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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Luz amarela na graduação

Luz amarela na graduação
O desafio de incluir mais jovens no ensino superior, como prevê o Plano Nacional da Educação, extrapola o limite da responsabilidade das instituições universitárias, enquanto revela as carências da educação básica no Brasil

por Marta Avancini
 
Para melhorar a qualidade do ensino, os docentes precisam de aprimoramento continuado, um projeto salarial adequado e boas condições de trabalho, diz o conselheiro Artur Macedo
Dentre as 20 metas do novo Plano Nacional de Educação, em tramitação no Congresso Nacional, o aumento do número de matrículas no ensino superior é uma das mais emblemáticas. O texto do projeto elaborado pelo Executivo estabelece que, em 2020, o país deverá ter 50% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados numa faculdade. A história, porém, revela que será necessário um grande esforço e, talvez, um novo desenho das políticas educacionais como um todo para que o país atinja tal objetivo. Isso porque o principal gargalo para o aumento do número de jovens no ensino superior não está nessa fase de estudos, mas sim no nível anterior: no ensino básico.

Até agora, as ações implementadas com a finalidade de trazer mais jovens para a graduação universitária não foram suficientes. Seja porque não tiveram fôlego para tanto ou não atacaram os problemas centrais, como vencer a evasão dos alunos no ensino médio e melhorar a qualidade da formação básica.

Cálculos recentes do Ministério da Educação (MEC) estimam que 17% dos jovens são estudantes universitários - número distante inclusive da meta do PNE anterior, encerrado em 2010, e que previa a inclusão de 30% dos jovens no ensino superior. "Mantido o quadro atual, é difícil imaginar que se atingirá 50% de taxa bruta das matrículas no ensino superior em relação à população de 18 a 24 anos como pretende o novo PNE", analisa Roberto Leal Lobo e Silva Filho, diretor da Lobo & Associados Consultoria.

Baixa demanda
O problema mais evidente está na transição do ensino fundamental para o médio. Nos últimos anos, o número de alunos e de egressos no ensino médio tem se mantido estável. Desde 2007, as matrículas estão na faixa de 8,3 milhões, enquanto os egressos são cerca de 1,8 milhão, segundo dados do Censo da Educação Básica. Isso significa que, de cada dois estudantes no primeiro ano do ensino médio, apenas um se forma no tempo esperado.

"Esses números comprometem seriamente as possibilidades do crescimento das matrículas no ensino superior, e os altos índices de abandono representam um sério problema educacional e de inclusão social", analisa Roberto Lobo Leal.

O segmento do ensino superior privado, responsável pela grande maioria das vagas ofertadas, é o que mais sofre com isso. Em 2009, por exemplo, o setor teve queda de 11% do número de alunos em cursos presenciais e menos da metade (1,2 milhão) das vagas ofertadas (2,8 milhões) foi preenchida.

A baixa escolarização dos jovens que o ensino superior precisa incluir é outro fator que trava a demanda por mais vagas: 32,6% desse grupo populacional não completou 11 anos de estudo, de acordo com o relatório As Desigualdades na Escolarização no Brasil, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

A resolução do problema é contemplada numa das metas que o projeto do PNE estabelece, e que prevê o aumento da escolaridade na faixa dos 18 a 24 anos, de modo que a população do campo e os grupos que estão entre os 25% mais pobres estudem, pelo menos, durante 12 anos.

A meta, embora difícil de ser cumprida, é fundamental, afinal, sem o ensino médio completo, o jovem não tem como avançar em direção ao ensino superior.

Desafio da qualidade
Para Romualdo Portela, não há como solucionar os problemas de acesso ao ensino superior sem enfrentar o desafio de melhorar a qualidade da formação na educação básica. Entre as principais causas do significativo abandono dos estudos durante o ensino médio está a deficiência de aprendizagem que muitos carregam do ensino fundamental, somada a um currículo desconectado das demandas sociais, dos interesses dos jovens e do mundo do trabalho, que desestimulam e afastam os alunos dos bancos escolares.

"As deficiências do estudante brasileiro do ensino básico em compreensão de textos, solução de problemas, matemática e ciências são gritantes", argumenta Roberto Lobo Leal. "Além disso nosso ensino é memorizador, pouco exigente e desafiador", conclui.

Os baixos níveis de aprendizagem são atestados por avaliações como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). No Pisa, o Brasil teve um avanço significativo na última década - foi o terceiro país que mais melhorou em termos de pontuação (33 pontos), atrás do Chile (37 pontos) e Luxemburgo (38 pontos); apesar disso permanece nas últimas colocações dentre 65 países avaliados.

