domingo, 20 de agosto de 2017

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A PSICOPEDAGOGIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O PAPEL DAS BRINCADEIRAS NA PREVENÇÃO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM


Artigo de Revisão - Ano 2016 - Volume 33 - Edição 101

A PSICOPEDAGOGIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O PAPEL DAS BRINCADEIRAS NA PREVENÇÃO DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

RESUMO
O presente artigo é resultado do trabalho de conclusão do curso de Especialização em Psicopedagogia realizado numa instituição privada no interior do Rio Grande do Sul. A proposta era pensar numa temática em que pudéssemos demonstrar e ampliar o conhecimento que construímos ao longo do curso. Pensando nisso, este trabalho tem como foco principal refletir sobre a relevância que uma simples brincadeira tem para o processo de desenvolvimento das crianças e, em especial sua alfabetização. Dessa forma, nesse trabalho mostramos que, a partir de algumas brincadeiras comuns do cotidiano infantil, podemos beneficiar o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e matemática. Para tanto, foi realizada revisão bibliográfica sobre os conceitos de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem, apontando sua relação com o desenvolvimento psicomotor e, consequentemente, abordando a prevenção das disgnosias e dispraxias como prevenção de dificuldades de aprendizagem. Posteriormente, apresentamos o que alguns autores consideram habilidades necessárias para a aquisição da leitura, escrita e matemática, habilidades estas que podem ser estimuladas por meio de brincadeiras tradicionais. Brincar desenvolve habilidades psicomotoras, psíquicas, afetivas e também cognitivas; faz parte do desenvolvimento integral da criança. Entendemos que a proposta aqui apresentada pode ser o pontapé inicial para uma intervenção institucional com professores que atuam na Educação Infantil, de modo que eles possam refletir sobre sua prática na escola.
Palavras-chave: Psicopedagogia. Educação Infantil. Brincadeiras educativas. Alfabetização.
ABSTRACT
This article is the result of the completion of course work Specialization in Psycopedagogy held at a private institution in the interior of Rio Grande do Sul. The idea was to think of a theme that could demonstrate and expand the knowledge we have built over the course. Thinking about it, this work is mainly focused on reflecting on the relevance that a simple game has for children’s development process and in particular their literacy. Thus, this work showed that from some common tricks of child everyday can benefit the development of reading skills, writing and mathematics. For this purpose, literature review was performed on the concepts of learning and learning difficulties, pointing his relationship with psychomotor development and consequently addressing the prevention of disgnosias and dispraxias as prevention of learning disabilities. Later we present what some authors consider skills needed for the acquisition of reading, writing and math skills, these can be stimulated through traditional games. Playing develops psychomotor, mental, emotional and cognitive skills as well; It is part of the child’s overall development. We believe that the proposal presented here can be the kickoff for institutional intervention with teachers who work in kindergarten so they can reflect on their practice in school.
Keywords: Psycopedagogy. Child education. Educational games. Literacy.


INTRODUÇÃO
A Psicopedagogia é a área do conhecimento que trabalha diretamente com as dificuldades das pessoas relacionadas à aprendizagem, pois estuda como se dá esse processo1. Em geral, o psicopedagogo é procurado quando as dificuldades já estão presentes, e seu papel é avaliar e estabelecer um plano de intervenção. No entanto, a Psicopedagogia não se caracteriza apenas como uma área que atua quando já existe o problema ou dificuldade, mas pode atuar também de forma preventiva, no intuito de evitar que elas se instaurem. É a esse objetivo que se propõe a Psicopedagogia institucional. Atuando nas escolas, o psicopedagogo trabalha com a dinâmica da instituição e com a formação de professores, orientando e auxiliando na organização das atividades e, consequentemente, no processo de aprendizagem dos alunos2.
A partir dessa perspectiva preventiva, entendemos que, por meio de diferentes brincadeiras tradicionais, podem-se prevenir algumas dificuldades de aprendizagem relacionadas às habilidades de leitura, escrita e matemática que são diretamente influenciadas pelo desenvolvimento psicomotor das crianças. Ocorre que, na maioria das vezes, o professor de educação infantil não tem clara essa relação entre algumas atividades lúdicas e a aprendizagem futura daquelas habilidades. Portanto, o objetivo deste estudo é mostrar que, por meio de algumas brincadeiras comuns do cotidiano infantil, podemos beneficiar o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e matemática.
Inicialmente faremos algumas considerações mais amplas sobre a aprendizagem, apontando sua relação com o desenvolvimento psicomotor e, consequentemente, abordando a prevenção das disgnosias e dispraxias como prevenção de dificuldades de aprendizagem. Em seguida, discorreremos de forma mais específica sobre a aprendizagem da leitura, escrita e matemática, apontando como elas podem ser desenvolvidas através das brincadeiras na Educação Infantil.
Ressaltamos que as brincadeiras apresentadas foram escolhidas por serem populares entre as crianças, em especial, na região sul do país. Nossa intenção é trazer apenas algumas indicações e suscitar a reflexão. Entendemos que as brincadeiras aqui propostas não contemplam a diversidade cultural de nosso país, mas as escolhemos, além dos motivos já mencionados, por serem atividades que não necessitam de outros recursos além do próprio corpo da criança.

