quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Prepare seu português




Prepare seu português

Dez cuidados básicos para quem deseja aumentar o domínio do idioma e melhorar sua capacidade de comunicação no ano que se inicia




Para quem quer assumir novos desafios este ano, aprimorar a própria expressão em língua portuguesa não é problema a ser minimizado.O desempenho no próprio idioma em diferentes situações formais é, em geral, tomado como diapasão de outros atributos da pessoa. Se somos descuidados com o português, no que mais seremos descuidados? Se alguém fala comigo de forma truncada, pode errar em outros momentos do nosso relacionamento.
O idioma é, como se vê nestas páginas, mais do que a gramática da língua. A expressão em língua portuguesa pode não se limitar a um decorar de regras gramaticais - sua premissa está em mostrar nossa versatilidade comunicativa e nossa capacidade de tirar de letra os diversos contextos em que nos metemos e os diferentes relacionamentos que mantemos. Saber português significa trabalhar melhor, namorar melhor, interagir melhor.
Ao seguir esse pressuposto, Língua sugere a seguir um programa de orientação para quem deseja aumentar o domínio sobre o idioma e, com isso, melhorar sua comunicação cotidiana neste ano que se inicia. São dez cuidados básicos que, não esgotando cada um dos temas aqui propostos, alertam sobre eventuais fragilidades pessoais ou são pontos de partida para a formação, a produção de textos e discursos orais ajustados às nossas necessidades comunicativas. Afinal, o modo como nos expressamos faz o idioma. As dicas que seguem podem tornar a expressão em língua portuguesa um obstáculo a menos a ser superado, ante os outros que o ano anuncia. (LCPJ)

1. A concordância na volta das férias
Cuidado antes de contar como passou a virada de ano e as horas de lazer
Sintaxe
O tropeço
A explicação
O correto
"Fazem" três semanas que viajei.
"Fazer", quando exprime tempo, é impessoal, fica no singular.
"Faz"
Chegou "em" São Paulo "a" dois dias e partirá daqui "há" cinco horas, a trabalho.
Verbos de movimento exigem "a", e não "em" (vai ao cinema, levou a família à praia).
Chegou "a" São Paulo "há" dois dias e partirá daqui "a" cinco horas, a trabalho.
"Houveram" muitos carros na estrada.
"Há" indica passado (= "faz") e "a" indica distância ou tempo futuro (não equivale a "faz"). "Haver", como "existir", é invariável.
"Houve"
"Há" dez dias "atrás" eu estava no Nordeste.
Redundância. "Há" e "atrás" têm a mesma função de indicar passado na frase.
"Há dez dias eu estava no Nordeste" ou "Dez dias atrás eu estava no Nordeste"
Se eu "ver" o agente de viagens de novo...
A conjugação de "ver" é: "se eu vir, revir, previr". Do verbo "vir": "se eu vier".
Se eu "vir"
Eis o roteiro "onde" baseei a viagem.
O advérbio ou o pronome relativo "onde" expressa a ideia de lugar: "O hotel onde fiquei").
Eis o roteiro "em que" baseei a viagem.
Não "lhe" vi no aeroporto.
O pronome "lhe" substitui "a ele", "a você", por isso não pode ser usado com objeto direto: "não o convidei"; "a mulher o deixou"; "ele a ama".
Não o "vi"
Para "mim" passar o réveillon.
O pronome aqui age como sujeito da frase. Portanto,"mim" não passa o réveillon, porque não pode ser sujeito. Daí: "para eu passar", "para eu trazer", "para eu definir".
Para "eu" passar
Entre "eu" e você.
Depois de preposição (no caso, "entre"), usa-se "mim" ou "ti".
Entre "mim" e você.
Preferi sair da cidade "do que" ficar.
Prefere-se sempre uma coisa "a" outra.
Preferi sair "a" ficar.
A guia era "meia" boba.
"Meio", como todo advérbio, não varia (não vai para o plural nem muda de gênero).
"meio" boba
"Existe" muitos hotéis na região.
Verbos como "existir", "bastar", "faltar", "restar" e "sobrar" admitem o plural.
Existem
2. Cuidados na escrita das palavras
Erros ortográficos podem desfazer a boa imagem que os outros fazem de nós

Os problemas de grafia dos brasileiros são muito maiores do que as dúvidas porventura estimuladas pelo novo acordo ortográfico, que completou um ano no país. O sistema Anglo compilou até uma lista com erros frequentes em redações de concursos. Há os tropeços de memória semântica ou sintática e de insegurança gráfica ("porque" junto ou não, "mal"/"mau", "exceção", "privilégio", "flagrante", "infringir" etc.). Há também a falta de correlação visual ou de sensibilidade acústica na hora de se localizar a sílaba tônica: "anônimato" (por comparar-se ao cognato primitivo "anônimo"), "espontâneidade" (devido a "espontâneo"), "essêncial" (de "essência"), "ingênuidade", "paciênte", "váriados". E há os casos em que se sabe que uma palavra tem acento, mas não onde: daí "tambêm" e "alguêm", denunciando o quanto a pessoa escreve pelo olho, não pelo ouvido nem pelo cálculo. Outra categoria é a dos termos acentuados sem consciência do que se está fazendo. Daí "algúns", "álias", "cancêr", "chápeu", "avalia-lá", "ângustia".
O balanço é preliminar. Imagine se fosse feita uma amostra estatística completa?
Ortografia
O tropeço
O Correto
Advinhar
Adivinhar
Ascenção
Ascensão
Beneficiente
Beneficente
Excessão
Exceção
Pego em "gragrante"
"Flagrante"("fragrante" refere-se a "fragrância", odor)
Impecilho
Empecilho
"Mal" uso
"Mau" ("bom" x "mau"; "bem" x "mal")
Paralizado
Paralisado
Pixar
Pichar
"Porque" você foi?
"Por que"(separado). Se estiver dada ou subentendida a palavra "razão", é escrito separadamente. Reserve "porque", junto, para as respostas
Previlégio
Privilégio
Vultuoso
Vultoso
Frustado
Frustrado

3 Férias para as muletas
Comece o ano sem os cacoetes linguísticos que atormentam ouvidos e leitores exigentes

Termos populares nos centros urbanos ("entende?", "veja bem!", "como eu estava falando" etc.) acabam por produzir ruídos na comunicação quando usados a todo instante, de forma indiscriminada, não raro destoando do contexto em que são usados e sempre truncando ou simplificando em demasia o que expressamos. Por isso, quem deseja, a partir deste ano, largar um vício (de linguagem) deve redobrar a atenção à própria fala, tomar cuidado para não transformar as expressões que usa em clichês.

