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sábado, 19 de julho de 2008

O Alfabetizador.


O posicionamento teórico do alfabetizador e...


suas conseqüências

Prof. Ms. Joana Maria Rodrigues Di Santo

Após as pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberosk sobre a psicogênese da língua escrita, ficou claro que a capacidade de ler e escrever não depende exclusivamente da habilidade que o alfabetizando apresente de “somar pedaços de escrita”, e sim, antes disso, de compreender como funciona a estrutura da língua e a forma como é utilizada na sociedade.

Magda Soares diz que, num sentido amplo, o que poderíamos chamar de acesso ao mundo da escrita é o processo de um sujeito entrar nesse mundo, o que ocorre basicamente por duas vias: uma, por meio do aprendizado de uma técnica, ou seja, quando o educando aprende a ler e a escrever relacionando sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar e decodificar. Esta via prioriza o domínio do código convencional da leitura e da escrita, com base na teoria empirista, que historicamente é a que mais tem influenciado as representações sobre o ato de ensinar e o de aprender, expressando-se em um modelo de aprendizagem conhecido como de “estímulo-resposta”.

Decorrentes da proposta didática de alfabetização por meio da aquisição de uma técnica (tradicional), estão concepções como a de que ler é aprender a identificar letras, sílabas, palavras e frases para depois conseguir decifrar curtos e simples textos escolares específicos; ler, no período da alfabetização, consiste em codificar e decodificar letras e sons; o aluno só consegue ler depois de dominar a técnica da leitura e da escrita, quando, então, passa a ter contato com textos reais e com a linguagem utilizada cotidianamente; o alfabetizando precisa memorizar e fixar informações, das mais simples para as mais complexas, que se vão sobrepondo e acumulando na composição das palavras, que têm um fim em si mesmas; o planejamento não precisa ser flexível, podendo o professor utilizar o mesmo em todos os anos e em qualquer classe, que deve ser homogênea para facilitar o trabalho do docente, detentor do conhecimento, que corrige rigorosamente todas as atividades, a fim de evitar que o erro seja fixado.

Isso pode ser constatado através das tradicionais cartilhas, que na grande maioria utilizam a silabação, embora proclamem lançar mão do método misto. Partem da memorização das vogais, que se combinam com cada consoante, no estudo das famílias silábicas. Tais instrumentos enfatizam uma concepção de língua escrita como transcrição da fala, apresentando textos construídos com a finalidade de tornar clara essa relação.

Ao alfabetizar o aluno com embasamento no método tradicional, valoriza-se o produto final do ato de ler e escrever, entendendo-o como decorrente da aquisição de habilidades como, aprender a técnica, desenvolver a coordenação motora, discriminação visual, o uso de lápis, do papel, etc. , o que gera ênfase primordial na automação da escrita para, numa segunda etapa, voltar-se para a compreensão ou interpretação do texto, em detrimento ao processo de construção da língua escrita pelos alunos. É centrado no professor e valoriza a cópia, podendo conduzir muitos alunos ao analfabetismo funcional.

Neste processo, é prioridade a mecanização e memorização da escrita, caracterizando crianças que realizam somente a codificação e/ou a decodificação das sílabas mais trabalhadas em sala de aula e não são capazes de construir novas palavras a partir destas mesmas sílabas, nem de utilizá-las em textos diversos. Tal abordagem vê a língua como pura fonologia, apresentando à criança textos não estruturados, que não passam de um agregado de palavras desconectadas, sem coerência e coesão. Dessa forma, podem até reconhecer essas sílabas e palavras-chave exaustivamente repetidas em sala de aula, mas não conseguem formar novas palavras juntando tais sílabas, nem escrever frases contextualizadas com essas palavras.

Com freqüência, muitas crianças decoram todo o alfabeto, mas não conseguem ler sílaba nem palavra; sílabas que, por ventura, conseguiram decorar para leitura não conseguem escrever no ditado, nem reconhecer em outros contextos; podem, até, conseguir fazer cópias, mas não conseguem escrever as mesmas palavras quando são ditadas.
São as crianças copistas, que sofrem muito com sua própria situação. Há as que escrevem precariamente algumas palavras-chave e famílias silábicas, usadas exaustivamente, mas não lêem.
E como são muito cobradas, tendem a desenvolver baixa auto-estima e alguns bloqueios, pois adentram à escola com muitas expectativas, que não são correspondidas, o que pode levá-las a se sentirem desmotivadas, principalmente em função dos exercícios descontextualizados e da cobrança da memorização. com o que fica-lhes muito mais difícil alfabetizar-se.