APRENDIZAGEM E DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM
É possível conceituar a aprendizagem a partir de diferentes perspectivas. Em uma perspectiva neurocientífica, a aprendizagem "é um processo complexo e dinâmico, que resulta em modificações estruturais e funcionais permanentes no sistema nervoso central"3. Atos perceptivos e motores são elaborados pelo córtex cerebral, gerando aquelas modificações que, em última análise, originam a cognição3. Papalia & Feldmandefendem a ideia de que a aprendizagem acontece devido à plasticidade do cérebro, ou seja, a capacidade de se adaptar/modelar às mudanças no ambiente. Para Rotta5, a plasticidade cerebral é responsável tanto pela reorganização do sistema nervoso central após alguma lesão, como também é responsável pelo processo de desenvolvimento normal, pois está relacionada à flexibilidade que o cérebro tem de se modificar, à capacidade de aprender a partir da exposição a estímulos novos, ou seja, à cognição. Segundo a referida autora, as funções que envolvem a cognição como as gnosias (funções superiores ligadas ao conhecimento), praxias (capacidade de realizar um ato motor voluntariamente) e a linguagem são a expressão da plasticidade cerebral.
Na Teoria Psicogenética de Henri Wallon, a ideia de aprendizagem está centrada na inter-relação dos domínios funcionais (afetividade, ato motor, ato mental), onde "a cada estágio, um dos domínios predomina e o exercício e amadurecimento de um, interfere no amadurecimento dos outros"6. Esse desenvolvimento se caracteriza como um processo dialético, e essa inter-relação acontece desde o nascimento. O bebê ao nascer é puro instinto, age impulsivamente para saciar suas necessidades; cabe ao meio (geralmente à mãe), interpretar seus gestos; gradativamente, o bebê vai percebendo e utilizando esses gestos de forma voluntária, iniciando o processo de comunicação e aquisição da linguagem, o início da vida psíquica. A aprendizagem se dá nessa interação com o meio, que ora acontece por meio do aspecto motor, desenvolvimento e exploração corporal, ora, através das experiências de interação e constituição da personalidade. A defasagem em um desses domínios interfere no desenvolvimento dos demais. Essa relação também é percebida do ponto de vista neurológico. Rotta7 comenta que inteligência e praxia se constituem como "uma situação de causa e efeito, uma vez que não só a inteligência estrutura as praxias, como ela é um instrumento da inteligência".
O campo da Psicopedagogia vê a atenção aos aspectos neuropsicomotores como essencial para o processo de aprendizagem. Como já mencionado anteriormente, a aprendizagem é um processo, no qual existem muitos aspectos envolvidos, como a atenção, memória, percepção, e também habilidades psicomotoras, como o equilíbrio, a manutenção da postura, motricidade ampla e fina, coordenação viso-manual, noção de ritmo e outros mais. Ao atendermos uma criança que apresenta dificuldades de escrita, por exemplo, dentre os aspectos que avaliamos está seu desenvolvimento psicomotor, suas habilidades motoras. E, muitas vezes, o plano de intervenção tem como um de seus objetivos desenvolver as habilidades motoras que estão relacionadas aos movimentos que a criança precisa dominar com destreza para poder evoluir em seu grafismo. Nesse sentido, concordamos com Corso8 quando afirma que "o desenvolvimento psicomotor está imbricado em todos os processos de aprendizagem".
As noções da educação psicomotora se aproximam dessa proposta, ratificando que a atenção ao desenvolvimento da criança desde o nascimento está diretamente implicada com seu processo de alfabetização e conhecimento matemático. Vayer9 define a educação psicomotora como sendo uma educação global, pois associa os potenciais intelectuais, afetivos, sociais, motores e psicomotores da criança, dando-lhe segurança, equilíbrio e organizando corretamente as suas relações nos diferentes espaços em que tem de atuar.
Nesse sentido, podemos compreender a educação psicomotora como intervenção preventiva, pois oportuniza que a criança se desenvolva melhor em seu ambiente10. Em suma, do ponto de vista psicopedagógico, podemos entender a atenção ao desenvolvimento psicomotor como prevenção às dispraxias e disgnosias.
Como dispraxias entende-se as "alterações no desenvolvimento do gesto, que é realizado em relação ao próprio corpo ou ao mundo dos objetos, relacionados a uma intenção"7. Essas alterações podem se apresentar de diferentes formas, como por exemplo: a) dificuldade em usar adequadamente o lápis ou tesoura; b) realização de atividades de forma desastrada, derrubando o material, pois, geralmente, as crianças têm dificuldades em coordenar os movimentos necessários para executar a ação; c) dificuldades para colocar ou tirar as próprias roupas; d) lentidão ao participar de jogos e atividades próprios para a sua idade; e) dificuldade na montagem de quebra-cabeças; f) transtornos de conduta, dependendo do modo como essas alterações afetam sua noção de esquema corporal e suas relações com o espaço; g) distrações, problemas na fala e também na escrita7. Um aspecto importante que a autora comenta é que "a criança dispráxica sabe bem o que tem que fazer e não tem dificuldades motoras para realizá-lo, mas impossibilidade de fazê-lo"7. As dispraxias envolvem dificuldades da criança em relação a seu esquema corporal e noções de espaço e tempo, interferindo em sua autoconsciência e nas relações que estabelece com o mundo. De acordo com Rotta7, as noções de esquema corporal envolvem funções como equilíbrio postural, lateralidade, freio inibitório, tônus muscular, e funções neuropsicológicas superiores (memória, atenção, percepção), as quais interagem entre si num determinado tempo e espaço com diferentes ritmos.
As disgnosias são alterações ou atrasos na integração das percepções. Essas percepções podem ser mais simples, como a auditiva, olfativa ou tátil, mas também podem ser mais complexas, como o esquema corporal e as noções de espaço e tempo. Existem diversos tipos de disgnosias. Dentre os principais sintomas/características pode-se citar: a) incapacidade de reconhecer objetos pelo tato, sem auxílio da visão; b) dificuldades ou atraso na capacidade de reconhecer sons não-verbais; c) dislalias que podem acarretar na troca de letras na idade escolar; d) dificuldade em identificar e reconhecer objetos, fisionomias, cores e espaços; e) dificuldade ou atraso na integração do esquema corporal; f) disfunção da noção de espaço, interferindo diretamente na noção corporal, temporal e no ritmo, geralmente levando à confusão direita-esquerda, em cima-embaixo, dentro-fora, perto-longe11.
As disgnosias e dispraxias interferem no processo de leitura, escrita e também na matemática. No presente artigo, estamos falando do processo preventivo de tais disfunções. "A organização das praxias e gnosias juntas são a base do desenvolvimento da inteligência, primeiro da inteligência sensoriomotora, depois da operatória e, por último, da inteligência abstrata e formal"11. Por essa razão, enfatizamos que o professor deve conhecer como se dá o desenvolvimento humano para poder auxiliar as crianças nesse processo.

O QUE O PROFESSOR PRECISA SABER...
Primeiramente, o professor deve ter clareza de que a criança é um ser integral e todos os aspectos precisam ser observados e desenvolvidos, pois estão interligados. Em segundo lugar, compreender a importância da brincadeira como um instrumento pedagógico. Para Papalia & Feldman4.
"O brincar contribui para todos os domínios do desenvolvimento. Por meio dele, as crianças estimulam os sentidos, exercitam os músculos, coordenam a visão com o movimento, obtêm domínio sobre seus corpos, tomam decisões e adquirem novas habilidades".
Desse modo, o brincar ajuda a promover a aprendizagem, pois "o comportamento de brincar é uma maneira útil de a criança adquirir habilidades desenvolvimentais – sociais, intelectuais, criativas e físicas"12. O brincar pode trazer benefícios intelectuais para a criança, como, por exemplo, favorecer a habilidade da linguagem, incentivar o desenvolvimento cognitivo e a formação de conceitos. A brincadeira incentiva a criatividade e a imaginação através do jogo simbólico, e também estimula o desenvolvimento das habilidades motoras fina e ampla, uma vez que exercita/movimenta o corpo, desenvolvendo a coordenação motora.
Nesse sentido, o brincar deve ser considerado o principal instrumento pedagógico, em especial na educação infantil. Entendemos que, nessa faixa etária, a brincadeira é o meio mais significativo e interessante para as crianças de desenvolver objetivos pedagógicos, tendo em vista que as próprias habilidades de atenção, concentração e controle corporal – necessários para um ensino mais sistematizado – estão sendo desenvolvidas. Antes de aprender a ler e escrever, a criança precisa brincar.
Segundo Leal & Luz13, há uma grande contradição no processo educativo, pois a escola enfatiza o aprendizado de conteúdos específicos como a leitura e a escrita, mas não dá a devida importância às condições que afetam e influenciam diretamente a aquisição de tais habilidades. Nesse sentido, as autoras apontam a importância do jogo como ferramenta pedagógica para a aprendizagem e acrescentam: "A escola a nível pré-escolar não deve considerar a brincadeira como atividade apenas para passar o tempo ou diversão, mas analisá-la através de propósitos pedagógicos que visam o desenvolvimento da criança"13.
Entendemos que o professor, ao organizar seu planejamento, precisa conhecer o real potencial que as brincadeiras escolhidas por ele podem ter. Assim, com o intuito de contribuirmos efetivamente para a prática dos professores, à medida que vamos explicitando quais aspectos estão implicados no processo de leitura, escrita e matemática, comentaremos de que forma algumas brincadeiras contribuem para o seu desenvolvimento.

