A brasileira Francine, da Universidade da Califórnia: celular liberado em sala para torpedos, pesquisas e e-mails
Chessa Piker-Ward, 22 anos, tem aulas de coreografia no curso de Dança do Departamento de Artes da Universidade de Santa Cruz da Califórnia, nos Estados Unidos. Além das sapatilhas, Chessa leva na mochila o laptop. Na última aula, a professora sugeriu aos alunos que pesquisassem na internet vários significados para a expressão "doenças do amor". Enquanto ensinava o que sabia sobre o impacto dos sentimentos nos gestos e movimentos do corpo, seus estudantes levantavam novas questões e diferentes passos de dança a partir das descobertas online. "Foi muito divertido. Eu gostei de dançar com as definições das palavras", diz Chessa, que está no primeiro ano do curso.
Chessa, seus colegas e seus laptops repetem em sala de aula uma cena que já se tornou corriqueira nas universidades norte-americanas, onde os computadores portáteis substituem os tradicionais cadernos. "No meu curso de método, por exemplo, vários colegas levam seus laptops para fazer anotações", testemunha Chessa, que chega a brincar com o fato de seus amigos a considerarem ultrapassada em termos de tecnologia. "Eu não sei nada sobre os telefones inteligentes. Meus amigos sempre fazem piada porque meu celular é muito antigo", diz.
A chamada geração net e seu talento nato para a tecnologia modificaram de maneira irreversível os padrões de ensino. Computadores portáteis, celulares, telefones inteligentes, como iPhone e Blackberry, e redes de relacionamento disputam espaço cada vez maior com os métodos tradicionais de educação e já são um desafio para as instituições de ensino superior.
O cálculo é que atualmente 80% dos estudantes universitários nos Estados Unidos têm seu próprio laptop, como Chessa. Os números são da Educause, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo orientar as universidades sobre o melhor uso da tecnologia da informação. A Educause é composta por representantes de mais de 2.200 instituições de ensino superior e organizações do setor da educação. E pesquisa anualmente, desde 2004, o comportamento dos estudantes em relação ao uso de tecnologias.
"O aumento no uso da tecnologia da informação oferece oportunidades e desafios para faculdades e universidades. Crescem, por exemplo, questões sobre quais dos recursos poderão ser utilizados no ensino. Seria desejável incorporar novas e emergentes tecnologias no currículo? Há ganhos educacionais nisso? Os alunos esperam que os seus colégios e universidades usem essas novas tecnologias em seus cursos? Os dados das pesquisas fornecem suporte a essas decisões, descrevendo como os estudantes usam a tecnologia", explica Judy Borreson Caruso, diretora de política e planejamento da Educause.
Oúltimo levantamento mostra que 66% dos universitários norte-americanos possuem telefones inteligentes, que oferecem acesso à internet. Em Los Angeles, a brasileira Francine Alcântara, 29 anos, compõe esta estatística. Ela acabou de ganhar um iPhone de um amigo que frequenta o bar onde a estudante trabalha. Agora faz parte da maioria de seus colegas que adotou a maior sensação do mercado de telefonia como o brinquedo preferido. "Esses telefones são excelentes. Não preciso chegar em casa para fazer pesquisas ou checar meus e-mails", diz Francine, que estuda psicologia na Universidade da Califórnia Dominguez Hills.
A futura psicóloga diz que na sua faculdade há pouca restrição quanto ao uso dos celulares nas salas de aula. "Podemos usar para mandar torpedos, pesquisar e checar e-mails. Só não podemos atender ligação durante as aulas", diz ela, que, por meio de seu endereço eletrônico fornecido pelo provedor da universidade, troca constantemente mensagens com os professores. "Mesmo quando estou fora da faculdade, posso continuar conversando com os professores pelo e-mail. Se tenho alguma dúvida sobre trabalhos, prazo de entrega, reuniões, envio uma mensagem pelo iPhone, de onde eu estiver. E, em pouco tempo, recebo a resposta", conta ela, mostrando o grau de envolvimento de alguns professores com o uso da tecnologia.
Em Chicago, a estudante de jornalismo da Faculdade de Columbia Jessica Galliart, 21 anos, acompanha com interesse o crescimento do uso da tecnologia, e principalmente dos telefones inteligentes no campus. Ela, que já está no último ano do curso, é editora-chefe do site The Columbia Chronicle, uma publicação online feita apenas pelos estudantes.
Segundo Jessica, a utilização desses telefones para o ensino ainda é reduzida, mas os professores começam a conversar com os alunos dentro de sala de aula sobre como usar iPhones, Blackberries, celulares e outros recursos tecnológicos. Um deles acabou de propor um novo curso para o próximo semestre chamado "Jornalismo Móvel", que tratará do uso dessas tecnologias no jornalismo.
"Para o ensino e a aprendizagem, essas tecnologias podem ser utilizadas para abrir a comunicação com os alunos. Quase todo estudante tem telefone celular, e o uso de iPhones e iPods no campus é muito alto. Utilizar esses dispositivos para se comunicar com os alunos sobre atribuições, planos de aula, mudanças de carga horária ou simplesmente para ter uma troca de ideias mais rápida é uma maneira interessante de explorar novos territórios no ensino superior", opina Jessica.
Mas, apesar da moda, o uso dos telefones para o acesso à internet ainda é restrito, segundo a Educause. Muitos estudantes reclamam do alto custo cobrado pelos provedores. Por isso, faculdades e universidades estão monitorando o ponto de maturação entre preço e acesso para avaliar o potencial do uso dessa tecnologia como plataforma de ensino.