Com o método sintético, a criança é um aprendiz que vai juntando informações; que aprende uma família silábica após a outra se supondo que, em dado momento no decorrer desse caminho, tenha um insight e compreenda a relação entre todas essas sílabas, fazendo uma síntese a partir de uma determinada quantidade de informações. Pode aprender a escrever, porém não a expressar-se com desinibição e espontaneidade, pois, inclusive pela falta de contextualização, sua visão de mundo tende a limitar-se ao discurso escolar; é como se a leitura e a escrita fossem atividades restritas ao ambiente escolar: lêem e escrevem as palavras que o professor ensina. A criança é levada a construir seu conhecimento da língua escrita em um sistema gráfico de representação da linguagem oral, e faz do ato de ler e escrever apenas uma codificação e decodificação. É uma alfabetização artificial e mecânica dificultando a sua compreensão, pois não tem a ver com tudo que vivencia em seu cotidiano: o educando faz cópias de conteúdos não contextualizados e sem significado para a sua vida.

A outra via, construtivista, consiste em desenvolver as práticas de uso da língua escrita, considerando que não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la. Os dois processos devem ser simultâneos e interdependentes, pois aprender a técnica da leitura e da escrita não é pré-requisito para utilizar tais capacidades nas atividades cotidianas.

O alfabetizador que atua com postura construtivista valoriza um ambiente alfabetizador, que facilite a interação do educando com os mais diversos tipos de textos, dentro de um clima de liberdade para participar das propostas e construir o ato de ler e de escrever. Considera que ler é atribuir significado, o que ocorre pelo uso de estratégias de leitura (de decodificação, seleção, antecipação, inferência e verificação) a partir do conhecimento prévio e dos índices fornecidos pelo texto.
Procura trazer para a sala de aula tudo que possa motivar a criança, despertar sua curiosidade e o desejo de ler, utilizando a decodificação possível naquele momento, como identificar a letra inicial, final ou as intermediárias para antecipar o significado da escrita de, por exemplo, painéis contextualizados, receitas, rótulos de produtos bem conhecidos, que auxiliarão na produção de textos individuais e coletivos, pois considera que é possível ler quando ainda não se sabe ler convencionalmente, e que é dessa forma que se pode aprender, tratando os alunos como leitores, desde sua entrada na escola.
Nas oportunidades de interação com textos reais, mesmo sem saber ler convencionalmente, os alunos poderão questionar, explorar e confrontar suas hipóteses, registrando suas próprias escritas. A correspondência letra-som é um conteúdo fundamental, mas apenas um dos inúmeros conteúdos que a criança precisa, necessariamente, dominar na aquisição progressiva da linguagem escrita.

Considera-se a alfabetização uma parte constituinte da prática da leitura e da escrita, onde, na interação com os textos, a criança constrói o seu conhecimento, as hipóteses a respeito da escrita e, dessa forma, progressivamente aprende a ler e a escrever, compreendendo as relações que existem entre fonemas e grafemas, codificando e decodificando, pois a alfabetização acontece como resultado da reflexão sobre as características e regularidades da escrita, sendo a palavra um meio para isso.

O construtivismo coloca em evidência as hipóteses que as crianças formulam, testam, reorganizam, assimilam, acomodam e formam novas hipóteses até adquirirem a forma convencional da língua escrita. Há uma leitura seqüencial com conteúdo significativo, de modo que a criança vê a escrita como um objeto social. A proposta construtivista busca uma alfabetização com compreensão, construída pouco a pouco, respeitando a compreensão dos meios que a criança utiliza para representar a construção do seu conhecimento sobre a língua escrita. Deixa o aluno livre para criar suas próprias hipóteses, valorizando-o como construtor do seu conhecimento e sujeito de sua aprendizagem. Para tanto, o planejamento deve ser elaborado em função de uma classe real, necessitando de retomadas e reorganizações, não podendo ser reutilizado na íntegra, de um ano para outro e de uma classe para outra , pois estas devem ser heterogêneas, sendo benéfico para os alunos interagirem com colegas de diferentes níveis de conhecimento, o que favorece o trabalho do professor, uma vez que, quando os alunos aprendem uns com os outros, o educador tem maior liberação para atender os educandos mais necessitados de sua intervenção pedagógica.