ASPECTOS DO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA E BRINCADEIRAS QUE OS FAVORECEM
Trevisan et al.14 argumentam que "o aprendizado da leitura depende de habilidades adequadas de processamento da fala [...]". Nossa língua se caracteriza como um sistema alfabético, sendo necessário que a criança estabeleça a relação entre o grafema e o fonema durante o processo de alfabetização. Moojen15 utiliza o termo consciência fonológica para definir a capacidade de refletir e operar com os fonemas a partir da consciência de que as palavras são formadas por diferentes sons ou grupo de sons. Para a referida autora, existe uma relação de reciprocidade entre a consciência fonológica e a aquisição da leitura e escrita e, consequentemente, uma relação de hierarquia entre as habilidades envolvidas. Por exemplo, a identificação de um fonema no início das palavras é mais fácil do que no final; a segmentação parcial é mais fácil que a completa, que só é atingida com a aquisição e o exercício da leitura e escrita.
Lamônica16 diz que a falha ou o atraso no desenvolvimento da linguagem interferem no aprendizado da leitura e da escrita porque a criança apresenta um vocabulário pobre e dificuldades para argumentar. É importante estimular a criança a dialogar, questionar, exercitando suas percepções sensoriais, de modo que tenha condições de reconhecer e discriminar as palavras e desenvolva a consciência fonológica, habilidade fundamental para o processo de aprendizagem da escrita16. Além dessas habilidades, a "atenção, discriminação, memória, análise e síntese"16 também são responsáveis por esse processo. Consequentemente, alterações nessas habilidades farão com que a criança tenha dificuldade em lidar com os estímulos auditivos e visuais que são necessários para a aprendizagem da leitura e escrita. Como sugestão de brincadeira, apresentamos 'Ciranda-cirandinha' (Quadro 1). As crianças precisam compreender os comandos que a própria cantiga dá e realizá-los seguindo o ritmo da cantiga, como, por exemplo, o momento em que mudam a direção da roda: todos devem fazer essa mudança ao mesmo tempo para não se chocar com o colega. Outro aspecto que pode ser explorado nas cantigas são suas rimas, pois, de acordo com Moojen15, o reconhecimento das rimas faz parte do desenvolvimento da consciência fonológica e desde a educação infantil pode ser desenvolvida. Nesse sentido, outra sugestão interessante é a cantiga ‘O sapo não lava o pé’ (Quadro 1), pois permite que a criança de forma lúdica exercite a habilidade de aliteração, processo um pouco mais complexo do que o exercício com as rimas.


Capellini & Souza17 comentam que, para estarem aptas a escrever, as crianças precisam desenvolver várias habilidades, como o equilíbrio corporal, manipular objetos dentro da mão com destreza, bem como apreender e soltar objetos voluntariamente, ou seja, ter desenvolvido sua coordenação motora fina. Tais habilidades podem – e devem – ser desenvolvidas já na primeira infância. As autoras comentam que:
"A aprendizagem da leitura e da escrita é um processo complexo e difícil para as crianças em fase inicial de alfabetização. Essa aprendizagem envolve habilidades cognitivas e motoras que exigem dos escolares o uso dos componentes sensório-motores e perceptivos, ou seja, a capacidade de decodificação das palavras e a ação motora adequada no ato de escrever."17
Scoz et al.18 apontam outra situação de suma importância. Os autores afirmam que, quando crianças têm dificuldade de postura e de controlar seus movimentos, acabam tendo dificuldades de atenção e tais características podem ser encontradas em crianças que apresentam disgrafia, pois apresentam dificuldade em relação à organização espacial, não respeitando os limites das linhas e parágrafos, por exemplo.
Brevemente, podemos dizer que as habilidades a serem desenvolvidas são: a relação entra as letras e os sons; a posição de cada letra; sua localização no espaço; a direção da escrita. Obviamente, existem outras habilidades envolvidas, mas estas já são suficientes para termos a noção de que o processo de leitura e escrita englobam habilidades bastante amplas como o equilíbrio corporal, já citado anteriormente, noções de espaço e tempo, bem como a acuidade visual e auditiva. Mesmo tratando-se de habilidades complexas, elas podem ser naturalmente vivenciadas e desenvolvidas pelas crianças quando se permite essa possibilidade através do brincar.
Nossa sugestão de brincadeira que pode auxiliar a desenvolver essas habilidades é a ‘Amarelinha’ (Figura 1 e Quadro 2). A criança deve se envolver na brincadeira desde o desenho dos quadros e números no chão, sendo estimulada a observar, fazer traços mais ou menos retos, utilizando para isso lápis grossos, gravetos, giz para quadro negro ou até mesmo um pedaço de tijolo (dependendo do local onde a amarelinha será feita). Para isso, ela terá de ter um ponto de referência, saber em que direção movimentar seu braço e, consequentemente, seu corpo. Outro ponto positivo nessa brincadeira é o respeito aos limites no momento de pular, pois não se pode pisar na linha e existe uma ordem a ser seguida. Desenvolve o controle motor, freio inibitório, atenção, ritmo ao pular e seguir em frente. As noções de esquerda e direita também podem ser trabalhadas quando a criança escolhe com que pé vai pular.


Figura 1 – Amarelinha – esquema do jogo.



ASPECTOS SOBRE OS PRINCÍPIOS DA MATEMÁTICA E BRINCADEIRAS QUE OS FAVORECEM
Assim como na leitura e na escrita, as habilidades na área da matemática precisam que outras habilidades prévias sejam desenvolvidas. Quando a criança chega à educação infantil, traz consigo conhecimentos informais sobre o processo de contagem e que serão a base para a aprendizagem formal. Cabe ao professor, proporcionar diferentes experiências para que o aluno seja desafiado e vá elaborando seus conceitos.
Segundo Corso19, quando uma criança apresenta algum tipo de dificuldade na área da matemática, geralmente podemos identificar como sintomas: as dificuldades na organização da memória de trabalho, certa lentidão na consolidação dos princípios de contagem, dificuldades em realizar os procedimentos de cálculo e nos processos executivos para a ativação de estratégias de recuperação e, ainda, dificuldades referentes à recuperação de fatos da memória de longo prazo. De acordo com Bastos20, existem alguns sintomas que podem ser mais frequentemente detectados, como, por exemplo, escrita invertida de números, dificuldades para efetuar contas simples e reconhecer os sinais das operações, dificuldade de memorizar fatos numéricos, dificuldade em ordenar e organizar espacialmente os números nas operações de multiplicação e divisão. Nesse sentido, as diferentes experiências que podem ser estimuladas e proporcionadas na educação infantil, podem auxiliar as crianças a desenvolver essas habilidades. Bastos20 comenta que:
"A intervenção em crianças com discalculia será bem-sucedida quando as noções de números elementares de 0 a 9 (habilidade léxica), a produção de novos números (habilidade sintática), as noções de quantidade, ordem, tamanho, espaço, distância, hierarquia, os cálculos com as quatro operações e o raciocínio matemático forem trabalhados, primeiramente como experiências não-verbais significativas. A criança só irá trabalhar com fatos aritméticos mentalmente quando superar as etapas citadas."
É preciso proporcionar à criança experiências no âmbito do concreto, através da manipulação de materiais e da experiência com o próprio corpo (consciência do corpo no espaço). Bastos ainda afirma que, por meio das experiências do dia a dia, devemos estimular a percepção de figuras e formas, a observação de seus detalhes, semelhanças, diferenças através de imagens e objetos e, a partir disso, trabalhar com os números e letras.
O professor deve ter clareza de que sua atuação, antes de chegar ao ensino de conceitos matemáticos específicos como os procedimentos de operações aritméticas, por exemplo, deve estar pautada na exploração de objetos, na observação do ambiente, na proposição de atividades lúdicas. Entre as habilidades que o professor pode estimular, estão os ‘princípios de contagem’ e ‘senso numérico’, aspectos fundamentais para a aprendizagem da matemática. Quanto aos princípios de contagem, a criança os adquire ao longo do seu desenvolvimento e a partir das experiências e interações que estabelece com o meio. De acordo com Gelman & Gallitel (apud Corso19), são cinco os princípios que devem ser desenvolvidos pelas crianças:

