1808 – Laurentino Gomes (uma resenha)
“Como uma
rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e
mudaram a História de Portugal e do Brasil”
Depois
de uma exaustiva pesquisa em fontes as mais diversas durante mais de 10
anos, Laurentino Gomes nos brinda com esta narração definitiva sobre a fuga
da Família Real Portuguesa para o Brasil, sob a escolta da Marinha
Britânica.
Antecedentes
Portugal
– uma das nações mais atrasadas da Europa em inícios do século XIX –
encontrava-se freqüentemente diante da possibilidade concreta, estimulada e
aconselhada por muitos a ter a sede de seu governo transferida para o
Brasil, colônia da qual se tornara totalmente dependente. A cada crise no
Continente Europeu a idéia se renova, mas somente a partir dos ecos da
Revolução Francesa, mais particularmente em seu período Napoleônico, a idéia
ganhou força e premência. Com maior vigor a partir de 1801 a idéia
freqüentemente era cogitada. No entanto o Príncipe Regente D. João era fraco
demais – inclusive fisicamente – medroso demais e indeciso demais para
adotar medida de tão graves monta e repercussão.
Os
monarcas “perdem a cabeça”
O Rei
Jorge III, da Inglaterra, tinha ataques constantes de demência, amplamente
relatados: trazia ao colo uma almofada que informava ser uma criança; criou
uma “Nova Teoria da Santíssima Trindade” incluindo a si mesmo e a um criado,
além de Deus; passava por vezes 3 dias sem dormir, tempo durante o qual
passava a maior parte do tempo falando sem parar – e poucos compreendiam bem
o que exatamente estava ele a dizer.
Em
Portugal, D. Maria I, a Rainha Mãe, informava ver o fantasma de seu pai com
freqüência, ensangüentado e clamando vingança; seus gritos – talvez a
palavra “urros” expresse melhor o volume em que se expressava durante os
ataques de demência – eram tão lancinantes que ela foi recolhida a um
convento, declarada demente e seu segundo filho, despreparado para assumir o
trono, D. João, foi nomeado Príncipe Regente.
Na
França e em outros pontos da Europa reis e rainhas eram decapitados. Como
bem o enfatiza Laurentino Gomes, “era um tempo em que os monarcas, literal e
metaforicamente, perdiam a cabeça”
Decisão
às pressas
Somente
quando pressionado pelo avanço das tropas napoleônicas do General Junot, em
fins de 1807 e pressionado pela Inglaterra, a decisão foi tomada de maneira
tão apressada e atabalhoada que muitos bens dos fugitivos para o Brasil
ficaram empilhados no cais: bagagem, livros da Real Biblioteca, prataria
saqueada de igrejas, etc. Além disso, as embarcações vieram todas apinhadas
de gente, sem os cuidados técnicos necessários a uma tão longa travessia
(levaria cerca de 3 meses para atravessar o Atlântico nas rústicas naus da
época): pelo menos dois navios sequer conseguiram zarpar e o suprimento dos
que zarparam no dia 29 de novembro de 1807 mal eram suficientes para 2 ou 3
semanas. Foi sem dúvida uma fuga apressada e decidida às pressas e, sem a
escolta britânica a prover quase tudo o que faltava, a viagem estaria fadada
a uma tragédia.
Napoleão Bonaparte
- imbatível durante 2 décadas - Gênio Militar e uma Força da Natureza
Travessia
conturbada e escala em Salvador
Enfrentando as saunas em que os navios selados da época se transformavam nos
Trópicos, com água e refeições racionadas, condições sanitárias
precaríssimas, a Corte e seus inúmeros lacaios e bajuladores – de ministros
a clérigos e oportunistas com suas numerosas famílias – penou 3 meses de céu
e mar. O escorbuto (falta de vitamina C) e outras moléstias ceifaram vidas,
uma infestação de piolhos obrigou a todos a raspar a cabeça, uma tormenta
provocou um desvio de rota que a muito custo foi retificada – sempre com o
apoio logístico da Marinha Britânica – e finalmente, a 22 de janeiro de 1808
os navios aportaram em Salvador.
Um fato
curioso é que a princesa Carlota Joaquina, suas filhas e damas da corte
desembarcaram com uns turbantes rústicos enrolados na cabeça para disfarçar
a calva a que foram reduzidas pela infestação de piolhos. As damas da
sociedade soteropolitana consideraram ser aquela uma moda européia e
aderiram com tal entusiasmo que até hoje as Baianas usam a indumentária...
