segunda-feira, 12 de maio de 2008

Livro Didático




O Livro Didático: alcances e limites.

Mauro Carlos Romanatto[1]

Um pouco de história

O livro didático no Brasil, com honrosas exceções, sempre foi considerado de qualidade duvidosa e não que cumpre seu papel de apoio ao processo educacional. Muitos são autoritários e fechados, com propostas de exercícios que pedem respostas padronizadas, apresentam conceitos como verdades indiscutíveis e não permitem a alunos e professores, um debate crítico e criativo que é uma das finalidades do processo educacional.

Os livros didáticos surpreendem pela monotonia e repetitividade de exercícios que conduzem os alunos à atividades de reprodução dos pensamentos elaborados por outros, em vez de se ocuparem no processo de construção do seu próprio conhecimento.

Nada é menos parecido com um livro, do que um livro didático. Abusam das ilustrações para desviar a atenção do conteúdo, são mal dosados, jogam a matéria, muitas vezes, sem método, bem como contêm imprecisões. Alguns têm vários autores. Muitas vezes a pessoa citada nem participou da elaboração do livro, nunca deu aula, não conhece o aluno. Apenas entrou na parceria.

Com freqüência os livros didáticos diluem fontes de conhecimento, simplificam-nas para torná-las acessíveis à compreensão do aluno. E raros são aqueles que o fazem com competência.

Entretanto, os editores nunca foram responsáveis pela má qualidade dos livros didáticos produzidos no país. As empresas oferecem ao mercado o produto solicitado. As críticas de pesquisadores da educação que consideram a produção imprópria, de modo geral, surgem de concepções que pretendem um modelo ideal. Mas os livros são produzidos dentro de realidades concretas, pois eles destinam-se a uma proposta de ensino massificadora, a alunos com lacunas de conhecimentos e a professores com uma inadequada formação (inicial ou continuada) e submetidos a precárias condições de trabalho docente.

Nesse sentido, o livro didático acompanhou o desenvolvimento do processo de escolarização do Brasil. Se na primeira metade do século passado os conteúdos escolares assim como as metodologias de ensino vinham com o professor, nas décadas seguintes, com a democratização do ensino e com as realidades que ela produziu – algumas citadas acima – os conteúdos escolares, assim como os princípios metodológicos passaram a ser veiculados pelos livros didáticos.

Essa antiga polêmica com relação ao livro didático com alguns fazendo significativas críticas e outros defendendo esse material, certamente, não resolverá suas eventuais falhas e muito menos possibilitará a sugestão de novas propostas tanto para a sua elaboração quanto para a sua utilização.

Atualmente, é possível inferir que a qualidade dos livros didáticos tenha melhorado bastante, especialmente, a partir das avaliações desse material pelo Ministério da Educação. Por outro lado, também, é possível inferir que o livro didático ainda tem uma presença marcante em sala de aula e, muitas vezes, como substituto do professor quando deveria ser mais um dos elementos de apoio ao trabalho docente. Nesse sentido, os conteúdos e métodos utilizados pelo professor em sala de aula estariam na dependência dos conteúdos e métodos propostos pelo livro didático adotado. Muitos fatores têm contribuído para que o livro didático tenha esse papel de protagonista na sala de aula. Um outro fator, além dos já citados, é o seguinte: um livro que promete tudo pronto, tudo detalhado, bastando mandar o aluno abrir a página e fazer exercícios, é uma atração irresistível. O livro didático não é um mero instrumento como qualquer outro em sala de aula e também não está desaparecendo diante dos modernos meios de comunicação. O que se questiona é a sua qualidade. Claro que existem as exceções.

Mas que qualidade é essa que se avalia nos livros didáticos?

Vários níveis de respostas podem ser dados para essa questão. Num primeiro nível pode-se pensar em qualidade do livro didático enquanto objeto material. Outro nível de análise é aquele que focaliza o livro didático enquanto meio de comunicação. Há um bom tempo o livro didático brasileiro deixou de ser um livro texto para ser um objeto bonito e colorido. Praticamente desapareceram os livros que tratam de determinado assunto com amplitude, para surgir os que reduzem o conhecimento a pequenas partes. Por fim, resta outro nível ainda do livro didático analisando-o enquanto instrumento capaz de levar o aluno à aprendizagem.

Uma boa parte dos livros didáticos de Matemática é feita por teóricos, especialistas na área, mas sem vivência de sala de aula. Muitos desses especialistas desconhecem os processos de construção das etapas que a criança ou o jovem têm que passar para chegar aos conceitos. Atualmente, professores têm sido autores de livros didáticos. Além disso, a maioria dos livros atribui grande importância às técnicas operatórias, e reúne uma quantidade imensa de exercícios e problemas (em geral cansativos e repetitivos), visando somente à mecanização do conteúdo. Nesses casos vale lembrar que a ênfase na aprendizagem, por meio de problemas-padrão e exercícios com respostas fechadas, afasta a criança ou o jovem do prazer da descoberta.

O livro didático de Matemática

A situação de sala de aula brasileira permite dizer que nem a palavra do professor e muito menos os modernos meios tecnológicos de comunicação podem substituir o livro didático nas atividades escolares, pois este acumula várias funções, como, por exemplo, a de ser instrumento de intercâmbio e inter-relação social, permitindo a comunicação no tempo e no espaço, assim como constitui vasta fonte de informações.

Assim, a leitura de um livro apresenta inúmeras vantagens sobre outros meios de comunicação, sendo a reflexão a principal delas. A leitura torna indispensável um esforço para compreender, o que é altamente disciplinador e educativo. Outra vantagem: o desenvolvimento da criatividade. O leitor, muitas vezes, enriquece o texto; vai além dos fatos narrados: “lê” nas entrelinhas, usa a imaginação.

Portanto, considerando-se que ler é interpretar os símbolos gráficos e compreender-lhes o significado, os objetivos da leitura na escola deverão principalmente levar o aluno: a) ao desenvolvimento da habilidade de ler com compreensão, rapidez, espontaneidade e segurança; b) a utilizar-se da leitura como fonte de informação e aperfeiçoamento cultural; c) a utilizar-se da leitura como fonte do lúdico e da recreação, como ocupação das horas de lazer e d) a expressar-se eficientemente.

O livro de Matemática, seja qual for o nível dos alunos a que se destina, deve ser redigido em linguagem clara e precisa, na qual a dificuldade de vocabulário se restrinja à necessidade do uso de termos apropriados, para que a compreensão do texto não seja prejudicada.

Assim sendo o livro didático é um eficiente recurso da aprendizagem no contexto escolar. Sua eficiência depende, todavia, de uma adequada escolha e utilização.

Partindo do princípio de que o verdadeiro aprendizado deve ser apoiado na compreensão e não na memória, e de que é só na interação com a classe que se pode estimular o raciocínio e o desenvolvimento de idéias próprias em busca de soluções, cabe ao professor aguçar seu espírito crítico diante do livro didático, pois é a ele que compete selecionar e fazer uso do livro, devendo, portanto, estar suficientemente informado para realizar satisfatoriamente essas tarefas. Entretanto, alguns pontos devem ser considerados: a) servir de recurso de atualização; b) atender às necessidades e interesses do aluno; c) auxiliar o professor e o aluno a atingirem os objetivos educacionais na formação de conhecimentos, competências e atitudes; d) contribuir para a formação de hábitos de crítica reflexiva (espírito crítico do aluno) e e) estar adequado ao projeto educativo da escola, portanto, articulado ao trabalho do professor.

Como se depreende da leitura acima, o livro didático, como qualquer outro recurso, tem sua importância condicionada ao uso que o professor dele faça. Não só pelo seu emprego correto, mas sabendo explorá-lo em função dos objetivos a alcançar, sabendo enfatizar os seus pontos fortes e anular seus pontos fracos. Se o professor estiver atento para analisar e selecionar o livro didático, estará capacitado para o seu devido emprego. Nesse sentido o livro didático, como qualquer outro recurso pedagógico, só será eficiente se estiver integrado no processo de aprendizagem. A aprendizagem envolve, em certo sentido, uma mudança de comportamento, por meio da experiência. Mas a experiência não é a única condição para que a aprendizagem se efetue. Cada vez que alguém aprende algo, é porque está preparado para isso. Estar preparado deve ser entendido que: a) há condições pré-existentes no indivíduo para que a aprendizagem se inicie, isto é, certo nível de maturidade foi alcançado e b) há necessidades do indivíduo a serem satisfeitas, que o impulsionam a querer aprender, isto é, se sentir motivado. Assim, maturidade e motivação são condições básicas para que a aprendizagem possa ocorrer. Desta conclusão pode-se retirar dois critérios para a seleção do livro didático. Ele estará sendo bem escolhido se seu conteúdo, seus exercícios, sua linguagem, suas ilustrações forem: a) adequados ao nível de maturidade do aluno e b) capazes de estimular o interesse do aluno, motivando‑o para a sua leitura.

Por outro lado, o livro didático também pode oferecer uma série de vantagens para o professor e o aluno, favorecendo o êxito do trabalho escolar. Entre suas múltiplas contribuições podem ser destacadas: a) aumento da capacidade de ler (aumento de vocabulário, aumento de compreensão do que se lê); b) integração e sistematização da matéria (graças a uma seqüência ordenada das lições); c) facilitação de revisões periódicas e d) desenvolvimento de hábitos de independência e de autonomia.

Portanto, o professor de Matemática, ao indicar, ao adotar um livro didático, deve verificar se: a) está de acordo com os objetivos propostos, ou seja, o desenvolvimento do raciocínio e pensamento lógico; a capacidade de observar, comparar, ordenar, classificar, generalizar e abstrair soluções de situações-problema; o conhecimento do vocabulário específico; b) atende ao nível de maturidade e interesse dos alunos e c) se o conteúdo está adequado ao nível de escolaridade e série a que se destina.

Para atender a tais requisitos o conteúdo e os exercícios do livro didático de Matemática devem apresentar dados sempre atualizados e relacionados com situações reais de vida e os assuntos devem ser apresentados numa seqüência, de modo a permitir o domínio gradativo dos mesmos. Quanto às ilustrações, estas devem auxiliar a compreensão das situações-problema. Esquemas, quadros, setas, tipos de letras são importantes no livro didático para auxiliarem na compreensão do problema. Deve ainda o professor julgar os recursos que o livro oferece, tais como: material didático, bibliografia, orientações didáticas, atividades para os alunos, condições para adaptação em situações particulares e formas de acompanhamento do progresso científico.