  • Ordem constante – a ordem da contagem dos números é sempre constante, portanto digo 1, 2, 3, 4, 5 e não 1, 3, 8, 9;
  • Correspondência um a um (termo a termo) – para cada objeto tenho um nome de número;
  • Cardinalidade – o valor do último número contado na série representa a quantidade de itens da série;
  • Abstração – objetos de qualquer tipo podem ser colecionados e contados;
  • Irrelevância da ordem – os itens dentro de um determinado grupo podem ser contados em qualquer sequência.
  • É fundamental que o professor proponha atividades que possam contribuir no desenvolvimento dessas habilidades. Podemos aqui utilizar novamente a sugestão da ‘Amarelinha’ (Quadro 2), pois a criança experiencia com o próprio corpo a contagem dos números, a ordem constante. Como uma variação da brincadeira, pode-se sugerir à criança que no lugar do numeral, sejam desenhadas as quantidades.
    O senso numérico está igualmente implicado na aprendizagem da matemática. Corso & Dorneles21 definem o senso numérico como "a facilidade e flexibilidade das crianças com números e a compreensão do significado". Ou seja,
    "Possuir senso numérico permite que o indivíduo possa alcançar: desde a compreensão do significado dos números até o desenvolvimento de estratégias para a resolução de problemas complexos de matemática; desde as comparações simples de magnitudes até a invenção de procedimentos para a realização de operações numéricas; desde o reconhecimento de erros numéricos grosseiros até o uso de métodos quantitativos para comunicar, processar e interpretar informação.
    Um senso numérico bem desenvolvido é refletido na habilidade da criança de estimar quantidade, reconhecer erros em julgamentos de magnitude ou de medida, fazer comparações quantitativas do tipo, maior do que, menor do que e equivalência. Crianças com senso numérico desenvolvido têm uma compreensão do que os números significam."21
    Para que esse senso seja desenvolvido, cabe ao professor propor atividades que possam exercitar essas habilidades. Como sugestão, temos a brincadeira ‘Mamãe posso ir?’ (Quadro 3). À primeira vista pode parecer não ter relação com o que está sendo discutido, mas através dos diferentes tipos de passos que podem ser dados, são estimuladas as noções de tamanho e quantidade. Para que as crianças consigam fazer essa análise, o professor pode propor que, ao invés de dar o mesmo comando de passos a todas as crianças, cada uma pergunte quantos passos pode dar individualmente, pois assim elas poderão visualizar e analisar a diferença nos tamanhos e quantidades dos passos.


    CONSIDERAÇÕES FINAIS
    Certamente, as brincadeiras que podem estimular o desenvolvimento psicomotor das crianças e, consequentemente, beneficiar o processo de leitura, escrita e matemática não são apenas as mencionadas neste trabalho. Estas foram selecionadas por serem mais populares e, de certa forma, fazerem parte da cultura de nossa região. Além disso, as possíveis intervenções utilizando tais brincadeiras também não foram esgotadas, podendo ser feitas outras adaptações e análises.
    Do mesmo modo, as brincadeiras apresentadas estão longe de contemplar todos os aspectos que devem ser desenvolvidos do ponto de vista neuropsicomotor, mas demonstram o quanto uma simples brincadeira é importante para o desenvolvimento da criança. Mais do que isso: evidenciam o quão fundamental é a formação dos professores que atuam na educação infantil e também a relevância da abordagem psicopedagógica preventiva nesse nível de educação.
    A brincadeira faz parte do universo infantil. É a partir dela que a criança começa a interagir com o mundo e a se perceber fazendo parte desse mundo. Brincar desenvolve habilidades psicomotoras, psíquicas, afetivas e também cognitivas. Podemos dizer que o brincar é o prelúdio para o desenvolvimento integral da criança. Nesse trabalho, enfatizamos apenas um dos potenciais das brincadeiras infantis que é sua implicação direta no desenvolvimento psicomotor das crianças e sua consequente influência no desenvolvimento das habilidades envolvidas na aprendizagem da leitura, escrita e matemática.

    REFERÊNCIAS
    1. Scoz BJL, Barone LMC, Campos MCM, Mendes MH. Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1991.
    2. Moojen S. Abordagem psicopedagógica da aprendizagem. In: Scoz BJL, Rubinstein E, Rossa EMM, Barone LMC, orgs. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
    3. Ohlweiler L. Transtornos de aprendizagem. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo R. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    4. Papalia DE, Feldman RD. Desenvolvimento humano. 12ª ed. Porto Alegre: AMGH; 2013.
    5. Rotta NT. Dificuldades para a aprendizagem. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    6. Freitas CN, Menezes ECP. A teoria psicogenética de Henry Wallon e a prática pedagógica em educação especial. In: Costas FAT, org. Educação, educação especial e inclusão: fundamentos, contextos e práticas. Curitiba: Appris; 2012.
    7. Rotta NT. Dispraxias. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    8. Corso HV. Dificuldades de aprendizagem e atrasos maturativos: atenção aos aspectos neuropsicomotores na avaliação e terapia psicopedagógicas. Rev Psicopedagogia. 2007;24(73):76-89
    9. Vayer P. A criança diante do mundo. Trad. Pabst MA. Porto Alegre: Artes Médicas; 1982.
    10. Oliveira GC. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. 5ª ed. Petrópolis: Vozes; 2001.
    11. Ohlweiler L, Guardiola A. Disgnosias. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    12. Moyles JR. A excelência do brincar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    13. Leal G, Luz MM. A intervenção psicopedagógica em crianças pré-escolares através do jogo de faz-de-conta. [Monografia de Especialização]. Campinas: Pontíficia Universidade Católica de Campinas; 2006. Disponível em: http://bibliotecadigital.puccampinas.edu.br/services/monografias/Gisele%20Leal-Mariana%20Megale%20Luz.pdf Acesso em: 6/1/2015.
    14. Trevisan BT. et al. Avaliação do vocabulário receptivo em crianças do ensino fundamental: teste de vocabulário por imagens Peabody (TVIP). In: Sennyey AL, Capovilla FC, Montiel JM, eds. Transtornos de aprendizagem: da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas; 2008.
    15. Moojen SMP. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria, avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2009.
    16. Lamônica DAC. Disortografia: desafios para o aprendizado da escrita. In: Sennyey AL, Capovilla FC, Montiel JM, eds. Transtornos de aprendizagem: da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas; 2008.
    17. Capellini SA, Souza AV. Avaliação da função motora fina, sensorial e perceptiva em escolares com dislexia do desenvolvimento. In: Sennyey AL, Capovilla FC, Montiel JM, eds. Transtornos de aprendizagem: da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas; 2008.
    18. Scoz BJL, Rubinstein E, Rossa EMM, Barone LMC, Beatriz J. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
    19. Corso LV. A busca de relações entre as dificuldades na leitura e na matemática: um estudo com alunos de 3ª a 5ª série do ensino fundamental [Tese Doutorado]. Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2008.
    20. Bastos JA. Discalculia: transtorno específico da habilidade em matemática. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo R, eds. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed; 2006.
    21. Corso LV, Dorneles BV. Senso numérico e dificuldades de aprendizagem na matemática. Rev Psicopedagogia. 2010;27(83)298-309.










    1. Graduada em Educação Especial; Especialista em Educação Especial - Déficit Cognitivo e Educação de surdos; Psicopedagoga; Mestre em Educação; Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação, Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, Brasil
    2. Psicopedagoga, Mestrado em Psicologia da Educação, Doutora em Psicologia, Docente convidada do Centro Universitário Franciscano Santa Maria, RS, Brasil

    Correspondência
    Clariane do Nascimento de Freitas
    Centro Universitário Franciscano – UNIFRA Conjunto III
    Rua Silva Jardim, 1175
    Santa Maria, RS, Brasil – CEP: 97010-491
    Email: tutoraclariane@gmail.com
    Artigo recebido03/05/2016
    Aceito11/07/2016 

    Trabalho realizado no Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil.


    http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/490/a-psicopedagogia-na-educacao-infantil--o-papel-das-brincadeiras-na-prevencao-das-dificuldades-de-aprendizagem
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    terça-feira, 15 de agosto de 2017

    Pragmatismo e Utilitarismo

    Pragmatismo e Utilitarismo

    Pragmatismo e Utilitarismo
    por Alexsandro M. Medeiros
    postado em abr. 2016

              O pragmatismo deriva do vocábulo prágma que significa em grego a ação e depois prática, originou-se entre pensadores norte-americanos como explicação para o valor concedido pela burguesia ao lucro e ao bem-estar proporcionado pelos bens materiais. Charles Sanders Peirce (1854-1914) foi considerado criador do Pragmatismo e William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1952) foram seus principais representantes (PASSOS, 2004).
                Segundo Vásquez essa doutrina tem como particularidade a sua identificação da verdade com a utilidade, no sentido de que vê o útil como o único caminho da verdade.

