Nrisimhananda Dasa
Por seguir os passos de todos os mestres do passado, desprovido de qualquer motivação pessoal, Srila Prabhupada se tornou a própria personificação do guru-parampara.
Um discípulo de Srila Prabhupada fazia o importante serviço de apresentar seus livros nas bibliotecas públicas e universidades da Alemanha, onde os Vedas já eram relativamente conhecidos. Então, uma cena corriqueira era que, quando o devoto ia apresentar o Bhagavatam ou outro livro de Prabhupada, lhe indagavam sobre as tecnologias descritas nos Vedas, tais como os vimanas (espaçonaves) ou as diferentes formas de se manipular as energias sutis deste universo.
No entanto, esse discípulo pouco sabia sobre esses tópicos, de modo que, quando teve a oportunidade de falar pessoalmente com Srila Prabhupada, logo lhe indagou: “O que é a tecnologia védica?”, ao que Prabhupada lhe respondeu: “guru-parampara!”
E, como sabemos, as diferentes tecnologias manufaturadas pelo homem expandem seu conhecimento do mundo (por exemplo, não podemos ver bactérias, mas, com o auxílio de um microscópio, isso é facilmente possível) e permitem que ele faça o que antes era impossível (como atravessar oceanos e voar). Da mesma forma, o conhecimento oriundo da sucessão discipular permite que percebamos o que antes era inconcebível (a nossa natureza eterna como um ser espiritual e a identidade da própria Personalidade de Deus) e nos permite realizar aquilo que antes era impensável (restabelecer nosso eterno relacionamento amoroso com Krishna).
E, graças a Srila Prabhupada, agora essa tecnologia rara e incomparável está disponível em todo o mundo, pois ele foi a verdadeira personificação de toda a sucessão discipular, não só repassando de forma transparente a sua mensagem atemporal, como também reproduzindo com maestria os seus principais feitos no mundo moderno.
Apresentando os Santos Nomes ao Mundo
Como o próprio Krishna declara na Bhagavad-gita (4.7):
yada yada hi dharmasya
glanir bhavati bharata
abhyutthanam adharmasya
tadatmanaṁ srijamy aham
glanir bhavati bharata
abhyutthanam adharmasya
tadatmanaṁ srijamy aham
“Sempre e onde quer que haja um declínio na prática religiosa, ó descendente de Bharata, e uma ascensão predominante de irreligião — aí, então, Eu próprio faço Meu advento.”
E nesta férrea era de Kali, quando há um enfraquecimento do dharma? Sempre! E onde? Em todos os lugares! Desta forma, qual avatara poderia ser mais adequada do que aquele na forma do som, que pode se manifestar tão logo seja invocado? Assim, Krishna depositou toda Sua potência na forma dos santos nomes e apareceu pessoalmente em 1486 como Sri Chaitanya Mahaprabhu para propagar o doce cantar dessa sagrada vibração sonora.
Um avatara na forma de som é o melhor para a sempre degradada era de Kali.
Ele fez Seu advento com Seus associados e estabeleceu, através do Seu exemplo pessoal, a supremacia do cantar do mantra Hare Krishna. Ele também a demonstrou na prática e publicamente com harinamas em Navadvipa e Jagannatha Puri e por Suas peregrinações pela Índia, onde, além de divulgar o cantar dos santos nomes, derrotou filosoficamente oponentes como Prakashananda Sarasvati e Sarvabhauma Bhattacharya, grandes baluartes do impersonalismo, e incutiu o espírito missionário em Seus discípulos.
Tendo fé total na posição sublime de Nama Prabhu, a encarnação sonora de Krishna, Srila Prabhupada seguiu os passos de Chaitanya, estabelecendo firmemente o cantar de Hare Krishna como a forma mais elevada e mais prática de se aproximar da Verdade Absoluta.
Com a doce e simples melodia do seu kirtana, Srila Prabhupada rapidamente cativou os transeuntes do Thompinks Square Park, que, contagiados, se muniram de variados instrumentos musicais, tais como pífanos, flautas e saxofones, para juntos vibrarem as sumamente prazerosas sílabas do maha-mantra.
Ao longo de suas viagens, Prabhupada sempre fez grandiosos kirtanas, seja em festivais públicos, como o Ratha-yatra, em palestras em universidades, ou mesmo em um icônico Mantra-Rock Dance, enchendo o coração dos ouvintes de um prazer antes desconhecido e os impulsionando para uma verdadeira busca espiritual.
