isto faz com que o volume sanguíneo nessa área aumente com um maior número de glóbulos vermelhos com oxigénio (os oxiemoglobinas), e uma redução no número de glóbulos vermelhos com menos quantia de oxigénio (os deoxiemoglobinas), e o resultado disto é que o sinal captado pelos sensores no TRM aumenta. Em prática, quando se quer fazer um RfRM de um processo mental, primeiro tiram-se um conjunto de imagens da área encefálica com interesse em repouso. Depois tiram-se um outro conjunto de imagens durante a execução do acto mental. Estes dois conjuntos de imagens são então subtraídas umas das outras que resultam em imagens com partes cerebrais mais brilhantes que outras, e assim podem-se expor as partes cerebrais que estão a processar o estímulo, em relação a outras que se encontram em repouso (Bandetti et al, 1993). No entanto, devido ao facto que o RfRM é uma metodologia bastante complexa, sofisticada, muito nova e que não pode ser usada em pessoas que tenham peças metálicas no corpo (e deixou o autor deste artigo com alguma dor de cabeça depois do seu uso) é ainda pouco usada em investigação que envolve o estudo do cérebro humano. Isto não implica que possa ser usado no estudo de outros órgãos e partes do corpo humano como o coração, os pulmões, o sistema digestivo, os rins, o pescoço, os músculos e as articulações que são cada vez mais correntes.

                        Portanto são estas novas tecnologias que conseguem que a Psicofisiologia seja, em cada dia que passa, mais usada no estudo da relação do corpo com a mente. Esta relação faz com que se consiga não só uma maior compreensão da maneira como o corpo humano reage a acontecimentos, mas também reconhecer que o seu uso seja considerado também como uma metodologia bastante poderosa na reabilitação de condições físicas como traumas ou disfunções.


            Utilização

A Psicofisiologia tem sido usada nos mais variados campos e áreas. Desde o estudo de psicopatologias de perturbações mentais ao desenvolvimento de sistemas de diversão. Isto implica que o limite da sua utilização é dependente da criatividade do ser humano.

Em relação à área da saúde a Psicofisiologia concentra-se principalmente na:

·        na identificação e manejo de ansiedades (stress) ou pânico,
·        no estudo e correcção de estados emocionais (com todos os seus problemas não só em termos de definição como na maneira como são processados),
·        nos problemas do sono:
o       insónia
o       apneia
·        na identificação de comportamentos excessivos:
o       extrovertidos
o       introvertidos,
o       impulsos,
o       agitações,
o       sossegos,
·        na identificação e possível método terapêutico de psicopatologias:
o       a esquizofrenia,
o       a depressão,
o       as manias e/ou fobias,
o       os comportamentos anti-sociais como:
§          a agressão,
§         a demência,
§         a insensatez,
o       a hiperactividade (via o EEG Quantitativo [EEGQ]),
o       o autismo,
·        no processo do envelhecimento com a análise:
o       do declino de condução do sistema nervoso,
o       do declino do volume/perfusão sanguínea,
o       do declino da capacidade máxima do ar,
o       do declino da força muscular,
o       no aumento da pressão sanguínea,
o       no aumento da resistência do sistema vascular,
·        na identificação e controlo da hipertensão,
·        na mitigação da:
o       dor crónica (via estimulação eléctrica de nervos tanscutâneos [EENT]),
o       asma (via métodos de relaxação [MR] e consumo do O2 [CO]),
o       epilepsia (via o EEG),
o       reumatismo (via o MR, EMG e temperatura cutânea [TC]),
o       enxaqueca (via o EMG, TC e MR),
o       hiper-ventilação (via MR, e CA),
·        na reabilitação de:
o       anomalias,
o       traumas físicos,
o       doenças de ansiedade pós-trauma (DAPT),
o       incontinências,
o       ofensas traumáticas cerebrais (OTC),
o       acidentes vasculares cerebrais (AVC)
entre outros.


            Conclusão

                        Entre 1990 e 2000 foi a Década do Cérebro. Durante estes dez anos o nosso cérebro começou a revelar alguns dos seus mais profundos segredos. Conseguiu-se descobrir como o cérebro processa as nossas emoções, as nossas percepções, os nossos actos motores e intenções, e o que ele faz antes de se começar a falar, olhar e até mesmo pensar. No entanto é preciso reconhecer que a nossa maneira de ser pode ser influenciada por um coração que bate com alguma dificuldade e também pela maneira como desenvolvemos a nível cognitivo. Como já foi apontado, o cérebro modera o corpo assim como este modera a cérebro. A Psicofisiologia é uma técnica que pode parecer como sendo uma janela da ligação entre mente e o nosso corpo. Esta por si só não resolve os problemas desta relação. Pode sim dar-nos resultados mais precisos da nossa actividade física em certas situações e de uma maneira ainda muito primitiva mostrar a complexidade desta relação.

