A seguir, um artigo sobre o erro e sua utilização como um instrumento pedagógico. Texto este que mostra dois lados do erro. Leia reflita, sobre este tema tão importante para nós que estudamos a educação.
Cipriano Carlos Luckesi*
Prática Escolar: do Erro Como Fonte de Castigo ao Erro Como
Fonte de Virtude
A visão culposa do erro, na prática escolar, tem conduzido ao uso permanente do
castigo como forma de correção e de direção da aprendizagem, tomando a avaliação
como suporte da decisão. Todavia, uma visão sadia do erro possibilita sua utilização
de forma construtiva.
O Castigo Escolar a Partir do Erro
As condutas dos alunos consideradas como erros têm dado margem, na prática
escolar, tanto no passado como no presente, às mais variadas formas de castigo por
parte do professor, indo desde as mais visíveis até as mais sutis. À medida que se
avançou no tempo, os castigos escolares foram perdendo o seu caráter de agressão
física, tornando-se mais tênues, mas não desprovidos de violência.
No passado, em nossa prática escolar, castigava-se fisicamente. No Sul do País, era
comum um professor utilizar-se da régua escolar para bater num aluno que não
respondesse com adequação às suas perguntas sobre uma lição qualquer. No Nordeste
brasileiro, esta mesma prática era efetivada por meio da palmatória, instrumento de
castigo com o qual o professor batia na palma da mão dos alunos. A quantidade de
"palmadas" dependia do juízo deste professor sobre a possível "gravidade" do erro. O
castigo físico, noutras vezes, dava-se pela prática de colocar o aluno "de joelhos" sobre
grãos de milho ou de feijão, ou ainda de mandá-lo para a frente da classe, voltado
para a parede e com os braços abertos. Pequenos martírios!
* Professor de Filosofia da Educação, com mestrado em Educação pela Universidade da Bahia.
Uma forma intermediária de castigo, entre o físico e o moral, era deixar o aluno "em pé",
durante a aula, enquanto os colegas permaneciam sentados. Neste caso, era castigado
fisicamente, pela posição, e moralmente, pelo fato de tornar-se visível a todos os colegas a
sua fragilidade. Era a exposição pública do erro.
Estas formas de castigar hoje são raras; porém, o castigo não desapareceu da escola. Ele
se manifesta de outras formas, que não atingem imediatamente o corpo físico do aluno
mas sua personalidade, sendo, no sentido que BOURDIEU fala, em seu livro A reprodução,
uma "violência simbólica".
Uma forma de castigar um pouco mais sutil que as anteriores, que existiu no passado e
ainda existe, é a prática pela qual o professor cria um clima de medo, tensão e ansiedade
entre os alunos: faz uma pergunta a um deles, passando-a para o segundo, o terceiro, o
quarto, e assim por diante, gerando tensão no aluno que pode vir a ser o subseqüente na
chamada. Deste modo, a classe toda fica tensa, já que cada um espera ser o próximo.
Esta forma de conduzir a docência manifesta-se com um viés mais grave ainda, porque o
professor normalmente não está interessado em descobrir quem sabe o que foi ensinado,
mas sim quem não aprendeu, para poder expor publicamente aos colegas a sua
fragilidade. O professor, usualmente, prossegue a chamada até encontrar o fraco, aquele
que não sabe. Este, coitado!, treme de medo e de vergonha. O "forte" na lição é elogiado e o
"fraco", ridicularizado.
No caso, a vergonha e o medo de não saber, segundo o senso comum do magistério, devem
servir, de um lado, de lição para o aluno que não aprendeu e, de outro, de exemplo para os
colegas, na medida em que ficam sabendo o que lhes pode acontecer no caso de não
saberem a lição quando forem chamados. O vitupério do professor e dos colegas é uma
forma de castigar e deixar o aluno tenso, bem como publicamente desvalorizado.
Existiam e existem, também, castigos como: ficar retido na sala de aula durante o recreio
ou intervalo entre uma aula e outra; suspender o lanche; realizar tarefas extras em sala de
aula ou em casa.
Uma modalidade diversa de castigo é a ameaça do castigo. O aluno sofre por antecipação,
pois fica na expectativa do castigo que poderá vir e numa permanente atitude de defesa.
São as ameaças de futuras repressões, caso os alunos não caminhem bem nas condutas
que devem ser aprendidas, sejam elas cognitivas ou não. Eram e são freqüentes
expressões como:
- Vocês vão ver o que é que vou fazer com vocês no dia da prova . . .
- Se forem bem neste trabalho, acrescento um ponto na nota para todos os alunos; se
forem mal...
- Se continuarem fracos como estão, terei que levar isso ao conhecimento da direção da
escola...
- Vou me comunicar com os pais de vocês, pois que não estão aprendendo nada.. .
Sabemos que outras formas mais sutis de castigar têm sido utilizadas ainda hoje, tais
como: a gozação com um aluno que não foi bem; a ridicularização de um erro; a ameaça
de reprovação; o teste "relâmpago", como tem sido denominado o que é realizado para
"pegar os alunos de surpresa". Um teste relâmpago, como bem diz o nome, deve ser algo
que assusta e, se possível, mata.
O castigo que emerge do erro - verdadeiro ou suposto - marca o aluno tanto pelo seu
conteúdo quanto pela sua forma.
As atitudes ameaçadoras empregadas repetidas vezes garantem o medo, a ansiedade, a
vergonha de modo intermitente. A postura corporal de defesa, que o aluno adquire,
manifestada pela dificuldade de respirar enquanto fica na expectativa de ser o próximo da
chamada, é uma expressão clara dessa tensão. A respiração presa parece um antídoto
possível contra a catástrofe que está para desabar sobre ele. Pela forma mantêm-se
permanentemente o medo, a tensão e a atenção. Atenção limitada, mas atenção. E a que
preço!