    No terreno da ética, dizer que algo é bom equivale a dizer que conduz eficazmente à obtenção de um fim, que leva ao êxito. Por conseguinte, os valores, princípios e normas são esvaziados de um conteúdo objetivo, e o valor do bom – considerado como aquilo que ajuda o indivíduo na sua atividade prática – varia de acordo com cada situação (2003, p.288).

                Em relação à moral, alguma coisa pode ser considerada boa caso proporcione o alcance dos objetivos propostos, não existindo, dessa forma, valores absolutos no sentido de que o que é bom ou mau é relativo e pode variar em diferentes situações.
                Para Vásquez (2003, p.288), a redução do comportamento moral às ações que proporcionam o sucesso pessoal torna o pragmatismo uma versão utilitarista caracterizada pelo interesse individual e que “por sua vez, rejeitando a existência de valores ou normas objetivas, apresenta-se como mais uma visão do subjetivismo e do irracionalismo”.
                Já o utilitarismo é uma corrente de pensamento no campo da ética e da política e que tem sua origem nas ideias do pensador francês Claude-Adrien Helvétius(1715-1771) e do filósofo inglês do direito Jeremy Bentham (que foi influenciado por Helvétius) e que teve como seguidor o filósofo e economista inglês John Stuart Mill. “Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873) são dois dos mais notórios pensadores que assentaram as bases do que se convencionou chamar de utilitarismo em ética” (FERRAZ, 2014, p. 220). E segundo Danilo Marcondes, estes pensadores “[...] formularam o ‘princípio de utilidade’ como critério de valor moral de um ato” (p. 116).
                Nos fundamentos de sua estrutura, o utilitarismo considera o indivíduo como a expressão da utilidade, do prazer, da felicidade ou do desejo de realização. A ética utilitarista retoma o princípio epicurista: o desejo de felicidade e a fuga do sofrimento. Afirma que as ações são boas na medida em que tendem a promover a felicidade e más quando produzem sofrimento.
                Bentham define a ética como a arte de conduzir as ações humanas no sentido de gerar a felicidade para o maior número possível de pessoas:

    (...) II. – Em sentido amplo, a ética pode definir-se como a arte de dirigir as ações do homem para a produção da maior quantidade possível de felicidade em benefício daqueles cujos interesses estão em jogo.
    III. – Quais são, porém, as ações que o homem pode dirigir? Serão necessariamente ou as suas próprias ações ou as de outros agentes. A ética, enquanto arte de dirigir as próprias ações do homem, pode ser denominada a arte do autogoverno, ou seja, a ética privada (1974, p.69).

                Com efeito, “um dos aspectos centrais do utilitarismo é que ele sustenta que as pessoas devem agir de tal forma que promovam, com suas ações, a maior felicidade para o maior número de indivíduos” (FERRAZ, 2014, p. 220).

    Disponível em: Slideplayer, slide 12
    Acessado em 26/03/2016

                De modo semelhante, para Stuart Mill, o legislador deveria propor leis com o objetivo de produzir a maior felicidade (concebida como o prazer ou a inexistência da dor) para o maior número de pessoas.

    A doutrina que aceita a utilidade ou o Princípio da Maior Felicidade como o fundamento da Moral, sustenta que as ações estão certas na medida em que elas tendem a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entende-se prazer e ausência de dor, por infelicidade, dor e privação de prazer [...] o prazer e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins, e que todas as coisas desejáveis (que são tão numerosas no esquema utilitarista como em qualquer outro) são desejáveis, seja pelo prazer inerente a elas, seja como meios para promover o prazer e prevenir a dor (MILL, 2000, p. 30).

                Stuart Mill “[...] foi um dos maiores defensores do utilitarismo no século XIX. Foi o primeiro a de fato usar este termo, procurando argumentar contra seus críticos, sobretudo em sua principal obra de ética, intitulada precisamente Utilitarismo de 1863” (MARCONDES, p. 116).
                Os princípios da doutrina utilitarista envolvem todas as ações humanas consideradas comuns na tentativa de elevar ao nível máximo o grau de satisfação, como afirmado por Arruda, Whitaker e Ramos (2003 p.36): “De acordo com o princípio da maior felicidade, o fim último é uma existência isenta de dor e pródiga em gozos, no maior grau possível tanto quantitativa como qualitativamente”. A influência do utilitarismo se estendeu ao longo do século XX e permanece “[...] como uma das principais correntes contemporâneas no campo da ética e tendo inspirado concepções políticas como a de ‘bem-estar social’ e conceitos como o de ‘maximização do benefício’” (MARCONDES, p. 117).
                Por outro lado, Vásquez (2003, p.171) afirma que uma série de contestações podem ser feitas ao princípio distributivo do utilitarismo, observando que se o conteúdo do que é útil se identifica com a felicidade, o poder ou a riqueza haverá uma limitação na distribuição desses bens haja vista as imposições inerentes à estrutura econômico-social da própria sociedade.


    Referências Bibliográficas


    ARRUDA, M. C.; WHITAKER, M. C.; RAMOS, J.M. Fundamentos de Ética Empresarial e Econômica. 2.ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003.
    BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).
    FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/03/2016.
    MARCONDES, Danilo. Textos básicos de ética. De Platão à Foucault. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007.
    MILL, John Stuart. Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
    PASSOS, Elizete. Ética nas Organizações. São Paulo: Atlas, 2004.
    VÁSQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 24. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

    Ética e Política → Ética e Filosofia → Pragmatismo e Utilitarismo


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    segunda-feira, 31 de julho de 2017