Vícios de linguagem
O tropeço
O correto
A explicação
"O atraso no pagamento implicou em multa"
"O atraso no pagamento implicou multa"
No sentido de "ocasionar" ou "provocar", não pede preposição.
"O laboratório fez o exame e o resultado do mesmo será enviado ao paciente."
"O laboratório fez o exame e o seu resultado será enviado ao paciente"
"Mesmo" é pronome demonstrativo, não pessoal; deve dar lugar a "ele" ou outro substantivo.
"Reclame do problema junto a operadora"
"Reclame do problema à operadora"
A locução adverbial "junto a" equivale a "perto de". Não substitui as preposições (no caso, "em").
"Renato, enquanto engenheiro, deixa a desejar"
"Renato, como engenheiro, deixa a desejar"
A conjunção deve ser usada quando se deseja indicar noção de temporalidade, não no lugar da conjunção "como": "Enquanto estudávamos, outros divertiam-se".
"Tipo assim", "a nível de"
Evitar
Configuram uso de gírias ou outros termos que demonstram falta de instrução.
"Governo cria novos empregos"
"Governo cria empregos"

É preciso evitar a tautologia, repetição desnecessária de uma ideia ("Iphan restaura velho casarão") ou de um termo já pronunciado (subir para cima, surpresa inesperada).
4. Regras simples evitam decoreba
A intuição e a generalização de exemplos concretos podem ser mais efetivas do que a memorização de todas as normas
É preciso haver o encontro da preposição "a" com o artigo "a" para que ocorra a contração, a fusão dessas duas vogais, assinalada pelo acento grave indicativo de crase.
A mesma fusão ocorre também na presença da preposição ante os pronomes demonstrativos "aquela", "aquele", "aquilo" e ante o demonstrativo "a".
Há erro de crase, portanto, em situações em que não há a fusão das vogais.
"Levei à ela toda a papelada" (levei a + ela).
Aqui, o pronome pessoal "ela" não admite o artigo.
Na prática, a intuição e a generalização de exemplos concretos de crase podem ser mais efetivas que a decoreba de regras. Se intuimos a regra básica de que só se usa crase diante de palavras femininas quando há preposição seguida de artigo, evitamos ocorrências como "à 80 km", "à correr" ou "à Pedro". Afinal, nunca pensamos em crase com palavras masculinas ou verbos: daí não haver "a lápis", "a contragosto", "a custo".
Se lembramos que o sinal grave também serve para eliminar ambiguidades, evitamos tirar a crase em contextos que pedem, por exemplo, "à beira", "à boca miúda", "à caça".
O mais são regras específicas, em expressões como "a distância" (que só leva crase com distância determinada: "O hotel fica à distância de 10 quilômetros"). Aí não tem jeito: é mesmo preciso memorizar as regras.
5. Adaptação ao interlocutor dita o rumo da prosa
Ao conversar, é preciso adaptar-se ao nível de formalidade e reduzir a resistência da plateia à sua opinião

Falar bem é mais do que se fazer entender. É saber o contexto em que sua fala será recebida.
A falta de adequação ao nível de formalidade exigido pelo contexto virou um problema de idioma. Há de se preparar o terreno, modificar o conjunto de opiniões e valores prévios, partilhados por quem nos ouve, e só então abrir espaço para a nossa opinião.

Para falar melhor, é preciso, enfim, entender o interlocutor, para não confrontá-lo de imediato. O que não significa fazer o jogo oportunista de quem concorda com tudo. Deve-se criar um campo neutro de conversação, mas que prepare o interlocutor para a opinião que se defenderá. Começar por afirmações com as quais a pessoa concorda sinaliza que não se é adversário, abrindo espaço para o próximo ato. Sem esse esforço prévio, o ouvinte nem teria paciência em nos ouvir.
6. Como organizar o que dizer
Ordenar as ideias é o primeiro passo para quem quer fazer entender-se
Começar um assunto, pular o meio, retomar o fio da meada, para depois desviar-se de novo, todo atrapalhado. Sinais como esses mostram desorganização de pensamentos, e esta sinaliza uma falta de objetivos sobre como tratar um assunto. A imagem que fica é de alguém disperso, inseguro, talvez pouco confiável.
Por isso, alguns cuidados prévios.
1 Imagine todos os aspectos negativos de cada afirmação sua. Esteja preparado para responder a cada um desses fatores.
2 Qual a informação compartilhada pelo leitor? Quem nos lê ou escuta não tem obrigação de intuir o que sabemos e pensamos.
É razoável buscar construir, na mente do ouvinte, uma imagem do que se fala. Ao escrever, é preciso ordenar as ideias e os termos da oração (sujeito, predicado, complementos), ter cuidado na escolha de palavras e usá-las em construções sintáticas as mais simples. Organize o que vai dizer, definindo o rumo a seguir após escolher os argumentos que vai usar.
Todo escrito se organiza em torno de um elemento de referência, que lhe dá coesão. A partir dele, todo o resto se posiciona.

Uma ideia deve levar à próxima, sem sobressaltos. Uma afirmação relaciona-se à anterior e à seguinte. Um texto bem escrito não provoca perguntas de preenchimento, em que o leitor tem de voltar ao mesmo trecho para entender o que foi dito.
Técnica de redação
A CRIAÇÃO DOS ARGUMENTOS
Escolha o seu modo de organizar o que tem a dizer
- Fazer lista de palavras-chave.
- Anotar o que vem à mente, desordenado, então cortar e ordenar.
- Resumir ideias e partir para o detalhe, o exemplo, a ideia secundária.
- Criar 1º parágrafo para desbloquear e desenvolver as ideias nele contidas.
- Escrever a ideia central e as secundárias em frases isoladas para aí interligá-las.
- Criar um sumário ou esquema geral do texto.
- Organizar na mente os blocos do texto para depois estruturá-lo.
7. Vencer o desafio de ser entendido
Erro de português também ocorre porque não conseguimos nos fazer compreender
Uma frase perde clareza por má ordenação das ideias e até por pontuação inadequada. Ser claro requer esforço. A linguística mostrou que sentidos se formam no conjunto da enunciação, na composição de coerência e coesão, nos significados configurados na memória.
Há clareza a ser cultivada antes mesmo do primeiro esboço. Afinal, um leitor também "lê" com a memória: ao fim da leitura, improvável que se tenha o texto inteiro radiografado na mente, palavra por palavra. Tende-se a fazer pausas, para que nossa memória de curto prazo forme um resumo do lido até ali. É com essa síntese mental que avançamos a leitura.
Muitos incisos e elementos interca­lados fazem o leitor não saber o mo­mento da pausa necessária a seu resumo. Daí o problema com frases longas, excesso de apostos e fatos acumulados, sobreposição de protagonistas e de números. Eles atrapalham a síntese mental. Alguns obstáculos são semânticos: termos raros, gírias, jargões e formulações desconhecidas ou pouco acessíveis. Outros são sintáticos:
  • Apostos que desarticulam a informação;
  • Frágil progressão de tópicos;
  • Acúmulos de elementos, ideias e conclusões por frase;
  • Anacolutos (iniciar uma coisa, encerrar com outra: "O advogado que não escreve o que diz, não é difícil prever situações de conflito no tribunal");
  • Hipérbatos (um termo interrompe o elo de outros dois: "Aguenta a escola pública da iniciativa privada uma concorrência desleal" (em vez de: "A escola pública aguenta da iniciativa privada uma concorrência desleal").
  • Pontuação: a ausência ou o deslocamento de sinais muda o sentido, e afeta a clareza. Uma mera vírgula refaz um raciocínio: em "Ele não falou, de alegria" x "
Ele não falou de alegria", exemplos de Maria Helena de Nóbrega, da USP, alude-se à disposição emocional do sujeito na primeira frase, e o tema "alegria", na segunda.8. O inusitado da redação criativa
Ninguém nasce criativo, mas pode desenvolver estratégias que melhoram seu texto

