Capa do livro
por: Maria Lúcia Cidade de Souza
INTRODUÇÃO
Em Nas Pegadas de Foucault: apontamentos para a pesquisa de instituições, as autoras procuram desvendar os caminhos percorridos por Foucault para trabalhar a pesquisa, utilizando-se de um olhar diferenciado dos que tradicionalmente percorrem os meios acadêmicos. O livro é uma transcrição, a partir de gravações de fitas cassetes, de um curso intitulado "Educação: o olhar de Foucault", ministrado na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1995, pela professora Maria Oly Pey. Seus “capítulos” originam-se das aulas proferidas. E é assim que o livro está organizado, como se fossem aulas que contemplam a discussão sobre as “ferramentas de pesquisa” utilizadas por Foucault. Essas ferramentas de pesquisa visam obter saberes diferenciados, produzidos por olhares singulares contra poderes de dominação e os saberes já hierarquizados.
NAS PEGADAS DE FOUCAULT: APONTAMENTOS PARA
A PESQUISA DE INSTITUIÇÕES
A PESQUISA DE INSTITUIÇÕES
É importante utilizarem-se os instrumentos metodológicos instituídos por Foucault, devido ao jeito novo com que ele olha as coisas. Este olhar vai sendo construído e desponta em obras como História da Loucura, Nascimento da Clinica, As Palavras e as Coisas e Vigiar e Punir. Nessas obras, evidencia-se a originalidade da construção do pensamento de Foucault com a arqueologia (entendida como a busca das condições de possibilidades para a produção de saber) e a genealogia (que trata das relações de poder).
As leituras e as vivências realizadas por Foucault eram feitas de maneira peculiar, sem os óculos do enquadramento dos sistemas teóricos que as produziram. Isso, de certa forma, fá-lo romper com o marxismo e contribui para sua aproximação com Nietzsche, cuja influência se faz presente em sua tese de doutorado, intitulada História da Loucura. Nessa tese, Foucault explicita sua maneira de ver os marcos históricos, aqui caracterizados por ele como rupturas na forma ou nas relações de poder. Nesse momento, torna-se explícita a visão de Foucault acerca da invenção do saber científico – vinculado ao saber das ciências, encarcerado pelo saber das disciplinas científicas – e sua contrapartida, os saberes perceptíveis sobre o objeto de elucidação. Podemos vislumbrar, nesse momento, a transferência dessa reflexão para a educação, analisando-a como perspectiva de construção da prática pedagógica com alicerces que ultrapassam os limites das disciplinas e transcendem para o alcance da realidade vivenciada.
Também preocupa Foucault a identificação dos momentos em que começa a ocorrer a segregação, os acontecimentos em que se inventam rótulos e categorizações para os que se comportam diferentemente dos outros, eleitos “normais”. Seus relatos sustentam que foi a partir desse momento que começaram a surgir os especialistas, prontos para lidar com esses diferentes, pois possuíam o saber, o discurso obtido pela observação e experimentação “fácil” sobre os confinados.
Neste momento, podemos voltar nossos olhares para a escola. Estando confinados, os alunos estão sob constante observação e experimentação. São, portanto, alvo de constantes discursos. Esses se traduzem em práticas pedagógicas que não podem ser refutadas; afinal, são desenvolvidas com olhares da ciência. Mas, muitas vezes, por sua generalidade, tais práticas não atingem a particularidade daqueles que lá se encontram.
Voltando nossa atenção para as “ferramentas de pesquisa” apontadas por Foucault, podemos vinculá-las a um olhar diferenciado daquele ditado por especialistas, assumindo um ângulo de observação do cenário educacional próximo da subjetividade, muitas vezes silenciada, e da história que a produziu.
Na elaboração do “sistema de pensamento”, Foucault contribui para um aprimoramento do olhar sobre essa história, construída e silenciada. Estabelece a procura constante para conseguimos buscar os pensamentos, como eles ocorrem, como se constituem, como permanecem e são privilegiados em detrimento a outros.