A partir do erro na prática escolar, desenvolve-se e reforça-se no educando uma
compreensão culposa da vida, pois, além de heterocastigado, muitas vezes ele sofre ainda
a autopunição. Ao ser reiteradamente lembrado da culpa, o educando não apenas sofre os
castigos impostos de fora, mas também aprende mecanismos de autopunição, por
supostos erros que atribui a si mesmo. Nem sempre a escola é a responsável por todo o
processo culposo que cada um de nós carrega, mas ela reforça (e muito) esse processo.
Quando um jovem não vai bem numa aprendizagem e diz: "Poxa, isso só acontece
comigo!", que é que está expressando senão um juízo culposo e autopunitivo?
Haverá muito trabalho psicológico futuro para que as crianças e os jovens de hoje se
libertem de suas fobias e ansiedades, que se foram transformando em hábitos
biopsicológicos inconscientes. Hábitos criados pelo medo que, com certeza, não serve para
nada mais do que garantir uma submissão internalizada. O medo tolhe a vida e a
liberdade, criando a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente.
O clima de culpa, castigo e medo, que tem sido um dos elementos da configuração da
prática docente, é um dos fatores que impedem a escola e a sala de aula de serem um
ambiente de alegria, satisfação e vida feliz. Assim, as crianças e os jovens rapidamente se
enfastiam de tudo o que lá acontece e, mais que isso, temem o que acontece no âmbito da
sala de aula.
As Razões do Uso do Castigo
A razão imediata e aparente do castigo decorre do fato de o aluno manifestar não ter
apreendido um conjunto determinado de conhecimentos, uma seqüência metodológica ou
coisa assemelhada. Porém, a questão do castigo é mais profunda.
A idéia e a prática do castigo decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito -
aqui, no caso, o aluno -, que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido,
merecem ser castigadas, a fim de que ele "pague" o seu erro e "aprenda" a assumir a
conduta que seria correta.
Isso conduz à percepção de que o entendimento e a prática do castigo decorrem de uma
visão culposa dos atos humanos. Ou seja, a culpa está na raiz do castigo. No caso da
escola, este senso caminha pela seguinte seqüência: um aluno manifesta uma conduta
não-aprendida e, por isso, segundo o senso comum, é culpado; como tal deve ser castigado
de alguma forma, a fim de que adquira e direcione seus atos na perspectiva da conduta
considerada adequada.
Nesta perspectiva, o erro é sempre fonte de condenação e castigo, porque decorre de uma
culpa e esta, segundo os padrões correntes de entendimento, deve ser reparada. Esta é
uma compreensão e uma forma de agir que configuram nosso modo cotidiano de ser.
A idéia de culpa está articulada, dentre outras coisas, com a concepção filosófico-religiosa
de que nascemos no pecado. Essa idéia nos acompanha desde o nascimento, em função de
nossa cultura -"ocidental-cristã" - ser marcada pela perspectiva da queda. O texto bíblico
do Gênesis diz que Adão e Eva pecaram ao comer o fruto proibido e, por isso, foram
castigados com a expulsão do Paraíso. Daí em diante, todos os seres humanos - homens e
mulheres -que viessem a nascer teriam essa marca originária do pecado e,
conseqüentemente, da culpa.
Essa concepção atravessou épocas, sendo mantida e difundida pelo judaísmo e
exacerbada pelas Igrejas cristãs, especialmente a católica, de tal forma que todos
carregamos fortemente um sentimento de culpa que nos limita, e que, também, nos
conduz à projeção e prática de atos que limitam os outros. Tanto nos limitamos com nosso
sentimento de culpa, castigando-nos por múltiplos e variados mecanismos de
autopunição, como o projetamos sobre os outros, castigando-os por seus supostos erros.
A partir da culpa, assumimos uma conduta sadomasoquista: masoquista, porque punimos
a nós mesmos, e sádica, porque castigamos os outros a partir da projeção de nossos
sentimentos de culpa. Muitas vezes não suportamos em nós e nos outros os sentimentos
de alegria e prazer; por isso, castigamo-nos assim como aos outros. E o castigo, por vezes,
pode chegar a ser para alguns, estranhamente, um ato prazeroso.
A concepção de vida culpada, que atravessou épocas, não ocorreu por acaso. Este
processo se deu (e se dá) numa trama de relações sociais com a qual nos constituímos
historicamente. O viés da culpa não é gratuito.
A culpa gera uma limitação da vida e produz uma rigidez na conduta, o que, em última
instância, gera um autocontrole sobre os sentimentos, os desejos e os modos de agir de
cada um. Emerge, desta forma, um controle social internalizado, e cada um fica como se
estivesse engessado, impossibilitado de expandir seus sentimentos e necessidades vitais.
Interessa à sociedade em que vivemos esse engessamento dos indivíduos.
A culpa impede a vida livre, a ousadia e o prazer, fatores que, multiplicados ao nível social,
significam a impossibilidade de controle do processo de vida em sociedade, segundo
parâmetros conservadores. A sociedade conservadora não suporta existir sem os
mecanismos de controle internalizados pelos indivíduos - a culpa é, assim, muito útil.
Nesta perspectiva, a observação e a compreensão do uso do erro na prática escolar
revelam que a questão é bem mais ampla que somente o fato de proceder a um pequeno
castigo de um aluno individualmente. A trama das relações sociais, que constitui o tecido
da sociedade predominantemente conservadora na qual vivemos, tem uma força
determinante sobre as nossas condutas individuais. Tal força é mediada por múltiplos
mecanismos, dentre os quais a culpa e o medo através do castigo.
Contudo, o erro poderia ser visto como fonte de virtude, ou seja, de crescimento. O que
implicaria estar aberto a observar o acontecimento como acontecimento, não como erro;
observar o fato sem preconceito, para dele retirar os benefícios possíveis. Uma conduta,
em princípio, é somente uma conduta, um fato; ela só pode ser qualificada como erro, a
partir de determinados padrões de julgamento.