    Os paradoxos do Cristianismo – Chesterton

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    Este estranho efeito provocado pelos grandes agnósticos, de levantarem dúvidas ainda mais profundas do que as suas próprias, poda ser exemplificado de várias maneiras. Citarei apenas uma. Quando li e reli todos os relatos não-cristãos e anticristãos a respeito da Fé, de Huxley a Bradlaugh, logo uma lenta e horrível impressão gravou-se, gradual mas graficamente, sobre o meu espírito – a impressão de que o Cristianismo devia ser algo extraordinário. De fato, o Cristianismo (como eu o entendia) tinha os mais  violentos vícios, mas tinha também, aparentemente, o místico talento de conciliar defeitos que pareciam incompatíveis entre si. Atacavam-no por todos os lados e pelas mais contraditórias razões. Assim que um racionalista acabava de demonstrar estar o Cristianismo demasiadamente longe para o leste, outro vinha demonstrar, com igual clareza, que ele estava muito mais longe para o oeste. E tão logo minha indignação esmorecera perante sua angular e agressiva quadratura, logo minha atenção era despertada para observar e condenar sua enervante e sensual esfericidade. Caso algum leitor não tenha compreendido o que quero dizer, dar-lhe-ei tantos exemplos quantos, ao acaso, lembrar-me a respeito desta auto-contradição do ataque cético. Começarei por apresentar quatro ou cinco exemplos; existem mais de cinqüenta.
    Por exemplo, deixei-me influenciar bastante pelo eloqüente ataque contra o Cristianismo por sua desumana melancolia, pois sempre pensei (e ainda penso) que o pessimismo sincero é o pecado imperdoável. O falso pessimismo é uma realização social, mais aceitável do que qualquer outra coisa e, felizmente, quase todo o pessimismo carece de sinceridade. Mas, se o Cristianismo fosse, como se costumava dizer, algo meramente pessimista e contrário à vida, então eu estaria inteiramente disposto a mandar pelos ares a Catedral de S. Paulo. O mais extraordinário, porém, é o seguinte: provaram-me, no Capítulo I (para minha absoluta satisfação), que o Cristianismo era demasiadamente pessimista; mas, depois, no Capítulo II, provaram-me que ele era, em grande parte, otimista demais. Uma das acusações contra o Cristianismo era a de que ele impedia os homens, por meio de lágrimas e terrores mórbidos, de procurarem a alegria e a liberdade no seio da Natureza. Outra acusação, porém, era que ele confortava os homens com uma fictícia providência e os colocava numa creche rosa e branca. Um grande agnóstico perguntava por que motivo a Natureza não era suficientemente bela, e por que razão custava tanto ser livre. Outro agnóstico argumentava que o otimismo cristão – “esse vestido ‘de mentirinha’ tecido por mãos piedosas” – escondia de nós o fato de que a Natureza era feia e que era impossível ser livre. Quando um racionalista classificava o Cristianismo como um pesadelo, já outro começava a chamá-lo de paraíso dos tolos. Isso me intrigavam porque tais acusações pareciam-me incompatíveis. O Cristianismo não podia ser, ao mesmo tempo, uma máscara preta sobre um mundo branco e uma máscara branca sobre um mundo preto. A situação de um cristão não podia ser, ao mesmo tempo, tão confortável a ponto de ser ele um covarde para prender-se a ela, ou tão desconfortável a ponto de ser um tolo para nela permanecer. Se o Cristianismo deturpava a visão humana, devia deturpá-la de uma forma ou de outra: o cristão não poderia usar, ao mesmo tempo, óculos verde e óculos cor-de-rosa. E, como todos os rapazes daquele tempo, eu repetia com terrível alegria as zombarias que Swinburne proferia contra a monotonia do credo:
    “Venceste, ó pálido Galileu, e o Mundo tornou-se sombrio com o Teu hálito”.
    Mas, quando li as narrativas deste mesmo poeta acerca do paganismo (como em“Atlanta”), cheguei à conclusão de que o Mundo era ainda mais sombrio, se isso fosse possível, antes do Galileu bafejá-lo com o seu sopro, do que depois disso. Certamente o poeta afirmava, em abstrato, que a própria vida era escura como breu. E no entanto, de uma forma ou de outra, o Cristianismo a tinha obscurecido ainda mais. O mesmo homem que acusava o Cristianismo de pessimismo era, ele próprio, um pessimista. Achei que devia haver algo errado. E, num momento de exaltação, veio-me à mente a idéia de que aqueles talvez não fossem os melhores juízes da relação entre a religião e a felicidade, pois não possuíam nem uma coisa nem outra.
    Deve-se compreender que não concluí, apressadamente, que as acusações eram falsas ou que os acusadores não passavam de loucos. Apenas deduzi que o Cristianismo deveria ser algo mais estranho e perverso do que se pretendia afirmar. Uma coisa pode ter esses dois defeitos opostos, mas era necessário que fosse bastante estranha para poder concentrar tais características. Um homem podia ser muito gordo em uma parte do corpo e muito magro em outra, mas seria preciso que tivesse uma compleição deveras singular. Nesse ponto, todos os meus pensamentos centravam-se, apenas, na bizarra forma da religião cristã, sem atribuir qualquer forma bizarra ao pensamento racionalista.
    Segue-se outro caso semelhante. Uma das coisas que eu julgava que mais depunham contra o Cristianismo era a acusação que lhe faziam, de que havia algo de tímido, de monacal e de desumano em tudo o que se costuma chamar de “cristão”, especialmente sua atitude perante a resistência e a luta. Os grandes céticos do século XIX eram, em grande parte, viris. Bradlaugh, de forma expansiva, e Huxley, de forma reservada, eram, decididamente, homens. Em comparação, parecia aceitável que existisse algo de fraco e de excessivamente paciente nos ensinamentos cristãos. O paradoxo do Evangelho acerca da outra face, o fato dos padres nunca lutarem em guerras, uma centena de coisas, enfim, tornava plausível a acusação de que o Cristianismo era uma tentativa de transformar o homem em um cordeiro. Li isso e acreditei, e, se não tivesse lido nada diferente, continuaria a acreditar. No entanto, li algo muito diferente depois. Virei a página seguinte do meu manual agnóstico, e logo meu cérebro ficou de pernas para o ar. Descobri, então, que tinha de odiar o Cristianismo, não por combater pouco, mas por combater demasiado. A religião cristã parecia a mãe das guerras. O Cristianismo tinha inundado o mundo em sangue. Eu, que havia ficado zangado com o Cristianismo por ele nunca se zangar, tinha, agora, de zangar-me com ele, porque sua fúria havia sido a coisa mais horrível e mais monstruosa da História da Humanidade. O seu ódio embebera-se na Terra e fumegara até o Sol. As mesmas pessoas que criticavam o Cristianismo por sua mansidão e pela não-resistência dos mosteiros eram as que vinham, agora, acusá-lo pela violência e pela bravura das Cruzadas. Fora por culpa do pobre e velho cristianismo (de uma forma ou de outra) que Eduardo, o Confessor, não combatera, e Ricardo Coração de Leão, sim. Os Quackers (assim ouvíamos dizer) eram os únicos cristãos típicos e, no entanto, os massacres de Cromwell e de Alba eram crimes tipicamente cristãos. O que tudo isso queria dizer? Que Cristianismo era este que sempre proibia as guerras e sempre estava a provocá-las? Qual poderia ser a natureza de uma coisa que era insultada, primeiramente, por não combater e, depois, por estar sempre envolvida em lutas? Em que mundo de enigmas se gerara esse monstruoso assassino e essa monstruosa mansidão? A forma do Cristianismo tornava-se mais estranha a cada instante.