Este artigo é uma apresentação muito breve acerca das novas técnicas que psicofisiologistas andam agora a usar para poderem indagar ainda mais a relação corpo e mente. O que se está a descobrir é que esta tem a capacidade não só de se auto-destruir mas também de se auto-compôr. Tudo depende do que o ser humano quer fazer não só de si próprio mas também da relação que tem com a sociedade ou o ambiente em que vive. Tem que se reconhecer que esta ainda tem muitos segredos e que estas novas tecnologias ainda talvez não consigam descobrir o que se passa entre o corpo e certas partes da mente. Por isso devemos de estar continuamente a par não só do que se está a fazer nesta área mas também de se começar a investir seriamente na sua prática tanto a nível de cuidados do ser humano como a nível de investigação. Para isso acontecer existe uma necessidade cada vez mais premente de se desenvolverem laboratórios em institutos, centros de saúde, hospitais, universidades e outros para se poder formar uma massa crítica e recursos humanos suficientes para se dar aos utentes de cuidados de saúde, de mercancia e de entretimento o benefício deste novo conhecimento. Espera-se que este escrito seja mais um ‘tijolo’ nesse grande e importante assunto que é a Psicofisiologia.


Referências

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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Período integral: a criança ganha ou perde?


Educação Infantil
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Período integral: a criança ganha ou perde?


Especialistas defendem que a instituição ideal é aquela que busca o equilíbrio entre o cuidado e o trabalho pedagógico, entre o estímulo e o descanso, entre a rotina e a novidade


