quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Jacques Le Goff: Uma civilização própria

Jacques Le Goff: Uma civilização própria

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Jacques Le Goff 
» A paixão pelo medieval
» Uma civilização própria
Agnóstico, procurou formar uma posição eqüidistante entre os detratores e os apologistas da Idade Média que viam-na como a Legenda Dourada, dominada pelo nobre espirito cavalheiresco e cortesão, envolto num clima de autêntica fé. Na concepção dele, a Idade Média formou uma civilização própria, distinta da Antigüidade greco-romano e do mundo moderno. Era um planeta com suas próprias simetrias e circunvoluções e que devia ser assim estudado, pois grande parte dos países europeus procuravam nela, na Idade Média, os seus principias símbolos nacionais.
Bem antes, todavia, de chegar a alcançar essa concepção da existência de uma Civilização do Ocidente Medieval (La civilisation de l´Occident Médiéval, Flammarion, 1997) ele preocupou-se em apresentar um tríptico daquilo que originalmente pareceu-lhe pertinente: os estudos sobre os intelectuais, sobre os mercadores& banqueiros e sobre os heréticos da Idade Média. São peças curtas, brilhantes, de leitura fascinante que mostram uma outra face daquela época que não a da vida monacal e da cortesã. Não foram os mosteiros nem os castelos que o interessaram, mas sim a vida universitária, as corporações de negócios, o surgimento da bolsa de valores e os ruidosos movimentos de contestação à ordem religiosa e monárquica.

A invenção do purgatório

Dante e Virgílio no Purgatório (Luca Signorelli, 1450-1523)
O seu grande achado, de fato, foi o livro maravilhoso que dedicou ao Purgatório (La naissance du purgatoire, Gallimard, 1981) Trata-se de um ensaio erudito de sociologia histórico-religiosa no qual ele demonstra como, lentamente, na transição do século XII ao XIII, a idéia da existência do Purgatório começou a tomar corpo no Ocidente Cristão como uma espécie de espaço da tolerância. Uma abertura, uma brecha, na até então rígida geografia do sobrenatural da cristandade que forçava as almas dos homens a inevitavelmente dirigirem-se para o Inferno ou para o Paraíso.
Espaço esse que abriu caminho para a recuperação do passado clássico visto que os autores cristãos, a começar por Dante Alighieri, (A Divina Comédia, 1319-1321), colocaram os grandes filósofos do paganismo, como Platão e Aristóteles e tantos outros mais, com suas almas purgando no limbo. Era um novo cenário do sobrenatural que mantinha-se eqüidistante entre o reino de Satanás, morada das almas danadas e pecadoras, e o reino dos Céus, onde somente os puros adentravam. Rompia-se assim com o dogma até então aceito de que todos aqueles que haviam nascido antes do aparecimento de Jesus Cristo na Terra, mesmo os de cérebro luminoso e homens exemplares, estavam automaticamente condenados às profundezas das trevas.
Le Goff, num levantamento minucioso e erudito, mostrou como o Purgatório surgiu das necessidade de acomodar-se novos fenômenos sociais e tensões morais e éticas que emergiram no seio do cristianismo medieval e que foram canalizados para a invenção do Purgatório.

Duas biografias

Mesmo reconhecendo que a escola historiográfica a que se filiava, a Escola dos Anais, não dava relevância à biografias, Le Goff decidiu-se por publicar dos livros que tiveram ampla repercussão e aceitação publica: a vida de São Luís (a história do rei francês Luís IX, o único a ser canonizado), e outra dedicada a São Francisco de Assis.
O grande rei francês e o monge mendicante italiano, cada um ao seu modo, parecerem-lhe os grandes paradigmas da cristandade medieval, personagens-simbolos que, com seu comportamento exemplar e assumida prática cristã, influenciaram notavelmente tanto as altas rodas da nobreza e das elites políticas e religiosas como em meio ao povo miúdo da Europa pobre daquele tempo.

Por uma outra cronologia

O livro-codex, de ampla circulação na Idade Média
Por mais operacional e didática que possa ser a divisão da história feita em Antigüidade, Medievo, Moderno e Contemporâneo, ele se opôs à classificação convencional que menciona a existência de um Baixo Império (os 300 anos que vão de Constantino a Justiniano) ou de uma Alta Idade Média (período que vai da queda de Roma, em 476 , até à viagem de Colombo, em 1492). Para Le Goff a Idade Média é uma só: vai da aparição do livro-codex (caderno ilustrado e costurado, escrito a mão, que substitui o pergaminho) no final do século IV , até a eclosão da Revolução Francesa, em 1789. É uma Idade Média de mil anos, que ignora o Renascimento ou o que convencionou-se chamar de Idade Moderna. No entender dele a periodização mais apropriada seria: Antiga –Medieval - e Contemporânea.