Consolidando a Consciência de Krishna
Antes de Se ausentar da visão daqueles que habitam este mundo mortal, Sri Krishna Chaitanya treinou alguns de Seus discípulos mais próximos, tais como Rupa e Sanatana Gosvamis, deixando-lhes o encargo de continuar e expandir Sua missão.
Para tal, Srila Rupa Gosvami, a joia da coroa dos seguidores de Mahaprabhu, elaborou uma detalhada apresentação do conceito de bhakti-rasa, a doçura intercambiada entre o Senhor e o devoto em seu relacionamento, mapeando as possibilidades de troca amorosa com Krishna em diferentes humores expressados na dramaturgia védica. Assim, Rupa Gosvami presenteou o mundo com o seu Bhakti-rasamrita-sindhu e a sua inovadora teologia, que versava sobre a perspectiva de uma interação com Deus tingida pelos matizes de sentimentos fraternais, paternais e conjugais em completa intimidade.
Liderados por Rupa, os Seis Gosvamis de Vrindavana escreveram volumosa literatura explicando a filosofia da simultânea igualdade e diferença entre a alma e Deus enunciada por Chaitanya e estabelecendo o despertar do amor puro por Deus como a mais elevada meta da vida, acima até mesmo da liberação da ilusão material. Eles promoveram também a construção de templos e a instalação de Deidades. Srila Gopala Bhatta Gosvami e Srila Raghunatha Bhatta Gosvami iniciaram inúmeros discípulos, e Srila Jiva Gosvami se dedicou a ensinar os pormenores da adoração a Radha-Krishna e os mistérios da Sua sagrada terra natal, Vrajabhumi, bem como o humor específico cultivado por aqueles que a habitam, solidificando assim a base filosófica do vaishnavismo gaudiya.
Como o maior dos representantes de Srila Rupa Gosvami, Prabhupada estruturou sua editora BBT e publicou um extenso acervo de obras literárias, onde denunciou, de forma muito contundente, a fragilidade e efemeridade de outros desejos além de krishna-prema, e tornou extremamente acessível ao público ocidental os diferentes intercâmbios amorosos íntimos com Krishna, além de apresentar o Bhakti-rasamrita-sindhu na forma do primoroso O Néctar da Devoção.
Para que os jovens devotos pudessem experimentar de forma prática esse bhakti-rasa, Srila Prabhupada também incentivou a abertura de templos, onde instaurou a adoração diária a belas Deidades, adequando-a de acordo com as particularidades do local e tempo específico em que atuou.
Em Todas as Vilas e Cidades
Preocupada com a propagação dos ensinamentos de Sri Gauranga, Srimati Jahnavi Devi, a elevadíssima esposa de Nityananda Prabhu, pediu aos principais discípulos de Srila Jiva Gosvami que levassem os livros dos Gosvamis para a Bengala. Desta forma, uma comitiva formada por Srinivasa Acharya, Narottama Thakura e Shyamananda Prabhu seguiu em direção à terra de Chaitanya, carregando consigo cópias dos manuscritos dos acharyas gaudiyas, e, no caminho, fizeram discípulos muito influentes socialmente, como Birhambira Maharaja (rei dos dacoítas), Raja Santosha Datta (rei de Gopalpura) e Rasikananda Prabhu (filho do poderoso zamindar do distrito de Rohini, Sri Achyutadeva), que facilitaram imensamente a divulgação dos ensinamentos de Mahaprabhu.
Narottama Thakura também organizou, com a ajuda de outros devotos, o Festival de Kheturi Grama, o primeiro Gaura-Purnima, que foi impressionantemente opulento e chamou a atenção de todo o subcontinente indiano. E foi assim que o vaishnavismo gaudiya começou a se tornar conhecido pela Índia.
Igualmente, tendo a salvação de todo o mundo como seu mais acalentado objetivo, Srila Prabhupada enfatizou a distribuição maciça de livros como o seu principal desejo e como o serviço prioritário dos membros de sua ISKCON. Motivados pelos constantes pedidos de Srila Prabhupada, os devotos ocupados nesse sankirtana-yajna trabalharam de forma tão criativa e vigorosa que, a partir de 1972, a distribuição dos livros aumentou de forma nunca imaginada e passou a nortear a vida dos templos, que faziam com que, diariamente, milhares de exemplares chegassem nas mãos de novos leitores.
