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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

PORQUE JOÃOZINHO NÃO PODE DECODIFICAR.


PORQUE JOÃOZINHO NÃO PODE DECODIFICAR

por G. Reid Lyon, no Washington Post de 27.10.96

Tradução: Pedro Lourenço Gomes.

Elizabeth McPike, da American Federation of Teachers (Federação Americana de Professores), escreveu que se você não aprende a aprender a ler, você simplesmente não se dá bem na vida. A pesquisa que conduzimos e financiamos no NICHD - National Institute of Child Health and Human Development (Instituto Nacional da Saúde Infantil e do Desenvolvimento Humano), dos NIHs (National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde, o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil), deixa isto bem claro. Diversos estudos longitudinais de longo prazo feitos por cientistas financiados pelo NICHD demonstraram que aproximadamente 17-20 % de nossas crianças têm substanciais dificuldades em aprender a ler.

Em contraste com o que antes era convencional, descobrimos que tanto meninas quanto meninos manifestam dificuldades de leitura. Os meninos parecem ser identificados mais prontamente pelo sistema de escolas públicas com relação a dificuldades de leitura porque tendem a ser um pouco mais ativos e barulhentos do que suas colegas de mesma idade. Já que tipicamente é o comportamento da criança, mais do que suas dificuldades escolares, que leva os professores a encaminhar os jovens aos serviços de educação especial, as dificuldades que as meninas têm na leitura são frequentemente menosprezadas porque em geral elas são mais bem comportadas e socialmente adaptadas.

Ainda assim, à medida em que vemos estes garotos e garotas crescerem, os efeitos negativos de suas dificuldades de leitura aparecem com abundância e clareza. Durante os primeiros anos de escola, quando devem estar aprendendo a ler, suas dificuldades são bastante embaraçosas para eles. Esta humilhação precoce leva a uma predizível diminuição em sua auto-estima e em sua motivação para a vida escolar. Através dos anos tenho me entristecido crescentemente com o fato de que estas crianças não são tão flexíveis como eu pensava que fossem. São ternos indivívuos, que se frustram e se envergonham facilmente por causa de suas deficiências em habilidades de leitura assim que notam que muitos de seus colegas lêem tão fluentemente. Durante os anos posteriores, quando os jovens param de aprender a ler e começam a ler para aprender, seu conhecimento e interesse em áreas como literatura, ciência, matemática e história são inibidos simplesmente porque não podem adquirir os conceitos através do texto impresso.

Mas as consequências do fracasso na leitura vão bem além destes resultados escolares. Entre 10-15 % das crianças com dificuldades de leitura largam a escola antes do segundo grau. Dos que chegam lá, menos de 2 % fazem quatro anos de faculdade, apesar de muitos terem inteligência acima da média. Uma pesquisa rápida com adolescentes e jovens adultos com história de conduta delinquente ou criminosa indica que metade deles têm dificuldades de leitura, e taxas similares de fracasso na leitura são vistas entre jovens com problemas de drogas. Sem dúvida, a independência e o sucesso ocupacional e vocacional estão comprometidos. Assim, as dificuldades de leitura não são apenas um problema educacional, mas também um grande problema de saúde pública e um desafio econômico. Foi por estas razões que o NICHD tentou agressivamente procurar entender melhor as dificuldades de leitura - descobrir o que as causa, quanto tempo duram, e o que podemos fazer para prevení-las e remediá-las. Nos últimos 20 anos aprendemos muito, mas claramente precisamos aprender mais.

O Problema

Em essência, podem-se ver quase todas as dificuldades de leitura quando uma pessoa tenta ler as palavras de um texto impresso. Os sinais são: uma elaborada abordagem na decodificação ou "sonorização" de palavras desconhecidas, e repetidas identificações erradas de palavras conhecidas. A leitura é hesitante e caracterizada por frequentes pausas e recomeços, e múltiplos erros de pronúncia. Se indagado a respeito daquilo que acabou de ser lido, o indivíduo quase sempre tem pouco a dizer. Não porque ele ou ela não seja inteligente o bastante; de fato, muitas pessoas com dificuldades de leitura são muito inteligentes. Em geral, sua pouca compreensão existe porque levam muito tempo para ler as palavras, o que deixa pouca energia para a lembrança e compreensão do que leram. Posto de maneira simples, sua leitura das palavras é arrastada e imprecisa, e não automática e fluente.

Mesmo indivíduos com dificuldades relativamente "leves" de leitura dirão que não lêem por prazer. Por que ? Porque dá muito trabalho até se transformar num prazer, e a leitura simplesmente demora muito tempo, impedindo que o leitor se interesse pelo material.

Infelizmente não há nenhuma maneira de se contornar o estágio de decodificar e reconhecer a palavra na leitura. Uma deficiência nestas aptidões não pode ser compensada apreciavelmente com o uso do contexto para se adivinhar o significado das palavras mal lidas, particularmente se a velocidade de leitura for pequena e os erros abundantes. Em essência, à medida que o propósito de aprender a ler é tirar significado do texto impresso, a chave para a compreensão do que é lido se inicia com a leitura imediata e precisa das palavras.

