“O jornalismo é uma necessidade social”, determina Leonardo Padura, considerado um dos melhores autores de Cuba. O escritor criou roteiros para o cinema e atuou por 15 anos na área do jornalismo investigativo.
Porém, a análise de Padura sobre o futuro do jornalismo não é nada boa. Elementos que eram fundamentais ao jornalismo se perderam nos últimos anos. Categorizações, avaliações, linhas editoriais, chefes de redação, tudo foi bagunçado, argumenta o escritor cubano.
Ainda, a mudança do papel para a tela transformou radicalmente a relação da informação com o leitor, diz ele. A quantidade de opiniões e de fatos circulantes é imensa e o poder de um nome na análise dos fatos foi se reduzindo. Paradoxalmente, a chamada “grande mídia”, os veículos mais tradicionais, se reduziram a alguns poucos grupos, que detêm grande poder.
Em meio a este diagnóstico assumidamente pessimista, Leonardo Padura reflete sobre possibilidades e sobre o futuro da profissão neste mundo de telas e de pós-verdades.
Confira abaixo a fala do escritor e assista ao vídeo no final do texto.
Leia, também, a visão do Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa, sobre este mesmo tema. Clique aqui para ler o artigo de Llosa, “O jornalismo na civilização do espetáculo”
Leonardo Padura | Qual o futuro do jornalismo?
O jornalismo é uma necessidade social. Não só para informar, mas também porque é um espaço onde se pode fazer uma reflexão mais ou menos imediata sobre o que está acontecendo na realidade.
A literatura sempre precisa de um espaço de tempo para refletir e transformar isso em uma linguagem artística. O jornalismo trabalha com um certo imediatismo e tem uma presença muito onipresente, porque, hoje em dia, com os meios que existem, bom, não é preciso ter apenas o jornal de papel.
Se você quiser ler o Le Monde ou qualquer jornal de qualquer lugar do mundo, você o tem na internet. O que acontece é que estamos em um momento em que houve uma mudança de plataforma, que é também uma mudança de paradigmas, que também é uma mudança econômica no jornalismo, que de alguma forma perdeu a função que por quase cem anos a imprensa teve.
Hoje em dia, o espaço tradicional do jornal não tem mais a função que tinha até 20 anos atrás. Atualmente, as redes sociais, os blogs, as edições digitais dos jornais mudaram completamente esse modo de se relacionar entre o jornalismo e o leitor.
Mas é também um território que, de tão democrático, o território digital tem a possibilidade de que qualquer um possa intervir nele. As categorizações foram perdidas, as avaliações foram perdidas.
Sempre em um jornal havia uma figura que era o diretor ou o chefe de redação, que era um mediador entre o jornalista e o leitor. Porque tentavam manter uma linha editorial e uma qualidade no que se dizia.
Hoje, há uma grande confusão, porque todo mundo opina e todo mundo publica. No Facebook e no Twitter circulam uma enorme quantidade de opiniões, às vezes de informações, e isso torna muito difícil ter o peso da opinião que os jornais tinham até alguns anos atrás.
Além disso, como aconteceu todo esse fenômeno, muitos jornais, jornais de prestígio buscaram alternativas econômicas e uma das alternativas econômicas foi, inclusive, aposentar, para retirar dos jornais os antigos jornalistas que ganhavam salários melhores e trazer jovens recém-formados para ocupar esses espaços sem ter a experiência, o conhecimento que esses outros jornalistas acumularam ao longo dos anos.
É preciso repensar o jornalismo. Eu também estou um pouco pessimista sobre isso, porque nós não podemos, por princípio, não podemos restringir a liberdade de expressão. Esse é um princípio. Mas, por princípio, também deveríamos respeitar a verdade e a confiança do leitor.
Hoje falamos em pós-verdades ou falsas verdades. Em suma, falamos sobre coisas que são inimagináveis ou que aconteciam apenas em espaços muito diabólicos da comunicação.
Mas, hoje isso se estabeleceu como parte do jogo da informação, da opinião que circula, e faz com que grandes confusões sejam geradas.
Acrescenta-se a isso que também houve uma concentração da informação, de outro tipo de informação, da supostamente mais autorizada em grandes grupos editoriais que são grandes grupos de poder e que são grandes lobbies econômicos. Isso faz com que o interesse de um setor social ou econômico específico domine a informação em determinados espaços, que podem ser desde jornais, televisão, estações de rádio e espaço na internet.
Então, há realmente uma situação em que acredito que os mais afetados são as pessoas que consomem notícias, os leitores. Porque, de cada história, há muitas verdades e somos incapazes de saber qual é a verdade que mais se aproxima da verdade.
Leonardo Padura, em "El Hombre que Amaba a los Perros", traz uma preciosa lição sobre a degradação dos valores individuais pelo comunismo
A Editora Boitempo publicou em tradução o romance de Leonardo Padura, “El Hombre que Amaba a los Perros”, com o título de “O Homem que Amava os Cachorros”.
Eu teria preferido “Cães”, porque, ao lidar com uma língua irmã da sua própria, o tradutor deve ter o bom gosto e bom senso de escolher, seja palavras de igual raiz com significado idêntico nas duas línguas, seja palavras que inexistem no idioma original, jamais palavras idênticas com significado diverso. “Cachorro”, em espanhol, é “filhote”. Talvez o tradutor achasse que “cão” é termo do vocabulário “burguês”.
