O Advento do Senhor Ramacandra E o Sistema de Castas

O Advento do Senhor Ramacandra E o Sistema de Castas 01

A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
Palestra realizada no Havaí, em 27 de março de 1969

ramadi murtisu kala-niyamena tisthan
nanavataram akarod bhuvanesu kintu
krsnah svayam samabhavat paramah puman yo
govindam adi-purusam tam aham bhajami

(Brahma-samhita 5.39)

Este é um verso do Brahma-samhita, no qual a encarnação do Senhor Ramacandra é descrita: Ramadi. Não há apenas Rama, senão que há muitas outras inumeráveis encarnações, as quais são comparadas às ondas de um rio. Assim como as ondas de um rio ou as ondas de um oceano não podem ser contadas, é impossível dizer quantas são as encarnações do Senhor Supremo. Os principais nomes, todavia, são mencionados nos shastras, daí o Brahma-samhita dizer ramadi, que significa “Rama e também muitas outras encarnações”. E as encarnações continuam existindo; não pensem que uma encarnação aparece e, depois, está acabada. O Senhor Ramacandra, por exemplo, apareceu neste planeta milhões de anos atrás, em Treta-yuga. Passamos apenas cinco mil anos desta era, Kali-yuga, antes da qual houve Dvapara-yuga, que dura oitocentos mil anos. E, antes de Dvapara-yuga, houve Treta-yuga, que dura um milhão e duzentos mil anos. Isto significa que o Senhor Ramacandra apareceu neste planeta há pelo menos dois milhões de anos, mas Ele continua existindo.

O Senhor Ramacandra apareceu em Ayodhya, um lugar no norte da Índia, assim como Krishna apareceu em Mathura, que também se localiza no norte da Índia. Mathura situa-se a cerca de 140 quilômetros ao sul de Nova Delhi, a capital da Índia, e Ayodhya situa-se a cerca de 800 quilômetros a nordeste de Nova Delhi. O Senhor Ramacandra apareceu neste dia, o nono dia da Lua, motivo pelo qual hoje se chama Sri Rama Navami.

Seu pai era o rei de Ayodhya, e ele tinha duas esposas. Das duas esposas, ele obteve quatro filhos, dos quais Ramacandra é o filho mais velho. A vida e as atividades do Senhor Ramacandra estão registradas em um livro chamado Ramayana, sobre o qual vocês já ouviram falar. O Ramayana, assim como as obras literárias védicas, é aceito como histórico. Os Puranas, o Srimad-Bhagavatam, o Mahabharata e o Ramayana figuram dentro da história.

A trama do Ramayana é que o pai de Ramacandra, chamado Maharaja Dasharatha, queria aposentar-se, para o que decidiu entronar o Senhor Ramacandra. Assim, tudo estava estabelecido, mas, apenas um dia antes de entroná-lO, a esposa mais nova dele mudou o rumo de tudo. Algumas vezes, Maharaja Dasharatha sofria do que se chama de paroníquia, um problema no dedo, mas sua rainha o servia muito bem, satisfazendo-o inteiramente, em razão do que ele disse: “Minha querida Sharmistha, se queres alguma bênção minha, posso te dar”, ao que ela respondeu: “Pedir-te-ei pela bênção quando eu necessite. Não agora”. Então, apenas um dia antes da coroação do Senhor Ramacandra, ela aproximou-se de seu esposo, Maharaja Dasharatha, e o lembrou: “Meu querido esposo, prometeste-me uma bênção, e eu disse a ti que eu a pediria quando necessitasse”. “Sim, eu me lembro”, disse Maharaja Dasharatha. “Queres a bênção agora?”. “Sim”. “E qual é a bênção que desejas?”. “Ramacandra não deve ser entronado, mas sim Bharata, meu filho”. Ele ficou surpreso com aquele grande pedido, mas disse: “Tudo bem. Será feita a coroação de teu filho”. Antigamente, e mesmo hoje, há muitos reis kshatriyas na Índia que têm mais de uma esposa, e naturalmente há rivalidade entre as diferentes esposas. O mesmo se dava no passado, pois a psicologia humana é a mesma. Mesmo dois milhões de anos atrás, a mesma mentalidade existia, e Sharmistha  pediu: “Meu filho deve ser o rei, não Ramacandra”, porque Ramacandra era o filho de Kaushalya, a rainha mais velha.