Em resumo, os requisitos exigidos para um livro didático de Matemática seriam: papel e escrita adequados, seqüência lógica dos conteúdos, situações-problema relevantes e interessantes, possibilidades de desenvolver o raciocínio lógico para a compreensão e justificação dos conceitos, princípios e procedimentos matemáticos, formas variadas para a avaliação da aprendizagem, aplicações dos conceitos em diferentes situações reais, leituras complementares, utilização de materiais feitos pelos alunos ou pelo professor, linguagem com clareza e precisão, e condições de integração com outras disciplinas.

Apesar de todas as considerações anteriormente apontadas a propósito do livro didático, sendo algumas delas questionáveis, acredita-se que para uma análise, escolha e utilização do livro didático, outros aspectos devam ser discutidos, principalmente em função de problemas bastante específicos da Educação Matemática no Brasil.

O professor precisa mudar o seu papel, criando situações, armando dispositivos, suscitando problemas, organizando contra-exemplos. O mestre, segundo essa visão, não deve conhecer apenas sua ciência, mas deve também estar bem informado das peculiaridades do desenvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente.

Os professores de Matemática (abandonando a ênfase nos automatismos) podem vir a ser os promotores de uma modificação total no ensino, levando o aluno ao uso do raciocínio, abandonado pelos processos de automatização do pensamento. Lamentavelmente, por mais paradoxo que possa parecer, são, precisamente os professores de Matemática que adestram os alunos com comportamentos estereotipados (regras, fórmulas e algoritmos) em contradição com a natureza criativa do pensamento matemático.

Diante de todos os problemas com que se defronta a Educação Matemática, particularmente no Brasil, e considerando-se que o livro didático, um dos elementos que pode, quando bem feito e bem utilizado, minimizar ou até mesmo superar alguns desses obstáculos, o presente texto relacionou algumas idéias ou sugestões que se espera sejam relevantes para uma realidade cultural brasileira que é extremamente heterogênea nos mais variados aspectos.

Tais idéias ou sugestões podem ser expressas nas seguintes observações:

Material para o aluno:

· Os livros didáticos deveriam ser, essencialmente, fontes de idéias. Num primeiro estágio, talvez idéias para o professor; mais tarde, de idéias que seriam usadas pelos alunos como pontos de referência e fontes de informações. Os livros deveriam, ainda, oferecer pontos de partida para investigações. Essa dupla utilização é muito importante, já que os alunos, gradativamente, compreenderão que os livros didáticos não apenas podem ajudar na resolução, como também na proposição de problemas.

· Tratar o conceito por meio de sua história, mostrando que em seu desenvolvimento sempre está presente a resolução de um problema, ora prático, ora especulativo. A abordagem dos problemas científicos deveria ser feita, pois, na ordem histórica. A dificuldade que a humanidade teve para construir uma disciplina será, talvez, a mesma que o aluno sentirá ao iniciar a sua aprendizagem. Os estudos de psicologia genética mostram que há indícios de que o processo seja assim. Não se trata de recapitular o passado, mas de compreender a gênese do conhecimento.

· Mostrar a Matemática como uma ciência em desenvolvimento, em aperfeiçoamento. Todos os conceitos estudados permitem trazer para a sala de aula os momentos críticos de sua construção ou evolução, permitindo perceber seus aperfeiçoamentos, suas ampliações ou limitações. Por exemplo, os números negativos nasceram da necessidade de se resolver certos tipos de problemas.

· Na elaboração ou construção de um conceito mostrar num primeiro momento os aspectos intuitivos e só depois os aspectos formais, as sistematizações. Trata‑se de dar à Matemática, preliminarmente, uma formulação antes intuitiva (empírica) do que puramente lógica. Ninguém, por certo, contesta que foi este o caminho que a matemática seguiu em seu longo processo de desenvolvimento.

· Uma vez ensinado um conceito aplicá‑lo em várias situações, tanto na Matemática como em outras ciências. Nos livros didáticos, em geral, não é muito comum a aplicação dos conceitos estudados em situações fora da Matemática. O livro didático deveria estar repleto de sugestões sobre a aplicação dos conhecimentos expostos e de experiências a serem realizadas pelos alunos, mesmo fora da escola.

· Relacionar o conceito novo com os conceitos já estudados procurando mostrar a integração entre os diversos conteúdos matemáticos.

· Exercícios mais eficientes que tanto podem fundamentar a compreensão dos conceitos dados como suas aplicações em outras situações. Exercícios que permitam aos alunos pensarem por si mesmos e escolherem o método de solução. Problemas controversos deveriam aparecer como questões abertas, mostrando aos alunos que eles podem prosseguir a pesquisa e encontrar, futuramente, a resposta. Nada desanima mais os alunos que a sensação de que não há mais nada a descobrir. Aliás, as questões abertas deveriam ter um lugar privilegiado como desafio e como comprovação de que o conhecimento está em contínua elaboração e que os alunos podem participar dessa elaboração.

· Usar exemplos, analogias e ilustrações que facilitem a compreensão dos conceitos.

Material para o professor:

· Quanto ao livro didático para o professor algumas reformulações deveria ser feitas atentando para os seguintes detalhes: a) indicações bibliográficas para a fundamentação dos conceitos-chave de cada série. A condição necessária, mas não suficiente, para o bom desempenho do professor parece ser sua atualização, seu aprimoramento e seu aprofundamento no conteúdo matemático; b) bibliografias sobre as contribuições pedagógicas e psicológicas no sentido de garantir um melhor ensino e aprendizagem da Matemática; c) sugestões de procedimentos para com diferentes tipos de alunos; d) sugestões de leituras que contribuam para que o professor possa avaliar ou aperfeiçoar o seu trabalho cotidiano; e) relatos ou indicações de experiências bem sucedidas em Educação Matemática.

Espera‑se com estas reflexões contribuir tanto em relação às discussões sobre os problemas da Educação Matemática no Brasil como em face de possíveis conclusões a que eventualmente se tenha chegado sobre o livro didático. A Educação Matemática é um vasto campo para pesquisas e em nenhum momento o texto teve a pretensão de esgotar qualquer dos problemas levantados, embora acredite que as contribuições sugeridas para o livro didático de Matemática sejam de grande valia. Elaboração, aplicação e avaliação de outras concepções sobre o livro didático de Matemática seria um caminho promissor a seguir.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Educação. SEF. Recomendações para uma política pública de livros didáticos. Brasília: MEC/SEF, 2001.

FREITAG, B.; COSTA, W. F. e MOTTA, R. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1997.

PFROMM NETTO, S.; ROSAMI.LHA, N. e DIB, C. Z. O livro na educação. Rio de Janeiro: Primor/INL, 1974.

ROMANATTO, M. C. A noção de número natural em livros didáticos de Matemática: comparação entre textos tradicionais e modernos. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos –SP, 1987.


[1] Doutor em Educação. Professor do Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Campus de Araraquara

Obrigado por sua visita, volte sempre.

domingo, 11 de maio de 2008

O Que é Construtivismo?


