Estefânia Fátima Duarte
Professora da Fundação Educacional de
Divinópolis-FUNEDI, campus da Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG.
RESUMO – Análise da escola atual e de alguns fatores que têm provocado mudanças nos paradigmas educacionais. Reflexão acerca do ambiente escolar propiciador da construção do conhecimento matemático e a possibilidade do professor como mediador desse processo.
PALAVRAS-CHAVE: Escola – matemática – conhecimento – professor.
INTRODUÇÃO
Ao pensar na escola, muitos fatores devem ser considerados: fatores históricos, sociais, culturais, antropológicos, econômicos, políticos e pedagógicos. Pode-se também considerá-la sob diversas perspectivas: a do professor, a do aluno, a dos pais, a da comunidade, a da gestão escolar, a da construção do conhecimento. Este trabalho tem a proposta de fazer uma reflexão acerca da escola e de alguns fatores que estão provocando mudanças nos paradigmas educacionais e, também, do papel do professor na perspectiva de construção do conhecimento matemático.
A ESCOLA, UM ESTABELECIMENTO DE ENSINO?
A escola habita o cotidiano de tal forma que parece fazer parte do natural. Quando se propõe questioná-la, surge um certo incômodo: ela é questionável?
Partindo da idéia de que um dos papéis da escola é de possibilitar às novas gerações a apropriação do conhecimento construído e acumulado pela humanidade e que esta instituição é constituída por pessoas, seres que interagem e que buscam incessantemente novos conhecimentos, podemos refletir sobre a escola hoje, no século XXI.
Essa escola se mantém no mundo contemporâneo, sem sofrer grandes transformações. Isto quer dizer que ainda é um estabelecimento de ensino que privilegia a reprodução de idéias e comportamentos ensinados pelo professor na sala de aula, palco de exibição. Administrativamente há toda uma hierarquia: diretor, vice-diretor, supervisor, professor, aluno, sendo que a maioria das escolas desconsidera a participação dos alunos e dos pais e não tem um projeto coletivo de ação na busca de uma educação de qualidade. Se essas pessoas seguram as rédeas administrativas na direção que lhes convém, pode ocorrer de puxarem para o lado oposto ao do outro. Como forças opostas aplicadas a um mesmo objeto não provoca o deslocamento desse, tal fato leva as escolas a acreditarem que apenas um deve administrar, numa postura autoritária, defendendo que um manda e os outros obedecem, esquecendo-se de que uma escola, enquanto instituição formadora, faz-se pelo diálogo, portanto, pelo conflito. Esse conflito entre um sujeito e os demais, pelo qual cada um se vê obrigado a levar em consideração o pensar dos colegas e a tentar coordenar outras idéias com as suas próprias, denomina-se conflito sociocognitivo. Sua ocorrência propicia discussões que promovem a ampliação dos conhecimentos, a clarificação do papel da escola e de cada membro dessa instituição e a construção da autonomia da mesma.
Portanto, o conflito vai estar presente em situações em que pessoas com formação histórica, social e cultural diferentes, interagem ao cumprirem seu papel social e profissional. Para Lerner (1994), o conflito sociocognitivo é produtivo para o progresso do conhecimento mesmo quando nenhum dos participantes da situação possua resposta correta. (LERNER, 1994: 107)
Quanto às práticas pedagógicas, vemos que as escolas brasileiras estão sustentadas pela idéia de que o professor, agente do processo educativo, ensina, transmite aos alunos seu conhecimento, que, passivamente, memorizam. Tal pressuposto leva a escola a assumir um papel autoritário, acreditando que o professor ocupa o centro desse processo e que, para se ter aprendizagem, basta que o aluno reproduza o que lhe foi transmitido.