Assim, Maharaja Dasharatha concordou e chamou afetuosamente por Ramacandra, a quem explicou os pedidos de Sharmistha. Porque era muito diplomática, ela queria que Ramacandra fosse para a floresta e lá permanecesse por quatorze anos a contar daquele dia. A mentalidade por trás do pedido era política: “O rei talvez concorde em instalar meu filho prontamente, mas, após alguns poucos anos, Ramacandra talvez venha com Seu exército e talvez haja alguma dificuldade em continuar o reinado”. Maharaja Dasharatha consentiu, pois ele era kshatriya. Apenas vejam a seriedade de uma promessa. Um kshatriya jamais volta em sua promessa, tampouco recusa algum desafio. Se um kshatriya é desafiado por alguém: “Quero lutar contra tua pessoa”, o espírito kshatriya diz que ele não pode recusar dizendo: “Estou ocupado no momento”. Se alguém viesse até nós e nos desafiasse: “Quero lutar contra vocês”, poderíamos dizer: “Que luta sem sentido! Não temos tempo. Estamos no templo”, mas um kshatriya não pode se recusar, senão que tem que aceitar prontamente: “Sim. Venha”. No momento do desafio, a arma deve estar presente; se ele não tem espada ou outra arma, ele deve receber a arma para lutar. Assim é o espírito dos kshatriyas, os quais eram altamente caridosos e cavalheirescos, mantinham a promessa, e tinham uma grande tendência para governar, administrar.

Há diferentes prescrições para diferentes classes de homens para o seu sustento. Os brahmanas podem ganhar seu sustento de seis maneiras, a saber, pathana pathana yajana yajana dana pratigraha, e eles têm que ser qualificados com doze qualidades elevadas, das quais a veracidade é o primeiro item. O kshatriya pode dizer mentiras, o que é permitido porquanto ele tem que ser diplomático, político. O brahmana, no entanto, não tem autorização para mentir. Este é o sistema de castas ou sistema varnashrama, no qual todos eram treinados, uma vez que essas quatro classes de homens são necessárias em uma sociedade.

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Foto: As quatro classes sociais com Krishna ao centro.

Para a manutenção apropriada da sociedade, uma classe de homens tem que ser muito inteligente, altamente qualificada, com todas as boas qualidades. Os membros dessa classe têm que ser treinados no caráter ideal de modo que as pessoas possam ver e segui-los. Portanto, os brahmanas eram tidos com muitíssimo respeito e alta estima, e ocupavam a posição mais alta da sociedade, porque têm o caráter ideal, são eruditos e divinos e conhecem a ciência espiritual.

A próxima classe são os administradores, os kshatriyas, os quais são treinados em relação a como matar. Os kshatriyas eram autorizados a caçar na floresta a fim de aprenderem a arte de matar, porque isso lhes era necessário. Se o rei visse alguém fazendo algo proibido, ele podia imediatamente o decapitar caso o quisesse. O rei era muito poderoso e, antigamente, se houvesse guerra, o presidente ou rei não se sentava confortavelmente em casa e os soldados comuns iam e davam suas vidas; ao contrário, o rei, ou o governante máximo do Estado, tinha, antes de todos, de ir à batalha. Vocês podem ver na ilustração de Kurukshetra como os principais homens da batalha estavam arranjados de ambos os lados em suas quadrigas, e não se refugiando atrás, protegendo-se, e os coitados dos soldados sendo jogados na batalha. Esse era o espírito kshatriya, e é necessário que uma classe de homens seja treinada para batalhar. Porque semelhante treinamento esteve presente na Índia desde muito tempo, não há dificuldade em recrutar soldados lá. Há uma classe de homens que ainda é muito ativa em lutar, como, por exemplo, os gurkhas, os nepaleses, residentes de um pequeno Estado independente entre a China e a Índia. Toda a população do Nepal se constitui de kshatriyas: eles são excelentes lutadores. O mesmo se dá com os sikhs, os jatas, os quais estão sempre prontos para lutar. Vocês ficarão surpresos em saber que o Império Britânico voluntariamente se dissolveu por ter perdido o domínio sobre a Índia. Os britânicos compreenderam que, quando estavam perdendo o domínio sobre a Índia, não havia mais possibilidade de manterem o seu império oriental, em decorrência do que o desmantelaram. Por quê? Na verdade, todo o Império Britânico estava sendo dirigido e expandido pelos soldados indianos, os sikhs e gurkhas. Após estabelecerem sua posição na Índia, eles estenderam o Império Britânico no Oriente Médio e Extremo Oriente simplesmente por meio dos soldados sikhs e gurkhas, obtendo supremacia sobre Burma e sobre muitas outras localidades.