Obras de Jacques Le Goff

Dictionnaire raisonné de l'Occident médiéval (en collaboration avec Jean-Claude Schmidt), Fayard, 1999
Saint François d'Assise, Gallimard,collection "à voix haute", 1999 (CD)

Un autre Moyen-Age, Gallimard, 1999

Le Moyen Age aujourd'hui, Léopard d'Or, 1998

La bourse et la vie, Hachette Littératures, 1997

Pour l'amour des villes (en collaboration avec Jean Lebrun), Textuel, 1997

La civilisation de l'Occident Médiéval, Flammarion, 1997

Une vie pour l'histoire (entretiens avec Marc Heurgon) , La Découverte, 1996

L'Europe racontée aux jeunes, Seuil, 1996

Saint Louis, Gallimard,1995

L'Homme médiéval (dir.), Seuil, 1994

La vieille Europe et la nôtre, Seuil, 1994

Le 13e siècle: l'apogée de la chrétienté, Bordas, 1992

Gallard, passeport 91-92 : une œuvre d'art à la rencontre de…, Fragments, 1992

Histoire de la France religieuse (dir., avec René Rémond), 4 volumes, Seuil, 1988-1992

L'Etat et les pouvoirs, (dir.), Seuil, 1989

Du silence à la parole : droit du travail, société, Etat, 1830-1985, Calligrammes, 1989

Histoire et mémoire, Gallimard, 1988

Faire de l'histoire (dir., avec Pierre Nora), 3 volumes, Gallimard, 1986

Intellectuels français, intellectuels hongrois, 12e -20e siècle, Editions du CNRS, 1986

Crise de l'urbain, futur de la ville: actes, Economica, 1986

L'imaginaire médiéval, Gallimard,1985

La naissance du purgatoire, Gallimard, 1981

La nouvelle histoire (en collaboration avec Jacques Revel), Editions Retz, 1978

Pour un autre Moyen Age, Gallimard,1977

Les propos de Saint Louis, Gallimard, 1974

Hérésie et sociétés dans l'Europe pré-industrielle, 11e-18e siècle: communications et débats du colloque de Royaumont, EHESS, 1968

Marchands et banquiers au Moyen Age, Le Seuil, 1957

Les intellectuels au Moyen Age, Le Seuil,1956 

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domingo, 29 de outubro de 2017

sábado, 30 de setembro de 2017

Stoner, James A. F. Administração 2. ed. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. Rio de Janeiro, Prentice-Hall, 1985. 464 p. Resenha




Revista de Administração de Empresas
Print version ISSN 0034-7590
Rev. adm. empres. vol.27 no.1 São Paulo Jan./Mar. 1987
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901987000100012

RESENHA BIBLIOGRÁFICA





Maurício Serva

Professor extracarreira no Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV





Stoner, James A. F. Administração 2. ed. Trad. José Ricardo Brandão Azevedo. Rio de Janeiro, Prentice-Hall, 1985. 464 p.

No prefácio deste livro, James Stoner informa que estamos diante de "uma revisão da 1ª edição, que foi muito bem recebida por professores, alunos e administradores". Ressalta a importância crítica da administração em face dos problemas enfrentados pela sociedade, defendendo a posição de que tais problemas "exigem um tipo de solução em larga escala que só as empresas, os governos e outras organizações podem oferecer". Neste contexto, declara que o livro "descreve o procedimento adequado para administrar as pessoas e as atividades de sua organização, a fim de que sejam alcançados não apenas objetivos administrativos, mas também de ordem individual".

O texto encontra-se dividido em cinco partes compostas, ao todo, de 23 capítulos. Na parte 1, em três capítulos, são delineados o campo e as tarefas do administrador, quando são brevemente relatados os estudos de Katz sobre as habilidades administrativas, de Myntzberg a respeito dos papéis do administrador, e de Mahonei sobre a utilização do tempo; o autor define administração como "o processo de planejamento, organização, liderança e controle... para se atingir os objetivos estabelecidos" revelando assim uma inclinação nitidamente clássica. Em seguida, rapidamente (15 páginas) apresenta cinco abordagens teóricas da administração - clássica, comportamental, quantitativa, sistêmica e contingencial - encerrando com uma discussão sobre o ambiente externo das organizações e a responsabilidade social da empresa.