Fernando Becker'
O Que é Construtivismo?
O universo sempre foi o que é hoje? Os mais antigos acreditavam, e muitos ainda
acreditam, que o universo foi criado por Deus tal qual é hoje. Segundo essa crença, a
Terra é o centro do universo; mas a partir do século XVI tal concepção foi-se
desmoronando, com a afirmação de que o Sol era o centro. Hoje, "a Terra é uma pedrinha
que orbita uma estrela pequena que fica na periferia de uma galáxia sem importância à
deriva em um universo que se expande" (Folha de S.Paulo, 10/5/92).
Esse desmoronamento ocorre em várias áreas do conhecimento humano. DARWIN, no
século XVIII, na Biologia, tira do homem o título de filho de Deus e faz dele um
descendente dos símios. FREUD, no início deste século, na Psicanálise, afirma que o
homem nem ao menos é dono de sua consciência e de seus atos, pois estes são
determinados, em larga escala, pelo inconsciente, que é um "sistema dinâmico em
permanente atividade", profundamente enraizado nas relações sociais.
Sabemos, hoje, que o universo é muito maior do que se imaginava, que não é estático e,
mais, que desde o seu início, há quinze bilhões de anos, está em expansão a velocidades
espantosas. A física atômica já nos passara, no início deste século, a idéia de movimento à
velocidade da luz, no microcosmo. Numa palavra, todo o universo, nos níveis micro e
macro, está em movimento. Se ele está em movimento, está-se constituindo, está-se
construindo. Ou se destruindo?
' Professor de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação de Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS, Doutor em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo,
Coordenador do Programe de Pós-graduação em Educação da UFRGS.
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No plano da vida acontece a mesma coisa. A vida apareceu na Terra há mais de três bilhões de
anos. Pensava-se que Deus criara as espécies e que elas se conservavam tal e qual. Sabe-se,
hoje, que as espécies que vivem atualmente na Terra pouco têm a ver com as que viveram há
650 milhões de anos ou há 65 milhões de anos: mas as que vivem hoje, inclusive a humana,
são herdeiras das que viveram nessas épocas-herança do que sobrou de grandes catástrofes,
como, por exemplo, chuva de meteoritos.
Essas concepções que as ciências foram construindo refletem-se na Filosofia e na Sociologia.
HEGEL e MARX expressam este movimento pela dialética: dialética no pensamento e dialética
na realidade objetiva. 0 princípio da transformação está na essência do próprio ser. Neste
século, já sob a influência da física relativista e da mecânica quântica, PIAGET faz refletir estas
idéias na Psicologia, na Filosofia e, mais especificamente, na Epistemologia, construindo uma
nova ciência a que chamou de Epistemologia Genética.
PIAGET vai mostrar como o homem, logo que nasce, apesar de trazer uma fascinante bagagem
hereditária que remonta a milhões de anos de evolução, não consegue emitir a mais simples
operação de pensamento ou o mais elementar ato simbólico. Vai mostrar ainda que o meio
social, por mais que sintetize milhares de anos de civilização, não consegue ensinar a esse
recém-nascido o mais elementar conhecimento objetivo. Isto é, o sujeito humano é um projeto
a ser construído; o objeto é, também, um projeto a ser construído. Sujeito e objeto não têm
existência prévia, a priori: eles se constituem mutuamente, na interação. Eles se constroem.
Como?
O sujeito age sobre o objeto, assimilando-o: essa ação assimiladora transforma o objeto. O
objeto, ao ser assimilado, resiste aos instrumentos de assimilação de que o sujeito dispõe no
momento. Por isso, o sujeito reage refazendo esses instrumentos ou construindo novos
instrumentos, mais poderosos, com os quais se torna capaz de assimilar, isto é, de transformar
objetos cada vez mais complexos. Essas transformações dos instrumentos de assimilação
constituem a ação acomodadora. Conhecer é transformar o objeto o transformar a al
mesmo. (O processo educacional que nada transforma está negando a si mesmo.) 0
conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social. 0 sujeito constrói seu
conhecimento na interação com o meio tanto físico como social.
Essa construção depende, portanto, das condições do sujeito - indivíduo sadio,
bem-alimentado, sem deficiências neurológicas etc. - e das condições do meio - na favela é
extremamente mais difícil construir conhecimentos, e progredir nessas construções, do que nas
classes média e alta.
Vê-se, pois, que, assim como MARX derrubou a idéia de uma sociedade constituída por
estratos, ricos e pobres, que existem desde toda a eternidade, e criou a idéia de uma sociedade
que se produz e reproduz, estabelecendo um sistema de produção que a perpetua, PIAGET
derruba a idéia de um universo de conhecimento dado, seja na bagagem hereditária
(apriorismo), seja no meio (empirismo) físico ou social. Criou a idéia de
conhecimento-construção, expressando, nessa área específica, o movimento do pensamento
humano em cada indivíduo particular, e apontou como isto se daria na Humanidade como um
todo. No entanto, assim como o marxismo atual exerce uma crítica sobre sua conceituação de
"classe social", na medida em que "estudos concretos desvendaram formas originais de práticas
coletivas", e na medida em que se toma consciência de que a classe social é alterada pelo modo
mesmo como é vivida, a Epistemologia Genética exerce, também, sua autocrítica no sentido de
ampliar a compreensão do que significa o "objeto", se entendido como o mundo das relações
sociais, no sentido do conflito sociocognitivo ou das representações sociais da inteligência, pois
a vida social não pode continuar a ser entendida simplesmente como "coordenação de
operações individuais".
Construtivismo significa isto: a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que,
especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se
constitui pela interação do Indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o
mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia,
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na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação
não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento.
Construtivismo é, portanto, uma idéia; melhor, uma teoria, um modo de ser do
conhecimento ou um movimento do pensamento que emerge do avanço das ciências e da
Filosofia dos últimos séculos. Uma teoria que nos permite interpretar o mundo em que
vivemos. No caso de PIAGET, o mundo do conhecimento: sua gênese e seu
desenvolvimento. Construtivismo não é uma prática ou um método; não é uma técnica de
ensino nem uma forma de aprendizagem; não é um projeto escolar; é, sim, uma teoria que
permite (re)interpretar todas essas coisas, jogando-nos para dentro do movimento da
História - da Humanidade e do Universo. Não se pode esquecer que, em PIAGET,
aprendizagem só tem sentido na medida em que coincide com o processo de
desenvolvimento do conhecimento, com o movimento das estruturas da consciência. Por
isso, se parece esquisito dizer que um método é construtivista, dizer que um currículo é
construtivista parece mais ainda.
Vimos o sentido de construtivismo na Ciência e na Filosofia, bem como na Epistemologia
Genética piagetiana. Que sentido terá construtivismo na Educação?
Entendemos que construtivismo na Educação poderá ser a forma teórica ampla que reúna
as várias tendências atuais do pensamento educacional. Tendências que têm em comum a
insatisfação com um sistema educacional que teima (ideologia) em continuar essa forma
particular de transmissão que é a Escola, que consiste em fazer repetir, recitar, aprender,
ensinar o que já está pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, construir a partir da
realidade vivida por alunos e professores, isto é, pela sociedade - a próxima e, aos poucos,
as distantes. A Educação deve ser um processo de construção de conhecimento ao qual
acorrem, em condição de complementaridade, por um lado, os alunos e professores e, por
outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento já construído ("acervo cultural da
Humanidade").
Façamos uma pequena pausa em nosso pensamento e entremos na sala de aula.
Conversemos com o professor sobre a "matéria-prima" do seu fazer: o conhecimento. O
professor conhece uma ou mais áreas de conhecimento. Ao ser perguntado, porém, sobre
a natureza desse conhecimento, reage, meio espantado, porque a pergunta é inusitada. O
professor ensina conhecimento mas, ao ser perguntado sobre o conhecimento, espanta-se
como se a pergunta não fizesse sentido ou fosse descabida. Ao responder sobre "o que é o
conhecimento", responde ao nível do senso comum, isto é, como qualquer pessoa que só
utiliza sua inteligência para resolver problemas do cotidiano. Isto acontece com
professores de pré-escola, de 1" e 2°- graus e, do mesmo modo, com professores
universitários, incluindo os de pós-graduação stricto sensu.
O professor afirma que o conhecimento é algo que entra pelos sentidos-algo que vem de fora da
pessoa, portanto - e se instala no indivíduo, independentemente de sua vontade, e é sentido por
esse indivíduo como uma "vivência". A pessoa, o indivíduo ou, de modo geral, o sujeito não tem
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mérito nisso, é passivo. O objeto, isto é, o conjunto de tudo o que é não-sujeito, pouco
ou nada tem a ver com isso. Esse modo de entender o aparecimento, a génese do
conhecimento num indivíduo, é chamado de empirismo Podemos dizer que empiristas
são aqueles que pensam que o conhecimento acontece porque nós vemos, ouvimos,
tateamos etc., e não porque agimos. O conhecimento será, então, sensível no começo,
abstrato depois. Na Psicologia, é a teoria da associação entre estímulo e resposta que
constitui a explicação própria do empirismo.
Alguns exemplos da concepção empirista, na fala dos professores, ilustra este modo de pensar:
o conhecimento, diz um professor, "se dá sempre via cinco sentidos, de uma ou outra maneira",
o conhecimento, diz outro, "se dá à medida que as coisas vão aparecendo e sendo introduzidas
por nós nas crianças"; o conhecimento, diz um terceiro, se dá pela reação da pessoa "através de
alguns estímulos, a partir de situações estimulantes-na medida em que a pessoa é estimulada,
perguntada, incitada, questionada, ela é até obrigada a dar uma resposta"; um quarto docente
afirma que "o aluno é como a anilina no papel em branco que a gente tinge: passa para o papel
-o aluno elabora, coloca com as próprias palavras".
Se continuarmos a perguntar ao professor sobre o conhecimento, desautorizando a concepção
empirista, como acontece quando se pergunta por que um macaco submetido à estimulação da
linguagem humana não aprende a falar e a pensar formalmente, o professor muda seu
paradigma de teoria de conhecimento. Passa a negar, inconscientemente, seu empirismo,
afirmando que o indivíduo conhece porque já tem em si o conhecimento. A concepção de
conhecimento que acredita que se conhece porque já se traz algo, ou inato ou programado na
bagagem hereditária, para amadurecer mais tarde, em etapas previstas, chama-se apriorismo.
Podemos dizer que aprioristas são todos aqueles que pensam que o conhecimento acontece em
cada indivíduo porque ele traz já, em seu sistema nervoso, o programa pronto. O mundo das
coisas ou dos objetos tem função apenas subsidiária: abastece, com conteúdo, as formas
existentes a priori (determinadas previamente). Como se vê, o apriorismo opõe-se ao empirismo.
Mas o faz apenas neste ponto, porque também ele acaba propondo uma visão passiva de
conhecimento, pois, de uma ou de outra maneira, suas condições prévias já estão todas
determinadas, independentemente da atividade do indivíduo.
Seguem alguns exemplos de falas "aprioristas" dos professores. Um deles afirma:
"Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende.". Outro diz: "Ah! Isso é difícil, porque
acho que ninguém pode ensinar ninguém; pode tentar transmitir, pode tentar mostrar (...)
Acho que a pessoa aprende praticamente por si (...)". Um outro afirma: "O conhecimento
para à criança (...) é intuitivo, não se ensina, não se transmite.". E um outro diz: "O
conhecimento é alguma coisa que a gente tenta despertar no aluno. Ele tem aquela ânsia
de conhecer (...)."
Raramente o professor consegue romper o vaivém entre empirismo e apriorismo: se nota
que a explicação empirista não convence, lança mão de argumentos aprioristas. E volta,
na primeira oportunidade, ao empirismo, se o mesmo acontecer com a explicação
apriorista. Surpreendentemente - e devia surpreender? -, a ruptura acontece se o
professor pára a sua prática e reflete sobre ela. 0 que acontece por força dessa reflexão? O
professor dá-se conta (toma consciência) de que a extensão da estrutura do seu pensar é
muito limitada, de que ele precisa ampliar essa estrutura ou, até, construir uma nova.
Ora, ele faz isto precisamente por esse processo de reflexão. Ao apropriar-se de sua
prática, ele constrói -ou reconstrói -as estruturas do seu pensar, ampliando sua
capacidade, simultaneamente, em compreensão e em extensão. Essa construção é possível
na medida em que ele tem a prática, a ação própria; e, também, na medida em que ele se
apropria de teoria(s) suficientemente critica(s) para dar conta das qualidades e dos limites
de sua prática. Essas duas condições são absolutamente indispensáveis para o avanço do
conhecimento, para a ruptura com o senso comum na explicação do conhecimento.
Deste ponto de vista, o conhecimento não é dado nem nos objetos (empirismo) nem na
bagagem hereditária (apriorismo). O conhecimento é uma construção. O sujeito age,
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espontaneamente - isto é, independentemente do ensino mas não independentemente
dos estímulos sociais-, com os esquemas ou estruturas que já tem, sobre o meio físico ou
social. Retira (abstração) deste meio o que é do seu interesse. Em seguida, reconstrói
(reflexão) o que já tem, por força dos elementos novos que acaba de abstrair. Temos, então,
a síntese dinâmica da ação e da abstração, do fazer e do compreender, da teoria e da
prática. É dessas sínteses que emerge o elemento novo, sínteses que o apriorismo e o
empirismo são incapazes de processar porque só valorizam um dos pólos da relação. Na
visão construtivista, sujeito e meio têm toda a importância que se pode imaginar, mas essa
importância é radicalmente relativa.
Eu valorizo o sujeito na medida em que valorizo o objeto, e vice-versa. Como posso
valorizar o indivíduo, subestimando o poder de determinação da sociedade? Como posso
valorizar a sociedade, subestimando a capacidade de transformação do indivíduo? A
novidade cria-se na exata medida da relação dinâmica entre indivíduo e sociedade, entre
sujeito e objeto, entre organismo e meio.
Observemos os depoimentos dos professores que se aproximam dessa concepção. Um
deles afirma: "A criança adquire conhecimento acho que olhando o mundo, o ambiente.
Sofrendo influência das coisas ao seu redor começa-se a estabelecer relações com este
mundo.". Um outro diz: "A criança já traz parte do conhecimento. Adquire outra parte com
o meio e constrói a partir disto.". Outro: "O bicho eu adestro, é estímulo-resposta. A
criança envolve inteligência, pensamento divergente, ela questiona, vai além.". Um outro:
"Como professora procuro interferir o mínimo para que a criança toque, mexa,
experimente e, para isso, o professor precisa ter um pouco de sensibilidade para perceber
se o aluno está ou não a fim de algo.". E, finalmente, um outro diz: "Olha, o conhecimento
é o domínio sobre o saber fazer, no sentido da especificidade do curso que eu trabalho
[Arquitetura]. No outro sentido, vejo como aquilo que tu produziste sobre esse saber
fazer.".
O que isto tem a ver com a sala de aula? Se a concepção de conhecimento do professor, a
sua epistemologia -na maior parte das vezes inconsciente, como vimos-for empirista, ele
tenderá a seguir um determinado caminho didático-pedagógico. Ele ensinará a teoria e
exigirá que seu aluno a aplique ã prática, como se a teoria originariamente nada tivesse a
ver com práticas anteriores, e a prática não sofresse nenhuma interferência da teoria que
a precedeu. Exigirá, ainda que seu aluno repita, inúmeras vezes, a teoria, até memorizá-la,
pois ele é, originariamente, tábula rasa, folha de papel em branco, um "nada" em termos
de conhecimento. Essa memorização consistirá, necessariamente, num empobrecimento
da teoria, além de impedir que algo novo se constitua. É assim que funciona a quase
totalidade de nossas salas de aula.
Se a epistemologia do professor for apriorista, ele tenderá a subestimar o tremendo poder
de determinação que as estruturas sociais, em particular a linguagem, têm sobre o
indivíduo. Conceberá esse indivíduo como um semideus que já trazem si toda a sabedoria
ou, pelo menos, o seu embrião. É claro que, inconscientemente(?), aceitará que só certos
estratos sociais tenham tal privilégio: os não-índios, os não-negros, os não-pobres etc. Um
ensino determinado por tais pressupostos tenderá a subestimar o papel do professor, o
papel do conhecimento organizado etc., pois o aluno já traz em si o saber.
91
Se, no entanto, o professor conceber o conhecimento do ponto de vista construtivista, ele
procurará conhecer o aluno como uma síntese individual da interação desse sujeito com o
seu meio cultural (político, econômico etc.). Não há tábula rasa, portanto. Há uma
riquíssima bagagem hereditária, produto de milhões de anos de evolução, interagindo com
uma cultura, produto de milhares de anos de civilização. Segundo PIAGET, conforme
vimos, o aluno é um sujeito cultural ativo cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e
acomodadora. Pela dimensão assimiladora ele produz transformações no mundo objetivo,
enquanto pela dimensão acomodadora produz transformações em si mesmo, no mundo
subjetivo. Assimilação e acomodação constituem as duas faces, complementares entre
si, de todas as suas ações. Por isso, o professor não aceita que seu aluno fique passivo
ouvindo sua fala ou repetindo lições que consistem em dar respostas mecânicas para
problemas que não assimilou (transformou para si).
Conforme pudemos observar, esses dados-a fala dos professores-e essas reflexões
epistemológicas sugerem um caminho didático para a formação de professores: o docente
precisa refletir, primeiramente, sobre a prática pedagógica da qual é sujeito. Somente
então apropriar-se-á de teoria capaz de desmontar a prática conservadora e apontar para
as construções futuras.
A partir disso, posso afirmar que uma simples mudança de concepção epistemológica não
garante, necessariamente, uma mudança de concepção pedagógica ou de prática escolar,
mas sem essa mudança de concepção-superando o empirismo e o apriorismo-certamente
não haverá mudança profunda na teoria e na prática de sala de aula. A superação do
apriorismo e, sobretudo, do empirismo é condição necessária, embora não suficiente, de
avanços apreciáveis e duradouros na prática docente.
Pensamos, por isso, que o movimento próprio do processo de construção do conhecimento
deve impregnar a sala de aula, em particular, e o sistema educacional, em geral. A sala de
aula deve ser inserida na História e no espaço social. O compromisso da Escola deve ser o
de construir o novo, superando o arcaico, e não o de repetir, interminavelmente, o antigo.
Nas palavras de PIAGET, nesta verdadeira obra-prima que é o Nascimento da Inteligência
na Criança (p. 386), "as relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa interaçâo
radical, de modo tal que a consciência não começa pelo conhecimento dos objetos nem
pelo da atividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado; e é desse estado que
derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o
outro de acomodação às próprias coisas". E, sobre o problema da construção do novo, diz:
"a organização de que a atividade assimiladora é testemunha é, essencialmente,
construção e, assim, é de fato invenção, desde o principio" (p. 389). Isto é, a novidade
emerge da própria natureza do processo de desenvolvimento do conhecimento humano.
Para que ela não ocorra deve-se obstruir esse processo. É esse, a nosso ver, o papel da
ideologia, ideologia que impregna a consciência do professor, determinando suas ações -
prática - e seu modo de pensar - teoria.
Construtivismo, segundo pensamos, é esta forma de conceber o conhecimento: sua gênese
e seu desenvolvimento - e, por conseqüência, um novo modo de ver o universo, a vida e o
mundo das relações sociais.
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AS HISTÓRIAS INFANTIS SUA CONTRIBUIÇÃO.