Deste modo, existe a necessidade de uma classe de homens lutadores. Vocês, em seu país, estão encontrando dificuldade em recrutar porque o processo de recrutamento está errado, haja vista que vocês estão treinando shudras e querem que eles lutem, o que é impossível. Então, como o Senhor Krishna declara no Bhagavad-gita (4.13), catur-varnyam maya srstam guna karma vibhagashah: “As quatro classes ou ordens da sociedade, a saber, brahmanakshatriyavaishyashudra, são planejadas por Mim de acordo com trabalho e qualidade”. Assim, homens de todas as quatro qualidades são necessários: os brahmana, os kshatriyas, a comunidade mercantil e a classe trabalhadora.

A classe trabalhadora, é claro, não necessita de treinamento, uma vez que essa classe se refere àqueles que não podem fazer nada, nem se tornarem brahmanas nem se tornarem kshatriyas ou vaishyas. O restante final da população se chama classe trabalhadora, ou shudra, o que diz respeito a alguém que não tem nenhum treinamento, nenhum samskaraJanmana jayate shudra: Por nascimento, janmana, todos são aceitos como shudras, homens de quarta classe, o que deve ser aceito, pois de fato é assim. O que sabe, por exemplo, uma criança inocente? Ela tem que ser treinada ou como brahmana ou como kshatriya ou como vaishya. Do contrário, por nascimento, ela já é shudra, um indivíduo sem treinamento. Trata-se de um sistema muito científico: A princípio, todos são aceitos como shudras, mas, se você os treina como brahmanas, kshatriyas ou vaishyas, eles se tornam, respectivamente, brahmanas, kshatriyas ou vaishyas.

Assim, se você quer a ajuda de um homem realmente inteligente ou de um homem que realmente conheça Deus, ele tem de estar disponível, e essa é a classe brahmana. Se você necessita da ajuda de um advogado, por exemplo, existem muitíssimos advogados disponíveis, e o mesmo acontece caso você precise de ajuda médica, porque existem homens treinados. Similarmente, a sociedade precisa treinar certa classe de homens para que se tornem brahmanas, assim como estamos treinando homens para a consciência de Krishna, a qual se destina aos brahmanas. Nossos homens não se destinam a lutar, porquanto não estão sendo treinados a lutar, mas sim para se tornarem brahmanas. Quem é brahmanaBrahma janati iti brahmana. As quatro divisões são descritas desta maneira. Janmana jayate shudrah: Aceita-se que todos nascem shudras, mas samskarad bhaved dvijah: Independente da família em que tenha nascido, ele tem que ser treinado, assim como garotos são enviados para a escola para receberem treinamento. Assim, todos são aceitos como shudras, mas, a partir de então, devemos treiná-los, devemos enviá-los para o guru-grha.

Guru-grha significa a casa do professor. Antigamente, não havia, para treinamento, tais escolas e faculdades de grande escala. Mesmo cinquenta anos atrás na Índia, em toda vila havia uma pequena escola conduzida pelo brahmana, e as crianças da vila eram treinadas ali. Assim, a criança era enviada para treinamento, e não havia mensalidade escolar, senão que os garotos, os brahmacharis, em nome do professor ou do mestre espiritual, iam mendigar de porta em porta e traziam esmolas, arroz, dal, grãos e qualquer outra coisa que ganhassem. Este era o sistema, e, sem mensalidade escolar, não havia problemas quanto a como enviar um garoto para a escola. Samskara: Agora ele está treinado.