Já no Saeb, os avanços na aprendizagem dos alunos do 3o ano do ensino médio são praticamente inexistentes em matemática (passou de 271,3 pontos em 2005 para 274,7 em 2009). Em língua portuguesa, houve um ganho de 11,2 pontos no mesmo período (de 257,6 para 268,8), mas os alunos permaneceram na mesma faixa de desempenho, o que significa que não houve avanços em termos de suas habilidades e competências.

A falta de preparo dos alunos que passam pelo filtro dos vestibulares é uma realidade enfrentada por muitas instituições, que se veem obrigadas a equacionar essa falta diante das demandas de uma formação de nível superior. Na Anhanguera Educacional, os alunos são estimulados a participar de programa de nivelamento ofertado a todos os ingressantes. O foco do curso é desenvolver o raciocínio lógico e a capacidade de interpretação, com ênfase em língua portuguesa e matemática. "Essas são as maiores dificuldades que identificamos. Procuramos dar elementos para que o aluno não desista do curso e consiga cumprir o que se exige no ensino superior", diz Ana Maria Souza, vice-presidente Acadêmica da instituição.

"Há uma diferença muito grande entre o nível do aluno que chega ao ensino superior em relação ao que é projetado nos cursos", observa a vice-presidente. Na opinião dela, essa discrepância decorre do perfil do alunado, oriundo de escolas públicas, e que trabalha durante o dia e estuda a noite. "Essa é a realidade e é um direito desses trabalhadores chegar ao ensino superior. Cabe às instituições enfrentar o desafio de formar esse aluno adequadamente", complementa Ana Maria Souza.

Cecília Anderlini, diretora das Faculdades Integradas de Botucatu (Unifac), concorda. De acordo com ela, a defasagem de aprendizado trazida do ensino médio pelo aluno ingressante no ensino superior é muito grande. Para atacar o problema as faculdades incluem disciplinas de nivelamento no primeiro semestre de todos os cursos. "É uma forma de garantirmos o apoio educacional a esses alunos", sugere.

Reforma curricular
Os cursos de nivelamento, porém, não resolvem o problema de fundo, que é o da má formação. "Se a educação básica não melhorar, será difícil melhorar o ensino superior", assevera o professor Artur Roquete de Macedo, membro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) e diretor do Instituto Metropolitano da Saúde das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Surge então uma proposta de revisão do modelo curricular dominante no ensino superior brasileiro. "As ementas dos cursos superiores são as mesmas há décadas. Não levam em conta o que se perdeu na formação básica, nem as habilidades diferenciadas que devem ser desenvolvidas pelos estudantes. Por isso não se tem conseguido integrar bem os novos alunos ao início dos cursos superiores", afirma Lobo Leal. Para ele, os programas de adaptação dos novos alunos e de combate a evasão deveriam centrar-se em projetos de recuperação de conteúdos e de orientação dos estudos.

Mozart Neves Ramos, conselheiro do movimento Todos pela Educação, associa o baixo nível de aprendizagem em matemática ao longo da educação básica, constatado pelo Saeb, com a reprovação e a evasão em cursos superiores da área de exatas (química e física, por exemplo) e nas engenharias.

Apagão docente
É justamente a escassez de professores devidamente habilitados para lecionar na educação básica que alimenta o ciclo da aprendizagem deficiente. Tomando a disciplina de física, uma das que mais sofrem com a escassez de professores, em 2009, somente 21% dos professores em sala de aula eram licenciados nesta área.

Para Roquete de Macedo, a valorização do professor é a questão central para melhorar a qualidade da educação básica. "Os docentes precisam de aprimoramento continuado, um projeto salarial adequado e boas condições de trabalho." Nesse aspecto, o ensino superior tem um papel fundamental a desempenhar, formando bem os docentes que estarão à frente das salas de aula no ensino fundamental e médio.

Nesse contexto, o projeto do novo PNE colabora pouco para alterar este cenário, na opinião da professora Leda Scheibe, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela cita como exemplo a meta que estabelece que os professores devem ter licenciatura na área em que atuam. "Isso é previsto desde a LDB em 1996 e estamos longe de atingir essa meta", afirmou a professora, durante apresentação no 3o Seminário de Educação Brasileira, promovido pelo Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), em Campinas (SP).

"A formação de nível superior é importante, mas é necessário estimular os jovens a serem professores. O PNE poderia propor estratégias de indução à formação qualificada, como a oferta de bolsas para os alunos de licenciatura", defende a professora.

