quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Teorias da Aprendizagem.


Teorias da Aprendizagem

Existe uma infinidade de tipos diferentes de aprendizagem. O que diferencia uma aprendizagem de outra diz respeito ao modo como cada uma se manifesta e ao próprio processo como cada uma é adquirida. Uma aprendizagem é sempre uma aquisição, embora as explicações para essa aquisição sejam variadas e muitas delas até contraditórias.

O fenômeno da aprendizagem é sempre algo concreto, e acontece mesmo que ninguém tenha interesse em explicá-lo. A aprendizagem existe independentemente das diversas teorias que procuram entendê-la quer descrevendo suas características, quer propondo elementos para que possa vir a ser repetida.

As teorias da aprendizagem são elaboradas devido à insistência de pesquisadores que, observando fatos reais de aprendizagens, levantam suas hipóteses e procuram sua verificação para, então, enunciarem uma teoria que contribua para o progresso científico. Cabe aqui a lembrança de que a função da ciência, de modo geral, consiste em facilitar e melhorar a vida do homem.

Na maioria das vezes, as teorias da aprendizagem são estudadas de maneira fragmentada, ou seja, trabalhando-se ora um autor, ora outro, e nunca todos juntos de forma a permitir comparações entre uma teoria e outra. Visando auxiliar em tarefas dessa natureza, este texto pretende justamente abordar num mesmo documento os principais autores que representam os dois grandes grupos teóricos relativos à aprendizagem: o das teorias comportamentais e o das teorias cognitivas.

Na medida do possível, foram evitados termos técnicos que assustariam qualquer leitor mesmo da área da educação. Não há necessidade de aprofundar estudos acerca de como ocorre ou deixa de ocorrer qualquer aprendizagem, mas conhecer ao menos superficialmente os fundamentos teóricos de cada linha ajuda bastante qualquer profissional que desenvolva processos de ensino e aprendizagem nos dias de hoje, sobretudo devido à exigência constante de se ter que improvisar e alterar planos a todo instante, a fim de poder acompanhar as mudanças.

Segue abaixo um resumo das características de cada teoria da aprendizagem, destacando os pontos considerados relevantes pelos pesquisadores responsáveis por cada enunciado:

Teorias Comportamentais

1. Pavlov, 2. Skinner, 3. Bandura.

Teorias Cognitivas

1. Gestalt, 2. Jean Piaget, 3. Jerome Bruner,

4. Lev Vygotsky, 5. Howard Gardner.

Teorias Comportamentais

1. Ivan Pavlov (1849-1936)

Médico nascido na Rússia central, foi o descobridor dos comportamentos que são reflexos condicionados. Publicou em 1903 os resultados de estudos realizados no campo da fisiologia, com cães de laboratório, provando que o chamado fenômeno “reflexo condicionado” podia ser adquirido por experiência. Esse processo passou a ser designado “condicionamento”.

Ao estudar os cães, descobriu casualmente que certos sinais provocavam a salivação e a secreção estomacal no animal, reação esta que só deveria ocorrer quando houvesse ingestão de alimento. Teorizou que o comportamento estava condicionado a esses sinais que habitualmente precediam a chegada do alimento, levando o cão a antecipar seus reflexos alimentares.

Experimentalmente, fazendo soar uma campainha anunciando o alimento, Pavlov constatou que, em pouco tempo, o cão respondia com salivação, ao ouvir esse som. A campainha, então, passou a ser um estímulo e a provocar o reflexo da salivação, mesmo sem a presença da comida. Ficou constatado, também, que não se podia enganar o cão por muito tempo, pois a falta de comida fazia com que os sinais (o som da campainha) perdessem seu efeito.

Tendo avançado a idéia de que o reflexo condicionado poderia exercer um papel importante no comportamento humano e na educação, a descoberta de Pavlov não tardou a tornar-se base para uma nova corrente psicológica, o behaviorismo, fundado por John Watson, em 1913. A partir de então, a aprendizagem foi entendida como uma resposta obtida por estímulos condicionados, diferentemente das respostas naturais que o indivíduo viesse a apresentar.

Porém, apesar da relativa facilidade com que a aquisição da aprendizagem ocorre pelo condicionamento respondente, isto é, a instalação da resposta condicionada modificando o comportamento natural do indivíduo, a retenção é fraca (lembremos que não se podia enganar o cão por muito tempo). Assim, ao planejar cursos, treinamentos e demais processos de ensino e aprendizagem, não esqueçamos de questionar devidamente quais os resultados desejados: de curto ou longo prazo?

2. B.F.Skinner (1904-1990)

Nascido em Susquehanna, no estado norte-americano da Pensilvânia, cursou Psicologia em Harvard, onde tomou contato com o behaviorismo. Paralelamente à produção de livros, por vários anos dedicou-se a experiências com ratos e pombos.

O método que desenvolveu para observar os animais de laboratório e suas reações aos estímulos, levou-o a criar pequenos ambientes fechados que ficaram conhecidos como “caixas de Skinner”, posteriormente adotadas pela indústria farmacêutica. Quando nasceu sua filha, Skinner criou um berço climatizado, o que originou um boato de que a teria submetido a experiências semelhantes às que realizava em laboratório.

O “condicionamento operante”, sendo considerado o conceito-chave do pensamento de Skinner, foi acrescentado à noção de “reflexo condicionado” de Pavlov, pois ambos os conceitos se encontram essencialmente ligados à fisiologia do organismo, seja animal ou humano. O reflexo condicionado é uma reação a um estímulo casual; o condicionamento operante é um mecanismo que “premia” uma determinada resposta de um indivíduo, até que ele se torne condicionado a associar a necessidade à ação.

Como exemplo, podemos citar o caso do rato faminto que, numa experiência, percebe que o acionar de uma alavanca levará ao recebimento de comida. Assim, a cada vez que quiser saciar sua fome, o rato tenderá a repetir o movimento de acionar a alavanca.

A diferença que existe entre o reflexo condicionado e o condicionamento operante se evidencia no fato de que o primeiro diz respeito a um estímulo puramente externo (campainha que alguém aciona); e o segundo, a um hábito gerado por uma ação do indivíduo (a alavanca é acionada pelo próprio animal). No comportamento respondente (de Pavlov), a um estímulo segue-se uma resposta. No comportamento operante (de Skinner), o ambiente é modificado, produzindo conseqüências que agem, de novo, sobre ele, alterando a probabilidade de ocorrência futura semelhante.