O professor via a psicologia do garoto de maneira a determinar se ele deveria ser treinado como um vaishya ou se ele deveria ser treinado como um kshatriya. Assim, todos eram treinados desta maneira, mas, em geral, o filho de um kshatriya era treinado como kshatriya desde o começo, tal como se deu com Maharaja Ramacandra ou com Arjuna. A tendência natural é que, se alguém é filho de um médico, seu pai o treina para se tornar médico no futuro. Se o garoto é completamente diferente do pai, essa é outra questão, mas, naturalmente, essa é a tendência. Assim, o filho de um kshatriya era treinado como kshatriya, o filho de um brahmana era treinado como brahmana, o filho de um vaishya era treinado como vaishya, e o shudra não tinha treinamento. Gradualmente, então, isto se tornou um sistema de castas, isto é, o filho de brahmana tornou-se brahmana, mesmo sem receber o treinamento que antigamente existia. Mas, então, invalidou-se: Embora um indivíduo nascido na família de um brahmana, ele está fazendo o trabalho de um shudra.

De acordo com a escritura védica, ou shastra, o indivíduo é classificado de acordo com seu trabalho e sua qualidade, não por nascimento. No Bhagavad-gita (4.13), por exemplo, o Senhor diz, catur-varnyam maya srstam guna-karma-vibhagashahGuna significa qualidade, e karma significa trabalho, logo o indivíduo tem que ser qualificado para o trabalho e tem que de fato trabalhar – apenas então ele se classifica em determinada categoria. Se você, por exemplo, apenas é treinado ou educado como advogado, mas não está atuando no tribunal, ninguém se importará com você ou irá até você para consultá-lo como advogado, pois você tem que estar exercendo também. Analogamente, tornar-se brahmana significa, antes de tudo, que o sujeito deve saber o que é o Brahman, e ele tem que estar de fato situado nas atividades do Brahman, a saber, o serviço devocional, as atividades em consciência de Krishna. Brahme carati iti brahma brahmachariCarati significa “age”, isto é, aquele que age aplicando os princípios de brahmana em sua vida chama-se brahmachari. Então, estes eram os treinamentos.

Vejam como era o treinamento: O kshatriya não pode voltar atrás em sua promessa. Maharaja Dasharatha, destarte, cumpriu a promessa que fizera à sua esposa mais nova e fez a seguinte solicitação ao seu filho mais velho, Ramacandra: “Meu querido rapaz, terás de ir para a floresta por quatorze anos, pois esse é o desejo de Tua mãe mais nova, e eu prometi que cumpriria a solicitação dela. Então, por favor, aceita o exílio”. Ramacandra disse: “Sim, pai, estou pronto para o exílio”. Vairagya, renúncia, é uma das seis opulências de Deus.

aisvaryasya samagrasya
viryasya yashasah sriyah
jnana-vairagyayos caiva
sannam bhagam itingana

“Plenitude de riqueza, força, fama, beleza, conhecimento e renúncia – estas são as seis opulências da Suprema Personalidade de Deus”. (Visnu Purana 6.5.47)

Como alguém se torna Deus? Deus não é fabricado por voto, senão que existe a definição de quem é Deus. Deus tem que ser o proprietário de todas (samagrasya) as opulências (aisvaryasya). Ninguém pode competir com Ele. Aqui neste mundo material, sou um homem rico, mas há outro homem rico que pode competir comigo, e há outro homem rico que pode competir com ele. Uma qualificação de Deus, no entanto, é que ninguém pode competir com Deus em riqueza. Você talvez possa dizer: “Sou mais rico do que Ford ou Rockefeller”, mas ninguém pode dizer: “Sou mais rico do que Deus”. No Bhagavad-gita (7.7), portanto, é dito mattah parataram nanyat kincid asti dhananjaya. Dhananjaya é um nome de Arjuna, e Krishna disse: “Meu querido Arjuna, inexiste alguém maior do que Eu”. Por conseguinte, se alguém clama ser Deus, ele tem que provar na prática que ninguém é mais rico do que ele. Ser o mais rico é o primeiro requisito, mas, infelizmente, estamos aceitando muitíssimos Deuses: Aceitamos qualquer patife na rua que alegue ser Deus.