Toda vez que se observa um fato, a partir de um preconceito, não se observa o fato, mas
uma imagem amalgamada pelo fato, cimentada pelo preconceito. Isto é, o fato é julgado
antes de ser observado. O fato mesmo só emergirá a partir do momento que o preconceito
for sendo dissolvido e a observação, "desengessada".
É preciso, antes de mais nada, observar, para depois julgar. Nossa prática, entretanto, tem
sido inversa: primeiro colocamos a barreira do julgamento, e só depois tentamos observar
os fatos. Neste caso, a observação fica "borrada" pelo julgamento. Certamente, não é fácil
observar primeiro para depois julgar, mas é preciso aprender esta conduta, se queremos
usar o erro como fonte de virtude, ou seja, de crescimento.
O Que é o Erro?
A idéia de erro só emerge no contexto da existência de um padrão considerado correto. A
solução insatisfatória de um problema só pode ser considerada errada, a partir do
momento que se tem uma forma considerada correta de resolvê-lo; uma conduta é
considerada errada, na medida em que se tem uma definição de como seria considerada
correta, e assim por diante.
Sem padrão, não há erro. O que pode existir (e existe) é uma ação insatisfatória, no
sentido de que ela não atinge um determinado objetivo que se está buscando. Ao
investirmos esforços na busca de um objetivo qualquer, podemos ser bem ou
malsucedidos. Aí não há erro, mas sucesso ou insucesso nos resultados de nossa ação.
Em metodologia da Ciência, sempre se diz que há um caminho aleatório pelo qual a
humanidade tentou produzir a Ciência - o método da "tentativa do acerto e do erro". Ou
seja, para produzir conhecimento, ia-se tentando; se desse certo, obtinha-se um
conhecimento, caso contrário, não havia conhecimento e ia-se tentar novamente. Neste
caso, não se trabalhava com uma hipótese plausível a ser testada; trabalhava-se
aleatoriamente.
Esta caracterização de "acerto e erro" é ampla e, usualmente, pode ser útil para expressar
o esforço de alguém que busca, "no escuro do conhecimento", um caminho para
compreender ou para agir sobre o mundo. Porém, se atentarmos bem para o que acontece
de fato nesse processo, não há nem acerto nem erro. Ocorre, sim, um sucesso ou um
insucesso como resultado da atividade. Caso o resultado nos conduza à satisfação de uma
necessidade - um produto, conhecimento novo -, tivemos sucesso no nosso esforço; caso
não tenhamos obtido a satisfação de nossas necessidades, chegamos a um insucesso.
Neste caso, não temos nem acerto nem erro, pois não existe um padrão que possa permitir
o julgamento do "acerto" ou do "erro", não há aí um guia que nos permita ajuizar do acerto
ou do erro.
Deste modo, só ao nível da linguagem comum e utilitária podemos definir esse método
como "método do acerto e do erro'. De fato, na situação exposta no parágrafo anterior, não
se configura "acerto' ou "erro". Existe, aí, um esforço de construção, que pode ser bem ou
malsucedido. Quando se chega a uma solução bem-sucedida, pode-se dizer que se
aprendeu positivamente uma solução; quando se chega a um resultado não-satisfatório,
pode-se dizer- também positivamente - que ainda não se aprendeu o modo de satisfazer
determinada necessidade.
Contudo, neste contexto, não existe erro. Para que exista erro, é necessário existir um
padrão. No caso da moralidade, existem os preceitos estabelecidos dentro das diversas
sociedades, a partir de suas determinações materiais e sociais. Por exemplo, o roubo só
pode ser considerado erro numa sociedade que esteja fundada na posse privada dos bens.
Se tal posse fosse comum a todos, não haveria como ocorrer roubo. Do ponto de vista do
Direito Público, Civil, Penal etc., existem as leis, social e positivamente estabelecidas, que
definem o que é correto. A partir daí, as condutas que não se conformarem à norma, serão
consideradas erros sociais, a serem sancionados física, social ou materialmente, de acordo
com o que determinar a lei. No caso de uma solução científica ou tecnológica já
estabelecida, será considerado erro o encaminhamento que se fizer em desconformidade
com o padrão já construído.
No caso da aprendizagem escolar, pode ocorrer o erro na manifestação da conduta
aprendida, desde que já se tenha o padrão do conhecimento, das habilidades ou das
soluções a serem aprendidas. Quando um aluno, em uma prova ou em uma prática,
manifesta não ter adquirido determinado conhecimento ou habilidade, através de uma
conduta que não condiz com o padrão existente, então podemos dizer que ele errou.
Cometeu um erro em relação ao padrão.
O Uso do Erro Como Fonte de Virtude
Tanto o "sucesso/insucesso" como o "acerto/erro" podem ser utilizados como fonte de
virtude em geral e como fonte de "virtude" na aprendizagem escolar.
No caso da solução bem ou malsucedida de uma busca, seja ela de investigação científica
ou de solução prática de alguma necessidade, o "não-sucesso" é, em primeiro lugar, um
indicador de que ainda não se chegou à solução necessária, e, em segundo lugar, a
indicação de um modo de "como não se resolve' essa determinada necessidade. O fato de
não se chegar à solução bem-sucedida indica, no caso, o trampolim para um novo salto.
Não há por que ser hetero ou autocastigado em função de uma solução que não se deu de
forma "bem-sucedida:'. Há, sim, que se utilizar positivamente dela para avançar na busca
da solução pretendida.
Diz-se que Thomas Edison fez mais de mil experimentos para chegar ao bem-sucedido na
descoberta da lâmpada incandescente. Conta seu anedotário biográfico que, após muitos
experimentos malsucedidos, um seu colaborador quis desistir do empreendimento e
Edison teria comentado: "Por que desistir agora, se já sabemos muitos modos de como não
fazer uma lâmpada? Estamos mais próximos de saber como fazer uma lâmpada". Os
insucessos foram, assim, servindo de trampolim para o sucesso de sua busca.