O condicionamento operante é um mecanismo de aprendizagem de novo comportamento – um processo que Skinner chamou de “modelagem”, cujo instrumento fundamental é o “reforço”, ou seja, a conseqüência de uma ação quando percebida por quem a pratica. Para o behaviorismo em geral, o reforço pode ser tanto positivo (uma recompensa), como negativo (ação que evita uma conseqüência indesejada). Segundo Skinner, “no condicionamento operante, um mecanismo é fortalecido no sentido de tornar uma resposta mais provável, ou melhor, mais freqüente”.

No campo da educação, os processos de aprendizagem que utilizam os princípios teóricos de condicionamento operante, levam o aprendiz a ter pouca participação, não necessitando de uma motivação própria, sendo sempre manipulado por alguém que seleciona reforços para conseguir alguma aprendizagem. O professor deve estar consciente de que trata-se de uma aprendizagem dependente de alguém que vai manipular a escolha e o fornecimento de reforços (prêmios).

3. Albert Bandura (1925...)

Psicólogo nascido numa pequena cidade do Canadá, desenvolveu estudos sobre a aquisição da aprendizagem, realizando experimentos a partir dos princípios do condicionamento operante (de Skinner). Observou que o reforço não precisa ser necessariamente oferecido ao sujeito que emitiu a resposta, isto é, um reforço recebido por um determinado aluno numa classe, por exemplo, pode ter um efeito sobre os demais que passarão a imitá-lo, com o objetivo de também receberem o mesmo reforço.

Reforços deste tipo são chamados de vicariantes, acontecendo sobre um indivíduo separadamente, mas tendo o poder de ação sobre todos os outros. Essa forma de condicionamento social consiste num dos tipos de aprendizagem que mais vem sendo seguido ao longo da história da humanidade.

Autores como Neal Miller y John Dollard (1941) demonstraram que a imitação é, em grande parte, resultado de uma conduta aprendida. Aprende-se a aprender imitando outros (modelos). Bandura popularizou a teoria da aprendizagem social, evidenciando que o processo não se restringe ao ambiente escolar, como também envolve a todas as vivências sociais, uma vez que somos moldados pelo nosso pensamento, regras sociais e por tudo que aprendemos dos nossos modelos.

A aprendizagem imitativa ou vicarial consiste num dos processos de aquisição da aprendizagem social, acontecendo em grupos mais homogêneos, principalmente em sala de aula. Porém, a retenção não é muito grande, uma vez que esse tipo de aprendizagem continua sob a dependência de reforços que sejam apresentados a um determinado aluno, ou a alguém que ele possa imitar.

A transferência também costuma ser reduzida, pelo fato de que a ampliação do comportamento adquirido fica limitado e restrito a outras situações vicariantes. Mais uma vez, caberá ao professor ou treinador, conforme o contexto ou situação, optar ou não por fazer uso de práticas pedagógicas restritas a condicionamentos vicariantes ou de outros tipos.

Teorias Cognitivas

1. Gestalt

Gestalt é o nome genérico que engloba as teorias cognitivas que resultaram, principalmente, das pesquisas de Wertheimer (1880-1943), Kofka (1896-1941), Köhler (1887-1947) e Kurt Lewin (1890-1947). Trata-se de um movimento visando buscar respostas científicas para as indagações sobre o processo de conhecimento e, ao mesmo tempo, oferecer uma reação às teorias de condicionamento, analisando os efeitos da percepção.

A percepção, então, constitui o conceito básico da Gestalt, correspondendo à capacidade por meio da qual o indivíduo estrutura a realidade, criando uma configuração. Nas leis da Gestalt que descrevem e explicam os fenômenos da percepção e do aparecimento da estrutura, é muito freqüente a expressão insight, indicando o momento em que a percepção acontece e o todo se estrutura.

Também devemos destacar o estabelecimento de uma figura e de um fundo na realidade percebida. Na medida em que uma percepção é personalizada e acontece de forma bastante peculiar, observamos que, no todo, serão destacados pontos diferentes para cada sujeito.

A aplicabilidade da Gestalt na educação torna-se importante, à medida que recusa-se o exercício mecânico no processo de aprendizagem. Apenas as situações que ocasionam experiências ricas e variadas levam o indivíduo ao amadurecimento e à emergência do insight. Segundo as explicações da Gestalt, os três elementos primordiais da aprendizagem são: aquisição, retenção e transferência.

1) Aquisição: Ocorre exatamente por meio do insight, possibilitando o aparecimento da totalidade organizada. O aluno aprende a partir da emergência de uma estrutura que organiza o caos anterior que impossibilita a aprendizagem. A aprendizagem se efetua somente na medida em que se estabelece no campo das relações estruturadas.

2) Retenção: É observada pela permanência das estruturas emergentes na memória do aluno e na sua reutilização. Contudo, limita-se à contingência das próprias estruturas a determinadas situações.

3) Transferência: Seria insignificante, caso considerássemos cada momento estruturado isoladamente. Conforme a Teoria do Traço, o isolamento das estruturas fica, em parte, atenuado. A ligação existente entre as estruturas se dá por meio de um resíduo proveniente de uma estrutura que permite a conexão com o momento seguinte em que outra estrutura deverá emergir. Daí a não possibilidade de se considerar cada momento isolado, uma vez que existe comunicação entre as diversas estruturas anteriormente percebidas e organizadas e as novas situações a serem agora percebidas e organizadas.

A aprendizagem por Gestalt pode ser exemplificada pela aprendizagem que um indivíduo faz do itinerário de sua casa à escola. “O sujeito não saberá dizer nem os nomes das ruas intermediárias, nem citar pontos do caminho, pois terá uma estrutura total que engloba o ponto de saída e o de chegada”.

2. Jean Piaget (1896-1980)

Biólogo nascido em Neuchâtel, Suiça, estudou o processo de construção do conhecimento e a evolução do pensamento até a adolescência, procurando entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Centrou seus estudos no pensamento lógico-matemático.

Até o início do século XX, a criança era tratada como um adulto em miniatura, isto é, como se pensasse e raciocinasse da mesma maneira que os adultos. A maior parte da sociedade acreditava que qualquer diferença entre os processos cognitivos entre crianças e adultos era sobretudo de grau, ou seja, os adultos eram superiores mentalmente, da mesma forma que eram fisicamente maiores, mas os processos cognitivos básicos seriam os mesmos ao longo da vida.