A escala
em Salvador proporcionou momentos de repouso após viagem tão longa e penosa
e, aconselhado pelos seus ministros, D. João decidiu receber autoridades do
Norte-Nordeste Brasileiro para as esquisitas cerimônias de “beijão-mão”:
filas de fidalgos esperando a vez para oscular as extremidades dos braços do
Príncipe Regente – uma constante na vida de D. João, que exigia estas
demonstrações de fidelidade e submissão com regularidade enquanto governou.
Era preciso fortalecer os vínculos entre as províncias do Brasil colônia
que, aos poucos, viria a se transformar numa nação, sede do governo
português no exílio.
Um príncipe
indeciso, medroso, fraco que, no entanto, enganou Napoleão...
A chegada
ao Rio de Janeiro
No dia 7
de março de 1808 a esquadra de D. João chega à Baía de Guanabara, mas o
desembarque ocorre somente no dia seguinte. Os puxa-sacos que sempre cercam
esse tipo de acontecimento no Brasil prepararam uma recepção retumbante, com
muitos tiros de canhão, fogos de artifício e festas populares para saudar “a
chegada do primeiro monarca Europeu a terras americanas”.
Portugal
foi saqueada pelos fugitivos de Napoleão antes de embarcar para o Brasil,
mas mesmo assim os recursos eram insuficientes para sustentar uma das
maiores cortes que qualquer monarca da época ousava manter em torno de si.
Todos dependentes dos cofres governamentais e sequiosos de um enriquecimento
rápido por aqui para uma volta a Portugal à primeira oportunidade.
Casas
foram requisitadas pela coroa portuguesa que nelas colava cartazes com as
iniciais P.R. (casa requisitada pelo Príncipe Regente) que a irreverência
carioca rapidamente entendeu como “Ponha-se na Rua!” Os impostos foram
aumentados a níveis até então inusitados; nada comparável aos 40% que os
brasileiros pagam hoje para os mensaleiros e sanguessugas e portadores de
cartões corporativos de Lula da Silva, mas uma taxação severa para a época
e, tal qual hoje, todos desconfiavam que os impostos não seriam empregados
para o bem público e sim para o benefício privado dos dependentes do
governo.
Um
príncipe frouxo e uma princesa irascível: uma união com tudo para jamais dar
certo...
Medidas
progressistas
Uma vez
que a sede do governo português situava-se no Rio de Janeiro, foram
necessárias algumas medidas – muitas das quais adrede acertadas com a
Inglaterra pela “cortesia” da escolta – progressistas para a época, como a
Abertura dos Portos às Nações Amigas, decreto Régio de 28 de janeiro de
2008. “Nações Amigas” eram basicamente Portugal e a Inglaterra. Pelo acordo
acertado com antecedência, o Brasil seria o principal escoadouro do
excedente comercial britânico e a Inglaterra contava com benefícios
alfandegários ainda superiores aos dos portugueses. Em pouco tempo os cais
brasileiros estavam atulhados de coisa absolutamente inúteis para nosso
clima tropical: patins para gelo, aquecedores de colchões e outras
bugigangas caríssimas que muitos acabavam empregando em outras finalidades –
um viajante da época informa que percebeu uma maçaneta de uma casa modesta
modelada a partir de um patim para gelo, por exemplo...
Foi
necessário ainda criar um órgão para cunhar a moeda que circularia por aqui:
o Banco do Brasil. Como foi criado na base do compadrio e muita corrupção,
teve vida efêmera. Em 1820 teve seus cofres saqueados pela Família Real de
volta para Portugal, faliu e acabou sendo liquidado em 1829. Somente em
1835, já no governo de D. Pedro II o Banco do Brasil foi recriado.
Hábitos
esquisitos
Havia as
esquisitíssimas e regulares cerimônias de beija-mão, acima relatadas.
D. João
VI era gordo, flácido e devorador voraz de franguinhos que trazia fritos e
desossados nos bolsos de seus uniformes sempre sujos e engordurados. Não
conseguia caminhar a pé mais de alguns metros sem sentir extrema fadiga e
era, na mais completa acepção do termo, um dos homens mais fracos que já
governaram esta nação, mas, surpreendentemente, logrou ser o único a enganar
Napoleão Bonaparte e realizou um governo medianamente satisfatório.