Mais recursos
As propostas para ampliar a escolaridade dos jovens, melhorar a formação na educação básica, fortalecer a formação inicial e continuada dos docentes e os mecanismos de valorização da carreira são diversificadas. No entanto, seja qual for o caminho seguido é imprescindível que haja recursos suficientes para efetivar as propostas.

Nesse quesito, existe um consenso quanto ao risco de o próximo PNE não ter fôlego para o Brasil dar o salto de qualidade que necessita na área da educação. O projeto do Executivo prevê ampliar o volume de recursos progressivamente até atingir a marca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.

Segundo o professor Romualdo Portela, a proposta é de uma "modéstia assombrosa" e contraria as deliberações da Conferência Nacional de Educação (Conae). Na Conae, foi acordado que o montante de 7% do PIB seria atingido em 2014, chegando a 10% em 2020.

Na opinião de Portela, o Custo Aluno Qualidade (CAQ), índice desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, serviria como referência para definir os valores mínimos por aluno em cada uma das etapas da educação básica, o que permitiria a aplicação de recursos baseada em um padrão de qualidade estabelecido por meio de insumos. Ele lembra que já existe uma resolução do CNE que normatiza os padrões de qualidade. A resolução está nas mãos do ministro Fernando Haddad para homologação.

Iniciativas da sociedade
O projeto Caminhos para Melhorar o Aprendizado, lançado no final de abril pelo movimento Todos pela Educação e o Instituto Ayrton Senna, indica algumas trajetórias possíveis para melhorar a qualidade do ensino básico. A iniciativa é resultado da análise de cerca de 165 estudos nacionais e internacionais, com base empírica e tratamento estatístico sobre os impactos de políticas de Educação no aprendizado dos alunos. O economista Ricardo Paes de Barros, coordenador do projeto, conclui que quatro aspectos trazem ganhos significativos para a aprendizagem: a qualidade do professor, turmas menores e mais homogêneas e o cumprimento do calendário escolar. O resultado do trabalho está disponível no site do projeto:www.paramelhoraroaprendizado.org.br.

Números do ensino básico não permitem expansão no superior
Em 2009, de acordo com o Censo da Educação Básica, a relação entre o número de matrículas no ensino fundamental (anos finais) e o de concluintes nessa etapa de ensino era de apenas 17%. Dos quase 2,5 milhões de alunos que concluíram o ensino fundamental e ingressaram no médio, apenas 1,7 milhão terminou esta etapa. Isso quer dizer que o ensino superior conseguiu atender a totalidade dos alunos que se formaram no ensino médio, já que o número de ingressantes nas faculdades em 2009 foi de um pouco mais de 1,7 milhão de alunos. Ficaram para trás, porém, mais de 80% de estudantes que nem chegaram ao ensino médio.
FundamentalMédioSuperior
Alunos matriculados (anos finais)
14.409.910
Alunos matrículados
8.337.160
Alunos ingressantes
1.732.613
Concluintes
2.473.073
Concluintes
1.797.434
 

Plano básico
Entre as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE) para melhorar o ensino básico estão:
  • Criar mecanismos para o acompanhamento individual de cada estudante do ensino fundamental;
  • Elevar a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% na faixa etária de 15 a 17 anos;
  • Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica;
  • Elevar a escolaridade da população de 18 a 24 anos, de modo a alcançar o mínimo de 12 anos de estudos para as populações do campo, da região de menor escolaridade do país e dos 25% mais pobres;
  • Garantir que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior;
  • Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação;
  • Valorizar o magistério público da educação básica;
  • Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Renovação do ensino médio
Embora exista um consenso sobre a necessidade de renovar o ensino médio brasileiro, as iniciativas oficiais nesse campo ainda são tímidas. Uma das principais iniciativas do Ministério da Educação (MEC) é o programa Ensino Médio Inovador, implantado em 357 escolas públicas de 18 estados. Desde 2009, já foram investidos R$ 51 milhões.

O MEC calcula que 296 mil alunos estão sendo beneficiados pela iniciativa, contingente relativamente pequeno quando comparado ao total de matrículas nesse nível (3,5% dos 8,3 milhões de estudantes).

O objetivo é estimular as escolas a inovarem no currículo - e assim tornar a escola mais atraente ao jovem - por meio de atividades integradoras a partir de quatro eixos de atuação: trabalho, ciência, tecnologia e cultura.

O Ensino Médio Inovador foi a base para as novas diretrizes curriculares para ensino médio elaboradas pelo CNE. As diretrizes preveem o aumento da carga horária do ensino noturno e a flexibilização de parte da grade curricular e deveriam ser discutidas no Conselho no início de maio.


fonte http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=12767;

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