A partir da observação cuidadosa de seus próprios filhos e de outras crianças, Piaget concluiu que, em muitas questões cruciais, as crianças não pensam como os adultos, por lhes faltarem certas habilidades. Formulou a teoria do desenvolvimento cognitivo como uma teoria de etapas, já que os seres humanos passam por uma série de mudanças ordenadas e previsíveis.

Os pressupostos básicos da teoria de Piaget são: o interacionismo, a idéia de construtivismo seqüencial e os fatores que interferem no desenvolvimento. É a teoria que mais vem oferecendo contribuições em diferentes ambientes de ensino e aprendizagem nos dias de hoje, principalmente na educação de adultos.

A criança é concebida como um ser dinâmico que a todo momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Tal interação com o ambiente a leva a construir estruturas mentais e adquirir maneiras de fazê-las funcionar.

O eixo central da teoria de Piaget consiste, portanto, na interação organismo-meio, sendo que essa interação acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio, funções exercidas pelo organismo ao longo da vida, sendo denominadas “invariáveis funcionais”. A adaptação ocorre através da assimilação e acomodação. Os esquemas de assimilação vão se modificando, configurando os estágios de desenvolvimento.

As “variáveis funcionais” são representadas pelas estruturas, esquemas e conteúdos. Estruturas são sistemas organizados regidos por leis de conservação, transformação e auto-regulação. Surgem da construção realizada pelo próprio sujeito e vão se tornando cada vez mais complexas, num processo de majoração contínua.

Esquemas são unidades de conhecimento geralmente construídas numa fase primária, quando a criança ainda não opera e, portanto, não consegue construir estruturas lógicas.

Conteúdos são dados da realidade ou da imaginação que se tornam os elementos do conhecimento. Naturalmente, estão sempre mudando.

Segundo a teoria de Piaget, a aprendizagem ocorre por um processo contínuo de construção de estruturas, obedecendo a uma seqüência fixa que pode ser observada na progressão dos períodos cognitivos, os quais são delimitados pelas capacidades mais recentemente construídas, tornando-se cada vez mais complexos em relação aos outros. Os períodos cognitivos são:

1) Sensório-Motor (± 0 a 2 anos)

2) Pré-Operacional (2 a 7/8 anos)

a) Simbólico (2 a 4/5 anos)

b) Intuitivo (4/5 a 7/8 anos)

3) Operacional Concreto (7/8 a 13 anos)

4) Operacional Formal (13/14 anos em diante)

O processo de desenvolvimento é influenciado por fatores como a maturação (crescimento biológico dos órgãos), exercitação (funcionamento dos esquemas e órgãos, o que implica na formação de hábitos), aprendizagem social (aquisição de valores, linguagem, costumes e padrões culturais e sociais) e equilibração (processo de auto-regulação interna do organismo, que se constitui na busca sucessiva de reequilíbrio após cada desequilíbrio sofrido).

A teoria de Piaget, portanto, explica o conhecimento por meio da interação do sujeito com o meio ambiente físico e social, sendo a aprendizagem entendida como a própria adaptação obtida num processo de equilibração e desequilibração constantes. Na prática, trata-se de uma aprendizagem que o indivíduo busca segundo suas próprias capacidades que, por sua vez, são resultantes das estruturas já construídas.

As capacidades não são inatas, mas resultam da interação do sujeito com seu meio. Dessa forma, além da aprendizagem de conteúdos, o indivíduo também aprende a aprender.

Na aplicação da teoria à prática nos processos de ensino-aprendizagem, um dos pontos que necessita ser destacado refere-se à atuação do professor como agente desequilibrador, que proporciona condições para a existência da interação do sujeito. Dessa forma, em lugar de transmitir simplesmente um conhecimento, vai-se permitir que o aluno, em uma ação interiorizada (pensamento) ou em uma ação efetiva (de acordo com seu grau de desenvolvimento), compare, exclua, ordene, categorize, classifique, reformule, comprove, formule hipóteses etc.

A transferência de aprendizagem constitui um ponto alto na teoria de Piaget, pois a cada nova situação, o sujeito comparece munido de todas as suas aprendizagens anteriores. Ao contrário da linearidade que permitiria uma transferência ponto a ponto, apenas aproximando o novo ser aprendido de um elemento já existente, a cada nova aquisição, todas as estruturas e conteúdos já existentes se mobilizam no processo de equilibração.

Uma das implicações do pensamento piagetiano aplicado à aprendizagem diz respeito ao fato de que os conteúdos não são concebidos como fins em si mesmos, mas como instrumentos que servem ao desenvolvimento evolutivo natural. Cabe aqui um alerta aos leitores de textos para autodesenvolvimento de um modo geral, principalmente aqueles que apesar de a uma primeira vista alegarem estar utilizando um instrumento para crescimento pessoal, com freqüência apercebem-se estar trabalhando inutilmente apenas com foco no conteúdo.

3. Jerome Bruner (1915...)

Psicólogo nascido em New York, é um dos mais famosos discípulos de Piaget. Suas idéias são baseadas nos mesmos pressupostos da teoria piagetiana, mas com algumas variações e contribuições próprias, como a intuição e as categorias cognitivas.

Considera a intuição como uma capacidade fundamental de apreensão da realidade em todas as épocas da vida do sujeito, e não apenas um substituto do pensamento lógico, predominante no período anterior aos 7 anos. Segundo Bruner, a criança pode aprender qualquer coisa em qualquer momento, desde que esta coisa lhe seja apresentada de forma honesta.

As categorias cognitivas são grupos conceituais que aglutinam aprendizagens com elementos em comum e que permanentemente encontram-se à disposição para que novas aprendizagens venham a ser incorporadas. Assim, podemos entender a aprendizagem como sendo a categorização de algo novo, ou seja, a introdução de conteúdos que não existiam anteriormente, mas que se encaixam nas categorias.

Segundo a teoria de Bruner:

Aquisição: acontece principalmente pela intuição do sujeito em relação ao mundo que o rodeia.

§ Percepção: permite ao indivíduo captar informações e dados novos em geral.

§ Categorização: corresponde à inserção do novo em categorias já existentes (de forma semelhante à estruturação piagetiana).