Criatividade é a habilidade de criar respostas novas, talvez inusitadas, para os problemas de expressão que temos.
É mudar o eixo em que as coisas são apresentadas.
O raciocínio comum, sequencial, funciona dentro de um quadro de referências familiar.
O inventivo associa o domínio inicial de um problema a outro quadro de referências.
O estímulo primário do texto criativo é abastecer-se de informações de variadas fontes, e ter a disciplina de ver sempre que bicho dá o ato de conectá-las.
Pode-se, por exemplo, inserir uma informação antiga em contexto novo, aplicada a problema atual. Ou modificar a relação habitual que há entre duas ou mais coisas ou seres.
O raciocínio sequencial, convergente, tende a viciar a escrita de dois modos:
1 Se o redator foi muito intimidado no processo escolar, pode tornar-se demasiado crítico consigo mesmo ao escrever.
2 Falta de familiaridade com outras soluções: tendemos a moldar nosso texto a fórmulas que conhecemos.
Por isso, um texto, para ser criativo, deve ser visto como um jogo de xadrez: que movimento devo fazer, qual levaria a que situação e que efeito obterei? Que ideia ou imagem torna palpável o que quero dizer? Ser inventivo é saltar o quadro de referências predominante. Alterar o próprio ponto de vista ou aprofundar o exame de um fenômeno observado. É prestar atenção à informação disponível fazendo um atento exame flexível das implicações dela.
9. O zelo independe do meio
Rapidez e concisão não podem ser pretextos para textos truncados na internet
Mensagens eletrônicas são um misto de língua escrita e falada. A redação rápida é, aqui, comparável à fala de improviso. Mas é preciso considerar que a mensagem será lida. Pensa-se e digita-se quase que ao mesmo tempo. Ao ser recebida pelo destinatário, o autor da mensagem não estará fisicamente presente para esclarecer imprecisões e trechos obscuros. Por isso, escrever de maneira rápida exige síntese e releitura, antes do envio.
Muita gente costuma escrever em meios eletrônicos como se estivesse falando despreocupadamente, com frases mal organizadas, sem clareza. O texto tende à informalidade, mas precisa evitar erros que comprometam a imagem do redator.
Como a redação da correspondência empresarial demanda rapidez, os textos devem priorizar a simplicidade, clareza e objetividade. Uma vez que ninguém tem tempo a perder, o vocabulário deve fazer parte da linguagem usual, sem rebuscamentos que tornem a mensagem complicada. Mas simplicidade vocabular não significa repetição exaustiva de termos, abreviações apressadas ou construções truncadas. Para obter concisão, qualquer que seja o meio, deve-se evitar dizer em muitas palavras o que se poderia dizer em poucas.
Concisão on-line
Em vez de
Use
Chegar a uma conclusão
Concluir
Chegar a uma decisão
Decidir
Conduzir uma investigação a respeito
Investigar
Fazer um exame
Estudar
Levar a efeito um estudo
Tentar
Levar a efeito uma tentativa
Repetir

10. Revisar o próprio texto
Repassar o próprio texto, à procura de falhas de concepção e redação, pode salvar o dia
Revise cada escrito, do texto a ser publicado ao e-mail mais despretensioso. Na revisão, é preciso fingir ser o próprio leitor de um texto que você fez, para buscar as questões que o rascunho pode ter deixado de fora. O leitor ou ouvinte não deve passar pelas dificuldades que você passou ao ler o próprio original.
Leitura final
- Tenha em mente o projeto de texto que você se propõe.
- Confira se o texto flui ponto a ponto.
- Verifique se afirmações se antecipam a eventuais indagações do leitor.
- Corte o que for irrelevante.
- Não omita informações; não exagere nos detalhes.
- Não insista em fatos de que o leitor já disponha.
- Melhor dispor de forma linear os elementos da frase.
- Não desvie do assunto.
- Veja se os trechos não devem ser distribuídos noutro ponto do texto.
- Não repita conectores, muitos "que" para iniciar explicações ou restrições a termos já expostos.
- Busque palavras com sentidos apropriados ao tema.
- Evite usar termos como se fossem sinônimos ou antônimos, mas que não têm real relação semântica.
- Faça revisão gramatical do escrito. Três vezes.
- Quanto terminar, pare.


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Muito controle, pouca educação



Muito controle, pouca educação
 
Nunca se falou tanto na parceria entre escola e família. Mas, ao contrário dos discursos, as relações mostram desconfiança mútua

 
Beatriz Rey

Imagine um mundo sem adultos, em que todas as decisões são tomadas por crianças. Como seria viver sem pais ou professores? A rede de televisão britânica BBC resolveu investigar: produziu o reality show Esqueceram de nós - A vila das crianças, programa que confinou crianças de 8 a 11 anos por duas semanas em uma espécie de vila. Em casas separadas, meninos e meninas tentaram conviver (ou sobreviver) sob a observação contínua dos pais - interferências só seriam feitas caso a saúde das crianças fosse colocada em risco. No começo do segundo dia, o caos reinava nas duas casas. De um lado, os meninos não conseguiam fazer uma simples refeição: Sid, de 9 anos, come macarrão cru porque não consegue esquentar uma panela de água. Do outro, as meninas entram em pé de guerra quando a competição feminina fala mais alto e não há adultos para mediar as relações. "É como viver um pesadelo", chora uma menina. "Pensei que fosse durar, mas não se passou nem um dia e já estou chorando", diz outra.
Quando assistiu ao programa, a psicóloga e consultora educacional Rosely Sayão ficou assustada. O que mais a incomodou não foi só o abandono extremo ao qual aquelas crianças foram submetidas - um retrato fiel do que acontece no mundo contemporâneo -, mas também a constatação de que o aprendizado hoje está nas mãos das crianças, e não dos adultos. "Um menino quis sair e a mãe disse: 'não, você vai ficar porque é a sua chance de aprender a cuidar de você e das suas coisas'", conta Rosely. Pode parecer contraditório, mas no momento em que mais se prega o diálogo entre as instituições familiar e escolar, constata-se que a criança nunca esteve tão sozinha.
A família está insegura: como lidar, além da educação familiar, no auxílio da aprendizagem escolar, sendo que o tempo é escasso e os filhos muito indisciplinados? Com as novas configurações familiares, grande número de instituições escolares tenta entender quais papéis são seus e se vê obrigada (ou não, em alguns casos) a repensar sua atuação. A famosa parceria entre as duas instituições pode até acontecer na prática, mas os papéis de ambas não estão claros para os professores, educadores, diretores, pais, especialistas ou psicólogos. Enquanto o mundo adulto experimenta daqui e tateia dali, resta às crianças conviver com sua ausência efetiva, em casa e na escola.
"A divisão de trabalhos entre escola e família está embaralhada. O fato de que esses dois territórios não têm fronteiras claras ocasiona tanta tensão", diz Maria Alice Nogueira, coordenadora do Observatório Sociológico Família-Escola da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Na escola particular, o pai que paga a mensalidade se vê muitas vezes no direito de cobrar e de exigir mais da escola. Esse é um dos motivos pelos quais Julio Groppa Aquino, professor do Departamento de História e Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP (Feusp), considera que a guerra entre as duas instituições no âmbito privado acontece na surdina. "Os professores são empregados da família e são tratados como tal. Isso ata a possibilidade de ação e gera tensão", diagnostica. Para Rosely, o conflito não é tão quieto como parece. Apesar de na superfície ele funcionar sob os moldes da gentileza, quando a tensão explode, os envolvidos mostram seu tom real, que é bélico. "Quando a mãe está em casa e o filho fala que tem uma lição e precisa de ajuda, ela xinga a professora. Quando o aluno está na escola e se comporta mal, o professor diz que aquela mãe não sabe o que faz. Não há respeito mútuo", pontua. 