As outras qualificações são que ninguém pode ser mais forte, mais famoso, mais sábio, mais belo ou mais renunciado do que Deus. Ao aceitar o exílio, o Senhor Ramacandra exibiu a qualidade de renunciar todo o reino simplesmente por obediência à ordem de Seu pai. Ele poderia ter argumentado com o Seu pai: “Meu querido pai, estás fazendo isto simplesmente para manter tua promessa e influenciado pela ordem de uma mulher. Paremos com isso, pois todos estão esperando que amanhã haverá Minha coroação, e o povo Me ama imensamente”. Assim como Krishna era muitíssimo amado, o Senhor Ramacandra era a vida do povo, que estava na imensa expectativa de que Ramacandra fosse entronado no dia seguinte. Conquanto todos estivessem celebrando e decorando toda a cidade em imensa empolgação, Ele jamais argumentou, mas antes aceitou de imediato: “Sim, pai. Estou pronto”.

Nesse momento, um dos irmãos, Lakshmana, também solicitou a Ramacandra: “Meu querido irmão, leva-Me também. Porque sou Tua companhia constante, tenho de ir conTigo”. “Se o Teu desejo é que queres voluntariamente vir coMigo”, disse Ramacandra, “podes fazê-lO”. Então, Sita, Sua jovem esposa, também disse: “Irei conTigo”, ao que Ramacandra disse à Sua esposa: “Tu não podes vir coMigo. É muito difícil para ti, pois és filha de um rei, e foste criada para o ambiente urbano, além de seres belíssima. Tu não podes vir, pois não conseguirás te submeter à dificuldade de viver na floresta”. Então, ela disse: “Sou Tua esposa. Como nos casamos, tenho de acompanhar-Te mesmo se fores ao inferno”.

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Foto: Sita já na floresta em exílio com seu esposo e Lakshmana.

Assim é a esposa ideal. Ela poderia ter recusado: “Teu pai ordenou que fosses para a floresta, então podes ir. Eu, entretanto, irei para a casa de meu pai ou permanecerei aqui”. Ela não procedeu assim porque é a esposa ideal, a qual tem que estar disposta a aceitar quaisquer circunstâncias do esposo, e não que, quando o esposo é rico, a esposa é muito fiel, e, quando ele cai na pobreza ou está indo para a floresta, a esposa deixa sua companhia.

Esposa significa a metade melhor do homem, em virtude do que ela tem que ser tolerante. É dito, em analogia, que a sombra segue a realidade. De modo similar, a esposa é a sombra do marido, isto é, aonde quer que o esposo vá, ela tem que ir, e o que quer que o esposo queira, ela tem que levar a cabo. É claro que, neste país, esta interpretação é entendida de modo diferente: Entende-se que a esposa se torna escrava. Na verdade, contudo, não é assim. Quando Sita foi raptada na selva, Ramacandra já esperava por isso devido a ela ser bela e jovem. “Estaremos em selva aberta. Pode ser que alguns demônios venham”, Ele considerou, e isso de fato se deu. Então, apenas por Sita, o Senhor Ramacandra massacrou toda a família de Ravana. A esposa, de igual modo, tinha a mesma disposição para com o esposo, sendo tão fiel que não podia permanecer sozinha, senão que precisava acompanhar o esposo mesmo na floresta. O esposo, por sua vez, era tão fiel que, diante do sequestro da esposa, massacrou toda a família de Ravana.