§ Retenção: acontece na medida em que o conteúdo intuído e incorporado a uma categoria, passa a fazer parte desta, ficando disponível para ser utilizado posteriormente. A organização da estrutura, também no sentido piagetiano, constitui outro fator de retenção.

§ Transferência: é realizada pela possibilidade de novas intuições provocadas pelas estruturas já existentes que, por sua vez, já resultaram de outras intuições num sistema altamente integrado.

Bruner difere de Piaget em relação à linguagem. Para ele, o pensamento da criança evolui com a linguagem e dela depende. Para Piaget, o desenvolvimento da linguagem acontece paralelamente ao do pensamento, caminha em paralelo com a lógica.

4. Lev Vygotsky (1896-1934)

Psicólogo contemporâneo de Piaget, nasceu e viveu na Rússia. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando nesse desenvolvimento o papel da linguagem e da aprendizagem. A questão central dessa teoria consiste na aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.

A mediação simbólica consiste no processo de interação que o próprio sujeito realiza com a ajuda de outras pessoas. A idéia de mediação pode ser entendida considerando-se que o homem, enquanto sujeito do conhecimento, não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe.

Vygotsky enfatiza, portanto, a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, mas pela mediação feita por outros sujeitos. O “outro social” pode apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal corresponde ao intervalo entre a capacidade potencial de um indivíduo e a capacidade real por ele demonstrada. Em outras palavras, é a distância que existe entre o real e o potencial; define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação.

A passagem da capacidade potencial para a real exige a intervenção de uma outra pessoa. Podemos evidenciar a zona de desenvolvimento proximal, por exemplo, quando notamos que o aluno consegue fazer alguma coisa que antes não conseguia fazer sozinho, mas que agora consegue com a ajuda de outra pessoa. Essa idéia de que ele só sabe fazer com a ajuda de alguém não é verdadeira, uma vez que a aprendizagem vai se tornar real. O que hoje é proximal, amanhã será real.

A zona de desenvolvimento real corresponde ao nível das funções mentais da criança, que se estabelece como resultado de ciclos de desenvolvimento já completados. Se numa sala de aula, por exemplo, o professor disser para os alunos que “está chovendo”, podemos afirmar que esta frase diz respeito a um conhecimento que o professor tem e que todos os demais também têm. Todos têm certeza de que sabem que “está chovendo”. Portanto, dizer que “está chovendo” não acarretará aprendizagem e, conseqüentemente, não haverá desenvolvimento, pois para Vygotsky, “o indivíduo aprende para se desenvolver” (para Piaget, “o indivíduo se desenvolve para aprender”).

O raciocínio acima é fundamental para que o professor esteja sempre atento à importância de saber o que o aluno já sabe, a fim de evitar promover ações inúteis que só servirão para interferir negativamente no grau de motivação e interesse por parte de toda a classe. Isto serve também para treinamentos cuja metodologia se baseia na tal analogia de "ficar batendo sempre na mesma tecla".

Segundo Vygotsky, o processo de aquisição se faz, então, por meio da mediação simbólica, levando o sujeito a construir sua própria aprendizagem, sendo a linguagem e o pensamento elementos altamente significativos para que a construção ocorra. A retenção é explicada por sua vinculação total ao contexto histórico-sócio-cultural que confere a cada conteúdo uma significação profunda.

O indivíduo incorpora cada elemento da aprendizagem de uma forma complexa, pelo significado que deve ter, e não apenas pela aquisição construída. A transferência, por sua vez, sendo constante nessa teoria, ocorre principalmente através da mobilidade dos conteúdos já construídos na interação que o sujeito é chamado a realizar em seu meio sociocultural. No contexto total da vida do sujeito, cada elemento já aprendido encontra sempre significado, o que possibilita a ocorrência da transferência da aprendizagem.

5. Howard Gardner (1943...)

Psicólogo nascido na cidade de Scranton, ao nordeste da Pennsylvania, autor da teoria das inteligências múltiplas, é conhecido como o psicólogo que apresentou a cada indivíduo as suas possibilidades numa amplitude maior, relativa à multiplicidade de sua inteligência. De acordo com sua teoria, assim como são diversificadas as inteligências, a aprendizagem também será diversificada, sendo distribuída conforme requisitos especiais, para cada uma das sete modalidades de inteligência que descreveu.

Cada uma dessas formas de inteligência corresponde a uma capacidade que se encontra mais aguçada no indivíduo ou a uma habilidade mais bem desenvolvida pelo sujeito. A ocorrência mais evidenciada de determinada inteligência não significa a ausência das outras, e isto constitui um aspecto fundamental para a prática do professor, que deverá estar sempre atento às manifestações das capacidades dos alunos, a fim de melhor aproveitá-las durante o processo de aprendizagem.

Gardner concentrou seus estudos no desenvolvimento psicológico, devido à atração pela leitura de Jean Piaget e, ainda, pelos seus encontros com Jerome Bruner. Dessa maneira, contagiou-se pelo desenvolvimento cognitivo, demonstrando especial interesse na capacidade do simbologismo humano. As sete inteligências descritas por Gardner e suas principais características são:

a) Lingüística: maior facilidade no manejo das palavras; construção da aprendizagem por associações verbais.

b) Musical: facilidade de percepção e capacidade de discriminação de sons.

c) Lógica-Matemática: relativa às operações típicas do pensamento abstrato, é a forma de inteligência mais próxima da descrição de Piaget.

d) Espacial: capacidade de organização de si e do ambiente.

e) Corporal-Cinestésica: linguagem própria, sem palavras, mas que traduz as possibilidades do sujeito; forte poder de expressão.

f) Interpessoal: forma de inteligência mais voltada para a socialização; capacidades de liderança.

g) Intrapessoal: inteligência voltada para o autoconhecimento.

A aquisição da aprendizagem ocorre mediante a forma de inteligência mais adequada para cada um dos conteúdos a ser trabalhado num determinado momento. A retenção se explica pela validade do uso da inteligência mais adequada no processo de aquisição, o que sempre permitirá um domínio maior desse conteúdo específico. A transferência é realizada na medida em que as múltiplas inteligências se interligam, favorecendo o intercâmbio entre as possibilidades de aprendizagem.