A FUNÇÃO SIMBÓLICA DAS HISTÓRIAS INFANTIS E AS FANTASIAS INCONSCIENTES

Taís Aparecida Costa Lima

O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a possibilidade de articular a simbologia dos personagens das histórias infantis com a formação simbólica do sujeito, buscando a elaboração dos conflitos emocionais e cognitivos no sentido de servir como instrumento para o tratamento das dificuldades de aprendizagem

I-INTRODUÇÃO

A capacidade de simbolizar nasce com o ser humano e estrutura-se a partir de dois movimentos: conhecer o objeto e perder o objeto.

Simbolizar é sentir a perda. É olhar e substitutir o objeto perdido por outro. Daí a importância do estudo da função simbólica na Psicopedagogia, uma vez que, para que ocorra a aprendizagem é necessário perder um objeto para então ganhar e apropriar-se de outro. A vida é também uma troca. Quando substituímos, simbolizamos e então amadurecemos.

Passamos por momentos de perdas importantes: as castrações umbilical, do desmame, a fálica, processos esses vividos entre os três e cinco anos e de grande relevância quanto à formação semiótica, que nos permite simbolizar o mundo, e se instala por volta de dois anos.

No período de latência, a energia dispensada na questão edípica é sublimada, substituindo o objeto de desejo pela busca do conhecimento. O Complexo de Édipo e a Angústia da Castração são portanto, fundamentais para a estruturação da personalidade e fundamentação do desejo de ter, ser e saber.

As histórias infantis como referências simbólicas a essas questões inconscientes constituem um importante instrumento no espaço psicopedagógico tanto no tratamento de crianças quanto no de adultos, uma vez que remetem ao sonho, à fantasia e iluminam o ser humano no que lhe é próprio: a capacidade de sonhar e simbolizar.

II - A SIMBOLOGIA NA PSICANÁLISE

Freud buscou a maior parte de suas concepções a respeito do desenvolvimento, ouvindo relatos de adultos ansiosos a respeito de suas experiências infantis.

Para ele a palavra símbolo tem um sentido restrito, pois refere-se a imagens internas ligadas direta ou figurativamente ao que elas significam.

O símbolo é uma pulsão representativa que pode estar ligada às fantasias sexuais.

Faz-se necessário examinar a relação entre a formação de um ideal e a sublimação. Enquanto a sublimação diz respeito à libido objetal e consiste no fato de o instinto se dirigir no sentido de uma finalidade diferente e afastada da finalidade na satisfação sexual a idealização diz respeito ao objeto.

Segundo Lacan (in:Rappaport, 1992), a noção de objeto está vinculada à noção de uma falta e sua relação se apresenta junto com o problema de estruturação do desejo numa relação de transferência, enquanto para Freud (1997) o objeto aparece em relação à pulsão e em relação ao amor.

A formação de um ideal do Ego surge como um substituto do narcisismo perdido na infância. Se por um lado, o Ego por medo de castigo, obedece ao Superego - formado em sua origem pelos personagens temidos-; por amor, submete-se ao ideal do Ego - formado pelos personagens amados.

As pulsões são energias - libido -, forças que fazem o organismo procurar uma meta, um objetivo.

A pulsão de vida está ligada a um jogo de representações ou fantasias que a especifica e depois se organiza e ao funcionamento das zonas corporais erógenas, mais suscetíveis de acompanharem as atividades diversas em que se apoiam.

Começa fragmentada em pulsões parciais cuja satisfação é local e pulsão de morte que contrapõe-se ao princípio do prazer e tende para a redução completa das tensões; tende a reconduzir o ser vivo ao estado inorgânico. Inicialmente voltada para o interior e tendendo à auto destruição, pode ser dirigida para o exterior, manifestando-se sob a forma de pulsão de agressão ou de destruição.

Por volta dos 4 aos 7 anos, o filho começa a desejar a mãe para si mesmo e a odiar, de certa forma, o pai como um rival que obstaculariza esse desejo.

Para sobreviver, toda criança deverá contar com uma figura em cujo desejo ocupe um lugar fundamental e deverá perder esse lugar por injunção dessa mesma figura, na medida em que assume o seu próprio desejo e se torne um sujeito. A perda do lugar privilegiado junto à figura materna é atribuída a um rival seja ele real ou imaginário.

Assim, podemos dizer que o objeto não tem um significado próprio, não é desejável ou indesejável pelas suas qualidades ou defeitos. De alguma forma, todos os objetos que queremos ou tememos têm o seu valor ou ausência de valor, explicados pela estrutura do desejo.