Na escola pública, a situação se inverte. Muitas vezes com escolaridade média baixa, os pais se sentem desencorajados ou temerosos de participar da vida escolar dos filhos. Quando a relação acontece, forçada por algum problema disciplinar, é sempre tensa ou truncada (leia mais nas páginas 30 e 31). Mas isso não significa que ele dê menos importância à escola. "Não há pai de classe popular que não fale para seu filho estudar para ter um futuro melhor. O problema é que eles têm poucas condições econômicas e culturais para colocar isso em prática", lembra Maria Alice.

Cena do seriado Esqueceram de nós - A vila das crianças: sem adultos, crianças buscam criar regras de convivência
Pessoa e cidadão

A relação entre escola e família passa por um conflito de funções sociais. Até a década de 50, a transmissão de valores era papel da família, que representava o ambiente privado. O conhecimento era responsabilidade da escola. "A família transforma o filhote da raça humana em pessoa. A escola transforma a pessoa em cidadão", resume Rosely.

Dessa divisão clara, passou-se a uma zona de névoa, em que as atribuições não estão definidas. Um exemplo: quando o aluno apresenta um problema de comportamento em sala de aula, quem resolve? A escola, que deve ensinar a disciplina em sala de aula, ou os pais, em tese responsáveis pela transmissão de valores do que deveria ser um comportamento socialmente adequado? "É uma espécie de disputa geopolítica. Menos da responsabilidade sobre o educar e mais da prerrogativa, de quem se arroga o direito de dar a palavra final", afirma Groppa Aquino.
Há dados que apontam o crescimento da investida familiar em educação. Uma pesquisa realizada recentemente pelo movimento Todos pela Educação em parceria com a Fundação SM mostrou que 80% dos pais entrevistados estão atentos para que os filhos não faltem às aulas ou se atrasem, além de acompanhar sempre as suas notas. Mais de 50% dos entrevistados impõe horários para que o filho estude. Foram ouvidos 1.350 pais em regiões metropolitanas e no interior do país de todas as classes socioeconômicas.

Muito dessa postura vem das diversas correntes que atestam que uma inação nesse sentido tem efeitos negativos no comportamento dos filhos (o que é geralmente associado ao desempenho escolar). A Universidade Federal do Paraná realizou um estudo com 3 mil crianças em 2005 e chegou a quatro perfis de pais: negligentes, participativos, permissivos e autoritários. No caso dos pais negligentes, que raramente dedicam uma parte do dia ao filho, os efeitos são nocivos: 56% dos filhos apresentavam sinais de depressão, 73% tinham indícios de estresse e apenas 6% têm boa desenvoltura social.

No colégio Einstein, em São Paulo, as consequências benéficas da participação familiar foram percebidas há quatro anos pela diretora e coordenadora pedagógica Raquel Burmesteir. "Quando o pai se interessa, cobramos: olha, está mais difícil aqui ou ali. Ele pontua em casa e nós aqui. A criança se conscientiza do que realmente precisa", conta Raquel. "A escola não consegue estar sozinha e o pai também não. É um tripé que envolve o aluno", diz.
Rosely Sayão toma por antidemocrática a associação entre o desempenho do aluno e a participação dos pais. "Consideramos a família do aluno para que ele tenha possibilidade. É absolutamente infantilizador. E se ele entrar na escola e construir um processo de autonomia?", questiona. Na mesma linha, Groppa Aquino não vê como a participação familiar pode ter impacto no desempenho do aluno. "Essa associação se deve à entrada do discurso psi dentro da escola. É a história de ver a criança como um todo. Quando a gente faz isso, esquece do aluno, que é o que interessa à escola", alerta.
Mesmo quando se esboça algum tipo de definição sobre o papel da família, ainda não há clareza definitiva. Cristina Guerra é mãe de Gabriel, 15 anos, que cursa o 9º ano do ensino fundamental. Para ela, o trabalho da família deve ser acompanhar a educação escolar - a escola deve chamar o pai quando achar necessário. Mas sua lista de "acompanhamento" é extensa. "Acompanho lição de casa, quero saber como foi a rotina na sala de aula, como está o comportamento nas atividades, no recreio, na educação física, tudo. A rotina na escola tem que ver com a formação da pessoa", conta.
O rei da casa
Há um traço da família contemporânea que se ressalta quando o assunto é a participação familiar na escola. A partir do momento em que o filho passa a ser o centro da família (leia texto nas páginas 34 e 35), há a necessidade de que ele seja perfeito. "É um ideal de consumo, um pacote de felicidade. É como se você quisesse garantir uma relação afetiva duradoura, pelo menos a do filho, já que o casamento não é", lembra Rosely. Extrapolando o relato de Cristina, há pais que trabalham o dia todo e passam pouco tempo com os filhos. Isso cria uma ausência de disponibilidade (e não do tempo cronológico, como define a psicóloga), o que os leva a adotar uma postura permissiva: vou fazer tudo o que meu filho quer. Além disso, a juventude hoje não é mais uma faixa etária, mas um estilo de vida. "É por isso que tantos pais esquecem os filhos no carro e na escola. A mirada principal é a própria vida", aponta.

Geralmente, além das reuniões de pais, as escolas abrem espaço para encontros individuais com os pais, que acontecem pela chamada de um ou de outro. De volta ao início do texto, quando o aluno tem um problema de comportamento, por exemplo, os pais podem ser chamados. Até os anos 50, essa convocação não era comum. Foi então que uma série de pesquisas internacionais apontou o peso da origem social sobre os destinos escolares e o Brasil adotou esse modelo mais próximo de relação família-escola. O contexto histórico leva a uma pergunta: como os professores lidavam com a falta de disciplina antigamente? Há quem diga que, como a criança tinha na rua um espaço primário de socialização, o grau de maturidade era maior quando ela chegava à escola. O próprio processo de socialização da família era mais sofisticado, já que contava com a participação de mais membros (hoje, a relação central é pai-filho). Mas havia também um senso de autoridade muito grande. "As crianças se relacionavam obedecendo cegamente a alguns princípios. O senso de autoridade mudou na sociedade. É uma questão que a escola se recusa a assumir. Se há um fenômeno chamado bullying acontecendo é porque ela se recusa a enxergar que isso, nesse mundo que mudou, faz parte da responsabilidade dela", opina Rosely.

Rosely Sayão: diálogo deve ter como foco a educação de todas as crianças, e não do "meu filho", ou do "meu aluno"
O problema é a construção desse senso de autoridade dentro da sala de aula. Para elaborar o estudo Trabalho docente e saúde: o caso dos professores da segunda fase do ensino fundamental, os pesquisadores Maria do Socorro Sales Mariano e Hélder Pordeus Muniz consultaram professores de uma escola de segundo ciclo de ensino fundamental em João Pessoa (PB). O chamado "domínio da turma" é associado à existência de uma especialização técnica em relação à disciplina que lecionam, ao investimento em qualificação profissional e à organização do conteúdo que será exposto em sala de aula. "O desempenho na exposição dos conteúdos em sala e a relação construída entre professora e aluno são elementos igualmente pertinentes para se ter domínio da turma. Ter esse domínio significa menos angústia e maior controle da situação em sala de aula", concluem os pesquisadores. Obviamente, esta é apenas uma das variáveis em jogo, mas, sem dúvida, ela ajuda a determinar a postura do professor em sala. 
Ausências e compensações
Muitos educadores escolares, por sua vez, creem ser obrigados a assumir tarefas que não estão sendo feitas pela família. É comum que pais se dirijam a professores e diretores com dúvidas sobre a educação de seus filhos. Em uma palestra sobre a passagem do ensino fundamental para o médio no Colégio XII de Outubro, Marcos Ercíbio Couto, pai de Letícia, 14, e João Marcos, 10, mostrou-se angustiado: até onde nós, pais, devemos ir,  já que hoje os filhos controlam a situação? Marcos tem dificuldade de falar não para os filhos, não por querer protegê-los, mas porque o acesso fácil à informação deixou o poder argumentativo das crianças mais incisivo. "Há pais que não falam não para compensar a ausência dentro de casa. E então minha filha vê colegas que não sabem receber não e me diz: por que temos uma família com essas coisas antigas, pai? Minha colega não é assim", conta.