Referências:

LINS, Maria Judith Sucupira da Costa. A aprendizagem. In: A aprendizagem e a tutoria. Rio de Janeiro: Senac, 2005.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.

PIMENTA, Selma Garrido (Coord.). Pedagogia: ciência da educação. São Paulo: Cortez, 1996.

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1984.

Fonte: http://paginas.terra.com.br/educacao/eadcamp/teorias.htm#Ivan%20Pavlov%20(1849-1936)

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Os ladrões e o galo.


Os ladrões e o galo

Os ladrões e o galo

Uma vez uns ladrões entraram numa casa, mas não encontraram nada que valesse a pena roubar, a não ser um galo. O coitado do galo disse a eles tudo o que um galo é capaz de dizer para tentar salvar a pele. Disse que eles não esquecessem como ele era importante para as pessoas com seu canto que acordava a todos na hora de ir trabalhar.

– Olhe, seu galo – disse um dos ladrões – , é melhor parar com essas conversa. Você passa o tempo acordando as pessoas e o resultado é que não conseguimos roubar sossegados.

Moral: Nem o que temos de melhor agrada a todo mundo.

Do livro: Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas

Fonte: http://www.metaforas.com.br/

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Neuropsicologia transcultural: grupo indígena guarani.


Neuropsicologia transcultural: grupo indígena guarani

Cross culture neuropsychology: guarany indian group

Vivian Maria AndradeI; Orlando Francisco Amodeo BuenoII

IUniversidade Federal de Sergipe
IIUniversidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência


RESUMO

Para investigar a influência da cultura sobre o desempenho cognitivo foram estudados processos intelectuais em indivíduos de populações etnicamente diferentes. Avaliamos 12 índios e 12 pessoas não indígenas, ambos os grupos constituídos por moradores da periferia de São Paulo, pareados de acordo com idade e nível educacional. Os seguintes testes foram utilizados: Dígitos, Blocos de Corsi, Desenho com Cubos e Nomeação de Figuras. A memória verbal imediata e tardia foi avaliada por meio de estórias relacionadas ao contexto ecológico de ambos os grupos, e a memória visual, pela apresentação e recuperação de figuras. Os resultados quantitativos não demonstraram diferenças significativas entre os grupos, porém, houve uma tendência estatística dos índios mostrarem maior domínio das tarefas visuais e motoras, e os não índios das tarefas verbais. Em conclusão, é possível que o grupo indígena use a cognição de forma mais concreta e intuitiva, em função do estilo peculiar de vida, das habilidades desenvolvidas, associado à baixa escolaridade.

Palavras-chave: neuropsicologia transcultural; cognição; índio guarani


ABSTRACT

Intellectual processes were investigated in two different populations to study the influence of culture in cognitive performance. Twelve people of an indian population of the Guarany ethnic nation were compared to 12 people ("non-indians") paired according to age and education level, both groups residing in the periphery of the city of São Paulo. The following tests were used: Digit Span; Corsi Block-Tapping Test; Block Design and Naming Figure Test. The immediate and delayed verbal memory was assessed through a short story-task with a specific ecological context and the visual memory through animal figures retrieval. No statistical differences were observed between the two groups, but a statistic tendency was observed in the sense of the indigenous group apparently encountering more facility in visual and motors tasks and the "non-indians" in verbal tasks. The results suggest that the indigenous group used culturally influenced strategies to solve problems and to acquire information, and a more intuitive and concrete utilization of cognition, in conjunction with their own life style as well as poor education.

Keywords: crossculture neuropsychology; cognition; guarany indian


Em linhas gerais, a neuropsicologia é uma neurociência que avalia os efeitos de lesões cerebrais sobre o intelecto, a emoção e o comportamento (Conselho Federal de Psicologia, 2004); detecta as funções intactas e aquelas comprometidas em decorrência da lesão, e planeja estratégias para reabilitar o indivíduo (Wilson, 1999). Mais abrangente, a neuropsicologia tem ampliado sua área de atuação e incluído estudos que investigam a influência dos aspectos sócio-culturais sobre a cognição. A neuropsicologia transcultural enfatiza a necessidade de personalizar instrumentos de medidas utilizados na avaliação neuropsicológica nas diversas e distintas populações (Ostrosky-Solis, Ardila, & Rosselli, 1998). Subjacente, discute, por exemplo, que a diferença cognitiva existente entre os vários grupos pode ser mais por influência cultural do que biologicamente determinada (Ardila, Ostrosky-Solis, Rosseli, & Gómez, 2000; Puente & Salazar, 1998), e que o modo utilizado pelo indivíduo para resolver problemas também pode sofrer influência cultural (Puente & Salazar, 1998).

De acordo com teorias que fundamentam a neuropsicologia transcultural, o padrão cognitivo pode ser diretamente influenciado por variáveis relativas aos usos e costumes dos grupos sociais, por exemplo, as condições do habitat, o modo empregado para gerir a subsistência – fatores ecológicos (Vygotsky, Luria & Leontiev, 1994), os anos de educação e o status social e econômico (Luria, 1994; Vygotsky, 1978). Mas, por outro lado, dependendo da escolha da tarefa e dos determinantes subjacentes à avaliação cognitiva, os resultados podem subestimar a habilidade psicomotora e a capacidade intelectual do indivíduo avaliado (Puente & Salazar, 1998).

Em nosso estudo, tivemos como objetivos principais, investigar a cognição de indígenas aculturados e discutir a influência de variáveis relativas à cultura sobre o escore e sobre o modo de execução dos testes aplicados em indivíduos de etnias diferentes.

Materiais e métodos

Casuística

Foram avaliados dois grupos, cada um composto por doze indivíduos, um deles constituído por índios guarani, e o outro por pessoas da mesma idade e escolaridade, mas de cultura diferente (não-índios). Todos os indígenas residiam na Reserva da Barragem – periferia da cidade de São Paulo; os não-índios também residiam nos arrabaldes da cidade.

Os seguintes critérios de inclusão foram utilizados para compor o grupo experimental: ser índio, residir e trabalhar na aldeia, ter escolaridade baixa ou nula (de zero a dois anos de estudos), idade entre 20 e 40 anos, falar português, além da língua nativa deles, o idioma guarani; não fazer uso de drogas de forma abusiva e não ter problema de saúde capaz de influenciar nos resultados da pesquisa (doença psiquiátrica e neurológica, histórico de traumatismo craniencefálico e convulsão).