A situação edipiana representa o momento em que a criança sai da condição de objeto de amor das figuras de pai e mãe para assumir sua posição de sujeito. De desejada passa a desejante e é nesse momento que precisa escolher um modelo de identificação sexual.

O brinquedo da menina com uma boneca, de início é uma identificação com a mãe ativa e em seguida, a boneca representa o filho do pai.

O menino, por exemplo, identifica-se com o pai, passando a desejar o amor da mãe, mas esta lhe é proibida, principalmente enquanto figura portadora de amor incondicional. A criança procura então, tornar-se o sujeito absoluto, expulsando o pai de seu lugar, mas fracasssa, porque ninguém pode ser único para outro ser humano e atribui esse fracasso à vitória do rival.

O declínio do complexo de Édipo para o menino acontece com o complexo da castração. Como a excitação sexual está liga a seus desejos edipianos a ameaça de castração também está ligada a esses desejos. Essa ameaça começa a Ter efeito com a visão dos órgãos genitais femininos desprovidos de pênis. Associa essa castração à modelos antigos como a privação do seio e a separação das fezes que o fizeram conhecer a perda de partes do seu corpo. O menino vive então um conflito entre seus desejos libidinais e o narcisismo.

Nas meninas, o complexo de Édipo torna-se possível e é promovido pela castração, pois a visão do pênis dos meninos levam-nas a sentirem-se inferiores querendo compensar a falta pela inveja do pênis. Essa inveja do pênis pode tornar-se ciúme. A menina passa a querer mal à sua mãe, por tê-la feito sem pênis, acusando-a de amar mais os outros filhos e se afasta dela. Passa então a desejar Ter um filho do pai e a ver a mãe como sua rival.

Lacan (1977) divide o complexo de Édipo em três tempos. O primeiro tempo é o do idílio amoroso da mãe com o filho, amor esse que constrói a erogenização do corpo da mãe com o filho. Nesa relação, organizam-se ainda em idade precoce, os gastos de sedução recíprocos, cujo conteúdo ilusório significa uma certa transgressão da proibição e nesse momento importa a capacidade da mãe de emitir mensagens de sedução, de cuja interpretação pelo filho, dependerá parte de seu futuro de ser sexuado. Sobre a proibição surge a figura do pai para reacomodar as certezas que definem o idílio mãe-filho e fazer-se de veículo de lei social de estruturar o interior dessas proximidades.

No segundo tempo, o pai se apresenta como figura capaz de realizar a função de corte. É o momento que Lacan chama "pai terrível". No terceiro tempo reaparece o pai já sob a forma de pai permissivo, o que dá condição de acesso à mulher sob o modelo da mãe proibida. É agora polo das identificações sexuais do filho e de seus ideais sociais.

III- A SIMBOLOGIA DAS HISTÓRIAS INFANTIS

Charles Perrault foi o primeiro, na França, por volta de 1685, a publicar contos maravilhosos. Em 1691 aparece sua primeira narrativa em versos – Marquise de Salusses ( A Marquesa de Salusses) ou La Patiencie de Grisélidis ( A Paciência de Grisélidis). Os Desejos Ridículos publicado em 1963 foi seu segundo conto em versos. Em 1694, nasce Pele de Asno, também em versos.

Em 1696 edita A Bela Adormecida. Em 1697 surgem 8 contos em prosa como Os Contos da Mamãe Gansa: A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, o Gato de Bvotas, As Fadas, Cinderela ou o Sapatinho de Cristal, Riquet de Crista e O Pequeno Polegar.

Pode-se considerar hoje que esses contos atribuídos a Perrault eram inicialmente destinados aos adultos e crianças de classes cultas pois terminam com uma lição de moral.

Hans Christian Andersen, nasceu em 1805 na Dinamarca e morreu em 1875. Teve uma infância difícil numa família pobre em que a morte do pai o deixou aos 10 anos, aos cuidados de uma mãe alcóolatra, uma irmã prostituta e uma avó extremamente seca e rude. A partir daí, desenvolveu simpatia pelos mais fracos.

Escreveu contos falando sobre esse tipo de pessoas e quase todos tem um final feliz. Especificamente a história O Patinho Feio retrata, de uma certa forma, a vida pessoal do escritor e seu difícil percurso.

Em 1835 os primeiros contos são lançados com o título Aventuras contadas às crianças. Publica 156 contos de maneira que alguns são tirados da tradição oral como A Princesa e a Ervilha ou O Companheiro de Viagem.

A partir de 1843, escreve contos que ele mesmo inventa como A Pastora e o Limpador de Chaminés, O Soldadinho de Chumbo e O Pinheirinho.

Os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que viveram entre 1785 e 2859 foram filósofos e folcloristas. Recolhendo da memória popular as antigas narrativas, lendas ou contos, conservados pela tradição oral, tinham como objetivo o levantamento lingüístico para fundamentação dos estudos da língua alemã e a fixação dos textos de seu folclore literário, no entanto, seu trabalho resultou numa das obras primas da literatura infantil: Os Contos de Grimm, trrazendo uma nova preocupação com as crianças.

Pinóchio, escrita em 1881 por Collodi; As Aventura de Alice no País das Maravilhas e Do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carrol’s; Peter Pan, de James Barrie e O Mágico de Oz, de L.Frank Baum, entre outras histórias, embora não sejam considerados contos de fadas e sim contos modernos, são histórias infantis que trazem ainda toda a sabedoria e simbologia dos contos de fadas.

Durante muitos anos, os contos de fadas e outras histórias infantis estiveram presentes nas horas que antecediam o sono das crianças de milhares de famílias. De uma certa forma e ainda que inconscientemente nossos pais e avós nos permitiam fantasiar e simbolizar, dando asas à imaginação, algumas questões que precisavam ser elaboradas.

A cada história, podemos traçar novos caminhos, novas articulações e novos significantes de acordo com as necessidades.

Encontramos nas histórias infantis, "disfarçados" em personagens ou no enredo, as instâncias psíquicas, as pulsões, a questão simbiótica da relação mãe-criança, a vivência das questões edípicas e da angústia da castração.

Vivemos e convivemos com a ambigüidade das figuras materna e paterna; a mãe boa, a mãe suficiente e necessariamente má, o pai omisso, o idealizado, o real, o fantasiado, o terrível. Convivemos também com a rivalidade fraterna, com o ciúme, com o irmão que passa, por transferência, a perseguidor. Voltamos à cena primária, aos desejos de justiça e aos castigos merecidos.

Como alguns dos principais elementos simbólicos dos sonhos e contos temos as fadas, que pronunciam votos positivos no nascimento do herói, que ajudam no parto e dão sobretudo, bons conselhos, têm o papel de uma madrinha que deve proteger a criança dos perigos. As mãs têm poderes maléficos e se opõem à iniciação. A fada é o depositário dos segredos dos ritos de iniciação e também podem ser identificadas como o superego ou o anjo da guarda.

Os ogros e gigantes, representam a luta imaginária do homem contra as forças obscuras e irracionais que o contrariam em busca do absoluto.

O espelho mágico, presente em tantas histórias como Branca de Neve e os Sete Anões e A Bela e a Fera, reflete a verdade, seja ela boa ou ruim; reflete o que ser acha no coração dos homens. É o símbolo do simbolismo.

Nas histórias, o herói torna-se digno depois de Ter passado pelas provas e a iniciação é equivalente ao encontro do amor. Isso significa a passagem do homem de sua imaturidade inicial à sua maturidade no final do conto. Para passar da imaturidade à maturidade, o Complexo de Édipo deve ser resolvido e proporciona uma sexualidade normal.

Se partirmos do princípio proposto por Freud de que somos todos neuróticos, não são apenas as crianças que têm a possibilidade de elaborar suas questões inconscientes com os contos de fadas.

O que são telenovelas afinal, senão contos de fadas atuais? As histórias se repetem. Encontramos nas telenovelas os rituais de partida, de desligamento da casa dos pais à procura da verdadeira identidade e desenvolvimento; os rituais de chegada, já amadurecidos e quase sempre com uma nova família nuclear; a menina pobre que tem como prêmio por sua bondade o casamento com alguém que lhe dê tudo aquilo de que foi privada em sua infância; o "príncipe" que salva a "princesa" das maldições das bruxas (representadas pelos personagens maus) e como nos contos de fadas, as telenovelas fazem sucesso a medida que apresentam um final feliz e um castigo para os maus.

Os adultos também fantasiam e assim como as crianças, transferem aos personagens seus desejos e suas angústias. Transportam-se não para o livro, mas para a tela da TV, na tentativa de, por meio da simbolização, elaborar os conflitos cotidianos. Vivem cada momento da novela, choram com a moça que perde seu filho, não pela moça, mas por todas as lembranças suscitadas de todas as perdas pelas quais já passaram e entram num verdadeiro processo catártico. Finda a novela, voltam à sua vida normal, já aliviados, pois o bem venceu o mal e existe a esperança de que apesar das dificuldades encontradas no caminho, é possível vencer. É essa a mensagem dos contos de fadas, é isso que impulsiona o ser humano à vida.

O conto de fadas não expressa a realidade externa, mas a interna de modo simbólico, desenvolvendo-se a partir de nossas angústias e aspirações. Permite simbolizar o trabalho psicoafetivo de nosso inconsciente.

Segundo Bettelheim (1996) o conto de fadas é o espelho onde podemos nos reconhecer com problemas e propostas de soluções que só podem ser elaboradas na imaginação.

A moral dos contos de fadas é a que torna desejável o bem pela recompensa, sob a forma da posse do objeto da busca e pune o mal com o fracasso ou com a morte daqueles que se entregam à pulsão destruidora do id.

IV- De Lobo Mau à Príncipe Encantado: a figura paterna

Existem histórias em que vemos representadas prioritariamente as figuras paternas.

Em certo momento de A Bela e a Fera, nos deparamos com uma situação típica de nossas vidas: o momento em que o pai a deixa sozinha – o pai terrível – exercendo a função paterna de quebrar o vínculo, permitindo assim o contato com a Fera – o pai idealizado. No entanto, antes que ela o encontre, é o pai quem faz o primeiro contato com a Fera, com seu lado inconsciente que deseja devorá-la. Podemos supor que ele primeiro se conhece, chega a seu inconsciente, para depois permitir que ela o salve, ocupando seu lugar como prisioneiro da Fera. Nesse momento há uma troca e ela perde o pai, porém, é necessário torná-lo "dócil e educado", sublimar seus desejos inconscientes e substituí-lo pelo príncipe encantado. A criança pode então, crescer pois transformou o modelo e encontrou sua sexualidade à medida que essa sexualidade se estrutura em torno de uma falta.