Uma vez
encontrar-se já em situação de separação definitiva de corpos da princesa
Carlota Joaquina, o Autor Tobias Monteiro, apontado por Gomes na obra hora
em análise, informa que D. João mantinha relações homossexuais “de
conveniência”, particularmente com um de seus camareiros, Francisco Rufino
de Souza Lobato cuja função primordial era masturbar o príncipe com
regularidade, atividade pela qual Rufino foi recompensado regiamente:
recebeu títulos, pensões portentosas e promoções sucessivas.
Numerosas salvas de canhão eram ordenadas a cada entrada de navio na Baía de
Guanabara. Um estadunidense surpreso comenta o quanto os portugueses
gostavam de gastar sua pólvora, a ponto de se ouvir o troar dos canhões à
entrada da Baía ao longo de todos os dias.
Sem
esgoto sanitário o lixo era invariavelmente jogado às ruas pelas janelas e,
não raro, um passante recebia o “batismo” de dejetos humanos. Classes mais
abastadas contavam com escravos encarregados de levar seus dejetos
acumulados para despejar na Baía de Guanabara. Ficavam conhecidos como
“carijós” pois quando o ácido de urina misturada com fezes caía sobre suas
costas deixava em suas peles negras algumas manchas brancas.
Imprensa
Enquanto
a Europa se encaminhava a passos largos para a ampliação dos Direitos da
Pessoa Humana e do Cidadão, o Brasil recebia um dos mais atrasados
representantes do Antigo Regime...
Como a
oposição ao governo era um crime gravíssimo, o único jornal com alguns
eivores críticos que, mais tarde, contudo, precisou ceder ao governo
português, era o Correio Braziliense, que Hipólito da Costa editava
em Londres.
Legado
Com
todas as fraquezas, todo o medo e covardia, além de toda a corrupção que
cercou a fuga da Família Real para o Brasil, devemos o princípio de nossa
emancipação política (vulgarmente conhecida como “Independência”) a este
episódio, a esta travessia de 1808.
Através
de brutais repressões e da concentração autocrática o Brasil – ex-colônia
portuguesa – manteve sua integridade territorial, lingüística e, em alguns
aspectos “cultural”, ao contrário do Império Colonial Espanhol que se
fragmentou em dezenas de Nações distintas.
Quando
as cortes em Portugal, já livres de Napoleão Bonaparte e de seus
“protetores” ingleses exigiram a volta da Família Real para o Continente
além do juramento a uma constituição com alguns lustros de republicanismo,
D. João VI – já então na posição de Monarca Português após o falecimento de
D. Maria I, “a louca” – deixou o Brasil a cargo de seu filho D. Pedro com a
recomendação de, em caso de revolta ou tentativas mais autonomizantes que o
desejavam as cortes portuguesas, D. Pedro tomasse a coroa “antes que algum
aventureiro o fizesse”. Assim, o Brasil simplesmente passou de pai para
filho sem grandes azedumes em 1822. Por incrível que pareça – se é que a
palavra “incrível” pode se aplicar a alguma situação no Brasil – os únicos
problemas armados envolvendo o episódio conhecido como “Independência”, o 7
de setembro de 1822, quando D. Pedro rompeu com as cortes portuguesas, foram
de alguns portugueses e brasileiros nativos que se rebelaram contra a
autonomia desejosos de continuar mamando nas tetas de Portugal. Estes foram
repelidos, novamente, com a ajuda de mercenários ingleses contratados pois
nossa Marinha estava ainda em projeto...
De mais
a mais, como Portugal devia 2 milhões de libras esterlinas à Inglaterra,
para reconhecer a autoridade de D. Pedro I sobre o Brasil a ex-metrópole
exigiu o repasse da dívida para a nova Nação Brasileira, dando o pontapé
inicial em nossa interminável dívida externa – que hoje Lula da Silva
“internalizou”: em 2008 devemos mais de 1 Trilhão e 400 Bilhões de Reais
“internamente” a empresas como o Grupo Santander, o Citibank, a Monsanto –
fabricante do desfolhante “Agente Laranja” -, a IBM – fabricante das
máquinas gravadoras de números nos braços dos judeus nos campos de
concentração nazistas -, a Ford, a Chrysler... Nossa dívida foi deixando de
ser considerada “externa” mas avolumou-se de maneira descontrolada e nossos
credores “brasileiros” têm suas matrizes bem longe daqui. Como diz na
paródia de nosso hino (também conhecido como “ouvirundum ou “nó suíno”): “o
sol da liberdade em raios fugidios brilhou em outra pátria muito distante!”
http://www.culturabrasil.org/1808-laurentino.htm
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