O Senhor Ramacandra apareceu neste mundo a fim de educar-nos estabelecendo o exemplo ideal de como um rei deve ser. Quando há bom governo, todos são felizes, e o exemplo é o rama-rajya, o reino do Senhor Rama. Há muitíssimas passagens na vida de Ramacandra. Certa vez, alguém foi a Ramacandra, porque, naquele tempo, não havia corte como esta em que você tem que ir a uma corte fazer uma petição com firma reconhecida e o seu julgamento será entregue após seis anos. O rei costumava sentar-se em uma audiência aberta, e todos os cidadãos eram autorizados a se aproximarem do rei para apresentar suas queixas. Isso era possível porque praticamente não havia queixas. Todos eram felizes, e havia apenas queixas muito pequenas. Então, alguém foi a Ramacandra e cobrou dEle: “Meu querido rei, meu filho faleceu. Como é esta questão de que, na presença de seu pai, o filho pode morrer? Parece haver algo errado no governo de Vossa Majestade”. Vejam a cobrança: “Por que meu filho morreu antes de mim? Isto não é natural”. O rei era responsável mesmo pelo frio ou pelo calor severo, o que sabemos a partir das declarações do Srimad-Bhagavatam.

Assim, os reis eram muitíssimo responsáveis e estavam sempre pensando na felicidade dos cidadãos, e os cidadãos também eram ótimos. Um cidadão, certa vez, aproximou-se do Senhor Ramacandra, e Seu assistente imediato, Seu irmão Lakshmana, informou-Lhe: “Ele é um brahmana. Estiveste ausente em Tua excursão por uma quinzena ou um mês, e este brahmana não ingeriu sequer uma gota de água durante Tua ausência”. “Por quê?”. “Porque ele vem aqui para o Teu darshana”. Assim como nós viemos aqui no templo para ver a Deidade, o Senhor Ramacandra estava pessoalmente presente e o brahmana costumava comparecer para vê-lO. O voto dele era que, apenas após ver Ramacandra e oferecer suas reverências, ele ia para casa desjejuar, mas como ele não pôde ver por uma quinzena ou um mês o Senhor Ramacandra, porque o Senhor estava fora em excursão política, ele nada comia. Vejam como os cidadãos eram similares ao rei.

Naquele tempo, havia uma estátua de Ramacandra que estava sendo adorada na família de Maharaja Iksvaku, o filho de Manu, que acontecia de ser o antepassado da família em que Ramacandra aparecera. Ele era devoto do Senhor Rama, e ele estava adorando Sua estátua. Essa estátua, com efeito, estava sendo adorada pela família geração após geração, mas, quando Ramacandra estava de fato presente, Ele mantinha a mesma no armário da sala, e, quando esse brahmana aproximou-se e Ramacandra foi informado por Lakshmana que ele era muito estável e firme em seu voto, Ramacandra ordenou: “Ele pode receber essa estátua de forma que, na Minha ausência, ele possa oferecer respeitos à estátua”. Essa forma archa, ou estátua, de Ramacandra ainda existe no sul da Índia, e está sendo adorada desde aquele tempo. Estes eram os procedimentos de Ramacandra.

Então, Ramacandra, Seu irmão mais novo Lakshmana e Sua esposa foram para a floresta, e Sua esposa foi raptada pela diplomacia do demônio Ravana, em decorrência do que houve contenda entre Rama e Ravana. Ravana, materialisticamente, era muito forte, e o ponto é que, para lutar contra Ravana, Ramacandra não voltou ao Seu reino para Se munir de Seu exército. Ele não voltou porque recebeu a ordem de viver na floresta. Assim, Ele organizou um exército com os animais silvestres, os macacos. Ele lutou contra Ravana, um materialista organizado, com os macacos, e Ele construiu uma ponte entre o último ponto da Índia e o outro lado. Ceilão é considerado como sendo o local do reino de Ravana, e foi feita uma ponte de pedras flutuantes até lá.

Assim, há muitíssimas passagens históricas na vida de Ramacandra, e devemos recordá-las, porque devemos nos lembrar de por que estamos observando jejum hoje para Ramacandra. Houve muitos reis como Ramacandra, porque os reis eram treinados dessa maneira. Maharaja Yudhisthira também era tão bom quanto Ramacandra, e também o era Maharaja Pariksit. Houve muitos de tais reis, mas não estamos interessados em Ramacandra por Ele ter sido rei, mas sim por Ele ser o rei de todos os reis, paramesvara. Ele é Deus, daí observarmos jejum hoje.