Em A Bela Adormecida, o ferimento do dedo com um fuso nos reporta à fase fálica, no entanto, é necessário haver a sublimação e para isso vem o sono, representando o período de latência. Esse mesmo período de talência é também observado em Branca de Neve nas três vezes em que se deixa levar pelos encantos do prazer, cedendo às tentações da madastra malvada e desmaia. Ambas, ao acordarem, encontram seus príncipes, representando assim a entrada da adolescência e a possibilidade que a mulher tem de assumir sua sexualidade.

Ainda em relação a questão da sexualidade, a estrutura freudiana do Complexo de Castração nos permite perceber a função da falta na constituição sexual do sujeito.

Encontramos nesses dois contos a simbologia da função paterna - a quebra do vínculo: o pai de A Bela Adormecida retira a filha de casa, deixando-a aos cuidados de três camponesas; o pai de Branca de Neve, representado pela figura do caçador, poupa sua vida mas abandona a menina na floresta, para que ela possa lidar com suas questões inconscientes.

A história se repete em João e Maria onde, embora o pai nos pareça omisso, ao permitir que a madastra os abandone na floresta, na verdade está exercendo sua função, permitindo assum o desenvolvimento das crianças.

Podemos dizer que esse pai que obriga as crianças a crescer, pode ser encontrado no Lobo Mau de Os Três Porquinhos, pois, o medo de serem devorados, a necessidade de lidarem com a perda de suas casas, não suficientemente seguras, leva os porquinhos a construirem uma casa mais sólida onde se encontrem seguros do perigo da castração.

A observação de Freud (1956) sobre fobias infantis, nos mostra que o animal temido simboliza o pai.

O Lobo Mau de Chapeuzinho Vermelho, mostra a menina que sair do caminho pode colocar em risco sua vida. Remete à questão edípica onde surge o desejo da filha de ser seduzida pelo pai. Para isso é preciso que a mãe-avó, seja eliminada, deixando o caminho livre para que seus desejos inconscientes tornem-se concretos, redime-se da culpa, sendo também castigada e comida pelo lobo.

Quando finalmente é salva pelo Caçador - o pai protetor - sai da escuridão do ventre do lobo para o amadurecimento. Percebemos que a figura paterna surge mais uma vez como modelo. É esse o pai que deve ser procurado quando sua sexualidade estiver instalada.

Vemos também a figura paterna surgindo como rival em Peter Pan, que encontra-se em luta constante com o Capitão Gancho - o pai temido. Temos aqui o gancho representando o perigo da castração. No entanto, provoca o crescimento de Peter Pan que a todo momento é desafiado a "agir como homem" e lutar para sobreviver.

Como inserção da terceira pessoa do triângulo edípico, na função de quebrar o vínculo materno, encontramos o pai de Wendy que separa a ama-seca - a cachorra Naná - das crianças, alegando que já podem ficar sozinhos.

A função paterna tem relevante importância, tanto no processo de desenvolvimento emocional quanto no processo de aprendizagem: a necessidade de um corte na relação mãe-criança. O sujeito que não tem elaboradas as questões da castração, não consegue lidar com a falta e como consequência temos as dificuldades de aprendizagem relacionadas à escrita, apresentando como sintomas, a dificuldade na segmentação, na separação de sílabas e também na subtração e divisão.

V - De fada madrinha à madrasta malvada: a ambigüidade da figura materna.

Fantasiar é próprio do ser humano e a fantasia nos permite viajar pelo inconsciente sem repressões, sem angústias. É mais fácil para a criança delirar de prazer com a morte da bruxa de João e Maria ardendo no fogo, com a madrasta de Branca de Neve sendo obrigada a dançar com os chinelos em brasa do que admitir seus desejos de vingança para com a rival representada pela mãe, pois teria seus desejos de vingança para com a rival representada pela mãe, pois teria sentimentos de culpa, se esses castigos fossem reais.

Sejam como fadas, mães, madrastas, bruxas ou avós, a figura materna sempre está presente nas histórias infantis.

De início, representam aquela que alimenta, acolhe, dá carinho, o seio bom. Depois, como se faz necessário ao desenvolvimento da criança, tornam-se suficientemente más deixando seus filhos abandonados na floresta, como assim o fez a madrasta de João e Maria, perseguindo e demonstrando a rivalidade como a madrasta de Branca de Neve ou trazendo à tona a inserção de outros filhos e a conseqüente rivalidade fraterna como deixa claro a madrasta de Cinderela.

Ciderela ou A Gata Borralheira , embora tenha perdido a mãe quando pequena, tem seus desejos realizados pela aveleira plantada onde havia sido enterrada sua mãe, A Bela Adormecida, apesar de ter sido fadada, para se proteger da maldição da bruxa, a viver até os 16 anos longe de sua mãe, é confiada à três fadas que passam a exercer a função materna.

A mãe e avó de Chapeuzinho Vermelho, representam a mesma pessoa, do mesmo modo que as duas casas representam o mesmo lugar, o que muda é a maneira como a menina os percebe. A mãe está disposta a quebrar o vínculo com a criança, pede que ela se dirija à casa da avó, no entanto, no papel de ego da menina, que ainda não está instalado, não se esquece de recomendar o devido cuidado com a floresta - o inconsciente - e com o princípio do prazer, representado pelo Id, na figura do Lobo Mau.

Sabemos da importância da figura materna na fase do espelho, na história do corpo erógeno, onde a criança deverá estruturar seu ego e na conseqüente formação da identidade.

Em muitas histórias, a figura da mãe não aparece claramente, no entanto, ao averiguarmos o aspecto simbólico podemos encontrar essa mãe, representada por outros personagens e até por árvores, como por exemplo a aveleira em Cinderela pois o que importa é a função materna.

Peter Pan encontra-se buscando sua identidade, ao procurar sua sombra na casa de Wendy, embora não queira crescer. O crescimento é o principal ponto da história. Peter Pan vive numa terra encantada juntamente com outros meninos "perdidos", isto é, sem mãe, onde o tempo não passa e as fantasias são reais.

A ausência da mãe de Peter Pan na história faz com que ele não tenha um referencial para a estruturação de seu ego, vivendo então apenas no princípio do prazer e no narcisismo primário.

Nesse caso, o significado adquire um novo significante de modo que "o processo psíquico que produz um sintoma contém um operador do tipo do significante também no processo de produção do sintoma mais grave" (Masotta, 1987: 59) O sintoma apresenta-se sob a forma do "não querer crescer".

Peter Pan entra na casa de Wendy e não podemos esquecer que a casa como simbologia, representa o útero materno, em busca de sua sombra, sua identidade, provavelmente, também em busca do conhecimento. Por viver apenas do princípio do prazer não tem contato com o saber. Não sabe como "colar a sua sombra". Esse fato é facilmente observável em crianças que apresentam dificuldades na aprendizagem por não terem ainda se desvinculado da figura materna, apresentando sintomas de "não aprenderem". Ao convidar Wendy para seguir com ele para a terra da Fantasia, busca uma substituta para a mãe. Transfere assim seus desejos edípico e vive bem com a menina enquanto ela assume essa posição.

A história dos Três Porquinhos também começa com a mãe encaminhando-os para avida, tirando-lhes da casa materna para que construam as suas próprias.

Branca de Neve e os Sete Anões inicia-se com a mãe boa, mas ao 7 anos, fase da vida onde o amadurecimento ocorre pela sublimação com a substituição do pai como objeto de desejo para o conhecimento, surge a maldade da madastra e a rivalidade entre mãe e filha para serem elaboradas.

Assim como Peter Pan, Alice de Alice no País das Maravilhas também não tem mãe, apenas uma irmã que exerce a função materna e por conta disso, Alice vai atrás do conhecer, do descobrir-se, do saber-se. Vai em busca de sua identidade.

Outro personagem que nos aparece sem mãe é O Patinho Feio, que luta buscando saber quem é, sua origem, sua verdadeira família. Ac aba sendo encontrado e adotado por uma família de cisnes, encontrando assim sua verdadeira identidade.

Peter Pan, Alice no País das Maravilhas, O Patinho Feio e O Mágico de Oz são histórias que permite, por conta de seus enredos, a elaboração dos conflitos vividos por pessoas adotadas ou que não conheceram seus pais, pois mostram que é possível sermos amados por outras pessoas e encontrarmos nosso lugar.

VI - Édipo e castração: a possibilidade de perder para crescer

As histórias infantis são ricas em simbolismos: o número três, representado a triangulação aparece em praticamente todas elas; em Branca de Neve a madrasta malvada visita a casa dos 7 anões três vezes, em A Bela Adormecida temos as três fadas que lhe presenteiam com dons e transformam-se em camponesas para cuidar dela; para voltar para casa, Dorotu de O Mágico de Oz, bate os calcanhares três vezes, Chapeuzinho Vermelho reconhece de longe a casa da avó, pelos três carvalhos que existem ao lado, Os Três Porquinhos constróem três casas, mas de todas as histórias, as de todas as histórias Cachinhos Dourados e os Três Ursos é a que, a meu ver, melhor retrata a questão edípica.

Começamos com a criança chegando a casa dos três ursos e espiando pela fechadura. Provavelmente, procurando segredos, revendo a cena primária. Toda criança sente curiosidade de observar seus pais através da fechadura, nem tanto pela vizualização da cena primária quanto pela curiosidade em saber o que os pais fazem na sua ausência. Ao entrar encontra três pratos com mingau e experimenta primeiro o do pai, depois o da mãe e a seguir o da criança, sendo este o único que lhe agrada. Depois vai para as cadeiras e novamente experimenta primeiro a do pai, depois a da mãe e só então a da criança lhe serve, porém, ao sentar-se a cadeira se quebra, denotando nesse momento que ela já está em processo de cresimento. Por fim dirige-se às camadas e novamente experimenta primeiro a do pai.

Esse conflito é bastante comum nas crianças em fase edípica, onde, especificamente as meninas fazem a troca do objeto de desejo: a mãe pelo pai. Daí experimentar em primeiro lugar sempre as coisas do pai, no entanto, percebem que os modelos do pai e da mãe não se lhe servem mais, apenas o da criança e percebe que é preciso procurar um novo modelo, buscar sua identidade.