A parte 2, denominada Planejamento e Decisão, engloba cinco capítulos. No primeiro são expressos princípios elementares do planejamento estratégico, com base nas pesquisas de Steiner, Miner e Myntzberg; o capítulo 5 inicia-se com a afirmativa de que "examinaremos como tornar eficazes todos os tipos de planejamento". A administração por objetivos é enfocada com grande destaque pelo autor, sendo curiosa a relação feita entre APO e a teoria Y de McGregor: "os administradores e subordinados que seguem a teoria Y são uma combinação ideal para a APO"; cinco "passos-chave" para tornar a APO eficaz são recomendados. Mais três capítulos compõem esta parte; o de número 6 aborda algumas teorias de tomada de decisão com destaque para os estudos de Simon e Vroom; novas listas de recomendações são fornecidas em "Como aumentar a eficácia da solução de problemas administrativos"; o capítulo 7 descreve sinteticamente alguns instrumentos auxiliares de planejamento e decisão, como programação linear, modelos de filas, teoria dos jogos, simulação, gráfico de Gantt, PerteCPM; no capítulo final desta parte, o de número 8, alguns aspectos de administração operacional e produtividade são levemente abordados.

A parte 3 está desmembrada em Organização para estabilidade (caps. 9, 10, 11 e 12) e Organização para mudança (caps. 13,14 e 15). No primeiro conjunto, são apresentados os típicos clássicos da área: divisão do trabalho, departamentalização, coordenação, autoridade, descentralização, comissões; o item "Como tomar eficazes os grupos formais expressa uma série de regras baseadas nos autores Cyril O'Donnell e Jay Hall. O segundo conjunto trata de projetos organizacionais, desenvolvimento organizacional, conflitos e criatividade. Tais temas são discorridos com absoluta brevidade, recaindo a ênfase no trabalho de Blake e Mouton (grid gerencial), em métodos de administração de conflitos e métodos de estímulo à criatividade.

Liderança é o título da 4ª parte, contendo cinco capítulos. Nos dois primeiros são comentadas as principais teorias de motivação e liderança, respectivamente. Autores como Maslow, Herzberg, Likerte Fiedlere Hersey são citados. No capítulo 18, o tema é a comunicação; a abordagem é bem elementar, enfocando o processo, elementos e maneiras de superar as barreiras em comunicação. O capítulo 19 descreve as atividades - padrão da área específica de administração de recursos humanos - planejamento de recursos humanos, recrutamento, seleção, orientação e treinamento. No capítulo 20 - Carreiras na organização e desenvolvimento individual - o autor declara que "a ênfase é no processo futuro do leitor como administrador". Tópicos como primeiras experiências na organização, primeiros dilemas da carreira de um jovem administrador, estágios de evolução de carreiras são tratados, ficando a curiosidade maior por conta das "táticas da carreira", que vão desde "evite transformar-se em carta fora do baralho" até "encontre um padrinho"!

A 5º e última parte aborda a função de controle. O controle é definido e seu processo é descrito com base nos autores neoclássicos (Koontz e Newman). São relacionados os instrumentos de controle financeiro no capítulo 22. O último capítulo, denominado Como tornar eficaz o controle, examina o funcionamento dos sistemas de informação, principalmente aqueles operacionalizados por computadores.

Há ainda um apêndice de cinco páginas sobre administração internacional, que gira em torno de tópicos como o papel da empresa internacional e os administradores no âmbito internacional, qualidades necessárias e problemas enfrentados.

O exame mais acurado do conteúdo do livro revela que a pretensão de descrever o "procedimento adequado" para administrar as pessoas e as organizações, expressa no prefácio, dificilmente poderia ser realizada. É consenso entre os teóricos e praticantes da administração que tal grau de exatidão ainda está muito longe de ser atingido pela teoria administrativa. O excesso de teorias apresentadas sem a análise e o questionamento das mesmas evidenciou maior preocupação em reunir grande quantidade de estudos já publicados do que de formular reais propostas de avanço teórico-metodológico no campo da administração. A declarada opção do autor pela abordagem clássica da administração - que o conduz, inclusive, a estruturar o livro segundo a visão tradicional das funções do administrador: planejamento, organização, liderança e controle - acaba por limitar bastante o âmbito da análise e do questionamento da administração como prática social. Além disso, o caráter extremamente normativo do texto não se coaduna com a natureza ambígua da maioria dos problemas reais enfrentados pelos administradores.

Por sua natureza compilatória e excelente organização didática, podemos recomendá-lo para utilização em cursos de introdução à administração para alunos pertencentes a outros campos de estudo, principalmente. O livro é muito bem ilustrado; traz 28 casos; cada capítulo é precedido de uma lista de objetivos de aprendizado e sucedido por um resumo e lista de perguntas. Infelizmente, o guia de estudos, o livro de exercício e o manual de recursos do professor com 100 modelos de transparência, só se encontram disponíveis na edição americana.

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