O insucesso, neste contexto, não significa erro; ao contrário, serve de ponto de partida
para o avanço na investigação ou na busca da satisfação de uma necessidade
prático-utilitária.
Os erros da aprendizagem, que emergem a partir de um padrão de conduta cognitivo ou
prático já estabelecido pela Ciência ou pela Tecnologia, servem positivamente de ponto de
partida para o avanço, na medida em que são identificados e compreendidos, e sua
compreensão é o passo fundamental para a sua superação. Há que se observar que o erro,
como manifestação de uma conduta não-aprendida, decorre do fato de que há um padrão
já produzido e ordenado que dá a direção do avanço da aprendizagem do aluno e,
conseqüentemente, a compreensão do desvio, possibilitando a sua correção inteligente.
Isto significa a aquisição consciente e elaborada de uma conduta ou de uma habilidade,
bem como um passo à frente na aprendizagem e no desenvolvimento.
O erro, para ser utilizado como fonte de virtude ou de crescimento, necessita de efetiva
verificação, para ver se estamos diante dele ou da valorização preconceituosa de um fato; e
de esforço, visando compreender o erro quanto à sua constituição (como é esse erro?) e
origem (corno emergiu esse erro?).
Reconhecendo a origem e a constituição de um erro, podemos superá-lo, com benefícios
significativos para o crescimento. Por exemplo, quando atribuímos uma atividade a um aluno e
observamos que este não conseguiu chegar ao resultado esperado, conversamos com ele,
verificamos o erro e como ele o cometeu, reorientamos seu entendimento e sua prática. E, então,
muitas vezes ouvimos o aluno dizer: "Poxa, foi agora que compreendi o que era para fazer!". Ou
seja, foi o erro, conscientemente elaborado, que possibilitou a oportunidade de revisão e
avanço. Todavia, se nossa conduta fosse a de castigar, não teríamos a oportunidade de
reorientar, e o aluno não teria a chance de crescer. Ao contrário, ele teria um prejuízo no
seu crescimento, e nós perderíamos a oportunidade de sermos educadores.
O erro, especialmente no caso da aprendizagem, não deve ser fonte de castigo, pois é um
suporte para a autocompreensão, seja pela busca individual (na medida em que me
pergunto como e por que errei), seja pela busca participativa (na medida em que um outro
- no caso da escola, o professor - discute com o aluno, apontando-lhe os desvios cometidos
em relação ao padrão estabelecido). Assim sendo, o erro não é fonte para castigo, mas
suporte para o crescimento.
Nesta reflexão, o erro é visto e compreendido de forma dinâmica, na medida em que
contradiz o padrão, para, subseqüentemente, possibilitar uma conduta nova em
conformidade com o padrão ou mais perfeita que este. O erro, aqui, é visto como algo
dinâmico, como caminho para o avanço.
Cipriano Carlos Luckesi*
Prática Escolar: do Erro Como Fonte de Castigo ao Erro Como
Fonte de Virtude
A visão culposa do erro, na prática escolar, tem conduzido ao uso permanente do
castigo como forma de correção e de direção da aprendizagem, tomando a avaliação
como suporte da decisão. Todavia, uma visão sadia do erro possibilita sua utilização
de forma construtiva.
O Castigo Escolar a Partir do Erro
As condutas dos alunos consideradas como erros têm dado margem, na prática
escolar, tanto no passado como no presente, às mais variadas formas de castigo por
parte do professor, indo desde as mais visíveis até as mais sutis. À medida que se
avançou no tempo, os castigos escolares foram perdendo o seu caráter de agressão
física, tornando-se mais tênues, mas não desprovidos de violência.
No passado, em nossa prática escolar, castigava-se fisicamente. No Sul do País, era
comum um professor utilizar-se da régua escolar para bater num aluno que não
respondesse com adequação às suas perguntas sobre uma lição qualquer. No Nordeste
brasileiro, esta mesma prática era efetivada por meio da palmatória, instrumento de
castigo com o qual o professor batia na palma da mão dos alunos. A quantidade de
"palmadas" dependia do juízo deste professor sobre a possível "gravidade" do erro. O
castigo físico, noutras vezes, dava-se pela prática de colocar o aluno "de joelhos" sobre
grãos de milho ou de feijão, ou ainda de mandá-lo para a frente da classe, voltado
para a parede e com os braços abertos. Pequenos martírios!
* Professor de Filosofia da Educação, com mestrado em Educação pela Universidade da Bahia.
Uma forma intermediária de castigo, entre o físico e o moral, era deixar o aluno "em pé",
durante a aula, enquanto os colegas permaneciam sentados. Neste caso, era castigado
fisicamente, pela posição, e moralmente, pelo fato de tornar-se visível a todos os colegas a
sua fragilidade. Era a exposição pública do erro.
Estas formas de castigar hoje são raras; porém, o castigo não desapareceu da escola. Ele
se manifesta de outras formas, que não atingem imediatamente o corpo físico do aluno
mas sua personalidade, sendo, no sentido que BOURDIEU fala, em seu livro A reprodução,
uma "violência simbólica".
Uma forma de castigar um pouco mais sutil que as anteriores, que existiu no passado e
ainda existe, é a prática pela qual o professor cria um clima de medo, tensão e ansiedade
entre os alunos: faz uma pergunta a um deles, passando-a para o segundo, o terceiro, o
quarto, e assim por diante, gerando tensão no aluno que pode vir a ser o subseqüente na
chamada. Deste modo, a classe toda fica tensa, já que cada um espera ser o próximo.