Branca de N eve também parte em busca de seu desenvolvimento impulsionada pela questão edípica. A madastra sente ciúme da beleza da menina ou melhor, a menina sente ciúme da mãe e transfere para ela seus desejos de vê-la morta.

Temos a triangulação em Chapeuzinho Vermelho, representada pela menina, o lobo e a mãe; em Cinderela com a menina, a madastra e o pai.

Quando em Peter Pan as crianças decidem retornar e no regresso Wendy conta ao pai suas aventuras e diz que "já pode Crescer" é um sinal de que já elaborou sua questão edípica e a angústia da castração no período em que se afastou da casa dos pais. O final da história nos mostra a visão, pelos pais das crianças, do navio no céu e a constatação de que algum dia já conhecerem esse navio, demonstrando que as fantasias inconscientes são próprias de todos os seres humanos.

No final da história de Pinochio, é retratada a perda e sobretudo, que é preciso perder para ter. Pinochio decide então encontrar seu pai, necessitando para isso de coragem e valentia. A perda leva ao crescimento e enfim Pinochio pode tornar-se um menino de verdade, pode crescer e tomar posse do saber.

VII - As instâncias psíquicas

Na história dos Três Porquinhos, fica bastante clara a representação do Id, o porquinho que preocupa-se apenas com os prazeres do brincar, o Ego que já percebe que é necessário constuir uma casa mais firma e o Superego que fortalece a casa a ponto do lobo não conseguir derrubá-la.

Notamos também a seqüência do desenvolvimento, pois é o irmão mais velho, aquele que detém melhor o saber, mostrando que o conhecimento se constrói com o desenvolvimento e o amadurecimento.

Branca de Neve é submetida às tentações do Id, preocupada apenas com o prazer, embora tenha repentes de consciência, com o Ego lhe alertando e trazendo a noção de realidade, porém, insuficiente para que Branca de Neve perceba o real perigo que corre. É necessária a presença do Superego - os anões - para imporem regras e limitem. Aceitam a presença de Branca de Neve em sua casa desde que ela siga determinadas normas de conduta: lavar pratos, cuidar da roupa, fazer comida, enfim, normas que implicam no crescimento.

Pinochio, a fim de atingir seu objetivo de tornar-se um menino de verdade, tem a necessidade de uma consciência, de algo que lhe mostre o caminho certo, o guardião do conhecimento do bem e do mal e conselheiro nos momentos de tentação. A fada nomeia então o Grilo Falante como consciência de Pinochio, fazendo o papel de superego.

Na versão de Walt Disney, o grilo canta uma canção de Aloisio de Oliveira, com um interessante ensinamento sobre a aprendizagem:

Se você não sabe e quer assobiar.

É bom que experimente, tente um assobio.

Quando as coisas boas ameaçam acabar.

É bom que você experimente, tente um assobio.

Tente mais uma vez, sopre com fervor.

É bom que experimente, tente um assobio.

E as coisas vão por certo melhorar.

Para aprender é necessário ser persistente, ter prazer no que se faz e sobretudo, ousar experimentar.

Após essa introdução à necessidade de aprendizagem, Pinochio é encaminhado por Gepetto à escola. Porém, em virtude de não Ter ainda estruturado convenientemente suas instâncias psíquicas, é levado por uma raposa ao caminho mais fácil: o sucesso pelo prazer e Pinochio cede então aos impulsos do Id. A consciência procura "acordar" Pinochio, advertindo-o dos perigos das tentações, da mesma forma que os anões de Branca de Neve por tantas vezes lhe avisaram. O grilo impõe a Pinochio limites e regras: entre elas, o ir para a escola, mas o boneco não lhe dá ouvidos e é trancado numa gaiola. Desesperado, procura então por sua consciência e percebe que errou. Sente saudade do pai e como tem bons pensamentos a fada retorna.

Mas Pinochio começa a mentir e cada vez que mente seu nariz cresce. Quando promete ser bom novamente e não mais mentir seu nariz volta ao normal e pode fugir da gaiola.

Decide-se voltar para casa, mas mais uma vez, em seu caminho, surge a raposa, convidando-o a uma ilha dos prazeres, onde existe comida e bebida à vontade, onde não há regras, onde tudo é permitido. Essa ilha, provavelmente representa a volta ao paraíso, no entanto, não é mais possível esse retorno pois Pinochio já passou dessa fase e precisa crescer. Nesse lugar, novamente as portas são trancadas e as crianças transformadas em burros como castigo. Podemos dizer que as portas representam as regras e limites, a necessidade de retomar a realidade. Fica explicito à criança a questão do castigo por não cumprir regras. Mais uma vez, o superego age em Pinochio e o leva de volta para casa, mas o pai se foi. Ocorre a perda e conseqüentemente o amadurecimento.

VIII - O sonho e as fantasias inconscientes: sonhar para realizar

Se você não sabe bem,

O que vai acontecer

Essa estrela tudo poderá fazer...

E é só pedir e a estrela transformar

Em realidade, o que você sonhar"...

Aloisio de Oliveira

Resta às crianças, dormir e sonhar. Como nos vem dizer Freud (1900), no sonho o desejo se realiza, mas o faz disfarçando-se. O desejo de não crescer de Wendy se disfarça na figura de Peter Pan e de todos os meninos perdidos.

Algumas histórias infantis, ainda conservam como nas fábulas, uma moral. É o caso de Pinochio, que traz à criança a noção de que não deve mentir e para crescer é preciso conhecer o certo e o errado. Chapeuzinho Vermelho adverte sobre os perigos que existem quando se desviam do caminho correto.

Encontramos a simbologia dos sonhos e a realização de desejos em Gepeto que, após construir um boneco de madeira, antes de dormir deseja que Pinochio seja um menino de verdade. Pede então à estrela dos desejos, representante das fadas, e como prêmio a sua bondade, tem seu desejo parcialmente realizado. Como objeto desejado, é preciso também que Pinochio faça a sua parte, a fada lhe dá a vida, mas cabe a ele transformar-se num menino de verdade.

A realização das fantasias inconscientes é encontrada também em O Mágico de Oz, conto de L. Frank Baum, rico em simbologias.

A história ocorre numa fazenda em Kansas, onde vive uma menina, Doroty, na companhia de seus tios e um cachorrinho. Irriquieta, é constantemente chamada à atenção. Além do cachorro sempre perseguido pela vizinha, tem três amigos. Um deles lhe diz para usar a cabeça, pois falta-lhe cérebro; outro diz que deve Ter coragem para enfrentar a vizinha e proteger seu cão e o terceiro zomba da menina quando ela cai num chiqueiro.

Triste, após Ter sido convidada pelos tios a ficar num lugar onde não atrapalhe, sonha com um mundo onde não existam problemas.

Saindo em busca de solução, encontra um mágico que lê o futuro na bola de cristal e exercendo a função de ego, diz à menina que deve voltar para casa pois alguém que a ama chora por ela.

Doroty tenta voltar, mas é sugada por um ciclone até o mundo de Oz. Podemos supor que o ciclone represente o turbilhão do sonho que se inicia e o contato com o inconsciente.

A Terra de Oz é um mundo encantando com fadas boas e más. As fadas boas surgem nos momentos de perigo, enquanto as más, colocam a menina Doroty em situações que a impulsionam a lidar com seus medos.

Nas interpretações que fez dos sonhos, Freud (1900) nos ensina que a sensação de realidade do sonho traz um significado particular no sentido de nos certificar que uma parte do material latente do sonho possui a qualidade de realidade, pois relaciona-se com uma ocorrência que teve lugar e não foi apenas imaginada.

No sonho, Doroty encontra-se com um espantalho que procura um cérebro; um homem de lata, que procura um coração e um leão que procura a coragem que não tem. Três características que se relacionam com as falas de seus amigos e que a criança procura na verdade, em si mesma.

Partem então ao encontro do Mágico de Oz para verem seus desejos realizados. Durante as aventuras, os quatro são submetidos a provas que lhes despertarão esses sentimentos.

Ao encontrar o mágico, este lhes ensina que todos tem o que procuram, precisam apenas de "coisas que certifiquem" e arrisco a dizer: que as simbolizem. Fornece então ao espantalho um diploma pois supõe-se que aqueles que o têm são pessoas que usam a cabeça, o cérebro; ao leão dá uma medalha de bravura e ao homem de lata, um coração numa corrente dizendo que "um coração não é julgado por quanto você ama, mas quanto quanto é amado".

Resta Doroty e novamente surge a Fada, representando a mãe e a primeira ensinante, dizendo-lhe que é possível voltar quando quiser, quando aprender por si mesma.

Voltamos então à questão da perda como propulsora do saber. Foi necessário o afastamento, o dar-se tempo pelo sonho, para que Doroty amadurecesse e concluísse: Se um dia eu for procurar pelo que meu coração perdeu, não vou procurar além do meu próprio quintal, pois se não estiver por lá, é porque nunca perdi realmente". Não perdemos aquilo que não temos.

A história termina com a menina acordando ao lado dos tios, reconhecendo nos amigos as figuras do espantalho, do leão, do homem de lata e com suas questões elaboradas conclui que " Não há lugar como a nossa casa".

IX - Considerações finais

No atendimento psicopedagógico encontramos crianças e também adultos com diferentes sintomas. O reconhecimento desses sintomas depende do olhar e da escuta psicopedagógicos, no sentido de buscar nas entrelinhas, nos atos falhos, nas projeções que o paciente faz, as possíveis causas dos distúrbios de aprendizagem.

Não seria a criança que suprime letras a mesma que em casa "engole" certas situações que afetam o seu emocional? Aquela que se encanta com a história do Patinho Feio não é a mesma que sente-se rejeitada em sua realidade? Não me refiro à realidade que circunda a vida dessa criança, mas à sua realidade, à maneira como sente.

As fantasias inconscientes nos levam a simbolizar de diferentes maneiras, situações diversas.

O aprendizado ocorre quando sublimamos, quando transferimos um objeto de desejo para outro, no caso, o conhecimento e isso ocorre quando o indivíduo pode libertar-se da autoridade dos pais, o que sem dúvida, constitui um dos atos mais necessários, embora também dos mais dolorosos, ao seu desenvolvimento.

Libertar-se da autoridade dos pais implica quebra da relação simbiótica com a mãe, elaboração das questões edípicas e angústia da castração.

Os contos de fadas, as histórias infantis, devido a sua estrutura simbólica implícita nos enredos e personagens que atuam no nível inconsciente no desenvolvimento da história, desempenham um papel fundamental para a conduta o humana, que o sujeito, seja ele criança ou adulto, dedica-se a elaborar no decorrer de seu desenvolvimento.