As dificuldades na decodificação e identificação das palavras, ainda que sejam o âmago da maioria das dificuldades, não são o único tipo de inaptidão de leitura que se pode observar. Certamente algumas crianças podem computar as palavras de modo muito rápido, mas ainda assim têm dificuldades em compreender o que leram. Este tipo de disfunção da compreensão da leitura está sendo estudado hoje por diversos cientistas financiados pelo NICHD, e estamos começando a entender como melhor identificar e abordar o problema.

As Causas

Se a capacidade de tirar significado do texto impresso depende de uma decodificação e identificação precisa e automática das palavras, que tipo de coisas estorvam a aquisição destas habilidades básicas de leitura? Sem dúvida, crianças pequenas que tenham exposição limitada tanto à linguagem falada como ao texto impresso antes de entrar para a escola estão em risco de fracassar na leitura. Mas muitas crianças cuja inexperiência linguística inicial torna o aprendizado da leitura difícil podem ser levadas a níveis apropriados de leitura com uma instrução intensiva e científica no jardim de infância e na primeira e segunda séries.

O mais intrigante são as dificuldades de leitura observadas em crianças que têm inteligência entre média e acima da média, uma robusta experiência oral em linguagem e frequente interação com livros - crianças frequentemente chamadas de incapazes de aprender ou disléxicas. Muitas crianças examinadas nos estudos financiados pelo NICHD ouviam histórias que lhes eram lidas regularmente desde a tenra infância. Seu vocabulário de fala é bem desenvolvido, e quando se lê para elas, rapidamente entendem e discutem o conteúdo com ricos detalhes. Entretanto, quando se lhes pede que leiam algo apropriado para sua idade, atrapalham-se.

Nesta última década começamos a entender porque. O inglês é uma língua alfabética, o que significa que para ser lido devem-se desvendar as relações entre sons e letras. Assim, um bom leitor conhece as conexões entre os mais ou menos 40 sons da língua e as 26 letras de nosso alfabeto. Nossa pesquisa no NICHD nos ensinou que para que um leitor iniciante aprenda a mapear ou traduzir símbolos impressos (letras e padrões de letras) em sons, ele deve intuitivamente entender que a fala pode ser segmentada e que as unidades segmentadas da fala podem ser representadas de forma impressa. Esta compreensão é chamada de "consciência fonológica", e é um pré-requisito na decodificação e no reconhecimento das palavras, o que, por sua vez, são passos essenciais da compreensão da leitura.

Por que a consciência fonológica é tão importante? Porque se as crianças não puderem perceber os sons das palavras faladas - por exemplo, se não puderem "ouvir" o som at em fat e cat e perceber que a diferença entre estes segmentos sonoros está no primeiro som - terão significativas dificuldades em decodificar as palavras com precisão e fluência. Esta consciência da estrutura sonora de nossa língua parece tão simples e comum que presumimos que todos os jovens devem desenvolvê-la. Mas muitos não fazem isso, e por algumas interessantes razões. Diferentemente da escrita, nossa fala não consiste de sons separados em palavras. Por exemplo, enquanto uma palavra escrita como cat tem três unidades letra-som, o ouvido percebe apenas um som, não três, quando a palavra é dita. Esta mistura e superposição de sons num feixe de fala torna a comunicação oral muito mais eficiente. Pense como demoraria para se conversar se cada palavra que disséssemos fosse retalhada em seus segmentos sonoros. Temos hoje fortes evidências comprovadas de que não é o ouvido que ajuda a criança a entender que uma palavra falada como cat se divide em três sons e que estes sons podem ser traduzidos como as letras c-a-t, é o cérebro. E em muitos indivíduos o cérebro não está processando este tipo de informação fonológica linguística de maneira eficiente.

Em essência, as pesquisas em curso nos ensinam que as dificuldades de leitura ocorrem com mais frequência do que se supôs inicialmente, e que a maioria destas dificuldades reflete uma disfunção específica de linguagem que torna difícil para algumas crianças entender que as palavras faladas são compostas de unidades sonoras que podem ser traduzidas em letras e padrões de letras de modo que elas possam "desvendar" palavras que nunca tenham lido antes. Sem a consciência fonológica e a capacidade de rapidamente rotular padrões de texto impresso com os sons apropriados, as crianças não podem desenvolver um conhecimento letra-som útil e continuarão a adivinhar, mais do que decodificar e reconhecer as palavras da página.