Repetindo, tais diferenças ficam evidentes, sobretudo porque, para o método tradicional, todos aprendem da mesma forma, em classes homogêneas, descartando os conhecimentos prévios que a criança trouxe de seu ambiente social. Ela é ensinada mecanicamente, utilizando-se de sua memória sem lhe dar oportunidade de pensar sobre a escrita e construí-la. Já numa abordagem construtivista, todo processo de elaboração é respeitado e é a partir dele que o professor vai estimular e intervir para que o aluno se desenvolva e se aproprie da leitura e da escrita. Nesse processo, são apresentados à criança diversos textos que irão auxiliá-la, e ela será capaz de produzir narrativas e demais textos que não são apenas frases soltas, justapostas, mas que terão um sentido e uma ligação entre si. Percebe-se que o aluno consegue realmente escrever uma história com princípio, meio e fim, rica de vocabulário e imaginação. Neste caso, a criança foi estimulada diariamente em sala de aula, com textos elaborados.

O professor construtivista acredita que cada aluno aprende no seu tempo e de acordo com suas diferenças. Isso o estimula a ser mais dinâmico, procurando sempre diversificar sua ação pedagógica para atender todas as diferenças. Embasado pela teoria construtivista, o professor criará situações que possibilitem aos alunos a vivência dos usos sociais que se faz da escrita, possibilitando-lhes ouvir a leitura e atentar às características dos diferentes gêneros textuais, bem como a linguagem compatível com diferentes contextos comunicativos, participando de situações sociais nas quais os textos reais são utilizados, pensando sobre seus usos, características e funcionamento, além do sistema alfabético, pelo qual a língua é grafada.

Assim, acreditar que o que mobiliza a aprendizagem é o esforço do sujeito com vistas a dar sentido às informações que estão disponíveis, como fazem os construtivistas, é bem diferente de acreditar que o educando permanece passivo introjetando as informações que lhe são oferecidas e da maneira como são oferecidas, de acordo com concepções empiristas.

O professor que questiona a eficácia do uso de cartilhas, do método tradicional, dos materiais excessivamente estruturantes utilizados, frequentemente, percebe que é preciso fazer mudanças. Nesse momento é fundamental estar atento para compreender que o construtivismo constitui uma teoria muito complexa, que possibilita saber quais passos a criança, em sua interação com a escrita, dá numa direção que lhe permite descobrir que escrever é registrar sons e não coisas. Depois que passa pela fase silábica, vai perceber o som do fonema, até o momento em que se tornará alfabética. Nesse momento, a criança deverá apropriar-se do sistema alfabético e do sistema ortográfico da escrita, que são sistemas constituídos de regras convencionais, as quais ela tem de aprender. E isso não ocorre de maneira espontaneísta; melhor ainda, a intervenção do professor é determinante neste processo: ele tem que definir e propor atividades; acompanhar o desempenho de cada aluno, encorajando-o, explicando, interpretando a sua escrita, auxiliando-o a perceber onde está o erro, auxiliando-o a avançar. Cabe-lhe observar a ação dos alunos, acolher ou problematizar suas produções, intervir a cada momento que julgar que pode colaborar para o avanço da sua reflexão sobre a escrita, pois realmente o alfabetizando tem que passar por um processo sistemático e progressivo de aprendizagem desse sistema, evoluindo com a ação compromissada e coerente do professor.

Com finalidade didática, procuramos registrar lado a lado aspectos significativos de cada uma destas concepções de alfabetização:

TRADICIONAL, com silabário.

CONSTRUTIVISTA, com textos

- Valoriza o produto final do ato de ler e escrever.

- Entende alfabetização como compreensão do modo de construir conhecimento.

- A concepção de ensino e aprendizagem pressupõe que a alfabetização é um processo cumulativo: agregam-se conhecimentos, passando pouco a pouco do simples (letras e sílabas) ao complexo (palavras e texto).