Uma das coisas que a família teria deixado de fazer é a educação familiar, que envolve a transmissão de valores que norteiam a convivência do indivíduo na sociedade. "A criança está vindo para a escola sem alguns elementos. Por exemplo, elas são mais individualistas na maneira de se comportar", diz Esther Carvalho, diretora do Colégio Rio Branco. Mas até que ponto o próprio individualismo não seria um valor contemporâneo, como a competição e o consumo? A partir desse questionamento, Rosely Sayão diz que as crianças chegam, sim, com valores na escola - só não são aqueles que se deseja.
Aqui, a ideia de abandono é reforçada: se os pais já trabalham com um ideal de filho, a escola pensa o aluno da mesma maneira. "É uma ótima parceria: ninguém olha a criança como de fato ela é. Assim, a escola não se sente desafiada a desenvolver práticas educativas que aprimorem seu desenvolvimento", afirma a psicóloga. Ana Maria Matrandonakis, coordenadora de ensino fundamental 1 do Colégio XII de Outubro, vai além: a maioria das famílias não dá conta da formação inicial e não consegue acompanhar os filhos, mas também não acredita no que a escola diz.  "Quando acontece um conflito na escola, nós somos os culpados. Os pais estão sempre um pouco bravos porque temos de resolver um problema pontual. O filho dele não tem problemas", diz. Aqui é preciso fazer uma distinção importante e que é unânime entre os especialistas: quando o professor reclama do aluno para o pai, está evocando a face estudantil daquele indivíduo. "Não é o mesmo sujeito que está lá. O filho pode ser uma coisa, mas o aluno da professora é outra", lembra Groppa Aquino.
Marcos Ercíbio Couto: angústia com os limites da atuação paterna, já que os filhos controlam a situação
Separar ou juntar?

Muitas das angústias relacionadas ao tema são provenientes das mudanças socioeconômicas e culturais do mundo contemporâneo. A fugacidade, as relações superficiais, o consumismo e o individualismo ainda são questões em aberto para a sociedade. Originalmente, a família é lugar do singular, do afeto. Em contrapartida, a escola é lugar do "mais um": é ali que as relações sociais se desenvolvem. Quando esses dois mundos devem se encontrar? Aliás, eles devem se encontrar? Ou o que é da escola, à escola? As opiniões são diversificadas.


Aliança inviável

Julio Groppa Aquino faz a voz dos que aceitam a inviabilidade da parceria entre as duas instituições. Para ele, quando os pais não participam, a escola reclama. E quando participam, reclama também. "Só chamamos os pais na hora em que o bicho pega. Ou nas festinhas insossas. Na escola privada, chamamos para mostrar que o dinheiro está valendo. Na pública, para responsabilizarmos os pais pela parte pedagógica. Só tem uma saída: não participar", defende.

A professora Maria Alice Nogueira, da UFMG, vê uma relação de mão dupla: se a escola está procurando a família, o contrário também vale. "Não posso dizer que minha mãe se inteirava do que eu estava aprendendo em geografia. Isso, para ela, era coisa da escola, hoje não é mais. É como se a família pensasse que a escola é muito importante para ficar só na mão do professor", aponta. Assim, a família de classe média exige cada vez mais da escola, que, sozinha, não consegue executar sua tarefa. Cabe à escola saber, por exemplo, qual é o momento de dizer não aos pais. "É importante que a escola tenha clareza sobre a sua proposta, para que o pai também tenha sobre a escola que quer para o filho dele", opina Adriana Silveira Garcia, diretora do Colégio XII de Outubro.
Além de restabelecer seus pressupostos, a escola deve ver a função educativa de forma ampla. Educar não é uma função apenas pedagógica, mas também ética e política, pois o que se quer, no final do processo, é abrir as portas do mundo público às crianças. Nessa linha, os educadores precisam descobrir até onde seus alunos podem ir, quais são os ritmos de aprendizagem, o quanto pode ser ensinado. "É preciso olhar para esse mundo e pensar qual projeto desenvolver para que as crianças não sejam fatalidades do destino social. A escola precisa ter uma utopia. Caso contrário, não há sentido em sua existência", lembra Rosely. Ela vislumbra uma possibilidade de acomodação de funções entre escola e família. O primeiro passo seria a escola (pública e privada) parar de atender os pais como clientes e de querer alunos ideais e homogeneidade. Em contrapartida, os pais precisariam esquecer a formação escolar do filho.
"É possível um diálogo, mas que tenha como foco principal a educação da criança, e não do 'meu filho', do 'meu aluno'. Deveriam se reunir para dialogar a respeito do projeto que a escola pratica com as crianças", opina. O importante é não perder de vista o sujeito, cuja maturidade de aprender os conteúdos e as coisas da vida por conta própria está se constituindo. No reality show da BBC, uma menina, aos prantos e molhada, tentava mediar um conflito provocado pelo excesso do uso de armas de água entre o grupo. "Precisamos de um adulto que nos diga quem deve ficar aqui e quem deve sair!", gritou. A famigerada parceria entre escola e família pode parecer incerta, mas a relação entre o mundo adulto e o infantil é cada vez mais necessária.

Quando o pai bate à porta
Um aluno é repreendido em sala de aula e, do caminho até a sala da diretoria, liga aos pais pelo celular e relata o ocorrido. Quando chega à direção, os pais já estão em contato com a escola, em tom acusatório. A cena ao lado é cada vez mais comum nas escolas particulares brasileiras: pais que se sentem no direito de cobrar, intervir, mudar. "O trabalho fundamental dos pais não é defender os filhos, mas encorajá-los para os enfrentamentos com a vida pública que estão na escola", propõe Julio Groppa Aquino, da Feusp.
Algumas escolas cedem. Abraçam projetos de educação ambiental, educação para o trânsito e tantas outras coisas que servem de vitrine. Qual o limite entre o desejo do pai e a vontade da escola? Para Groppa Aquino, os pais precisam entender que os dilemas escolares têm um sentido formativo. É ali que as crianças se relacionam com o mundo público: testam as leis, as punições, os limites, o sexo. "O que chamamos de indisciplina remete a essa experimentação ativa das crianças. Isso não é desvio, é da natureza da vida escolar", diz.

Pais, escola e tecnologia
A união entre escola e família muitas vezes acaba sendo sinônimo de controle de jovens e crianças exercido pelas duas instituições. É o que atesta a recente medida adotada pela rede municipal de ensino de Altinópolis, cidade paulista localizada a 70 km de Ribeirão Preto, região noroeste do estado.

Desde o último mês de novembro, os alunos da escola municipal Padre Geraldo Trossel estão sendo monitorados por câmeras
distribuídas por salas de aula e pelo pátio. A partir do próximo ano letivo, os pais terão acesso, via internet e ao vivo, às imagens gravadas. A notícia foi veiculada no jornal Folha de S. Paulo no dia 1º de dezembro.