Esta forma de conduzir a docência manifesta-se com um viés mais grave ainda, porque o
professor normalmente não está interessado em descobrir quem sabe o que foi ensinado,
mas sim quem não aprendeu, para poder expor publicamente aos colegas a sua
fragilidade. O professor, usualmente, prossegue a chamada até encontrar o fraco, aquele
que não sabe. Este, coitado!, treme de medo e de vergonha. O "forte" na lição é elogiado e o
"fraco", ridicularizado.
No caso, a vergonha e o medo de não saber, segundo o senso comum do magistério, devem
servir, de um lado, de lição para o aluno que não aprendeu e, de outro, de exemplo para os
colegas, na medida em que ficam sabendo o que lhes pode acontecer no caso de não
saberem a lição quando forem chamados. O vitupério do professor e dos colegas é uma
forma de castigar e deixar o aluno tenso, bem como publicamente desvalorizado.
Existiam e existem, também, castigos como: ficar retido na sala de aula durante o recreio
ou intervalo entre uma aula e outra; suspender o lanche; realizar tarefas extras em sala de
aula ou em casa.
Uma modalidade diversa de castigo é a ameaça do castigo. O aluno sofre por antecipação,
pois fica na expectativa do castigo que poderá vir e numa permanente atitude de defesa.
São as ameaças de futuras repressões, caso os alunos não caminhem bem nas condutas
que devem ser aprendidas, sejam elas cognitivas ou não. Eram e são freqüentes
expressões como:
- Vocês vão ver o que é que vou fazer com vocês no dia da prova . . .
- Se forem bem neste trabalho, acrescento um ponto na nota para todos os alunos; se
forem mal...
- Se continuarem fracos como estão, terei que levar isso ao conhecimento da direção da
escola...
- Vou me comunicar com os pais de vocês, pois que não estão aprendendo nada.. .
Sabemos que outras formas mais sutis de castigar têm sido utilizadas ainda hoje, tais
como: a gozação com um aluno que não foi bem; a ridicularização de um erro; a ameaça
de reprovação; o teste "relâmpago", como tem sido denominado o que é realizado para
"pegar os alunos de surpresa". Um teste relâmpago, como bem diz o nome, deve ser algo
que assusta e, se possível, mata.
O castigo que emerge do erro - verdadeiro ou suposto - marca o aluno tanto pelo seu
conteúdo quanto pela sua forma.
As atitudes ameaçadoras empregadas repetidas vezes garantem o medo, a ansiedade, a
vergonha de modo intermitente. A postura corporal de defesa, que o aluno adquire,
manifestada pela dificuldade de respirar enquanto fica na expectativa de ser o próximo da
chamada, é uma expressão clara dessa tensão. A respiração presa parece um antídoto
possível contra a catástrofe que está para desabar sobre ele. Pela forma mantêm-se
permanentemente o medo, a tensão e a atenção. Atenção limitada, mas atenção. E a que
preço!
A partir do erro na prática escolar, desenvolve-se e reforça-se no educando uma
compreensão culposa da vida, pois, além de heterocastigado, muitas vezes ele sofre ainda
a autopunição. Ao ser reiteradamente lembrado da culpa, o educando não apenas sofre os
castigos impostos de fora, mas também aprende mecanismos de autopunição, por
supostos erros que atribui a si mesmo. Nem sempre a escola é a responsável por todo o
processo culposo que cada um de nós carrega, mas ela reforça (e muito) esse processo.
Quando um jovem não vai bem numa aprendizagem e diz: "Poxa, isso só acontece
comigo!", que é que está expressando senão um juízo culposo e autopunitivo?
Haverá muito trabalho psicológico futuro para que as crianças e os jovens de hoje se
libertem de suas fobias e ansiedades, que se foram transformando em hábitos
biopsicológicos inconscientes. Hábitos criados pelo medo que, com certeza, não serve para
nada mais do que garantir uma submissão internalizada. O medo tolhe a vida e a
liberdade, criando a dependência e a incapacidade para ir sempre em frente.
O clima de culpa, castigo e medo, que tem sido um dos elementos da configuração da
prática docente, é um dos fatores que impedem a escola e a sala de aula de serem um
ambiente de alegria, satisfação e vida feliz. Assim, as crianças e os jovens rapidamente se
enfastiam de tudo o que lá acontece e, mais que isso, temem o que acontece no âmbito da
sala de aula.
As Razões do Uso do Castigo
A razão imediata e aparente do castigo decorre do fato de o aluno manifestar não ter
apreendido um conjunto determinado de conhecimentos, uma seqüência metodológica ou
coisa assemelhada. Porém, a questão do castigo é mais profunda.
A idéia e a prática do castigo decorrem da concepção de que as condutas de um sujeito -
aqui, no caso, o aluno -, que não correspondem a um determinado padrão preestabelecido,
merecem ser castigadas, a fim de que ele "pague" o seu erro e "aprenda" a assumir a
conduta que seria correta.
Isso conduz à percepção de que o entendimento e a prática do castigo decorrem de uma
visão culposa dos atos humanos. Ou seja, a culpa está na raiz do castigo. No caso da
escola, este senso caminha pela seguinte seqüência: um aluno manifesta uma conduta
não-aprendida e, por isso, segundo o senso comum, é culpado; como tal deve ser castigado
de alguma forma, a fim de que adquira e direcione seus atos na perspectiva da conduta
considerada adequada.
Nesta perspectiva, o erro é sempre fonte de condenação e castigo, porque decorre de uma
culpa e esta, segundo os padrões correntes de entendimento, deve ser reparada. Esta é
uma compreensão e uma forma de agir que configuram nosso modo cotidiano de ser.
A idéia de culpa está articulada, dentre outras coisas, com a concepção filosófico-religiosa
de que nascemos no pecado. Essa idéia nos acompanha desde o nascimento, em função de
nossa cultura -"ocidental-cristã" - ser marcada pela perspectiva da queda. O texto bíblico
do Gênesis diz que Adão e Eva pecaram ao comer o fruto proibido e, por isso, foram
castigados com a expulsão do Paraíso. Daí em diante, todos os seres humanos - homens e
mulheres -que viessem a nascer teriam essa marca originária do pecado e,
conseqüentemente, da culpa.