- A concepção de ensino e aprendizagem pressupõe que a alfabetização é um processo de construção conceitual, apoiado na reflexão sobre as características e funcionamento da escrita: pouco a pouco o educando compreende as regularidades que caracterizam a escrita.

- Exercícios repetitivos de coordenação motora, discriminação visual e auditiva, localização espaço-temporal, etc.

- Entende alfabetização como compreensão dos meios que a criança utiliza para representar a construção do seu conhecimento sobre a língua escrita.

-O modelo de ensino apóia-se na capacidade do sujeito de associar estímulos e respostas, repetindo, memorizando e fixando na memória; a escrita é algo a ser decifrado.

-O modelo de ensino apóia-se na capacidade do sujeito refletir, inferir, estabelecer relações, processar e compreender informações transformando-as em conhecimento próprio.

A criança compreende a função social da escrita.

- Parte-se da crença de que seja fácil para o educando aprender primeiro, havendo falsa suposição sobre o que é fácil e difícil de aprender.

- Parte-se do que os alunos pensam e sabem sobre a escrita, e isto possibilita que a aprendizagem seja significativa

- A criança é copista, não conseguindo construir um texto elaborado, e sim com frases soltas, repetitivas.

- O aluno elabora o texto de acordo com sua visão de mundo, de forma criativa, expondo suas idéias.

- Tudo vem pronto para ser copiado. São utilizados textos artificiais para ensinar a ler e a escrever.

- Os textos são desenvolvidos pelos alunos, conforme sua linha de raciocínio. São textos reais , considerados como o local onde se aprende a ler e escrever, bem como se reflete sobre as regularidades da escrita.

-A informação deve ser oferecida da forma mais simples possível, uma de cada vez, para não confundir aquele que aprende.

- o aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de aprendizagem.



É fundamental que o alfabetizador conheça cada uma dessas vias para identificar as respectivas conseqüências, pois cada concepção orienta práticas pedagógicas diferentes, sendo diferentes, também, os resultados alcançados. Ao adotar a metodologia de alfabetização, definirá também suas atitudes e posturas em sala de aula, bem como os materiais que utilizará, priorizando as competências e habilidades a serem construídas pelos alunos.

Embasado pelo conhecimento da teoria, o professor atuará de forma coerente quanto à compreensão dos processos de ensino-aprendizagem, à concepção de língua escrita por parte de cada um de seus alunos, bem como a escolha crítica do material a ser utilizado em sala de aula, correlacionando-o à realidade dos alunos, num esforço para orientar sistemática e progressivamente sua apropriação do sistema de escrita.

Para tanto, é essencial o planejamento e a organização do trabalho em torno da alfabetização, a fim de promover situações motivadoras e a partir delas realizar uma intervenção adequada. Sua decisão depende de sua visão de homem, de mundo, de educação.
Assim, decidir se vai ou não utilizar a escrita socialmente, permitindo ao aluno construir seu próprio conhecimento; que tipo de criança quer formar: mais criativa, questionadora, com melhor entendimento de expressão escrita e leitura, ou que simplesmente reproduza os fonemas e grafemas ensinados?
Que a aprendizagem da escrita ocorra de modo dinâmico, interessante, com crianças engajadas na construção do próprio conhecimento, orientadas por um professor que lhes facilita a ação de conhecer o mundo, ou ocorra de modo mecânico, sistemático e previamente determinado pela cartilha?

A decisão é sua, professor!

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Parâmetros Curriculares nacionais. Mec/SEF, 1997.

BRASIL, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, Vol. 3. Mec/SEF, 1998.

FERREIRO, Emília e TEBEROSKY,Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre. Artes Médicas, 1998.

SMITH, Frank. Leitura Significativa. Porto Alegre. Artes Médicas. 1999.

SOARES, Magda. A reinvenção da alfabetização. Arigo.

WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo. Ática, 1999.+


Joana Maria Rodrigues Di Santo é Psicopedagoga experiente, com atuação significativa em Psicopedagogia Institucional, Supervisora aposentada do Município de São Paulo, mestre em Educação, Professora do Curso de Pedagogia da Uni'Santana, profere palestras e assessora diversas escolas.

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