De acordo com a prefeitura, as câmeras serão implantadas em todas as unidades. Para Marcos Hernani Hyssa Luis (PMDB), prefeito da cidade, os equipamentos foram instalados como parte do projeto pedagógico, que busca uma aproximação entre os pais e a escola.
"A questão da segurança está inserida nesse contexto", disse.

  Mas não é só o governo municipal que encabeça a ideia. Os pais dos alunos aprovaram a mudança e pensam que ela deveria ser adotada em outras escolas. Ricardo Honório Tozzi, uma das fontes ouvidas pelo jornal, é pai de Karen Gonçalvez, de 12 anos. "Os alunos vão ficar meio constrangidos de perturbar porque tudo vai ser filmado", disse. Antônio Sérgio Bendazolli, outro pai cujo filho está matriculado na escola, afirmou que pretende até comprar um computador para acompanhar o que se passa na escola - para ele, os problemas com a droga podem ser enfrentados com o uso da câmera.


Para Saber mais
A parceria presente - A relação família-escola numa escola da periferia de São Paulo, Marcia Gallo, LCTE Editora, 2009.
Cadernos Cenpec Escola, família e comunidade, diversos autores, 2009.

Crianças (con)fundidas entre a escola e a família, Liliana Sousa, Porto Editora.

Escola e família numa rede de (des)encontros - Um estudo das representações de pais e professores, Lelia de Cassia Faleiros Oliveira, Editora Cabral, 2002.

Escola-família - Uma relação em processo de reconfiguração, Pedro Silva e Stephen R. Stoer, Porto Editora, 2005.

Família e escola, Maria Alice Nogueira, Editora
Vozes, 2000.


Família e educação - Olhares da psicologia, Lucia Moreira e Ana M. A. Carvalho, Editora Paulinas, 2008.

Família e escola - A arte de aprender para ensinar, Albertina de Mattos Chraim, Editora Wak, 2009.

Família: modos de usar, Julio Groppa Aquino e Rosely Sayão. Editora Papirus, 2007.

Os bastidores da relação família-escola, Daniela de Figueiredo Ribeiro, tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, 2004.



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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Obrigado, Chegamos a trezentas mil visitas .


Obrigado a todos  que de alguma forma, visitaram este blog chegamos a marca de 300.000 visitas. Por causa de vocês estou dando continuidade as postagens. meu muito , mas muito obrigado mesmo

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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dilemas da educação superior no mundo globalizado: sociedade do conhecimento ou economia do conhecimento (resenha)


José Dias Sobrinho


Dilemas da educação superior no mundo globalizado: sociedade do conhecimento ou economia do conhecimento?*


Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior
Criado em 28 de outubro de 1992, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GEPES) visa à promoção, coordenação e difusão de estudos e pesquisas na área de ensino superior, através do esforço e cooperação de pesquisadores da Faculdade de Educação e de outras unidades da UNICAMP, além de instituições nacionais e internacionais. Para saber mais sobre o GEPES, visite o site <www.fe.unicamp.br/gepes>