Essa concepção atravessou épocas, sendo mantida e difundida pelo judaísmo e
exacerbada pelas Igrejas cristãs, especialmente a católica, de tal forma que todos
carregamos fortemente um sentimento de culpa que nos limita, e que, também, nos
conduz à projeção e prática de atos que limitam os outros. Tanto nos limitamos com nosso
sentimento de culpa, castigando-nos por múltiplos e variados mecanismos de
autopunição, como o projetamos sobre os outros, castigando-os por seus supostos erros.
A partir da culpa, assumimos uma conduta sadomasoquista: masoquista, porque punimos
a nós mesmos, e sádica, porque castigamos os outros a partir da projeção de nossos
sentimentos de culpa. Muitas vezes não suportamos em nós e nos outros os sentimentos
de alegria e prazer; por isso, castigamo-nos assim como aos outros. E o castigo, por vezes,
pode chegar a ser para alguns, estranhamente, um ato prazeroso.
A concepção de vida culpada, que atravessou épocas, não ocorreu por acaso. Este
processo se deu (e se dá) numa trama de relações sociais com a qual nos constituímos
historicamente. O viés da culpa não é gratuito.
A culpa gera uma limitação da vida e produz uma rigidez na conduta, o que, em última
instância, gera um autocontrole sobre os sentimentos, os desejos e os modos de agir de
cada um. Emerge, desta forma, um controle social internalizado, e cada um fica como se
estivesse engessado, impossibilitado de expandir seus sentimentos e necessidades vitais.
Interessa à sociedade em que vivemos esse engessamento dos indivíduos.
A culpa impede a vida livre, a ousadia e o prazer, fatores que, multiplicados ao nível social,
significam a impossibilidade de controle do processo de vida em sociedade, segundo
parâmetros conservadores. A sociedade conservadora não suporta existir sem os
mecanismos de controle internalizados pelos indivíduos - a culpa é, assim, muito útil.
Nesta perspectiva, a observação e a compreensão do uso do erro na prática escolar
revelam que a questão é bem mais ampla que somente o fato de proceder a um pequeno
castigo de um aluno individualmente. A trama das relações sociais, que constitui o tecido
da sociedade predominantemente conservadora na qual vivemos, tem uma força
determinante sobre as nossas condutas individuais. Tal força é mediada por múltiplos
mecanismos, dentre os quais a culpa e o medo através do castigo.
Contudo, o erro poderia ser visto como fonte de virtude, ou seja, de crescimento. O que
implicaria estar aberto a observar o acontecimento como acontecimento, não como erro;
observar o fato sem preconceito, para dele retirar os benefícios possíveis. Uma conduta,
em princípio, é somente uma conduta, um fato; ela só pode ser qualificada como erro, a
partir de determinados padrões de julgamento.
Toda vez que se observa um fato, a partir de um preconceito, não se observa o fato, mas
uma imagem amalgamada pelo fato, cimentada pelo preconceito. Isto é, o fato é julgado
antes de ser observado. O fato mesmo só emergirá a partir do momento que o preconceito
for sendo dissolvido e a observação, "desengessada".
É preciso, antes de mais nada, observar, para depois julgar. Nossa prática, entretanto, tem
sido inversa: primeiro colocamos a barreira do julgamento, e só depois tentamos observar
os fatos. Neste caso, a observação fica "borrada" pelo julgamento. Certamente, não é fácil
observar primeiro para depois julgar, mas é preciso aprender esta conduta, se queremos
usar o erro como fonte de virtude, ou seja, de crescimento.
O Que é o Erro?
A idéia de erro só emerge no contexto da existência de um padrão considerado correto. A
solução insatisfatória de um problema só pode ser considerada errada, a partir do
momento que se tem uma forma considerada correta de resolvê-lo; uma conduta é
considerada errada, na medida em que se tem uma definição de como seria considerada
correta, e assim por diante.
Sem padrão, não há erro. O que pode existir (e existe) é uma ação insatisfatória, no
sentido de que ela não atinge um determinado objetivo que se está buscando. Ao
investirmos esforços na busca de um objetivo qualquer, podemos ser bem ou
malsucedidos. Aí não há erro, mas sucesso ou insucesso nos resultados de nossa ação.
Em metodologia da Ciência, sempre se diz que há um caminho aleatório pelo qual a
humanidade tentou produzir a Ciência - o método da "tentativa do acerto e do erro". Ou
seja, para produzir conhecimento, ia-se tentando; se desse certo, obtinha-se um
conhecimento, caso contrário, não havia conhecimento e ia-se tentar novamente. Neste
caso, não se trabalhava com uma hipótese plausível a ser testada; trabalhava-se
aleatoriamente.
Esta caracterização de "acerto e erro" é ampla e, usualmente, pode ser útil para expressar
o esforço de alguém que busca, "no escuro do conhecimento", um caminho para
compreender ou para agir sobre o mundo. Porém, se atentarmos bem para o que acontece
de fato nesse processo, não há nem acerto nem erro. Ocorre, sim, um sucesso ou um
insucesso como resultado da atividade. Caso o resultado nos conduza à satisfação de uma
necessidade - um produto, conhecimento novo -, tivemos sucesso no nosso esforço; caso
não tenhamos obtido a satisfação de nossas necessidades, chegamos a um insucesso.
Neste caso, não temos nem acerto nem erro, pois não existe um padrão que possa permitir
o julgamento do "acerto" ou do "erro", não há aí um guia que nos permita ajuizar do acerto
ou do erro.
