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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

GEORGE ORWELL E A LUTA PELA INDIVIDUALIDADE


GEORGE ORWELL E A LUTA PELA INDIVIDUALIDADE

No ensaio “Matar um elefante”, George Orwell narra um episódio do seu tempo como funcionário do Império Britânico na Birmânia, onde permaneceu cerca de cinco anos — período em grande parte tedioso, desempenhando funções sem relevância.
A ironia que abre o texto — ser importante a ponto de ser odiado — desdobra-se no repúdio silencioso à presença dos europeus, na oposição nem sempre surda, nas pequenas mas persistentes hostilidades que, devagar, atingem o jovem e imaturo oficial. Sob constante pressão, o autor se coloca, desde o início, como alguém perturbado, vivendo num desagradável clima de resistência política — e não surpreende, portanto, que a ironia tenha um sabor de auto-humilhação, de autodesprezo.
George Orwell
George Orwell
Tais sutilezas, reveladoras do seu estado emocional, aprofundam-se no segundo parágrafo — e o leitor descobre que esse oficial de polícia não tem fidelidade cega ao governo que representa: “Àquela altura”, ele diz, “eu me havia convencido de que o imperialismo era uma coisa má”. Nesse longo segundo parágrafo não há mais espaço para ironias: o autor manifesta o fracionamento de sua personalidade, obrigado a desempenhar uma função na qual não acredita, servindo a um governo cuja política despreza e vivendo numa sociedade que o repele, o que só amplia sua ira por aquelas pessoas, aparentemente imbuídas de uma só vontade: dificultar seu trabalho. O texto, mescla de ensaio e memória, não deixa dúvida a respeito desses antagonismos.
A essa descrição, Orwell acrescenta, no fim do segundo parágrafo, novo elemento: um elefante encolerizado. Enquanto se dirige à região destruída pelo animal, ouve o depoimento dos nativos — e a própria sucessão de informações constrói seu deslocamento pela cidade: cada notícia serve como um passo a mais na direção do que, imaginamos, será o núcleo do ensaio.
Quando chega ao local, bastam dois períodos para que Orwell coloque o cenário diante do leitor: “Era um quarteirão miserável, verdadeiro labirinto de fragilíssimas cabanas de bambu cobertas com folhas de palmeira, coleando ao longo de uma colina escarpada. Recordo-me que foi numa dessas manhãs abafadas, com o céu coberto de nuvens, já na entrada da estação chuvosa”. Nossa imaginação não necessita de mais nada para penetrar no bairro pobre e se perder na serpente de choupanas, sentindo o mormaço opressor.
A esse cenário pouco agradável, Orwell acrescenta nova camada de significados — a crescente profusão de informações recebidas ao longo do caminho amplia e reforça as dúvidas, a insatisfação e a angústia do jovem oficial: “Isso é regra geral no Oriente; um relato qualquer nos soa claro e preciso à distância, mas quanto mais vamos nos aproximando do local dos acontecimentos, tanto mais vago ele se torna”.
Descobrir o cadáver esmagado é um choque de realidade: “A cara coberta de lama, os olhos arregalados, os dentes à mostra e apertados numa expressão de insuportável agonia”. A seguir, quando encontra o elefante, a indiferença do animal e a turba curiosa são descritas com perfeição. Mas o importante é perceber que a divisão interior de Orwell ganha mais uma camada: ele tem agora o rifle adequado, carrega-o com os cartuchos, presenciou a destruição causada pela fúria do animal, sabe que está obrigado a cumprir seu papel, a população anseia pelo espetáculo — mas sente-se como um tolo, sem nenhuma intenção de matar o elefante.
George Orwell
Somos, ao mesmo tempo, o elefante abatido e o narrador que olha no fundo da “goela rosa-claro” do animal.
Os pensamentos do autor, a forma como mede as consequências, inclusive econômicas, da possível morte do elefante, surgem de forma natural — mas sua personalidade inteira submerge sob a pressão da massa que aguarda o espetáculo, “mar de faces amarelas a encimar aquela imensidade de roupas espalhafatosas”. Brota, dessa submersão, a derrota da vontade individual sob a vontade coletiva; o “homem branco” é esmagado pela multidão, pelos “dois mil desejos iguais” que o obrigam a fazer o que não deseja.

A IRONIA FINAL

De repente, o oficial se despersonaliza. Às divisões que experimenta desde o início do ensaio — entre sua vontade e a do Estado a que serve, entre sua consciência e a confusão dos relatos dos nativos — acrescenta-se uma terceira camada de perturbação: ele é, agora, apenas um “boneco oco”. Da submissão ao Estado à submissão à massa, onde está sua verdadeira personalidade? De servidor anônimo do Estado imperialista a servidor autômato da horda — nisto se resume o homem que perdeu sua individualidade.
A morte do elefante é uma aula de descrição. A lenta agonia nos aflige. Podemos lambuzar nossos dedos no “sangue grosso” que jorra das entranhas enormes, semelhante a um “veludo vermelho”; ouvimos os “arquejos angustiados” repetindo-se por minutos infinitos. Assim é o texto perfeito: ele não constrói uma cena, mas contamina o leitor, cria emoções.1Somos e não somos nós enquanto lemos — pois nos transformamos no atirador, na multidão, no próprio animal. Somos, ao mesmo tempo, o elefante abatido e o narrador que olha no fundo da “goela rosa-claro” do animal.
Mas George Orwell não abandona o leitor na cena desoladora. Leva-nos de volta ao centro da sua personalidade, não eliminada completamente pelo Estado, pelas resistências anônimas, pela massa: suas dúvidas não resolvidas persistem. É um alento, portanto, que, no final, reste uma pergunta, imponha-se a dúvida que não deixa de ser irônica — a dúvida que é o alento da individualidade.
[A tradução do ensaio é de Ivo Barroso, decano dos tradutores brasileiros.]
fonte: https://rodrigogurgel.com.br/george-orwell/

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