    Passo, agora, ao terceiro caso; o mais estranho de todos, porque envolve uma objeção real contra a Fé. A única objeção real contra a religião cristã é o fato [de] ser ela uma religião. O Mundo é um grande lugar, habitado por povos das mais diferentes espécies. O Cristianismo (parece-me razoável fazer esta afirmação) está limitado a um tipo de povo: surgiu na Palestina, e, praticamente, parou na Europa. Esse argumento impressionou-me fortemente na mocidade, e senti-me como que arrastado para a doutrina que sempre fora pregada nas sociedades éticas, isto é, a doutrina segunda a qual existe uma grande e inconsciente igreja que pertence a toda a Humanidade, fundada sobre a onipresença da consciência humana. Os credos – dizia-se então – dividiam os homens, mas a moral ao menos acabava por uni-los. A alma podia procurar as mais estranhas e mais remotas terras e épocas, e, ainda assim, encontraria o essencial senso comum ético. Podia encontrar Confúcio sob as árvores do Ocidente, mas encontrá-lo-ia escrevendo: “Não roubarás”. Podia decifrar os mais obscuros hieróglifos encontrados no mais primitivo deserto, e o seu significado, depois de decifrado, seria este: “Os meninos devem dizer a verdade”. Eu acreditava nesta doutrina da irmandade de todos os homens que diz respeito à posse de um senso moral, e nela acredito ainda, como acredito em outras coisas. Eu ficava, então, muito irritado com o Cristianismo, porque sugeria (como eu supunha) a idéia de que todas as épocas e impérios dos homens tinham escapado, inteiramente, a esta luz da justiça e da razão. Mas encontrei, depois, algo surpreendente. Verifiquei que as pessoas que diziam ser a Humanidade uma Igreja, de Platão a Emerson, eram as mesmas que afirmavam ter a moralidade mudado totalmente, afirmando, ainda, que o que era considerado certo em uma época já não o era em outra. Se eu pedisse, digamos, um altar, responder-me-iam que não havia necessidade dele, pois os nossos irmãos nos haviam deixado claros oráculos e um credo, nos seus ideais e costumes universais. Mas, se eu, serenamente, argumentasse que um dos costumes universais do homem era ter um altar, então os meus agnósticos mestres virar-se-iam completamente e responder-me-iam que os homens sempre tinham estado mergulhado nas trevas e nas superstições dos selvagens. Verifiquei que seu constante desdém em relação ao Cristianismo era por ser ele a luz de um povo, enquanto deixava todos os outros morrerem nas trevas. No entanto, pude também observar que era para eles motivo especial de orgulho o fato de serem a ciência e o progresso a descoberta de um povo, enquanto todos os outros povos jaziam na escuridão. O seu principal insulto contra o Cristianismo era, efetivamente, para eles, motivo de glória, e parecia uma estranha injustiça toda a sua relativa insistência nesses dois aspectos. Ao considerarmos algum pagão ou agnóstico, era forçoso lembrarmo-nos de que todos os homens tinham uma religião; ao considerarmos algum místico ou espiritualista, tínhamos apenas de ponderar as absurdas religiões que alguns homens professavam. Podíamos acreditar na ética de Epicteto porque a ética nunca tinha mudado, mas não devíamos acreditar na ética de Bossuet porque a ética tinha mudado. Operara-se uma mudança em duzentos anos, mas não em dois mil.
    Tudo isso começava a parecer alarmante. Não que o Cristianismo fosse suficientemente mau para agregar em si todos os defeitos, mas qualquer vara era suficientemente boa para açoitar a religião cristã. A que poderíamos comparar esta coisa extraordinária que todos estavam ansiosos por contradizer, sem mesmo repararem que, assim procedendo, contradiziam a si próprios? Observei o mesmo em todo o lugar. Não posso dispor de mais espaço para esta discussão em todos os seus pormenores, mas, para que não se suponha que estive selecionando, injustamente, três casos aleatórios, mencionarei, rapidamente, alguns outros. Alguns céticos descreveram que o grande crime do Cristianismo tinha sido o seu ataque contra a família. O Cristianismo arrastava as mulheres para a solidão e para a vida contemplativa de um mosteiro, longe de seus lares e de seus filhos. Mas logo outros céticos (ligeiramente mais avançados) vinham dizer que o grande crime do Cristianismo era forçar-nos ao casamento e à constituição da família, condenando as mulheres ao duro trabalho do lar e dos filhos, proibindo-lhes a solidão e a vida meditativa. As acusações eram, na verdade, contraditórias. Dizia-se, ainda, que algumas palavras das Epístolas ou do Rito do Matrimônio revelavam desprezo pelo intelecto das mulheres. No entanto, concluí que os próprios anticristãos sentiam desprezo pelo intelecto das mulheres, porque seu grande desdém pela Igreja no continente era devido ao fato de afirmarem que “só as mulheres” a freqüentavam. Outras vezes, o Cristianismo era censurado por seus trajes indigentes e pobres, por seu burel e suas ervilhas secas. Entretanto, no momento seguinte, o Cristianismo era censurado por sua pompa e ritualismo, seus relicários de pórfiro e suas vestes de ouro. Acusavam-no por ser demasiadamente humilde e por ser demasiadamente pomposo. O Cristianismo era acusado, ainda, de ter sempre reprimido em extremo a sexualidade, quando Bradlaugh, o Malthusiano, descobrira que ele a reprimia muito pouco. De um só fôlego, lançavam-lhe ao rosto uma recatada respeitabilidade e uma religiosa extravagância. Nas capas do mesmo panfleto ateu, fui encontrar a fé censurada por sua falta de união (“uns pensavam uma coisa e outros pensavam outra”) e, ao mesmo tempo, por sua união (“é a diferença de opinião que impede o Mundo de se arruinar”). No decorrer da mesma conversa, um amigo meu, livre-pensador, censurava o Cristianismo por desprezar os judeus e depois desprezava a si mesmo por ser judeu.
    Eu desejava ser absolutamente imparcial, como ainda o desejo ser agora, e não concluí que o ataque ao Cristianismo fosse de todo injusto. Concluí apenas que, se o Cristianismo estava errado, estava, sem dúvida, muito errado. Tão hostis terrores poderiam ser combinados em uma só coisa, mas tal coisa devia ser bem estranha e única. Há homens que são avarentos e, ao mesmo tempo, perdulários; porém, são raros. Há também homens lascivos e, ao mesmo tempo, ascéticos, mas estes também são raros. Mas, se este amálgama de loucas contradições realmente existisse, pacifista e sanguinário, suntuoso e maltrapilho, austero e lascivo, inimigo das mulheres e seu tolo refúgio, pessimista declarado e otimista ingênuo, se este mal existisse, então haveria nele algo de supremo e único. De fato, não encontrei nos meus mestres racionalistas explicação alguma para tal excepcional corrupção. O Cristianismo (teoricamente falando) era, a seus olhos, apenas um dos mitos ordinários e um dos erros dos mortais.Eles não me davam a chave para esta retorcida e desnatural maldade. Esse mal assumia as proporções do sobrenatural. Era, sem dúvida, quase tão sobrenatural como a infalibilidade do papa. Uma instituição histórica que nunca se mostrou acertada é um milagre tão grande como uma instituição que nunca pode errar. A única explicação que imediatamente me ocorreu à mente foi que o Cristianismo não viera do céu, mas do inferno. Na verdade, se Jesus de Nazaré não fosse Cristo, devia ter sido o Anticristo.
    G. K. Chesterton, “Ortodoxia”, pp. 114-121. Ed. LTr, São Paulo, 2001.
    fonte; http://www.deuslovult.org/2009/06/08/os-paradoxos-do-cristianismo-chesterton/