A elaboração desta resenha é fruto de discussão ocorrida no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Superior (GEPES), da Faculdade de Educação da UNICAMP. Tendo por objetivo o estudo e a pesquisa sobre questões da educação superior, o interesse na temática do livro levou o grupo a um amplo e aprofundado debate, resultando na elaboração desta resenha. A organização final do texto teve como autores: Gianna Perim, Sueli Petry Luz, Maria de Lourdes P. de Almeida, Elisabete M. A. Pereira e Arnaldo Santos Di Trani.
Trata-se de um livro abrangente, com pertinentes análises sobre questões que estão postas à educação superior de forma geral. Com base na análise dos marcos econômicos, culturais e sociais, o livro apresenta ao leitor as diferentes razões da forma como está sendo organizada e estruturada a educação superior brasileira, nos últimos tempos. Esta publicação é uma grande contribuição para os estudiosos da área, pois encontram no texto do prof. José Dias uma competente e séria discussão sobre os diferentes dilemas que as mudanças, as realizações e os desafios da crise no nível do Estado, do trabalho e do sujeito apresentam à educação superior, de forma geral, e à educação superior brasileira, de forma específica. É um texto que, como diz o autor, "não trata das certezas, mas das incertezas" (p. 23).
A obra é apresentada pelo prof. Pedro Goergen, que enfatiza a oportunidade da publicação num momento em que a universidade passa por uma crise caracterizada, em sua opinião, por uma tríplice dimensão: crise conceitual, contextual e textual. A crise conceitual é vista por Goergen como a crise do conceito "universidade", a qual permite o uso deste termo de forma genérica, sem correspondência a uma idéia. A crise contextual diz respeito à relação da universidade com uma sociedade em dinâmicas e profundas transformações pela ciência, tecnologia, globalização econômica, globalização cultural, instabilidade do mercado de trabalho, entre outras transformações. A crise textual está relacionada ao desafio que a universidade enfrenta para preparar profissionais e pesquisadores éticos. Os temas que envolvem os elementos apontados por Goergen como responsáveis pela tríplice dimensão da crise da universidade são aprofundados nos capítulos do livro, com riqueza de análise, permitindo ao leitor uma visão clara das intrincadas relações dos elementos constitutivos da situação atual da educação superior.
Na apresentação da obra, Dias Sobrinho esclarece que os dilemas da educação superior estão postos pela manifestação da crise estrutural do Estado, que não consegue prover suas instituições das condições necessárias para que se promova a equidade, a justiça social, a democratização. Descreve um cenário composto de contradições, onde se situa o grande dilema da educação superior hoje: educação como direito social e bem público ou educação como negócio e mercadoria.
Com poder de argumentação historicizado, o autor demonstra que o conhecimento científico, neste inicio de século XXI, passa a ser um instrumento de apropriação material e espiritual nas mãos da classe economicamente dirigente, que o usará como meio de extorsão de mais-valia. Separados dos meios de produção de vida material, tal elite produz um saber incoerente com a situação nacional. Descreve que as instituições civis e políticas, nas quais essa elite financeira e política atua, reproduzem um fenômeno inerente à força do capital, resultando em um cenário onde: o Estado não é mais capaz de prover as instituições; a nova economia rompe com os modelos tradicionais do trabalho; e os benefícios da educação globalizada se voltam mais aos indivíduos do que à sociedade.
As questões do trabalho estão postas nas análises que o autor faz da globalização econômica, as quais apresentam para a educação superior problemas sócio-profissionais e a emergência de novos sentidos que a universidade, da forma como foi estruturada, encontra dificuldades para encaminhar. Embora essa temática perpasse o livro todo, ela é mais explicitamente analisada no Capítulo I – Educação superior, globalização e desafios ético-políticos. Este capítulo busca responder a questão: Que funções deve desempenhar a educação superior nesse contexto de incertezas e transformações, em ritmos cada vez mais acelerados? (p. 23) O autor chama a atenção para as responsabilidades da educação superior, afirmando que está em questão o futuro "que não sabemos planejar, mas oxalá seja melhor que o presente que não soubemos ou não conseguimos construir" (p. 23).
Na análise da inferência da globalização nas ações da educação superior, Dias Sobrinho ressalta que a globalização tem significados ambivalentes. Sua face mais evidente é a dimensão econômica e técnica, mas ela é multidimensional e tem a ver com as dinâmicas interdependentes da cultura, da política, da ética, da ecologia, do local e do universal. Discute, nos diferentes aspectos da globalização, aqueles ligados: às transformações da educação superior (sociedade do conhecimento x economia do conhecimento); às contraditórias visões de mundo (antinomia entre humanismo e mercado); às emblemáticas defesas por uma educação sem fronteiras (internacionalização e impactos da educação transnacional nos países latino-americanos); e às reformas da educação superior nos países latino-americanos e nos países da comunidade européia.
Acredita que, com a globalização da economia, o ensino superior público domestica sua identidade. Em sua análise, comprova isto pela constante perda de autonomia universitária, principalmente nas atividades que correspondem à investigação cientifica, onde os rumos da pesquisa têm sido decididos, em sua maioria, pelas fontes financiadoras. Deixar o financiamento ao mérito do mercado significa atrofiar e esquartejar as áreas de pesquisas fundamentais e o conseqüente amordaçar do Estado constitucional. Nesse sentido, salienta que os órgãos governamentais, ainda que trabalhando com dinheiro público, tendem a financiar projetos diretamente vinculados aos interesses do setor produtivo.
O autor compreende que a apropriação do conhecimento científico não é um privilégio do atual neoliberalismo, que epidemiza o ethos acadêmico. Por mais público que pareça o modelo de ciência que idealiza um projeto de pesquisa totalmente desvinculado do setor produtivo, os interesses que a academia atende sempre privilegiam e destinam-se a esse grupo. O que caracteriza esta forma de apropriação do conhecimento é a abertura ao mercado, o qual redefine as relações entre os "produtores" do conhecimento e os seus "consumidores". Dentro desse ethos acadêmico, os interesses econômicos financiam e dão destino à pesquisa científica. O confronto ideológico contemporâneo edifica-se com a problemática da legitimidade e legalidade desse processo de mercantilização.
Afirma que os pesquisadores da universidade perdem identidade devido à flexibilização do trabalho, ao enfraquecimento dos sindicatos e ao desmonte do sistema de proteção acadêmica fundada em direitos histórica e arduamente adquiridos. Trata-se de um processo econômico que des-configura diretamente o Estado-nação que, ainda que minimamente, garantia direitos e promovia o "bem estar", de acordo com as urgências político-sociais da sociedade civil.
Outro importante ponto apontado pelo livro é a atenção para o profissional requerido pelo fenômeno da globalização. Este tem grande especialização e está em contínua formação para garantir um lugar na frenética competição do mercado. Todavia, como homem, sofre as conseqüências, pois o mercado apenas o identifica por aquilo que produz. As suas dimensões humana e social ficaram submetidas à dimensão mercadológica, embora identificada como necessária para o alcance do desenvolvimento do Estado-nação.
O ponto central trazido pelas suas reflexões é o desafio da educação superior para a construção da globalização da justiça e da dignidade humana, da recuperação da dimensão histórica dos indivíduos e da reintegração da sociedade. Analisa que o crescimento econômico, baseado nas conquistas da tecnologia e do conhecimento, por si só não é capaz de garantir equidade social, erradicar os bolsões de miséria, evitar a degradação ambiental e a violência.
Com muita clareza, aponta que a universidade, na sua configuração clássica ainda predominante, não dá conta de atender às contraditórias demandas atuais, mesmo com sua enorme capacidade de se superar, se adaptar, se transformar e pensar o futuro. As contradições das demandas colocam objetivos totalmente antagônicos para a educação superior, como: formar em toda extensão e com elevada qualidade pesquisadores e profissionais de ponta e, ao mesmo tempo, fornecer a simples capacitação para os postos de trabalho menos exigentes; desenvolver a mais avançada e inovadora pesquisa e, por outro lado, oferecer o conhecimento de pronta aplicação; conciliar os valores gerais e permanentes da sociedade democrática com os interesses imediatos e pragmáticos do mercado.
Dias Sobrinho apresenta a necessidade da universidade responder às expectativas, tarefas e funções crescentemente alargadas e complexas, ampliadas pela forte demanda de escolarização superior, pela conexão direta da educação com a expansão social da divisão do trabalho e pelo valor econômico do trabalho, sobretudo da pesquisa especializada. Compreender essas contradições e encontrar novos caminhos são os desafios a serem enfrentados por uma instituição que ainda recebe o nome de "universidade", mas é, em muitos sentidos, uma outra instituição.
Após tratar, de forma bastante rica, das questões relativas à internacionalização e à transnacionalização e seus impactos na educação superior na América Latina, o autor apresenta dois cenários possíveis para a educação superior: adesão automática ao sistema hegemônico da economia global ou respeito aos princípios e ao ethos universitário.
A participação coletiva, respeito à diversidade, compreensão dos contextos sócio-políticos gerais e dos sentidos das mudanças e suas relações são consideradas pelo autor imprescindíveis às transformações, mudanças e reformas da educação superior. Para ele, todo esforço de reforma deve partir de uma compreensão razoável das cenas atuais e dos cenários futuros e não pode ser gestado de fora para dentro. Acredita que a profundidade e a extensão das mudanças vão depender da capacidade reflexiva da comunidade educativa, que, para ele, parece estar bastante fragilizada.
Adverte que a educação superior corre o risco de se dedicar mais às tarefas e demandas de curto prazo, específicas, imediatas e superficiais, do que a problemas e questões de largo alcance, mais duradouros, mais significativos para a existência social.
Em tempos de tantas incertezas e desesperanças, o livro é um convite irrecusável para aqueles que acreditam na responsabilidade da educação superior, na formação de cidadãos éticos e responsáveis, na consolidação da democratização da sociedade e na redução das desigualdades sociais.


* Resenha do livro de José Dias Sobrinho (São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005).
 

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Currículo: um elo importante na parceria escola/família?


 

PGM 4 - Currículo, escola & sociedade

Currículo: um elo importante na parceria escola/família?

Carmen Teresa Gabriel *




Discutir as diferentes modalidades possíveis de articulação entre escola e família nas sociedades contemporâneas pressupõe refletir também sobre o currículo e suas implicações para o cotidiano escolar e a prática docente.
Mas o que se quer nomear quando se fala "currículo"? Basta um breve mapeamento sobre o que tem sido escrito a respeito deste termo para percebermos que existem diferentes maneiras de compreendê-lo e significá-lo.
De uma concepção tecnicista e reducionista de currículo - associada comumente a listagens de conteúdos tidos como universais e indispensáveis para serem ensinados nas diferentes disciplinas - até a sua percepção como prática social cotidiana que produz significados e dá sentido ao mundo, existe uma distância semântica enorme, tradutora de diferentes olhares e perspectivas sobre a temática curricular.
Não cabe aqui desenvolver as diferentes correntes ou teorias curriculares, mas chamar atenção para o fato de que os laços entre escola e família se afrouxam ou se estreitam em função, também, da concepção de currículo privilegiada no olhar de quem percebe esta relação.
Assim, a questão que me parece pertinente para começar esta breve reflexão pode ser assim formulada: Que concepção de currículo melhor contribui para consolidar, fortalecer a parceria entre escola e família, entendida como um processo permanente de construção entre atores diferentes mas com projetos coletivos comuns? Projetos esses que, ainda que de forma diferenciada, expressam a intencionalidade da construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Um novo olhar sobre o currículo