É interessante destacar, na obra de Foucault, a qual podemos relacionar com a Educação, os procedimentos de exclusão enumerados por ele: proibição, divisão, rejeição, rituais, doutrinação e apropriação social do discurso. Evidentemente, não seria difícil para nós, professores, identificarmos em nossas escolas exemplos vivenciados de exclusão, dentro das categorias mencionadas por Foucault. Também, fica fácil perceber as vozes daqueles que aparecem, as vozes privilegiadas, ou seja, aquelas que são ouvidas. O ritual de dominação ratifica-se por discursos de verdade. Esse discurso de verdade, para Foucault, na realidade não existe. Para ele o que existe é a produção de verdade. Assim, Foucault estabelece que não devemos buscar as verdades, nem tampouco descobri-las, mas quebrá‑las, no sentido de descobrir como e por que são produzidas. Isso, na prática, traduz‑se não por se ler nas entrelinhas, nas lacunas do enunciado, mas, sobretudo, por se focalizarem as relações de poder, cuja existência não se dá no visível mas se conhece pelos efeitos que produz.
O estudo dessas relações e diagramas de poder se dá através da genealogia, “ferramenta” proposta por Foucault, evidenciada em suas obras Vigiar e Punir e História da Sexualidade. Ao conhecer esses instrumentos de pesquisa, devemos atentar para o cuidado de sua utilização, para não corrermos o risco de transformar nossas pesquisas em uma pesquisa de cunho documental. Mesmo considerado um “rato de biblioteca”, Foucault, em sua proposta de pesquisa busca constantemente o entendimento da história, e não a simples busca dos fatos ocorridos.
Interrogações do tipo “como o poder é exercido?”, “como funciona?” e “quais considerações podemos fazer acerca dele?” são perguntas norteadoras numa pesquisa orientada pelas “ferramentas” utilizadas por Foucault. Com essa concepção, podemos avistar as forças (relações de poder) através dos regimes de verdade de luz, que constituem os enunciados (aquilo que paira no ar) e que se apresentam com certa regularidade. Foucault evidencia na genealogia a ferramenta capaz de extrair dos discursos essa regularidade e seus enunciados de verdade, e não apenas as palavras que são proferidas.
Outra ferramenta descrita por Foucault para se trabalhar a pesquisa, ou, como ele próprio se referia, “um modo de viver”, é a analítica. Trata-se de um instrumental para se tratar da subjetividade. Estar de posse de chaves analíticas pressupõe ter ferramentas para o entendimento e compreensão de uma obra, como também, em se tratando de um modo de vida, ter possibilidade de buscar espaços de liberdade.
A subjetividade, a forma como o eu é construído enquanto sujeito sujeitado, pode estar sob os efeitos de dominação ou de liberdade. Aqui se evidencia o “ser governado”, que, segundo Foucault, implica o sujeito que obedece, que segue o normatizado e que, para dizer não ao instituído, deve transgredir e sabotar. Transgredir seria uma forma de reagir em frente aos efeitos de poder do diagrama disciplinar, e sabotar seria uma forma de singularizar espaços de liberdade; assim, podemos dizer não ao normatizado, o que implicaria uma maneira de não ser governado.
Os espaços de liberdade são, para Foucault, a busca da não-identidade, do tornar‑se anônimo, do viver sem precisar dizer sobre si, fazer confissões. Tornar-se identificável pode ser perigoso. Um exemplo disso seriam os grupos de homossexuais, prostitutas, menores de rua, entre outros, que, por serem reconhecidos, tornam-se alvo de constantes reações preconceituosas. Portanto, os espaços de liberdade traduzem um modo de vida, uma maneira de fazer e pensar singularidades fora das regras, hábitos e leis naturalizadas.
Voltando nossa atenção para o cenário educacional, no que se refere à avaliação do processo ensino, pode-se claramente avistar que vivenciamos o estabelecido: avaliar é preciso. Assim se estabelece a avaliação dentro do diagrama disciplinar e não se criam espaços de liberdade. Não avaliar, dentro do sistema em que se está operando, significaria destruir estruturas solidificadas, cujas bases se apóiam no poder. Com isso, pode parecer que Foucault preconiza uma transformação da sociedade de forma universal. Mas isso não se dá; o pretendido por Foucault é uma transformação em nível local, individual, aquela que acontece na subjetividade das pessoas.
Querer viver com esta subjetividade que comporta a visão de avaliar para “aprovar” ou “reprovar” (e talvez atingir o título conferido ao “melhor professor”, aquele que mais reprova), porque esta é a norma, não é seguir os passos descritos por Foucault. Aliás, os passos de Foucault, em si, não nos mostram os caminhos. Esses nós podemos e devemos buscar se nos identificarmos com sua obra.