Mas o problema maior não é esse. Dedicada eminentemente à promoção de ideias e autores comunistas, a equipe da Boitempo mostrou que é capaz de traduzir e divulgar um dos grandes romances do século, ganhando algum dinheiro com ele, sem se deixar afetar pelo seu conteúdo no mais mínimo que seja.
É um caso de insensibilidade literária que raia a psicastenia. Pois raramente, no mundo, o comunismo, não nos detalhes do imensurável horror físico que produziu, mas nas profundezas da deformidade psicopática que o inspira, foi descrito em termos tão cruamente realistas como nesse livro: é uma imagem do inferno ou, para usar as palavras do autor, algo que se parece “antes a um castigo divino do que a uma obra de homens”.
Com base em farta documentação, só complementando-a com a especulação imaginativa nos pontos onde isso é indispensável, o livro conta a história dos últimos anos de vida de Leon Trotski e do seu assassino, Ramon Mercader, paralelamente à do narrador, um escritor cubano reduzido à impotência criadora pelas imposições da burocracia castrista empenhada em tudo rebaixar e mediocrizar.
Os três são homens que apostaram tudo no socialismo e aos quais só resta, no fim da história, a consciência amarga da “vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.
Embora a maior parte do enredo se passe no tempo de Stalin, o romancista não apela ao expediente costumeiro de trocar “comunismo” por “stalinismo”, usado para branquear a imagem do regime nas épocas subsequentes, mas mostra com muita clareza que, de um modo ou de outro, a mistura de violência assassina e mendacidade alucinante que caracterizou o stalinismo se conservou em ação em todos os países comunistas, muitas décadas depois da morte do ditador.
Padura, que nasceu e ainda mora em Cuba, publicando seus livros no México, viveu tudo isso de perto e colocou no personagem do narrador de “El Hombre que Amaba a los Perros” muito da sua experiência pessoal.
Hoje os brasileiros se espantam ante um governo que lhes rouba bilhões de reais enquanto, com a maior cara dura, continua posando de paladino da moralidade, e, rejeitado por noventa por cento da população, ainda se faz de porta-voz do “povo” contra a “elite”.
Se conhecessem algo da história do comunismo, como a trama urdida por Stalin para dar cabo de Trotski, entenderiam que a mendacidade psicopática, em proporções tão vastas que raiam o diabolismo puro e simples, não é uma invenção do PT: é inerente à mentalidade comunista em todas as épocas e lugares.
Os capítulos finais deste livro mostram o próprio assassino de Trotski, Ramon Mercader, consciente de haver jogado sua vida fora numa farsa demoníaca, concebida para fazer de Trotski, então um exilado sem dinheiro e quase sem seguidores, chutado de cá para lá por todos os governos do mundo, o todo-poderoso líder de uma conspiração global para derrubar o governo soviético com a ajuda simultânea – porca miséria! -- dos nazistas e dos americanos.
Durante décadas, Mercader foi adestrado para odiar Trotski com todas as suas forças, só para descobrir, depois, que na realidade nada sabia contra ele além de balelas e invencionices absurdas e antinaturais, injetadas em sua cabeça com violência comparável à do golpe de picareta no crânio com que ele deu fim à existência da sua vítima.
Após ter ido parar na cadeia num dos muitos expurgos que eram rotina na política soviética, o próprio agente secreto que treinou e disciplinou a mão assassina de Mercader tem, na velhice, a mesma consciência de ter servido apenas aos caprichos insensatos de um ditador enlouquecido pelo medo, que não se acalmaria antes de haver eliminado da face da Terra todos os seus inimigos reais, hipotéticos, virtuais ou totalmente imaginários.
Especialmente significativa é uma personagem secundária, a mãe de Mercader, Caridad. Mulher frígida que o marido burguês corrompe para ver se desperta nela o desejo sexual, ela se entrega então a uma vida devassa e ao consumo de drogas, chegando a uma tentativa de suicídio.
Só emerge da depressão quando encontra uma saída existencial no comunismo e reestrutura sua personalidade com base nos valores da militância, tornando-se uma combatente fanática, odiando o marido e o capitalismo como se fossem uma só entidade e contribuindo decisivamente para fazer do filho um assassino a soldo de Stalin.
Eu não poderia ter encontrado melhor ilustração para o conceito do outsider como militante, que descrevi em artigo recente neste mesmo jornal (leia aqui).
No fim, o desencanto de Caridad é o mesmo de Ramón e de seu instrutor, com a diferença de que ela não tem nem mesmo a força deles para meditar sobre a insensatez do seu passado.
O vazio, a secura, a tristeza vã e desesperançada que são tudo o que resta a esses homens quando compreendem a pantomima tola e sangrenta da qual se fizeram servidores e agentes, são a mensagem derradeira legada pelo século XX à presente geração, aí incluídos os editores brasileiros incapazes de ouvi-la.
Não é preciso dizer que perseguições em massa, cruéis e insensatas, no mais puro modelo stalinista, aconteceram também na China comunista, em Cuba, no Vietnã, no Camboja, em todos os países-satélites da URSS e por toda parte onde a opinião comunista tenha saído do subsolo psicopático que lhe é natural e conquistado um lugar de respeito na sociedade.
O modelo universalizou-se. A única coisa que varia é a dosagem respectiva da violência e da mendacidade que a fórmula da loucura comunista assume em distintos lugares do mundo.
Nos países onde não tem força bastante para tomar o poder pelas armas, o comunismo apela à estratégia gramsciana do engodo geral e, por isso mesmo, como aconteceu no Brasil, rouba mais do que mata, pelo menos até que o produto do roubo, crescendo até dimensões oceânicas, lhe assegure a posse dos meios de matar.
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