O Elo Genético

Quando crianças apresentam dificuldades de leitura baseadas na linguagem, começa-se a pensar na origem de tais dificuldades. Se os déficits de leitura não puderem ser explicados por uma falta de exposição a padrões de linguagem e a materiais voltados para alfabetização durante os anos pré-escolares, uma questão que surge com frequência é se a genética está envolvida. Isto é, as dificuldades são herdadas? Além disso, as dificuldades estão associadas ao modo de funcionamento do cérebro? A resposta é um comprovado sim para as duas perguntas, mas não em relação a todos os leitores com dificuldades. Nos últimos 20 anos os dados obtidos em estudos com famílias, gêmeos e padrões cromossômicos, financiados pelo NICHD, fornecem fortes evidências de que a dificuldade de leitura se multiplica nas famílias, pode ser herdada, e bastante provavelmente é causada porque um ou mais genes têm um importante efeito sobre o desenvolvimento neural. Os dados sugerem que estes efeitos genéticos influenciam a transmissão de déficits fonológicos que produzem as dificuldades de decodificação, de reconhecimento de palavras e de leitura descritas anteriormente.

Os mecanismos específicos através dos quais os fatores genéticos predispõe alguém a dificuldades de leitura não estão bem esclarecidos. Uma possibilidade é que as alterações genéticas influenciam a natureza e a qualidade do desenvolvimento do cérebro nos sistemas neurais que são responsáveis pela identificação dos sons das palavras. Diversos estudos recentes financiados pelo NICHD descobriram que os déficits de consciência fonológica estão associados a um funcionamento atípico de regiões cerebrais específicas. É claro que estas informações das pesquisas, por enquanto, só podem ser vistas como sugestões. Ainda assim, a recente explosão tecnológica no desenvolvimento de métodos de neuroimagem que podem ser utilizados com segurança em crianças indica favoravelmente a compreensão científica dos fundamentos neurobiológicos do desenvolvimento e das dificuldades da leitura.

Estas Crianças Podem Ser Ajudadas?

Na verdade podem. Diversos estudos sobre intervenções na leitura financiados pelo NICHD descobriram que muitos jovens podem aprender a ler bastante bem se uma instrução apropriada for ministrada bem cedo. Nestes estudos longitudinais descobrimos que a intervenção tanto precoce como bem informada é crítica. Por que precoce? Porque parece que a menos que as crianças sejam identificadas e a intervenção apropriada seja feita, lá pela segunda ou terceira séries, suas chances de não ficar para trás com relação à leitura são reduzidas dramaticamente. Isto não quer dizer que não dará certo com estudantes mais velhos. Dará, mas o custo em tempo e dinheiro, essencialmente, triplica.

Diversos estudos do NICHD que estão sendo efetuados em muitos locais de pesquisa registraram que um programa de instrução equilibrado, composto de instrução direta em consciência fonológica, elementos fonéticos e leitura contextual, é necessário para que haja ganhos em habilidades de leitura. Para além de qualquer dúvida, descobrimos que os métodos de ensino que se baseiam em uma só filosofia, como a "abordagem da linguagem total" ou o "método fônico", são contraproducentes para crianças que tenham dificuldades de leitura. Mesmo que a criança seja inteligente e o material de leitura seja interessante, a criança não aprenderá a ler a menos que entenda como o texto impresso se traduz em sons. Do mesmo modo, idependentemente da consciência fonológica e do conhecimento dos elementos fonéticos que a criança tenha, ela não desejará dedicar-se à leitura e à escrita a menos que estas sejam significativas e interessantes, e ensinadas de maneira excitante e vibrante.

Infelizmente muitos professores não foram adequadamente preparados para entender como a leitura se desenvolve e para ensinar as crianças a ler usando uma abordagem instrucional equilibrada e integrada, que assegure o domínio da estrutura sonora da língua, dos elementos fonéticos e das estratégias contextuais de compreensão da leitura. Frequentemente os professores são treinados dentro de uma filosofia "tamanho único", que claramente leva muitas crianças às dificuldades de leitura. Além disso, a maioria dos jovens que são identificados nas escolas públicas como portadores de dificuldades no aprendizado da leitura tipicamente não recebem treinamento de leitura apropriado até que tenham fracassado por pelo menos dois anos. Aí simplesmente é tarde demais, e reflete um hiato infeliz entre o que conhecemos por nossas pesquisas e o que se pratica nas escolas.

Nossas pesquisas financiadas pelo NICHD levaram a descobertas que podem ajudar a identificar, já no jardim de infância, muitas crianças que têm dificuldades em aprender a ler.Elas também levaram ao desenvolvimento de muitos métodos poderosos de ensino que podem ser aplicados durante o jardim de infância, a primeira e a segunda séries, para prevenir e remediar fracassos em leitura. Devemos trabalhar mais para que as escolas, os professores e os pais tenham estas informações.

G. Reid Lyon é chefe do Learning Disabilities, Cognitive and Social Development Branch ( Departamento de Dificuldades de Aprendizagem, do Desenvolvimento Cognitivo e Social) do National Institute of Child Health and Human Development (NICHD), dos NIHs.

Fonte: http://www.google.com.br/search?sourceid=navclient&hl=pt-BR&ie=UTF-8&rlz=1T4GGIH_pt-BRBR287BR287&q=O+que+%c3%a9+decodificar+palavras

A Escrita
De: lmsamartino


De:
parkinson13guidals
Leitura na escola


Reportagem A leitura entre os universitários

De: vaneweezer2


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