O grupo de não-índios foi escolhido como parâmetro, tanto quantitativo (para comparar o escore de cada tarefa), quanto qualitativo (para observar o modo de execução das atividades). Os critérios de inclusão neste grupo foram os seguintes: residir na periferia da cidade de São Paulo, mas fora da aldeia; pertencer à classe D ou E; ser analfabeto ou ter baixa escolaridade; não fazer uso de drogas de forma abusiva e não ter problema de saúde capaz de influenciar no resultado do estudo. A designação da classe social foi observada por meio de vários dados da entrevista, (sobre a profissão, a ocupação, a localização da moradia, por exemplo).

Todos os voluntários consentiram em participar do estudo sem receber valor em espécie. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Escola Paulista de Medicina).

Material

A avaliação cognitiva dos vinte e quatro participantes utilizou os instrumentos descritos a seguir.

Dígitos, Span atencional verbal. Neste teste foi solicitada a repetição de uma seqüência numérica crescente (inferior a uma dezena) na ordem direta (OD). Na segunda parte, a seqüência ouvida foi repetida pelo sujeito na ordem inversa (do último para o primeiro dígito - OI). Esta atividade avaliou a capacidade para manter a atenção auditiva (OD) e para executar tarefas cognitivas verbais simultâneas (OI) (Nascimento, 2000).

Blocos de Corsi, Span atencional visual. Nesta tarefa o voluntário tocou em cubos fixados e dispostos irregularmente em um tabuleiro de madeira na seqüência previamente indicada pelo aplicador (seqüência crescente, apresentada de dois a nove cubos por vez). O escore resultou da capacidade para manter a atenção visuoespacial na (OD) e na (OI) (Lezak, 1995).

Memória visual imediata, tardia e de reconhecimento. Doze figuras de animais (28 X 22 cm), coloridas, foram apresentadas uma a uma (ver Figura 1), com a finalidade de nomeação e recordação de figura. Cada figura foi nomeada pelo sujeito, retirada de sua vista e recordada livremente ao final da apresentação (evocação imediata). Trinta minutos após a apresentação inicial, seguiu-se nova evocação (evocação tardia). Para o teste de reconhecimento foram apresentadas algumas figuras novas e outras já vistas. O instrumento foi adaptado do Teste ABC (Lourenço Filho, 1952).

Nomeação. Figuras de animais.

Memória verbal imediata e tardia. Apresentação da estória A do teste Memória Lógica (Wechsler, 1987), com 25 unidades para os não-índios; e de outra estória (com começo, meio e fim) para o grupo de índios, elaborada pela equipe, em conjunto com estudantes índios residentes na aldeia, e testada previamente entre eles.

Um dia... / bem, já era tardinha,/ Cláudio/ estava sentado em uma pedra/ observando a floresta/ e o barulho que vinha de lá./ Ele falou para mim:/ "Osmar,/ vamos caçar?"/ Daí nós fomos./ Um passarinho/ estava em seu ninho /alimentando os filhotes,/ o ninho estava em uma árvore/ enorme./ Cláudio/ ficou olhando e disse: "é tão bonita / a natureza /e os animais que vivem nela,/ eu queria ser um pássaro/ para poder voar /livre pela floresta".

Desenho com Cubos, habilidade vísuo-construtiva. A tarefa consistiu em passar um modelo bidimensional para um tridimensional; teve como objetivo avaliar as habilidades vísuo-construtivas e a capacidade de resolução de problemas em situação não-verbal (Nascimento, 2000).

Procedimento

Ao longo de 36 meses de contatos e de visitas aos indígenas, a escolha de tarefas levando em conta os aspectos ecológicos e o idioma foram as barreiras mais difíceis de serem transpostas. Na primeira fase, algumas metas foram traçadas: estabelecer contato com o maior número possível de moradores da reserva indígena (trinta índios adultos foram entrevistados); observar o comportamento e conhecer aspectos gerais da cultura guarani (para adquirir alguma familiaridade com as situações do cotidiano indígena e permitir que se familiarizassem com a presença dos pesquisadores). Na segunda fase, realizamos entrevistas semi-fechadas de acordo com sexo, idade e escolaridade. Aplicamos o conjunto de testes citados e o Teste de Recordação Livre de Palavras em português e em guarani, quando um vínculo entre índios e pesquisadores já havia sido estabelecido.

Análise dos dados

As técnicas de obtenção de informação utilizadas neste estudo foram: de observação (em que se registrou comportamentos produzidos no contexto ambiental dos índios), e de descrição etnográfica (em que ocorreu a observação participante por meio da interação presente nas várias visitas realizadas à reserva). As informações obtidas foram analisadas utilizando-se estratégias qualitativas. Os dados relativos à técnica neuropsicológica de avaliação cognitiva foram analisados também estatisticamente. Para a comparação do desempenho nos testes cognitivos foi usado o teste t de Student, após a plotagem das curvas apresentarem distribuição normal em ambos os grupos. As diferenças seriam consideradas significativas se p < 0,05.

Resultados

Os resultados do teste t indicaram que os dois grupos foram similares em todas as atividades cognitivas apresentadas, pois não houve diferença significativa entre os escores (Tabela 1).

Ao mesmo tempo, a observação realizada sugere que mais do que a forma de resolver problemas (tarefas vísuo-construtivas), as estratégias para adquirir novas informações parecem ter sido diferentes entre os dois grupos.

Quanto à memorização, por exemplo, pôde-se observar maior facilidade dos índios em relatar as primeiras frases da estória do que as últimas, conforme ilustrado na Tabela 2. O tipo de evocação mais comumente encontrado entre o grupo indígena pode ser exemplificado pelos relatos de evocação 1, 2 e 3. O tipo de evocação do caso 4 (em que aparece o fim da história) teve ocorrência menos freqüente; bem como o caso 5, que foi o único em que a estória foi recordada por inteiro (embora de maneira sintetizada).

Discussão

Tem sido descrito que variáveis relativas à cultura influenciam o resultado de testes cognitivos (Lefèvre, 1989; Luria, 1994, Puente & Salazar, 1998). Nosso estudo avaliou um grupo de índios aculturados, utilizando testes comuns a neuropsicologia (Dígitos, Cubos de Corsi e Desenho com Cubos), e personalizados ecologicamente (nomeação de figuras e memorização de uma estória), a fim de analisar o desempenho e o modo de execução das tarefas selecionadas.