Deste modo, só ao nível da linguagem comum e utilitária podemos definir esse método
como "método do acerto e do erro'. De fato, na situação exposta no parágrafo anterior, não
se configura "acerto' ou "erro". Existe, aí, um esforço de construção, que pode ser bem ou
malsucedido. Quando se chega a uma solução bem-sucedida, pode-se dizer que se
aprendeu positivamente uma solução; quando se chega a um resultado não-satisfatório,
pode-se dizer- também positivamente - que ainda não se aprendeu o modo de satisfazer
determinada necessidade.
Contudo, neste contexto, não existe erro. Para que exista erro, é necessário existir um
padrão. No caso da moralidade, existem os preceitos estabelecidos dentro das diversas
sociedades, a partir de suas determinações materiais e sociais. Por exemplo, o roubo só
pode ser considerado erro numa sociedade que esteja fundada na posse privada dos bens.
Se tal posse fosse comum a todos, não haveria como ocorrer roubo. Do ponto de vista do
Direito Público, Civil, Penal etc., existem as leis, social e positivamente estabelecidas, que
definem o que é correto. A partir daí, as condutas que não se conformarem à norma, serão
consideradas erros sociais, a serem sancionados física, social ou materialmente, de acordo
com o que determinar a lei. No caso de uma solução científica ou tecnológica já
estabelecida, será considerado erro o encaminhamento que se fizer em desconformidade
com o padrão já construído.
No caso da aprendizagem escolar, pode ocorrer o erro na manifestação da conduta
aprendida, desde que já se tenha o padrão do conhecimento, das habilidades ou das
soluções a serem aprendidas. Quando um aluno, em uma prova ou em uma prática,
manifesta não ter adquirido determinado conhecimento ou habilidade, através de uma
conduta que não condiz com o padrão existente, então podemos dizer que ele errou.
Cometeu um erro em relação ao padrão.
O Uso do Erro Como Fonte de Virtude
Tanto o "sucesso/insucesso" como o "acerto/erro" podem ser utilizados como fonte de
virtude em geral e como fonte de "virtude" na aprendizagem escolar.
No caso da solução bem ou malsucedida de uma busca, seja ela de investigação científica
ou de solução prática de alguma necessidade, o "não-sucesso" é, em primeiro lugar, um
indicador de que ainda não se chegou à solução necessária, e, em segundo lugar, a
indicação de um modo de "como não se resolve' essa determinada necessidade. O fato de
não se chegar à solução bem-sucedida indica, no caso, o trampolim para um novo salto.
Não há por que ser hetero ou autocastigado em função de uma solução que não se deu de
forma "bem-sucedida:'. Há, sim, que se utilizar positivamente dela para avançar na busca
da solução pretendida.
Diz-se que Thomas Edison fez mais de mil experimentos para chegar ao bem-sucedido na
descoberta da lâmpada incandescente. Conta seu anedotário biográfico que, após muitos
experimentos malsucedidos, um seu colaborador quis desistir do empreendimento e
Edison teria comentado: "Por que desistir agora, se já sabemos muitos modos de como não
fazer uma lâmpada? Estamos mais próximos de saber como fazer uma lâmpada". Os
insucessos foram, assim, servindo de trampolim para o sucesso de sua busca.
O insucesso, neste contexto, não significa erro; ao contrário, serve de ponto de partida
para o avanço na investigação ou na busca da satisfação de uma necessidade
prático-utilitária.
Os erros da aprendizagem, que emergem a partir de um padrão de conduta cognitivo ou
prático já estabelecido pela Ciência ou pela Tecnologia, servem positivamente de ponto de
partida para o avanço, na medida em que são identificados e compreendidos, e sua
compreensão é o passo fundamental para a sua superação. Há que se observar que o erro,
como manifestação de uma conduta não-aprendida, decorre do fato de que há um padrão
já produzido e ordenado que dá a direção do avanço da aprendizagem do aluno e,
conseqüentemente, a compreensão do desvio, possibilitando a sua correção inteligente.
Isto significa a aquisição consciente e elaborada de uma conduta ou de uma habilidade,
bem como um passo à frente na aprendizagem e no desenvolvimento.
O erro, para ser utilizado como fonte de virtude ou de crescimento, necessita de efetiva
verificação, para ver se estamos diante dele ou da valorização preconceituosa de um fato; e
de esforço, visando compreender o erro quanto à sua constituição (como é esse erro?) e
origem (corno emergiu esse erro?).
Reconhecendo a origem e a constituição de um erro, podemos superá-lo, com benefícios
significativos para o crescimento. Por exemplo, quando atribuímos uma atividade a um aluno e
observamos que este não conseguiu chegar ao resultado esperado, conversamos com ele,
verificamos o erro e como ele o cometeu, reorientamos seu entendimento e sua prática. E, então,
muitas vezes ouvimos o aluno dizer: "Poxa, foi agora que compreendi o que era para fazer!". Ou
seja, foi o erro, conscientemente elaborado, que possibilitou a oportunidade de revisão e
avanço. Todavia, se nossa conduta fosse a de castigar, não teríamos a oportunidade de
reorientar, e o aluno não teria a chance de crescer. Ao contrário, ele teria um prejuízo no
seu crescimento, e nós perderíamos a oportunidade de sermos educadores.
O erro, especialmente no caso da aprendizagem, não deve ser fonte de castigo, pois é um
suporte para a autocompreensão, seja pela busca individual (na medida em que me
pergunto como e por que errei), seja pela busca participativa (na medida em que um outro
- no caso da escola, o professor - discute com o aluno, apontando-lhe os desvios cometidos
em relação ao padrão estabelecido). Assim sendo, o erro não é fonte para castigo, mas
suporte para o crescimento.
Nesta reflexão, o erro é visto e compreendido de forma dinâmica, na medida em que
contradiz o padrão, para, subseqüentemente, possibilitar uma conduta nova em
conformidade com o padrão ou mais perfeita que este. O erro, aqui, é visto como algo
dinâmico, como caminho para o avanço.