As bases dessa escola tradicional têm sofrido abalos mediante o desenvolvimento de tecnologias, tais como a televisão, o computador, a internet, o celular, que universalizaram as informações, retirando do professor o lugar que ocupava como único detentor do saber. Hoje, vemos os alunos trazerem para a sala de aula informações, talvez desconhecidas pelo professor, ou materiais fantásticos que enriquecem as aulas. Eles também transitam por diversas áreas como a arte, as engenharias, a informática, a literatura.
Outro fato importante é os estudos científicos desenvolvidos na área da Educação em todo o mundo. E que mostram que o conhecimento é concebido como produto de uma relação, é uma atividade. Tal concepção epistemológica retira do aluno a postura passiva, pois o considera responsável pela construção do conhecimento, mostrando que ele é ponto fundamental do processo de aprendizagem.
Apesar dos abalos sofridos, a escola tradicional está muito presente no ambiente educacional brasileiro. Instituições com pouca participação da comunidade, fragmentadas no sentido de que alguns pensam a educação enquanto outros executam, relacionam a disciplina do aluno ao estar quieto, cumprindo as ordens estabelecidas pelo professor, sendo que, para manter tal concepção, as salas de aula permanecem com fileiras de carteiras, o professor colocado à frente, apenas no uso de quadro, giz e livro didático, dando instruções para os alunos. Nessa postura, percebe-se que o professor acredita na transmissão de conhecimentos como única forma de aprendizagem, desconsiderando a comunicação como uma interação entre sujeitos.
Por outro lado, percebe-se que mudanças começam a ocorrer no cenário educacional, mesmo que ainda de forma tímida. Busca-se uma nova escola, onde professor/aluno e aluno/aluno, num processo de interação constante, privilegiam o diálogo, o questionamento, a crítica, a criatividade, o aprender a ser e o aprender a fazer, numa intensa preocupação com a formação integral do homem, promovendo uma relação igualitária entre o pensar e o sentir.
A partir dessas duas direções apresentadas, a da escola reprodutora, em que o professor ensina e o aluno aprende, reproduz e a da escola crítica, em que o professor possibilita ao aluno a construção do conhecimento, faremos uma reflexão sobre o ensino de Matemática nas escolas, no momento atual.
PROPICIANDO A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO MATEMÁTICO
Ao analisar a construção histórica do conhecimento matemático, percebe-se que o mesmo tem sido elaborado a partir da tentativa do homem de compreender e atuar em seu mundo. Como, na Grécia Antiga, berço da Matemática, somente alguns tinham acesso ao conhecimento formal, os escribas eram considerados homens especiais, dotados de inteligência acima da média, por serem os únicos capazes de decifrar e desfrutar dos conhecimentos geométricos e aritméticos da época, que muitas vezes eram complexos como o sistema de numeração grego e egípcio. A escola pitagórica muito contribuiu para esse pensamento, pois, formada por aristocratas, defendia o número como sendo a essência de tudo o que existe. Segundo Miorim (s/d), a escola pitagórica ... foi responsável pela introdução da concepção, existente até hoje, de que os homens que trabalham com os conceitos matemáticos são superiores aos demais.(MIORIM, s/d: 15)
Hoje, percebe-se, ainda, a idéia de que poucos conseguirão apropriar-se do conhecimento matemático, que, ainda para muitos, é considerado difícil e complexo. O aluno, ao chegar à escola, já apresenta um certo temor a esse conhecimento, sentindo-se incapaz. Tal idéia é legitimada pela postura pedagógica do professor, que se vê como dono do saber, não tem uma escuta às necessidades de seus alunos e faz questão de reforçar a heteronomia deles, não lhes propiciando um fazer, pois acredita que aprender é “saber na ponta da língua” o que foi ensinado.
Sabendo que a Matemática surgiu da interação do homem com seu mundo, ao tentar compreendê-lo e atuar nele, é difícil aceitar que, ainda assim, conhecedoras desse percurso e de estudos como os de Piaget, os quais afirmam que a criança constrói o conhecimento através da interação com o outro e com o mundo, nossas escolas insistam em manter um ambiente “desmatematizador”. Esse ambiente é permeado pelas idéias da transmissão de conhecimentos e de que a criança, ao chegar na escola, não é dotada de saberes.