Os índios pesquisados residiam na periferia da cidade de São Paulo, às margens da Represa de Guarapiranga, no bairro de Santo Amaro, zona sul da capital. A observação da rotina da aldeia constatou que atualmente eles possuem hábitos diferentes da sua cultura original: assistem televisão, ouvem rádio, jogam futebol organizados em times uniformizados; comem comidas industrializadas e vestem roupas comuns. Por outro lado, além das características físicas, o idioma próprio (guarani), os cânticos, as rezas e os costumes, sustentam ser reconhecidos etnicamente como índios. O estilo de vida também é muito peculiar, vivem em casas de taipa ou madeira praticamente sem móveis; plantam em seus sítios (pequenas roças), pescam na represa, alguns vendem os produtos (fruto da roça, e do artesanato). Não possuem um trabalho convencional, como os não-índios; a maior parte não sai com freqüência da aldeia e nem expressa desejo de sair. Pelo conjunto destas características são considerados índios aculturados. Avaliamos seu funcionamento cognitivo, utilizando como referência teorias e técnicas da neuropsicologia transcultural e discutimos os resultados quantitativos e qualitativos das atividades desempenhadas.

Os resultados do teste t mostraram que os grupos pareados, índios e não-índios, apresentaram resultados similares nas várias funções cognitivas investigadas: capacidade atencional verbal e visuoespacial; nomeação de figuras de animais, memorização verbal de uma estória, memorização e reconhecimento visual das figuras de animais; e habilidades vísuo-construtivas. No entanto, o aumento da amostra pode tornar mais claros, resultados, até o momento, percebidos como uma tendência estatística, a de que os índios possuem maior domínio das atividades vísuo-construtivas e visuais do que das tarefas verbais. Por exemplo, o escore de p para o Span visual (OD) foi de 0,12 e de Memória visual tardia de 0,06, os resultados mais vantajosos foram para o grupo indígena. Porém, em tarefas verbais, tais como o Span verbal (OD), o valor de p foi de 0,15 e o de Memória verbal tardia de 0,56 em favor do grupo não-indígena. O que nos fez supor que os índios apresentaram maior domínio das atividades que continham elementos visuais (memória visual imediata, Cubos de Corsi), e motores (habilidades vísuo-construtivas, Desenho com Cubos) do que da tarefa verbal de ordem similar (Tabela 1).

Lefèvre (1989) tece uma análise em seu trabalho que suporta, em parte, nossos achados, a de que crianças provenientes de áreas rurais carentes, analfabetas, usam mais constantemente a inteligência prática e o raciocínio espacial do que conceitual; o fazer, o agir, mais do que o mundo das idéias, analítico-cognitivo. O grupo pesquisado em nosso estudo, foi constituído por indivíduos analfabetos ou com até dois anos de escolaridade.

Luria (1994) apresentou relato de experiência parecida, conduzindo uma série de trabalhos de campo sobre o desempenho neuropsicológico de indivíduos residentes em vilarejos e áreas rurais bastante isoladas e pouco desenvolvidas, do Usbequistão e do Quirguistão, na Ásia Central. Observou que os trabalhadores rurais, analfabetos, moradores destas áreas apresentavam respostas menos elaboradas do que as de pessoas que tinham maior escolaridade e outro tipo de trabalho (tarefas mais modernas). As pessoas do primeiro grupo não usavam a mesma lógica para deduções que as do segundo, nem tampouco estabeleciam relações entre os objetos igualmente, ou eram capazes de fácil abstração. Ao darem suas respostas utilizavam-se constantemente de suas experiências cotidianas, remetendo estas respostas mais para o que conheciam de fato (raciocínio concreto), do que para abstrações, inferências e hipóteses acerca dos fenômenos (raciocínio dedutivo).

Em nosso estudo, presenciamos situação análoga ao apresentarmos, no protocolo inicial, a mesma história, Memória Lógica A – WMS – R (Wechsler, 1987), para índios e não-índios. Observamos que os índios não conseguiam recontar, satisfatoriamente, o conteúdo que tinham acabado de ouvir, o que nos fez supor que por tratar-se de um contexto distante da realidade deles, tornava-se mais difícil memorizar. Deste modo, uma outra história foi elaborada e apresentada, levando em conta o contexto ecológico indígena, ainda que não pudessem utilizar estratégias de repetição para facilitar o processo de aquisição (pois, após ouvirem tinham de repetir a estória imediatamente). Os fatos da nova narrativa permitiam associar, ou estabelecer relações, com experiências da própria vida deles. A mudança parece ter contribuído para que o grupo indígena tivesse mais chance de recordar a nova estória de forma hábil, ainda que, possivelmente, estivessem fazendo uso de recursos cognitivos menos sofisticados.

Outros autores, que também investigaram características cognitivas em população indígena (Dehaene, Izard, Pica, & Spelke, 2006), sugeriram a existência de um conjunto de intuições presente, naturalmente, em todos os seres humanos. Seriam espontâneas e constituídas, até mesmo na ausência da escolarização. Nesse estudo, eles apontaram o conhecimento de geometria como um exemplo, após investigarem índios isolados da Amazônia em distintas fases do desenvolvimento. Utilizaram atividades que envolviam a compreensão e interpretação de conceitos geométricos básicos: pontos, linhas, paralelas, ângulos retos inseridos em figuras simples; e observaram que os elementos foram utilizados instintiva e naturalmente pelos índios munduruku. As tarefas permitiam destacar que os índios tinham noção de distância, senso de direção, quando tinham que, baseados em mapas geométricos, localizar objetos escondidos. Esses índios não eram aculturados, como os de nosso estudo; era baixa a probabilidade de convivência prévia com populações de outras culturas que pudessem tê-los capacitado nos quesitos avaliados.