Esclarecem inconscientemente os processos e conflitos internos que o sujeito vivencia de forma simbólica e impessoal, para que tenha a oportunidade de visualizar seus conflitos como um observador, auxiliando dessa forma, nas resoluções e promovendo o amadurecimento emocional e cognitivo.

Procurei neste artigo, articular a simbologia dos contos com as questões inconscientes que necessitam estar elaboradas para que ocorra um equilíbrio entre o emocional e o cognitivo, utilizando apenas alguns exemplos de contos e histórias entre tantos que existem na literatura.

A escolha de O Mágico de Oz, como última história a ser analisada, deve-se ao fato de que essa história é para mim um símbolo da minha infância e também um símbolo de conquista.

Sabemos que é desejo de todo ser humano a volta ao útero materno, como símbolo do paraíso e a história se encerra com esse ensinamento: " Não há lugar como a nossa casa".



Para fazer o download clique aqui.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Trad. Arlete Caetano, 11ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.

BARRIE, James. Peter Pan - O Livro. Trad. Ana Maria Machado, São Paulo, Quinteto Editorial, 1992.

CARUSO, Igor. A simbiose e Édipo como preformação das relações humanas. Revista Brasileira de Psicanálise, V. XXXI, 1997.

CHEVALIER, Jean e GHERBERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva (et all), 10ª ed., São Paulo, José Olumpio, 1996.

FREUD, Sigmund. O sonho e a cena primária. (1917-1919). Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998. V.XVII

_______________, Romances Familiares, (1909) Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998. V. IX

_______________, O Ego, O Id e Outros Trabalhos (1923-1925) Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998. V. XIX.

_______________, A ocorrência em sonhos de material oriundo dos contos de fadas (1913) Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998. V. XII

_______________, A interpretação dos sonhos (primeira parte) (1900) Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998 V. IX

_______________, Inibições, Sintomas e Angústia ( 1939) Ed. Eletrônica Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago/Z.Movie, 1998.

GILLIG, Jean-Marie. O conto na psicopedagogia. Trad. Vanise Dresch, Porto Alegre, Artes Médicas, 1999.

GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos de fadas - Obras completas. Trad. David Jardim Junior, Rio de Janeiro, Villa Rica, 1994.

LACAN, Jacques. Os complexos familiares. Trad. Marco Antonio Coutinho Jorge e Potiguara Mendes da Silveira Junior, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

MASOTTA, Oscar. " O Comprovante da Falta" - Lições de introdução à psicanálise. Trad. Maria Aparecida Balduíno Cintra, 1ª ed., Campinas, Papirus, 1987.

RAPPAPORT, Clara R. Psicanálise - Introdução à praxis Freud e Lacan, São Paulo, EPU, 1992.

WARNER, Maria - Da fera à loira - sobre os contos de fadas e seus narradores. Trad. Thelma Médici Nóbrega, São Paulo, Companhia das Letras, 1999.

Publicado em 01/01/2000


Taís Aparecida Costa Lima - Psicopedagoga Clínica, mestranda em psicopedagogia pelo UNIFIEO, professora e supervisora de estágio do curso de Pós-Graduação lato-sensu em psicopedagogia clínica pela UNISA - Universidade de Santo Amaro

Fonte: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=266

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Mobbing, o assédio moral.


Assédio moral

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Em inglês, “to mob” significa “agredir”. Na prática, podemos traduzir isso com duas palavras: vergonhosa intimidação. Uma verdadeira praga social, comparável – pela gravidade e vastidão – ao fenômeno da usura. É um verdadeiro fenômeno de delinqüência massiva, com três componentes: a vítima (o “mobizado”), o carnífice(s) (Mobbers) e os cúmplices (os colegas, a representação sindical...)

Assédio moral é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

São mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e anti-éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.

Por ser algo privado, a vítima precisa efetuar esforços dobrados para conseguir provar na justiça o que sofreu, mas é possível conseguir provas técnicas obtidas de documentos (atas de reunião, fichas de acompanhamento de desempenho, etc), além de testemunhas idôneas para falar sobre o assédio moral cometido.



Fases

Primera fase

É algo normal que nas empresas surjam conflitos devido à diferença de interesses. Devido a isto surgem problemas que podem solucionar-se de forma positiva através do diálogo ou que, pelo contrário, constituam o início de um problema mais profundo, dando-se isto na seguinte fase.

Segunda fase

Na segunda fase de assédio ou fase de estigmatização, o agressor põe em prática toda estratégia de humilhação de sua vítima, utilizando uma série de comportamentos perversos cuja finalidade é ridicularizar e isolar socialmente a vítima.

Nesta fase, a vítima não é capaz de crer no que está passando e é frequente que negue a evidência ante o resto do grupo a que pertence.

Terceira fase

Esta é a fase de intervenção da empresa, onde o que em princípio gera um conflito transcende à direção da empresa.

Solução positiva: Quando a direção da empresa realiza uma investigação exaustiva do conflito e se decide trocar o trabalhador ou o agressor de posto e se articulam mecanismos necessários para que não voltem a produzir o conflito.

Solução negativa: Que a direção veja o trabalhador como o problema a combater, reparando em suas características pessoais distorcidas e manipuladas, tornando-se cúmplice do conflito.

Quarta fase

A quarta fase é chamada a fase de marginação ou exclusão da vida laboral, e pode desembocar no abandono do trabalho por parte da vítima. Em casos mais extremos os trabalhadores acuados podem chegar ao suicídio.

Partes implicadas

O agressor

Olhando externamente é difícil identificar o agressor pois a imagem que projeta de si mesmo é sempre bastante positiva.

Geralmente os agressores (ou "assediadores") não centram suas forças em pessoas serviçais e/ou naqueles que são considerados partes do "grupo" de amigos. O que desencadeia sua agressividade e sua conduta é um receio pelos êxitos e méritos dos demais. Um sentimento de irritação rancorosa, que se desencadeia através da felicidade e vantagens que o outro possa ter.

O agressor tem claras suas limitações, deficiências e incompetência profissional, sendo consciente do perigo constante a que está submetido em sua carreira. É o conhecimento de sua própria realidade o que os leva a destroçar carreiras de outras pessoas. Pode-se somar o medo de perder determinados privilégios, e esta ambição empurra a eliminar drasticamente qualquer obstáculo que se interponha em seu caminho.

Ao falar de agressor tem que fazer uma distinção entre aqueles que colaboram com o comportamento agressivo de forma passiva e os que praticam a agressão de forma direta. É comum colegas de trabalho se aliarem ao agressor ou se calar diante dos fatos. Em geral, aquele que pratica o assédio moral tem o desejo de humilhar o outro ou de ter prazer em sentir a sensação de poder sobre os demais integrantes do grupo. Chegam a conceder concessões a possíveis adeptos para que se juntem ao grupo, fortalecendo o assédio moral ao profissional isolado. Alguns se unem porque igualmente gostam de abuso de poder e de humilhar, outros se unem por covardia e medo de perderem o emprego e outros por ambição e por competição aproveitam a situação para humilhar mais ainda a vítima.

Em geral, os assediadores provocam ações humilhantes ao profissional ou o cumprimento de tarefas absurdas e impossíveis de realizar, para gerar a ridicularização pública no ambiente de trabalho e a humilhação do assediado.

Outra estratégia utilizada pelos assediadores é denegrir a imagem do profissional com humilhações e restrições genéricas, em sua totalidade parciais e mentirosas. E para conseguir adeptos e ganhar força com a perseguição moral que perpetram, utilizam-se de armas psicológicas para angariar aliados, mesmo aqueles considerados inocentes úteis.

Na maioria dos casos, buscam forçar o profissional atingido a desistir do emprego.

Aquele que faz o assédio moral pode ter desejo de abuso de poder para se sentir mais forte do que realmente é, ou de humilhar a vítima com exigências absurdas. Alguns inclusive são sádicos e provocam outras violências além da moral.

Características próprias de pessoas narcisistas:

  • Idéia grandiosa de sua própria importância.
  • Fantasias ilimitadas de êxito e poder.
  • Necessidade excessiva de ser admirado.
  • Atitudes e comportamentos arrogantes.

É importante ressaltar que alguns chefes se tornam agressores a trabalhadores por serem constantemente pressionados pelas empresas para se cumprir determinadas metas. Neste caso, o problema de assédio moral é um problema estrutural da empresa.

A vítima

Não existe um perfil psicológico determinado que predisponha a uma pessoa a ser vítima de assédio moral, qualquer um pode ser objeto deste acaso.

Aos olhos do agressor, a vítima é uma pessoa inconformista, que graças a sua preparação ou sua inteligência questiona sistematicamente os métodos e fórmulas de organização do trabalho que lhe vem imposto.

Embora não haja um perfil psicológico, há casos de assédios contra trabalhadores com alto salários que são ameaçados de substituição por outros com menores salários e trabalhadores que são representantes de sindicatos e associações.

Assédio moral no Brasil

No Brasil não há uma lei específica para assédio moral mas esta pode ser julgado por condutas previstas no artigo 483 da CLT.

Há alguns Estados, como Pernambuco que já publicaram lei específica tratando sobre o tema, inclusive foi a primeira lei a ser regulamentada em todo Brasil.

A lei estadual Nº 13.314, DE 15 DE OUTUBRO DE 2007, http://legis.alepe.pe.gov.br/legis_inferior_norma.aspx?nl=LE13314, de autoria do Deputado Isaltino Nascimento, foi regulamentada pelo governador Eduardo Campos através do Nº 30.948, DE 26 DE OUTUBRO DE 2007, http://legis.alepe.pe.gov.br/legis_inferior_norma.aspx?nl=DE30948.

Ficaram de fora os Servidores Militares, cuja categoria é considerada uma das mais assediadas do paÍs, no entanto podem invocar o Princípio da Isonomia, consagrado na Constituição Federal de 1988.

Vários projetos já foram aprovados em cidades como São Paulo, Natal, Guarulhos, Iracemápolis, Bauru, Jaboticabal, Cascavel, Sidrolândia, Reserva do Iguaçu, Guararema, Campinas, entre outros. O Estado do Rio de Janeiro desde maio de 2002 condena esta prática.


Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ass%C3%A9dio_moral
http://www.stopmobbing.it/O%20QU%20E%20O%20MOBBING.htm

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