Flávia Siqueira

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Todos os dias, ao chegar na creche, é a mesma história: o filho da manicure Alessandra Venâncio gruda nas pernas da mãe e se recusa a entrar. Ele passa o dia inteiro na instituição, pois a mãe precisa trabalhar. O sofrimento é mútuo. "Sofro muito com essa situação. Minha esperança é que ele ainda se adapte", conta. Alessandra diz que, se tivesse uma alternativa, como uma babá em casa, não mandaria o filho para a creche por enquanto.
O dilema de Alessandra é o mesmo de muitos pais e mães. Matricular um bebê ou uma criança pequena em uma instituição em geral é não apenas uma grande mudança de rotina para a família, mas muitas vezes motivo de angústia para pais e filhos. O que acontece, então, quando uma criança precisa ficar na escola ou creche em período integral? O longo período longe dos pais pode ser um problema para o desenvolvimento da criança? A escola está preparada para receber essa criança durante tanto tempo? A angústia de muitos pais é justificável?
O período integral acaba levantando uma questão que ainda divide muitas opiniões em relação à educação infantil: a criança precisa ser escolarizada o quanto antes ou a escola é apenas um lugar bem estruturado para deixar os pequenos enquanto os pais trabalham? Nem um, nem outro. É a opinião do pedagogo Paulo Fochi, doutorando em educação pela USP e professor da Unisinos, onde leciona no curso de pedagogia e coordena a especialização em educação infantil. "É preciso se afastar dessas duas extremidades. Existem instituições - públicas e privadas - que conseguem ser menos assistenciais e menos escolarizantes. Isso porque constroem uma concepção pedagógica para criar uma boa experiência de vida", afirma.
No entanto, entre as famílias é comum a visão de que o melhor para uma criança pequena é ficar ao lado dos pais. Nesse cenário, o papel assistencial da creche ou escola - a instituição que cuida enquanto os pais não podem - surge como principal preocupação. Para a secretária Andreia Boccalini, mãe de um filho de três anos e um de sete, até os dois anos as crianças são muito carentes, e por isso é difícil deixá-las na escola. "O ideal mesmo seria que eu pudesse ficar com ele, mas, como isso não é possível, acho a escolinha a melhor opção", diz. "Eu não deixaria com babá, porque teria que ser uma pessoa de confiança. Além disso, o custo de uma babá é bem mais caro do que o de uma escolinha particular. E também é complicado ficar dependendo de uma só pessoa para cuidar do seu filho, na escolinha tem várias tias."
Para Paulo, é difícil determinar se passar muito tempo na escola é bom ou não para a criança, pois não só depende da escola, mas especialmente do tempo e disposição dos pais. Se essa criança ficar em casa, os pais se dedicariam ao desenvolvimento da criança? E se a criança ficar na escola, a instituição está bem organizada para acolher crianças tão jovens por tanto tempo, produzindo um espaço de bem-estar?
"A ideia binária de ser bom ou ruim para a criança é muito limitante. Pode ser que alguns pais saibam agir na medida certa, mas grande parte não dá conta. As crianças vão ficar com os pais para ver TV? Ficar no shopping? Não é simples dizer que a quantidade temporal é suficiente. Quando se está junto, que se esteja junto de fato, que não seja atravessado por uma tela de tablet, de TV, que seja uma relação de escuta e de diálogo", defende o especialista. Apesar disso, Paulo considera importante levar em conta a idade dos bebês que frequentam as creches e escolas em período integral com pouco tempo de vida, de poucos dias a poucos meses. "Há questões importantes na relação com a mãe, como a constituição psíquica e a consolidação do eu."
Organização do espaço
Desta forma, a educação infantil em período integral deve proporcionar um espaço agradável e que promova o bem estar das crianças. O ideal é que a escola crie um espaço convidativo, com ambientes em que a criança se sinta acolhida e confortável para brincar, aprender e se deslocar - ir ao banheiro, por exemplo, sem necessariamente pedir a permissão de um adulto. Os espaços destinados a atividades devem ter materiais atrativos e estimular a interação. É importante que também existam ambientes abertos e outros para descanso.
"Não estamos falando apenas dos ''cantinhos''. A ideia é que todos os espaços da escola sigam essa lógica, incluindo os corredores e a entrada", diz Lenira Haddad, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). "Em um ambiente assim, o período de adaptação é mais curto, a criança é mais feliz e gosta de voltar à escola. O período integral não será penoso para ela."
Organização do tempo
Também é importante que as crianças tenham uma rotina no ambiente escolar, mas ela não deve se prender à rigidez da tradicional divisão do tempo por áreas de conhecimento, como ocorre nos ensinos fundamental e médio, defende Lenira. Na educação infantil, a organização do tempo ideal permite à criança se localizar nesse tempo, saber o que está acontecendo e o que vem em seguida. A criança tem momentos sozinha, outros em que está em grupo, tem atividades de mais movimento e períodos para descansar. "O dia na educação infantil não pode ser visto sob perspectiva de uma rotina, de dois turnos divididos pelo horário de almoço, mas deve ser visto como uma jornada, da hora que ela entra à hora que ela sai", observa Paulo Fochi.
Jorge Alexandre Cardoso, coordenador do curso de pedagogia da Unisul e da Escola Dinâmica, em Florianópolis, destaca também a necessidade de equilibrar a atenção individual e o trabalho em grupos na educação infantil. "A faixa de 0 a 5 anos é muito heterogênea; as crianças mudam muito rápido e cada uma delas responde de uma forma diferente." Na escola em que Jorge trabalha, existe a educação infantil no período parcial e integral. Segundo ele, é importante que a escola que oferece o integral não pense apenas em "esticar as atividades" para ocupar o tempo. O ideal é que exista de fato um projeto, que inclui aprendizado, brincadeira e cuidado.

Flexibilidade e responsabilidade compartilhada
Em sua trajetória como pesquisadora, Lenira Haddad, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), conheceu experiências de outros países na educação infantil. Ponderando a questão do assistencialismo (pais deixarem as crianças em período integral na escola apenas porque precisam trabalhar) e da escolarização (ideia de que quanto antes o ingresso, melhor), a professora busca inspiração nos sistemas escolares de países escandinavos - em particular o da Suécia, cuja estrutura é em grande parte fruto de reivindicações femininas. "Lá, a responsabilidade pela educação é partilhada entre a sociedade e a família. Existe uma ideia de que ''os filhos não são só nossos''."
Nesse cenário, o acesso a creches não é visto como assistencialismo, mas como direito de fato da criança e da família. Na sociedade atual, em que os dois pais trabalham e as famílias são menores, a educação infantil cumpre um papel importante, que inclui colocar a criança em contato com outros adultos e crianças. O equilíbrio deve também marcar a relação da escola com os pais, afirma Lenira. "É uma ideia de educação partilhada, negociada, com equilíbrio de poder. Um diálogo entre família e escola e a forma como cada um pensa a educação." Em instituições escandinavas visitadas pela professora, essa negociação incluía os horários. "Lá, havia reloginhos que mostravam o tempo na escola e o horário de saída de cada um", conta. "As crianças não têm que necessariamente ir embora ao mesmo tempo."

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FONTE;  http://hom2.gerenciadordeconteudo.com.br/produtos/ESRE/textos/0/periodo-integral-a-crianca-ganha-ou-perde-339084-1.asp

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