Utilizar a arqueologia, a genealogia e a analítica seria uma alternativa para procurarmos os porquês, para perguntarmos “por que avaliar?”, pesquisar, ir ao fundo, sentindo-nos ser provocados pelas situações vivenciadas, e não fazer porque é a regra do instituído. Sem dúvida, isto nos instigaria não somente a pensar diferente, mas também a ser diferentes.
Ao nos questionarmos sobre nosso poder de traçar essa trajetória, de conseguir mudar algo que não nos satisfaz enquanto educadores, podemos pensar que a operação pode começar no nível das micro-relações, produzindo acontecimentos que possam abalar as estruturas da instituições, sabotar seu controle ou mesmo impedir seu funcionamento de acordo com as regras pré-estabelecidas. Estamos dispostos a fazer isso? Esta é a primeira pergunta a se fazer!
As leituras e as vivências realizadas por Foucault eram feitas de maneira peculiar, sem os óculos do enquadramento dos sistemas teóricos que as produziram. Isso, de certa forma, fá-lo romper com o marxismo e contribui para sua aproximação com Nietzsche, cuja influência se faz presente em sua tese de doutorado, intitulada História da Loucura. Nessa tese, Foucault explicita sua maneira de ver os marcos históricos, aqui caracterizados por ele como rupturas na forma ou nas relações de poder. Nesse momento, torna-se explícita a visão de Foucault acerca da invenção do saber científico – vinculado ao saber das ciências, encarcerado pelo saber das disciplinas científicas – e sua contrapartida, os saberes perceptíveis sobre o objeto de elucidação. Podemos vislumbrar, nesse momento, a transferência dessa reflexão para a educação, analisando-a como perspectiva de construção da prática pedagógica com alicerces que ultrapassam os limites das disciplinas e transcendem para o alcance da realidade vivenciada.
Também preocupa Foucault a identificação dos momentos em que começa a ocorrer a segregação, os acontecimentos em que se inventam rótulos e categorizações para os que se comportam diferentemente dos outros, eleitos “normais”. Seus relatos sustentam que foi a partir desse momento que começaram a surgir os especialistas, prontos para lidar com esses diferentes, pois possuíam o saber, o discurso obtido pela observação e experimentação “fácil” sobre os confinados.
Neste momento, podemos voltar nossos olhares para a escola. Estando confinados, os alunos estão sob constante observação e experimentação. São, portanto, alvo de constantes discursos. Esses se traduzem em práticas pedagógicas que não podem ser refutadas; afinal, são desenvolvidas com olhares da ciência. Mas, muitas vezes, por sua generalidade, tais práticas não atingem a particularidade daqueles que lá se encontram.
Voltando nossa atenção para as “ferramentas de pesquisa” apontadas por Foucault, podemos vinculá-las a um olhar diferenciado daquele ditado por especialistas, assumindo um ângulo de observação do cenário educacional próximo da subjetividade, muitas vezes silenciada, e da história que a produziu.
Na elaboração do “sistema de pensamento”, Foucault contribui para um aprimoramento do olhar sobre essa história, construída e silenciada. Estabelece a procura constante para conseguimos buscar os pensamentos, como eles ocorrem, como se constituem, como permanecem e são privilegiados em detrimento a outros.
É interessante destacar, na obra de Foucault, a qual podemos relacionar com a Educação, os procedimentos de exclusão enumerados por ele: proibição, divisão, rejeição, rituais, doutrinação e apropriação social do discurso. Evidentemente, não seria difícil para nós, professores, identificarmos em nossas escolas exemplos vivenciados de exclusão, dentro das categorias mencionadas por Foucault. Também, fica fácil perceber as vozes daqueles que aparecem, as vozes privilegiadas, ou seja, aquelas que são ouvidas. O ritual de dominação ratifica-se por discursos de verdade. Esse discurso de verdade, para Foucault, na realidade não existe. Para ele o que existe é a produção de verdade. Assim, Foucault estabelece que não devemos buscar as verdades, nem tampouco descobri-las, mas quebrá‑las, no sentido de descobrir como e por que são produzidas. Isso, na prática, traduz‑se não por se ler nas entrelinhas, nas lacunas do enunciado, mas, sobretudo, por se focalizarem as relações de poder, cuja existência não se dá no visível mas se conhece pelos efeitos que produz.
O estudo dessas relações e diagramas de poder se dá através da genealogia, “ferramenta” proposta por Foucault, evidenciada em suas obras Vigiar e Punir e História da Sexualidade. Ao conhecer esses instrumentos de pesquisa, devemos atentar para o cuidado de sua utilização, para não corrermos o risco de transformar nossas pesquisas em uma pesquisa de cunho documental. Mesmo considerado um “rato de biblioteca”, Foucault, em sua proposta de pesquisa busca constantemente o entendimento da história, e não a simples busca dos fatos ocorridos.