Ramadi-murtisu kala-niyamena tisthan (Brahma-samhita 5.39) indica que Ramacandra não é a forma original de Deus, senão que a forma original de Deus é Krishna, e Krishna Se expande em várias outras formas. Advaitam acyutam anadim ananta-rupam (Brahma-samhita 5.33). Ananta-rupam significa milhões e milhões de formas. Manu também é encarnação de Krishna, e, em um dia de Brahma, há quatorze Manus, e Brahma vive por cem anos. Vejam quantas encarnações de Manus existem mesmo para um Brahma, e existem inumeráveis Brahmas. Assim, como se declara no Srimad-Bhagavatam, ninguém pode contar quantas encarnações existem, mas algumas das principais encarnações são mencionadas, e o Senhor Ramacandra é uma delas.

Enfim, o Senhor Ramacandra matou Ravana e entronizou seu irmão, Vibhishana, o qual era devoto.

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Foto: Ramacandra mata o tirano Ravana.

Ele, portanto, não foi conquistar o Ceilão porque era imperador, senão que foi até lá com o objetivo de punir aquele ofensor de nome Ravana, após o que entronizou seu irmão mais novo, Vibhishana. Ramacandra então retornou com Sita e, após quatorze anos, Ele foi entronizado. O irmão de Ramacandra era tão fiel a Ele que, enquanto Seu irmão mais velho esteve fora, Ele recusou-Se a ser rei. Ramacandra solicitou-Lhe: “Tua mãe quer que sejas o rei, e Eu também quero que, na Minha ausência, sejas rei”. Uma vez que Bharata era um irmão muito leal, Ele respondeu: “Não. Vós sois o rei. Enquanto viverdes, ninguém pode ser rei, devido a que não posso ser rei”. Ramacandra, então, solicitou: “Ao menos administre”. Isso era necessário porque, com a partida do Senhor Ramacandra, Maharaja Dasharatha morreu em consequência do choque, dado que Ramacandra era seu queridíssimo filho mais velho. Ramacandra ia ser rei e, por sua ordem, Ele foi enviado para a floresta. Como o pai não pôde tolerar o choque decorrente disso, ele morreu.

Assim, caso ouçamos os passatempos da vida de Ramacandra, as atividades de Deus, estamos na companhia de Ramacandra, pois não há diferença entre Sua forma, Seu nome, Seus passatempos e Ele mesmo, haja vista que Ele é absoluto. Portanto, quer você cante o santo nome de Rama, quer você veja a estátua de Rama, quer você fale de Seus transcendentais passatempos, tudo isso significa que você está na companhia da Suprema Personalidade de Deus. Assim, aproveitamos estes dias quando a encarnação de Deus aparece ou desaparece e tentamos ficar em Sua companhia. Pela Sua companhia, purificamo-nos, o que é o nosso processo.

A consciência de Krishna significa que nós estamos simplesmente purificando a nossa consciência. Pelo nascimento, como expliquei, todos são shudrasShudra é aquele que se lamenta por uma pequena perda ou pequena inconveniência, ao passo que brahmana é aquele que tolera. Esta era se chama Kali, e a declaração dos shastras é que, nesta era, toda a população é shudra. E, antigamente também, por seu nascimento, todos eram considerados shudras, mas havia treinamento, samskara, o que não existe mais. O treinamento atual é apenas para se ganhar o sustento. Nenhum outro treinamento é dado no momento presente tirante como o indivíduo pode ganhar dinheiro e desfrutar dos sentidos. Contudo, para tornar bem-sucedida a vida humana ou a missão da vida humana, a cultura védica é excelente. E, propagando a consciência de Krishna e adotando o processo da consciência de Krishna, vocês podem reviver essa vida cultural e sublime. Mesmo caso não aconteça globalmente; se houver apenas algumas poucas pessoas treinadas nesta linha que se tornem exemplos ideais para a sociedade, seus exemplos de vida podem propiciar imensos benefícios.

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