Vejamos, se a Matemática foi elaborada a partir da atuação do homem no mundo, por que então nossas escolas não oferecem à criança a possibilidade de se apropriar do conhecimento elaborado por seus antepassados, na relação com o seu mundo? Se a Matemática é uma ciência simples e natural por que, então, considera-se que somente alguns dão conta desse saber? Ao responder essas perguntas percebe-se que é emergente a necessidade de a escola contemporânea propiciar um ambiente matematizador. Segundo Kamii (1994), o ambiente social e a situação que o professor cria são cruciais no desenvolvimento lógico-matemático. (KAMII. 1994:63)
Acredita-se que essa escola deveria ser alicerçada no diálogo, sendo todos aprendizes. O aprender estaria relacionado ao fazer, lembrando que o ser humano é movido por desejos e é capaz de aprender Matemática. Um ambiente matematizador, então, seria aquele permeado por desafios, por construções, por possibilidades. O professor, numa visão vygostkiana, é aquele que possibilita esse ambiente, que leva a criança a estabelecer relações, a pensar, indo além do que vê. Assim, ela viverá e (re)descobrirá o conhecimento, construindo-o de forma ativa, posicionando-se como parte fundamental desse mundo, capaz de promover mudanças em si mesma e em seu meio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
... a escola, agência social explicitamente encarregada de transmitir sistemas organizados de conhecimento e modos de funcionamento intelectual às crianças e aos jovens, tem um papel essencial na promoção do desenvolvimento psicológico dos indivíduos que vivem nas sociedades letradas. (KOHL, 2000:35)
Então, o que precisa acontecer para que a escola realmente assuma esse papel de emancipação? Talvez o professor precise acreditar que é possível mudar, conscientizando-se de que os avanços tecnológicos e que os estudos científicos sobre a educação fazem de hoje novos tempos, com novas necessidades. Para dar conta desses novos tempos, o professor deve buscar os conhecimentos necessários para uma melhor compreensão do processo ensino/aprendizagem, da educação e do papel da escola no mundo contemporâneo, percebendo-se como propiciador de situações de aprendizado ao aluno para que ele produza seu conhecimento.
Para que o professor acompanhe as mudanças sociais, tecnológicas e educacionais, promovendo uma educação de qualidade, os gestores da escola devem propiciar aos professores um ambiente estimulador ao estudo e à pesquisa. Como? Garantindo aos professores a oportunidade da formação continuada[1] no seu próprio ambiente de trabalho. É necessário que grupos de estudo e pesquisa, coordenados pelos próprios professores, se debrucem sobre temas pertinentes às necessidades da prática docente e ao seu desejo de apropriar de novos conhecimentos. Dessa forma, estabelecem-se condições para que os professores abracem a construção de um projeto coletivo na escola com a participação de toda a comunidade. Talvez assim, a escola contribua para a formação de sujeitos capazes de provocar uma transformação em si mesmos e no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LERNER, Delia. O Ensino e o Aprendizado Escolar: argumentos contra uma falsa oposição. In: CASTORINA, José Antônio; FERREIRO, Emilia; LERNER, Delia; OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget. Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 2000.
MIORIM, Maria Ângela. Introdução à História da Educação Matemática. São Paulo: Atual, s/d.
MARASCHIN, Cleci. Conhecimento, Escola, Contemporaneidade. In: PELLANDA, N. M. C..; PELLANDA, E. C. (orgs.). Ciberespaço: um Hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Pensar a Educação: contribuições de Vygotsky. In: CASTORINA, José Antônio; FERREIRO, Emilia; LERNER, Delia; OLIVEIRA, Marta Kohl. Piaget. Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ática, 2000
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