O Erro e a Avaliação da Aprendizagem Escolar
A questão do erro, da culpa e do castigo na prática escolar está bastante articulada com a
questão da avaliação da aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem, à medida que se foi desvinculando, ao longo do tempo, da
efetiva realidade da aprendizagem para tornar-se um instrumento de ameaça e
disciplinamento da personalidade do educando, passou a servir de suporte para a
imputação de culpabilidade e para a decisão de castigo.
De fato, a avaliação da aprendizagem deveria servir de suporte para a qualificação daquilo
que acontece com o educando, diante dos objetivos que se têm, de tal modo que se
pudesse verificar como agir para ajudá-lo a alcançar o que procura. A avaliação não
deveria ser fonte de decisão sobre o castigo, mas de decisão sobre os caminhos do
crescimento sadio e feliz.
Para maior aprofundamento nas questões relativas à avaliação da aprendizagem,
remetemos o leitor a outros textos de nossa autoria: "Avaliação educacional: otimização do
autoritarismo", publicado em Equívocos Teóricos da Prática Educacional, Rio de Janeiro,
Associação Brasileira de Tecnologia Educacional; "Avaliação educacional escolar: para
além do autoritarismo', publicado na revista Tecnologia Educacional, da Associação
Brasileira de Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, n. 61; "Avaliação do aluno: a favor
ou contra a democratização do ensino?", texto elaborado para a V Conferência Brasileira
de Educação -CBE, realizada em Brasília, no período de 2 a 5 de agosto de 1988 (a ser
publicado).
Conclusão
Ressaltamos que, nesta reflexão, importa deixar claro que não estamos fazendo uma
apologia do erro e do insucesso, como fontes necessárias do crescimento. Se assim
estivéssemos pensando e propondo, estaríamos também assumindo uma posição
sadomasoquista, ou seja, entendendo que o sofrimento seria um suporte necessário para o
crescimento. Não se trata disso. Não defendemos esse ponto de vista, nem por imaginação.
A vida é boa e bela para ser vivida por si e por suas qualidades.
O que desejamos ressaltar é o seguinte: por sobre o insucesso e o erro não se devem acrescer a culpa e o
castigo. Ocorrendo o insucesso ou o erro, aprendamos a retirar deles os melhores e os mais significativos
benefícios, mas não façamos deles uma trilha necessária de nossas vidas. Eles devem ser considerados
percalços de travessia, com os quais podemos positivamente aprender e evoluir, mas nunca alvos a serem
buscados.
Reiteramos que insucesso e erro, em si, não são necessários para o crescimento, porém,
desde que ocorram, não devemos fazer deles fontes de culpa e de castigo, mas trampolins
para o salto em direção a uma vida consciente, sadia e feliz.
*Cipriano Carlos Luckesi, é Licenciado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Católica do Salvador, Bahia (1970), Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1968), Mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal da Bahia (1976) e Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Uma referência sobre avaliação.
Boa Sexta-feira a você e sua família. Obrigado pela visita. Este assunto é para nós, futuros pedagogos e professores refletirmos bem.
questão da avaliação da aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem, à medida que se foi desvinculando, ao longo do tempo, da
efetiva realidade da aprendizagem para tornar-se um instrumento de ameaça e
disciplinamento da personalidade do educando, passou a servir de suporte para a
imputação de culpabilidade e para a decisão de castigo.
De fato, a avaliação da aprendizagem deveria servir de suporte para a qualificação daquilo
que acontece com o educando, diante dos objetivos que se têm, de tal modo que se
pudesse verificar como agir para ajudá-lo a alcançar o que procura. A avaliação não
deveria ser fonte de decisão sobre o castigo, mas de decisão sobre os caminhos do
crescimento sadio e feliz.
Para maior aprofundamento nas questões relativas à avaliação da aprendizagem,
remetemos o leitor a outros textos de nossa autoria: "Avaliação educacional: otimização do
autoritarismo", publicado em Equívocos Teóricos da Prática Educacional, Rio de Janeiro,
Associação Brasileira de Tecnologia Educacional; "Avaliação educacional escolar: para
além do autoritarismo', publicado na revista Tecnologia Educacional, da Associação
Brasileira de Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, n. 61; "Avaliação do aluno: a favor
ou contra a democratização do ensino?", texto elaborado para a V Conferência Brasileira
de Educação -CBE, realizada em Brasília, no período de 2 a 5 de agosto de 1988 (a ser
publicado).
Conclusão
Ressaltamos que, nesta reflexão, importa deixar claro que não estamos fazendo uma
apologia do erro e do insucesso, como fontes necessárias do crescimento. Se assim
estivéssemos pensando e propondo, estaríamos também assumindo uma posição
sadomasoquista, ou seja, entendendo que o sofrimento seria um suporte necessário para o
crescimento. Não se trata disso. Não defendemos esse ponto de vista, nem por imaginação.
A vida é boa e bela para ser vivida por si e por suas qualidades.
O que desejamos ressaltar é o seguinte: por sobre o insucesso e o erro não se devem acrescer a culpa e o
castigo. Ocorrendo o insucesso ou o erro, aprendamos a retirar deles os melhores e os mais significativos
benefícios, mas não façamos deles uma trilha necessária de nossas vidas. Eles devem ser considerados
percalços de travessia, com os quais podemos positivamente aprender e evoluir, mas nunca alvos a serem
buscados.
Reiteramos que insucesso e erro, em si, não são necessários para o crescimento, porém,
desde que ocorram, não devemos fazer deles fontes de culpa e de castigo, mas trampolins
para o salto em direção a uma vida consciente, sadia e feliz.
*Cipriano Carlos Luckesi, é Licenciado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Católica do Salvador, Bahia (1970), Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1968), Mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal da Bahia (1976) e Doutor em Educação: História, Política, Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992). Uma referência sobre avaliação.
Boa Sexta-feira a você e sua família. Obrigado pela visita. Este assunto é para nós, futuros pedagogos e professores refletirmos bem.