Por outro lado, Ostrosky-Solis, Ardila e Rosselli (1998) compararam analfabetos a várias faixas de escolaridade, e constataram que os anos de estudo influenciaram diretamente um conjunto de funções: a linguagem (compreensão e a fluência verbal fonológica), as funções conceituais que envolvem maior grau de abstração (semelhanças, cálculos e seqüências), e as habilidades vísuo-construtivas. O parâmetro utilizado foi o desempenho de pessoas da mesma cultura, com os de 1-2 ou 3-4 anos de escolaridade comparados aos sem escolarização. Parece, portanto, que com o aumento da escolaridade – aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo –, o uso da abstração acerca dos fenômenos, ou de inferências, hipóteses e deduções torna-se mais evidente (Ardila et al., 2000; Luria, 1994; Ostrosky-Solis, Ardila, & Rosselli, 1998). A neuropsicologia, com o apoio da neuroimagem, mostra que a escolaridade promove mudanças na percepção visual, no raciocínio lógico, nas estratégias de memorização, na resolução de problemas, entre outras capacidades e habilidades (Ardila et al., 2000). Resultados de outros pesquisadores (Halpern et al., 2000; Lichtig et al., 2001), que igualmente manejam variáveis sócio-econômicas, confirmam que o desenvolvimento psicomotor, ou mesmo o desenvolvimento global da criança (Nunes, 2001), sofre influência até mesmo do tipo de nutrição recebida.

Segundo Rego (1999), Vygotsky admitiu a existência de uma base biológica para o funcionamento dos processos psicológicos básicos (ações reflexas, reações automáticas e associações simples) no início da vida, anterior ao efeito cultural sobre o desenvolvimento. Para o autor, mecanismos intencionais, voluntários – as funções psicológicas superiores: raciocínio, memória declarativa, planejamento e organização, por exemplo – se desenvolveriam gradativamente a partir da interação consciente da criança com seu próprio contexto sócio-cultural, tornando estes parte constitutiva da sua natureza. Cruz e Landeira-Fernandez (2007) lembram que a plasticidade cerebral é exatamente a habilidade de o cérebro reorganizar suas vias neurais com base, principalmente, nas experiências ao longo da vida, modificando-se estrutural e funcionalmente.

Outra questão refere-se ao cuidado com a escolha do instrumento a ser utilizado na avaliação neuropsicológica e, também, com os parâmetros de comparação estabelecidos. Puente e Salazar (1998) sublinharam o fato de que as diferenças no desempenho cognitivo de pessoas pertencentes a raças e grupos étnicos distintos precisam ser avaliadas com rigor metodológico para que não ocorra um viés nos resultados em função de variáveis não relacionadas ao intelecto. Dados obtidos após aplicação das baterias Wechsler em crianças descendentes de mexicanos, nascidos nos Estados Unidos, indicaram escores menores por parte das crianças ticanas. Porém, o teste é originalmente americano, idealizado e normatizado segundo amostras daquela população; e, muitas vezes, aplicado também por psicólogo americano, favorecendo ainda outros vieses.

Ostrosky-Solis, Ardila e Rosselli, (1998) relataram que o conteúdo dos testes utilizados em sua amostra foi específico para aquela cultura, a versão em espanhol da bateria NEUROPSI normatizada e padronizada. Neste caso, de maneira diferente do nosso trabalho, os autores utilizaram a cópia de figuras com lápis e papel.

Atentos a estas questões, escolhemos testes simples (verbais e psicomotores), sem uso de lápis e de papel. A maior parte das figuras de animais selecionadas tinha a ver com o contexto ecológico indígena, e as histórias, com o contexto sócio-cultural de ambos os grupos. Os indígenas estavam familiarizados com a presença da equipe na aldeia e manifestavam interesse em participar das atividades (sempre nos receberam bem, mostrando curiosidade e bom humor). Embora os dois grupos se mostrassem motivados e engajados na execução das tarefas, as palavras e atitudes dos índios indicavam que estavam se divertindo com a situação de teste, sem se importar tanto com seus erros e dificuldades. Para os não-índios, os erros e as dificuldades eram mais fortemente percebidos como fracasso, despertando sentimentos de menos valia e desapontamento, verbalizados para o aplicador.

Em resumo, parece que a cultura – o estilo de vida no qual o indivíduo está inserido, o status sócio-econômico, os anos de escolaridade, o habitat – mais do que a etnia, influencia a cognição humana. Supõe-se que estes fatores culturais possam favorecer a modelagem do substrato anatômico por meio da citoarquitetura cerebral, que proporciona suporte a constituição de estratégias de memória, ao uso das funções verbais e das habilidades vísuo-espaciais e vísuo-construtivas, bem como, significado subjetivo às experiências emocionais. Some-se, ainda, o fato de que os instrumentos utilizados para a avaliação neuropsicológica devem ser adequados para o contexto ecológico dos indivíduos investigados.

Como os resultados quantitativos não apontaram diferenças entre os grupos, sugerimos que outras investigações sejam levadas adiante, com amostras maiores, para dar continuidade às idéias aqui investigadas e discutidas.

Agradecimentos

Agrademos a Antonio Puente (University of North Carolina at Wilmington, EUA), Miguel Perez (Universidad de Granada, Espanha), Eduardo Navarro (Universidade de São Paulo), Sergio Tufik (Universidade Federal de São Paulo), Associação Fundo de Incentivo a Psicofarmacologia (AFIP), CAPES, CNPq e as estagiárias Maria da Glória S. Vieira, Adriana Souza e Shirley A. Andrade.

Referências

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Conselho Federal de Psicologia (2004). Resolução Nº 002 de 03 de Março de 2004. Obtido em 08 de setembro de 2005, de http://www.pol.org.br/atualidades/matéria.cfm?id.área=658. [ Links ]

Cruz, A. P. M., & Landeira-Fernandez, J. (2007). Por uma psicologia baseada em um cérebro em transformação. In J. Landeira-Fernandez & M. T. S. Silva (Orgs.), Intersecções entre psicologia e neurociências (pp. 1-15). Rio de Janeiro: MedBook. [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Universidade Federal de Sergipe; Departamento de Fisiologia, sala 11
Av. Marechal Rondon S/N (Rosa Elze)
São Cristóvão, SE; CEP: 49100.000
Tel.: (79) 3212-6645. Fax: (79) 3212-64.74
Email: viviand@psicobio.epm.br

Recebido em 26.set.06
Reformulado em 08.dez.07
Aceito em 10.dez.07

Vivian Maria Andrade, doutora em psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo, é neuropsicóloga no Hospital Universitário e docente na Universidade Federal de Sergipe.
Orlando Francisco Amodeo Bueno, doutor em psicobiologia pela Universidade Federal de São Paulo, é professor na mesma instituição. E-mail: ofabueno@psicobio.epm.br



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