Prabhupada também se encontra com grandes líderes da sociedade de sua época e participa de eventos de imenso porte, reunindo milhares de pessoas, tanto na Índia quanto no Ocidente. Alguns de seus discípulos com influência, como o beatle George Harrison e o herdeiro da Ford, Ambarisha Prabhu, o auxiliaram nessa empreitada.
O Amadurecimento do Vaishnavismo Gaudiya
Uma vez que alguns pontos expressos na literatura dos Gosvamis eram de difícil interpretação pelos devotos, Visvanatha Chakravarti Thakura passou a analisá-los cuidadosamente e esclarecer qualquer possível paradoxo que encontrasse. Ele escreveu também comentários a Bhagavad-gita, Srimad-Bhagavatam e Chaitanya-charitamrita.
Delineando explicitamente o siddhanta (conjunto de conclusões filosóficas das escrituras) em cada linha de seus Significados Bhaktivedanta, Srila Prabhupada permitiu que os temas centrais dos Vedas se tornassem suficientemente claros, sem a menor possibilidade de interpretação equivocada, para qualquer leitor sincero.
Em 1718, quando membros do grupo Ramanandi, ligados à Sri Sampradaya, questionaram a legitimidade do vaishnavismo gaudiya perante a corte do rei de Jaipur, usando o argumento que toda sucessão discipular precisa compor um comentário do Vedanta-sutra, o grande e erudito discípulo de Visvanatha, Baladeva Vidyabhushana, provou a autenticidade da sampradaya de Chaitanya escrevendo o inigualável Govinda-bhashya.
Prabhupada também teve que enfrentar a oposição de hinduístas ortodoxos em seus esforços para a propagação da consciência de Krishna, uma vez que, para cumprir o seu propósito principal e essencial (tirar as almas condicionadas da ilusão), ele teve que deixar em segundo plano regras menores e fazer muitas adaptações e concessões em relação a hábitos que mais têm a ver com o background cultural da Índia do que com bhakti-yoga em si.
Srila Prabhupada se preocupou em estabelecer três grandes templos da ISKCON em lugares estratégicos da Índia: o Krishna-Balarama Mandir, em Vrindavana; o Chandrodaya Mandir, em Sridham Mayapur, e o Sri-Sri Radha-Rasavihari, em Juhu. Além disso, organizou festivais de pandals (grandes estruturas erigidas em locais públicos, normalmente para eventos religiosos) e participou com seus discípulos de comemorações típicas hindus, como o Kumbha-mela, assegurando, assim, o interesse de sua instituição em respeitar e interagir com grupos religiosos tradicionais da Índia.
As atividades caritativas da ISKCON e sua proficiência em disseminar a filosofia védica entre as classes de pessoas respeitáveis do Ocidente foram fortemente responsáveis por um renascimento do interesse entre as novas gerações de indianos e por um aumento estrondoso da popularidade do vaishnavismo gaudiya na Índia.
O Renascimento da Missão de Sri Chaitanya
Apesar do esforço de acharyas como Visvanatha Chakravarti e Baladeva Vidyabhushana, começaram a proliferar desvios filosóficos entre os seguidores de Chaitanya, e o verdadeiro vaishnavismo começou a ficar confinado a pequenos grupos de devotos absortos em meditar em Krishna (babajis), mas sem muita influência na sociedade. Foi nesse momento que surgiu o devoto que retiraria o vaishnavismo gaudiya da estagnação em que se encontrava, fazendo com que novamente ele cumprisse sua vocação natural: ser um movimento popular. Tal alma magnânima foi Bhaktivinoda Thakura, que ousadamente lutou para a revitalização da pregação do sankirtana-yajna, escrevendo livros com o intuito de satisfazer a elite intelectual indiana, mesmo tendo que, para isso, ter-se valido até de artifícios que não podemos imitar (como afirmar que Vyasadeva é uma figura mitológica e que seus escritos foram feitos por muitas mãos ou aceitar que as descrições cosmológicas do Bhagavatam são alegóricas), dando interpretações totalmente inéditas para aspectos clássicos de nossa cultura (como relacionar os demônios de vrindavana-lila aos anarthas que um devoto deve enfrentar), usando pseudônimos (como em seu Baula-sangita, onde assume a identidade de um membro de um grupo de pseudodevotos que o Thakura queria denunciar) e, talvez o mais importante, combatendo as apa-sampradayas, grupos que se desviaram do siddhanta gaudiya.