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    sexta-feira, 28 de julho de 2017

    REFLETINDO SOBRE A DIFICULDADE DE LEITURA EM ALUNOS DO ENSINO SUPERIOR: “DEFICIÊNCIA” OU SIMPLES FALTA DE HÁBITO? Cleber Tourinho1


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    'Geração do diploma' lota faculdades, mas decepciona empresários


    Estudante (Foto Reuters)Direito de imagemREUTERS
    Image captionNúmero de instituições de ensino superior mais que dobrou desde 2001
    Nunca tantos brasileiros chegaram às salas de aula das universidades, fizeram pós-graduação ou MBAs. Mas, ao mesmo tempo, não só as empresas reclamam da oferta e qualidade da mão-de-obra no país como os índices de produtividade do trabalhador custam a aumentar.
    Na última década, o número de matrículas no ensino superior no Brasil dobrou, embora ainda fique bem aquém dos níveis dos países desenvolvidos e alguns emergentes. Só entre 2011 e 2012, por exemplo, 867 mil brasileiros receberam um diploma, segundo a mais recente Pesquisa Nacional de Domicílio (Pnad) do IBGE.
    "Mas mesmo com essa expansão, na indústria de transformação, por exemplo, tivemos um aumento de produtividade de apenas 1,1% entre 2001 e 2012, enquanto o salário médio dos trabalhadores subiu 169% (em dólares)", diz Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia na Confederação Nacional da Indústria (CNI).
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    A decepção do mercado com o que já está sendo chamado de "geração do diploma" é confirmada por especialistas, organizações empresariais e consultores de recursos humanos.
    "Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos, rejeitam a maioria", diz o sociólogo e especialista em relações do trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore.
    Entre empresários, já são lugar-comum relatos de administradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou fazer um orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações simples ou estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de se adaptar às regras de ambientes corporativos.
    "Cadastramos e avaliamos cerca de 770 mil jovens e ainda assim não conseguimos encontrar candidatos suficientes com perfis adequados para preencher todas as nossas 5 mil vagas", diz Maíra Habimorad, vice-presidente do DMRH, grupo do qual faz parte a Companhia de Talentos, uma empresa de recrutamento. "Surpreendentemente, terminanos com vagas em aberto."
    Outro exemplo de descompasso entre as necessidades do mercado e os predicados de quem consegue um diploma no Brasil é um estudo feito pelo grupo de Recursos Humanos Manpower. De 38 países pesquisados, o Brasil é o segundo mercado em que as empresas têm mais dificuldade para encontrar talentos, atrás apenas do Japão.
    É claro que, em parte, isso se deve ao aquecimento do mercado de trabalho brasileiro. Apesar da desaceleração da economia, os níveis de desemprego já caíram para baixo dos 6% e têm quebrado sucessivos recordes de baixa.
    Linha de montagem da Ford (Foto BBC)
    Image captionProdutividade da industria aumentou apenas 1,1% na última década, segundo a CNI
    Mas segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta semana, os brasileiros com mais de 11 anos de estudo formariam 50% desse contingente de desempregados.
    "Mesmo com essa expansão do ensino e maior acesso ao curso superior, os trabalhadores brasileiros não estão conseguindo oferecer o conhecimento específico que as boas posições requerem", explica Márcia Almstrom, do grupo Manpower.

    Causas

    Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam três causas principais para a decepção com a "geração do diploma".
    A principal delas estaria relacionada a qualidade do ensino e habilidades dos alunos que se formam em algumas faculdades e universidades do país.
    Os números de novos estabelecimentos do tipo criadas nos últimos anos mostra como os empresários consideram esse setor promissor. Em 2000, o Brasil tinha pouco mais de mil instituições de ensino superior. Hoje são 2.416, sendo 2.112 particulares.
    "Ocorre que a explosão de escolas superiores não foi acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas faculdades é ruim", diz Pastore.
    Tristan McCowan, professor de educação e desenvolvimento da Universidade de Londres, concorda. Há mais de uma década, McCowan estuda o sistema educacional brasileiro e, para ele, alguns desses cursos universitários talvez nem pudessem ser classificados como tal.
    "São mais uma extensão do ensino fundamental", diz McCowan. "E o problema é que trazem muito pouco para a sociedade: não aumentam a capacidade de inovação da economia, não impulsionam sua produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma situação de desigualdade, já que continua a ser vedado à população de baixa renda o acesso a cursos de maior prestígio e qualidade."
    Para se ter a medida do desafio que o Brasil têm pela frente para expandir a qualidade de seu ensino superior, basta lembrar que o índice de anafalbetismo funcional entre universitários brasileiros chega a 38%, segundo o Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope.
    Estudantes (Foto BBC)
    Image captionEspecialistas questionam qualidade de novas faculdades no Brasil
    Na prática, isso significa que quatro em cada dez universitários no país até sabem ler textos simples, mas são incapazes de interpretar e associar informações. Também não conseguem analisar tabelas, mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais complexas.
    De 2001 a 2011, a porcentagem de universitários plenamente alfabetizados caiu 14 pontos - de 76%, em 2001, para 62%, em 2011. "E os resultados das próximas pesquisas devem confirmar essa tendência de queda", prevê Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do IPM.
    Segundo Lima, tal fenômeno em parte reflete o fato da expansão do ensino superior no Brasil ser um processo relativamente recente e estar levando para bancos universitários jovens que não só tiveram um ensino básico de má qualidade como também viveram em um ambiente familiar que contribuiu pouco para sua aprendizagem.
    "Além disso, muitas instituições de ensino superior privadas acabaram adotando exigências mais baixas para o ingresso e a aprovação em seus cursos", diz ela. "E como consequência, acabamos criando uma escolaridade no papel que não corresponde ao nível real de escolaridade dos brasileiros."

    Postura e experiência

    A segunda razão apontada para a decepção com a geração de diplomados estaria ligada a “problemas de postura” e falta de experiência de parte dos profissionais no mercado.
    "Muitos jovens têm vivência acadêmica, mas não conseguem se posicionar em uma empresa, respeitar diferenças, lidar com hierarquia ou com uma figura de autoridade", diz Marcus Soares, professor do Insper especialista em gestão de pessoas.
    "Entre os que se formam em universidades mais renomadas também há certa ansiedade para conseguir um posto que faça jus a seu diploma. Às vezes o estagiário entra na empresa já querendo ser diretor."
    As empresas, assim, estão tendo de se adaptar ao desafio de lidar com as expectativas e o perfil dos novos profissionais do mercado – e em um contexto de baixo desemprego, reter bons quadros pode ser complicado.
    Para Marcelo Cuellar, da consultoria de recursos humanos Michael Page, a falta de experiência é, de certa forma natural, em função do recente ciclo de expansão econômica brasileira.
    "Tivemos um boom econômico após um período de relativa estagnação, em que não havia tanta demanda por certos tipos de trabalhos. Nesse contexto, a escassez de profissionais experientes de determinadas áreas é um problema que não pode ser resolvido de uma hora para outra", diz Cuellar.
    Nos últimos anos, muitos engenheiros acabaram trabalhando no setor financeiro, por exemplo.
    "Não dá para esperar que, agora, seja fácil encontrar engenheiros com dez ou quinze anos de experiência em sua área – e é em parte dessa escassez que vem a percepção dos empresários de que ‘não tem ninguém bom’ no mercado", acredita o consultor.

    'Tradição bacharelesca'

    Por fim, a terceira razão apresentada por especialistas para explicar a decepção com a "geração do diploma" estaria ligada a um desalinhamento entre o foco dos cursos mais procurados e as necessidades do mercado.
    De um lado, há quem critique o fato de que a maioria dos estudantes brasileiros tende a seguir carreiras das ciências humanas ou ciências sociais - como administração, direito ou pedagogia - enquanto a proporção dos que estudam ciências exatas é pequena se comparada a países asiáticos ou alguns europeus.
    "O Brasil precisa de mais engenheiros, matemáticos, químicos ou especialistas em bioquímica, por exemplo, e os esforços para ampliar o número de especialistas nessas áreas ainda são insuficientes", diz o diretor-executivo da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Gabriel Rico.
    Segundo Rico, as consequências dessas deficiências são claras: "Em 2011 o país conseguiu atrair importantes centros de desenvolvimento e pesquisas de empresas como a GE a IBM e a Boeing", ele exemplifica. "Mas se não há profissionais para impulsionar esses projetos a tendência é que eles percam relevância dentro das empresas."
    Do outro lado, também há críticas ao que alguns vêem como um excesso de valorização do ensino superior em detrimento das carreiras de nível técnico.
    "É bastante disseminada no Brasil a ideia de que cargos de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus salários", diz o consultor.
    Rafael Lucchesi concorda. "Temos uma tradição cultural baicharelesca, que está sendo vencida aos poucos”, diz o diretor da CNI – que também é o diretor-geral do Senai (Serviço Nacional da Indústria, que oferece cursos técnicos).
    Segundo Lucchesi, hoje um operador de instalação elétrica e um técnico petroquímico chegam a ganhar R$ 8,3 mil por mês. Da mesma forma, um técnico de mineração com dez anos de carreira poderia ter um salário de R$ 9,6 mil - mais do que ganham muitos profissionais com ensino superior.
    "Por isso, já há uma procura maior por essas formações, principalmente por parte de jovens da classe C, mas é preciso mais investimentos para suprir as necessidades do país nessa área", acredita.

    fonte : http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/10/131004_mercado_trabalho_diplomas_ru

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