Interrogações do tipo “como o poder é exercido?”, “como funciona?” e “quais considerações podemos fazer acerca dele?” são perguntas norteadoras numa pesquisa orientada pelas “ferramentas” utilizadas por Foucault. Com essa concepção, podemos avistar as forças (relações de poder) através dos regimes de verdade de luz, que constituem os enunciados (aquilo que paira no ar) e que se apresentam com certa regularidade. Foucault evidencia na genealogia a ferramenta capaz de extrair dos discursos essa regularidade e seus enunciados de verdade, e não apenas as palavras que são proferidas.
Outra ferramenta descrita por Foucault para se trabalhar a pesquisa, ou, como ele próprio se referia, “um modo de viver”, é a analítica. Trata-se de um instrumental para se tratar da subjetividade. Estar de posse de chaves analíticas pressupõe ter ferramentas para o entendimento e compreensão de uma obra, como também, em se tratando de um modo de vida, ter possibilidade de buscar espaços de liberdade.
A subjetividade, a forma como o eu é construído enquanto sujeito sujeitado, pode estar sob os efeitos de dominação ou de liberdade. Aqui se evidencia o “ser governado”, que, segundo Foucault, implica o sujeito que obedece, que segue o normatizado e que, para dizer não ao instituído, deve transgredir e sabotar. Transgredir seria uma forma de reagir em frente aos efeitos de poder do diagrama disciplinar, e sabotar seria uma forma de singularizar espaços de liberdade; assim, podemos dizer não ao normatizado, o que implicaria uma maneira de não ser governado.
Os espaços de liberdade são, para Foucault, a busca da não-identidade, do tornar‑se anônimo, do viver sem precisar dizer sobre si, fazer confissões. Tornar-se identificável pode ser perigoso. Um exemplo disso seriam os grupos de homossexuais, prostitutas, menores de rua, entre outros, que, por serem reconhecidos, tornam-se alvo de constantes reações preconceituosas. Portanto, os espaços de liberdade traduzem um modo de vida, uma maneira de fazer e pensar singularidades fora das regras, hábitos e leis naturalizadas.
Voltando nossa atenção para o cenário educacional, no que se refere à avaliação do processo ensino, pode-se claramente avistar que vivenciamos o estabelecido: avaliar é preciso. Assim se estabelece a avaliação dentro do diagrama disciplinar e não se criam espaços de liberdade. Não avaliar, dentro do sistema em que se está operando, significaria destruir estruturas solidificadas, cujas bases se apóiam no poder. Com isso, pode parecer que Foucault preconiza uma transformação da sociedade de forma universal. Mas isso não se dá; o pretendido por Foucault é uma transformação em nível local, individual, aquela que acontece na subjetividade das pessoas.
Querer viver com esta subjetividade que comporta a visão de avaliar para “aprovar” ou “reprovar” (e talvez atingir o título conferido ao “melhor professor”, aquele que mais reprova), porque esta é a norma, não é seguir os passos descritos por Foucault. Aliás, os passos de Foucault, em si, não nos mostram os caminhos. Esses nós podemos e devemos buscar se nos identificarmos com sua obra.
Utilizar a arqueologia, a genealogia e a analítica seria uma alternativa para procurarmos os porquês, para perguntarmos “por que avaliar?”, pesquisar, ir ao fundo, sentindo-nos ser provocados pelas situações vivenciadas, e não fazer porque é a regra do instituído. Sem dúvida, isto nos instigaria não somente a pensar diferente, mas também a ser diferentes.
Ao nos questionarmos sobre nosso poder de traçar essa trajetória, de conseguir mudar algo que não nos satisfaz enquanto educadores, podemos pensar que a operação pode começar no nível das micro-relações, produzindo acontecimentos que possam abalar as estruturas da instituições, sabotar seu controle ou mesmo impedir seu funcionamento de acordo com as regras pré-estabelecidas. Estamos dispostos a fazer isso? Esta é a primeira pergunta a se fazer!
REFERÊNCIA
BACCA, A. M, PEY, M. O., SÁ, R. S. Nas pegadas de Foucault: apontamentos para a pesquisa de instituições. Rio de Janeiro: Achiamé, 2004.
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