Bhaktivinoda Thakura.
Entre eles, encontramos os sahajiyas (sentimentalistas que tomavam o relacionamento íntimo com Krishna como algo muito barato), os kartabhajas (que adoravam o guru com uma concepção errônea) e os smartas brahmanas (que colocavam a ortodoxia acima da pregação).
Assim como Bhaktivinoda, Prabhupada também era plenamente ciente do clímax cultural que ocorria no mundo à sua época e soube fazer um excepcional uso dele, permitindo que mulheres pela primeira vez pudessem residir em ashramas e adorar Deidades, incentivando seus discípulos com formação acadêmica a criar o Bhaktivedanta Institute, com o objetivo de conciliar estudos científicos com as conclusões das escrituras védicas, e dialogando com muitos líderes religiosos ocidentais, mostrando apreciação por diferentes abordagens na busca por Deus.
Antevendo possíveis más interpretações de suas palavras no futuro, Srila Prabhupada explicou os conceitos fundamentais de sua filosofia por diferentes prismas em várias ocasiões, garantindo-lhes uma objetividade ímpar.
O Querido Discípulo de Bhaktisiddhanta
Seguindo a linha de seu grandioso pai, Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura inovou ao enfatizar o uso da imprensa escrita, reestabelecer a ordem de sannyasa (que ele mesmo definiu como renúncia de vitrine, ou seja, uma estratégia para atrair a mente do público) no vaishnavismo gaudiya, dar vestes açafroadas aos brahmacharis (segundo o Hari-bhakti-vilasa, a cor dos estudantes também é branca, mas Bhaktisiddhanta entendeu que eles seriam mais respeitados ao pregarem se usassem açafrão e assim mostrassem que estavam vinculados a um sannyasi) e trazer de volta o uso do cordão sagrado para os brahmanas (mais uma forma de garantir respeitabilidade perante o público indiano).
Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati.
E, com essas pequenas mudanças externas, Bhaktisiddhanta Sarasvati, que entendeu a mentalidade de sua época como ninguém, influenciou pensadores indianos, entre eles o jovem Abhay, que estava ocupado em participar do movimento de libertação indiana da colonização britânica. Abhay ficou profundamente tocado com o rigor lógico de Bhaktisiddhanta e o aceitou como mestre espiritual. Anos mais tarde, escreveria em sua homenagem:
O Absoluto é senciente
Tu provaste,
A calamidade impessoal
Tu eliminaste.
Tu provaste,
A calamidade impessoal
Tu eliminaste.
Tais versos resumiam de forma tão completa a essência dos ensinamentos de Bhaktisiddhanta que este pediu aos seus editores que publicassem qualquer texto escrito por Abhay. E, ao compreender a importância que os livros tinham para seu mestre, que os chamava de brihad-mridanga, o grande tambor que pode ser ouvido em todo o mundo, ele nunca deixou de escrever, denunciando as imperfeições filosóficas do impersonalismo e do niilismo e ressaltando o caráter sumamente nectário da Suprema Personalidade de Deus.
Por seguir os passos de todos os mestres do passado com grande confiança em suas palavras, desprovido de qualquer motivação pessoal e possuindo uma grande ânsia em distribuir a semente do serviço devocional para as almas condicionadas, Srila Prabhupada se tornou a própria personificação do guru-parampara, condensando toda a sabedoria do Senhor Brahma, Narada Muni, Vyasadeva e grandes outros sábios, com a doçura inigualável dos rupanugas. Sua vida foi a culminação dos esforços de todas as almas perfeitamente liberadas que já tentaram propagar as glórias de Krishna neste universo material, e, graças a ele, todas as profecias relativas à vitória dos santos nomes sobre a escuridão de Kali-yuga se cumpriram. Apenas por seus incansáveis esforços, os sagrados ensinamentos de Krishna, representados pelo seu maior compilador, Sri Vyasa, chegaram até nós e podemos adorar toda a sucessão discipular ao reverenciar seu maior expoente: Srila Prabhupada!
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fonte https://voltaaosupremo.com/artigos/artigos/srila-prabhupada-a-personificacao-da-sucessao-discipular/
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