Já a utilização dos celulares para comunicação via mensagem de texto é generalizada: 84% dos estudantes usam esse recurso para manter contato com seus colegas e professores. O costume serve a vários propósitos: marcar e confirmar reuniões, avisar sobre mudança de horário de aula, informar sobre andamento de trabalhos em grupo e trocar informações instantâneas.
Na Universidade de Michigan, Thiago Antonio, 28 anos, outro brasileiro que está no primeiro ano do curso de Ph.D. em psicologia de comunidades ecológicas usa seu telefone celular para enviar e receber mensagens de sua orientadora. "Acho que é uma forma prática e rápida. Quando preciso confirmar uma reunião ou avisar sobre o andamento dos trabalhos científicos, mando uma mensagem de texto para seu celular. Assim ela pode checar quando for conveniente para ela", diz.
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A aluna de dança Chessa Piker-Ward: pesquisa na internet durante a aula ajuda a definir coreografia |
De todas as tecnologias da informação, as redes sociais de relacionamento se tornaram em pouquíssimo tempo o modo mais popular de comunicação entre os jovens estudantes. Diferente da preferência no Brasil pelo Orkut, as páginas mais frequentadas nos Estados Unidos são MySpace e Facebook. Segundo a Educause, 85% dos alunos de universidades estão nessas redes. Um fenômeno que chama tanta atenção que, pela primeira vez, ganhou da entidade um capítulo especial na mais recente pesquisa realizada.
"As redes de relacionamento estão transformando por completo o tecido social das universidades. Por meio delas, os alunos ampliam seus contatos pessoais e suas perspectivas, desenvolvem sua capacidade de relacionamento e ganham um novo canal de interação com seus colegas de classe", afirma Nicole Ellison, professora da Universidade de Michigan e responsável pelo estudo que integra o levantamento feito pela Educause.
Segundo Nicole, conhecer e entender as redes de relacionamento e as motivações para seu uso passaram a ser uma tarefa importante para as universidades e faculdades. "Embora muitos professores avaliem as redes como uma distração nas salas de aula, seu uso tem impacto no ensino e na aprendizagem. Os estudantes acessam as páginas para montar seus grupos de estudo, conversar sobre trabalhos e trocar informações com seus colegas de classe", afirma.
Em muitas universidades norte-americanas e até em escolas do ensino médio, as chamadas high-schools, vários professores aproveitam a popularidade das redes de relacionamento para engajar os estudantes no dia a dia dos cursos. Muitas instituições já usam as redes para atrair novos estudantes e manter contato com ex-alunos. As bibliotecas também estão explorando diferentes usos dessas páginas para ampliar a oferta de seus serviços. A Universidade de Miami, por exemplo, compra anúncios no Facebook para promover suas atividades esportivas.
Atentas às mudanças, as instituições americanas adotam em sala de aula diversas ferramentas tecnológicas para adequar os métodos de ensino ao novo estilo dos estudantes.
Na Universidade de Ohio, por exemplo, a novidade é o uso dos modelos instantâneos de resposta, chamados de Student Response Systems ou "clicker". Por meio desse sistema, os professores fazem uma pergunta a sua classe e todos os alunos respondem imediatamente usando um teclado portátil que se assemelha a um pequeno controle remoto. O software imediatamente tabula as respostas e as exibe numa tela.
"Além do envolvimento dos estudantes obtido pelo professor, o sistema oferece um retorno imediato e visual para toda a classe, o que permite a troca de informações entre os colegas e a compreensão pelo instrutor das reais necessidades da classe", afirma Michael Roy, responsável pelo desenvolvimento de programas da web e de multimídia da universidade.
Outra vantagem é que essa tecnologia oferece a oportunidade da participação de alunos mais tímidos, que dificilmente enfrentariam uma classe cheia de colegas para responder questões diretamente ao professor.
Além disso, segundo Roy, exercícios bem planejados com o clicker estimulam o trabalho em grupo. "Alguns instrutores exigem que os estudantes discutam, criem consensos ou desenvolvam questionários que favoreçam a colaboração e o trabalho em equipe", diz.
Embora os estudantes sejam os primeiros a se entusiasmarem com a tecnologia, a maioria acha que as universidades devem usar os recursos de forma moderada. E indicam que ainda valorizam muito a interação com o professor na sala de aula. "Os alunos nos dizem que não gostam do uso da 'tecnologia pela tecnologia'. Eles querem tecnologias que estão disponíveis quando necessárias e que os ajudem no seu progresso acadêmico", explica Judy Caruso, diretora da Educause.
A futura jornalista Jessica Galliart concorda. "Mais e mais faculdades estão explorando como a tecnologia pode ser utilizada no campus e na sala de aula. Acho que isso pode ser benéfico se utilizado corretamente, mas muitas vezes a tecnologia pode se tornar uma fonte de dependência", diz.
Universitários high tech |
Pesquisa da Educause, que ouviu 27.317 alunos em 98 universidades e faculdades americanas, mostra como os alunos lidam com a tecnologia - 85,9% usam spreadsheets
- 85,2% estão em redes sociais de relacionamento como Facebook e MySpace
- 83,6% usam mensagem de texto
- 82,3% usam os chamados Course Management System (CMS)
- 82,2% possuem laptop
- 66,1% possuem celular com acesso à internet
- 65,6% acham que o uso da tecnologia ajuda nas atividades educativas
- 62% não concordam que poderão faltar às aulas se os conteúdos de classe puderem ser checados on line
- 59,3% acham que o uso da tecnologia em classe dever ser moderado |
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