Uma possibilidade de resposta a esta questão consiste em explicitar a escolha do campo semântico construído em torno do termo currículo. Dependendo do enfoque teórico adotado, estabelecem-se associações entre este e vários outros conceitos dando visibilidade ao sentido que se lhe quer atribuir.
Dessa forma, pensar currículo associado apenas à técnica, ao planejamento do que deve ser ensinado, às inúmeras diretrizes e documentos oficiais, ou pensá-lo a partir da ampliação do campo conceptual e articulá-lo a outros conceitos como cultura, representação, poder ou identidade, são posturas e escolhas cujas implicações políticas e pedagógicas são bem diferentes. Elas traduzem a própria compreensão do significado de escola e das relações que esta instituição estabelece com a sociedade na qual está inserida.
As tendências mais atuais hoje do campo do currículo vão no sentido de privilegiar a inserção deste termo em uma rede conceptual mais ampla e complexa, sem no entanto perder de vista a especificidade do espaço no qual ele é pensado e produzido. Esta abordagem permite pensar o currículo escolar tanto em termos de mudanças como de permanências.
Em termos de mudança, podemos destacar algumas evidências. Em primeiro lugar, a associação entre currículo e cultura permite a ampliação da noção de "conteúdos escolares". Ao invés da conotação recorrente com "a matéria a ser ensinada", este novo olhar prefere relacionar os conteúdos escolares com a noção de "elementos de cultura", incluindo entre estes elementos diferentes saberes, valores e comportamentos.
Em segundo lugar, a articulação entre currículo/cultura/representação, em uma mesma rede de significados, permite não só ampliar como também questionar a natureza e as condições de produção desses conteúdos escolares. A idéia de representação social vinculada sugere que o termo cultura está sendo significado na perspectiva mais antropológica, relativista e pluralista, pela qual ele assume a conotação de visões de mundo ou grades de leitura e de interpretação produzidas por grupos sociais específicos em função dos seus interesses e possibilidades. É nesse sentido que pensar e trabalhar com o currículo refletem as diferentes visões de mundo dos atores envolvidos na produção dos saberes escolares (autores de propostas curriculares ou livros didáticos, professores e alunos).
O currículo, visto dessa forma, desmistifica a idéia de neutralidade dos conteúdos disciplinares, reafirmando o seu aspecto seletivo, trazendo à tona a discussão sobre os critérios adotados para a escolha deste ou daquele conteúdo nas grades curriculares de uma determinada disciplina. Quem decide o que se ensina em Matemática, História ou Literatura? Para quem estes conteúdos são significativos? Existem conteúdos universais que devem ser ensinados a todos? Estas e outras tantas questões emergem no debate do campo curricular e traduzem o terceiro aspecto inovador que merece ser apontado: a assunção da dimensão política inerente às práticas pedagógicas e expressa na inclusão do conceito de poder na rede de significados da qual faz parte o termo currículo.
Pensado como uma construção histórica e social, o currículo traduz, assim, os diferentes interesses em disputa, produzindo e reproduzindo as relações sociais desiguais, assimétricas, que caracterizam as sociedades contemporâneas. Através dele é possível legitimar e/ou contestar valores, saberes e culturas. É possível produzir, reafirmar, negar ou silenciar identidades e diferenças sociais. Nesse sentido, o currículo se transforma igualmente em um importante instrumento de negociação política entre os diferentes atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Uma outra dimensão inovadora consiste no fato de este novo olhar colocar em evidência os limites de uma concepção de currículo centrada apenas na sua dimensão formal, como um produto acabado e materializado nas propostas curriculares. Pensar currículo a partir do campo conceptual acima mencionado, implica igualmente percebê-lo como prática social viva, dinâmica e processual traduzida pelo conjunto de experiências produzidas e vividas por professores e alunos no cotidiano da sala de aula. É nesse sentido que se distingue o "currículo formal" do "currículo real", este último incorporando as noções de incerteza, urgência, dinâmica, acaso, contingência, processo, pluralidade que caracterizam o processo de ensino-aprendizagem a partir das condições objetivas e subjetivas que estão postas.
Em termos de permanência, este novo olhar se caracteriza pelo fato de que, apesar dos questionamentos sobre a natureza e função dos conteúdos escolares, ele não nega a centralidade e importância dos mesmos nas discussões curriculares. O currículo é visto assim como o conjunto de representações e práticas que se organizam em torno do conhecimento escolar. Conhecimento esse produzido num espaço social com funções sociais formativas e normativas, que precisam ser devidamente consideradas. Assumir a não-neutralidade dos conteúdos escolares e as suas implicações político-ideológicas e culturais não autoriza, no entanto, cair em um relativismo radical que permite afirmar que qualquer saber ou valor ético-cultural pode e deve ser ensinado nas escolas. Não se trata de negar a necessidade de selecionar os conteúdos escolares, mas sim de explicitar os critérios desta seleção de forma consciente e em sintonia com o projeto de escola e de sociedade no qual se acredita e pelo qual se luta.
Mas em que medida a parceria escola-família pode sair reforçada quando se opta por uma concepção de currículo como esta acima privilegiada? Em que medida as mudanças e as permanências apontadas na percepção deste novo olhar sobre o currículo podem estreitar esta parceria?
Um novo olhar sobre a parceria escola /família

Pensar o currículo de forma contextualizada, ampliada e dinâmica acarreta, em primeiro lugar, uma abertura dos canais possíveis de diálogo entre o mundo da escola e o mundo da família, permitindo não apenas o estreitamento desta parceria, mas igualmente, e principalmente, a possibilidade de repensá-la a partir de outras bases.
Na medida em que os conteúdos escolares deixam de ser percebidos como verdadeiros "pacotes de conhecimento universais a serem digeridos" e passam a ser considerados como práticas culturais que se manifestam no domínio da representação e leitura do mundo dos atores envolvidos, eles permitem um novo olhar sobre as concepções de mundo do aluno e do seu meio familiar, refletindo diretamente na forma de pensar esta parceria.
Não se trata mais de pensar esta parceria apenas em termos de gestão administrativa ou emergencial, mas sim de concebê-la e construí-la também no momento da concepção de escola, da produção e/ou reelaboração do projeto político-pedagógico, onde a questão do currículo desempenha um papel central. Os conhecimentos, valores, desejos e expectativas vindos dos diversos horizontes familiares passam a integrar o campo dos saberes de referência a serem considerados no momento da escolha dos conteúdos escolares.
Ao invés de serem desvalorizados culturalmente, ou percebidos como obstáculos e handicaps à aprendizagem - como ocorre com freqüência, em especial quando são produzidos nos meios socioculturais mais desfavorecidos - esse cabedal cultural formado pelos conhecimentos cotidianos, populares e/ou do senso-comum, podem ser confrontados com os demais saberes - acadêmicos, científicos, disciplinares - de forma a fazer do saber escolar produzido nas salas de aula algo mais significativo, mais prazeroso e mais libertador para todos os atores envolvidos na prática educativa.
Os laços entre família e escola, assim considerados, vão além do controle meramente burocrático ou da aquisição, pelos alunos, dos conteúdos escolares. Ao invés da família ser chamada ou convocada na escola apenas quando as coisas não andam bem, quando as notas estão baixas, ou quando se precisa de uma ajuda pontual, ela passa a ser encarada como co-autora do projeto de escola e conseqüentemente se envolvendo mais diretamente na concretização do mesmo.
Para além desta mudança na perspectiva do planejamento mais geral da própria instituição escolar, a concepção de currículo aqui privilegiada permite ao professor organizar a sua prática pedagógica cotidiana de sala de aula de forma mais dialógica e interativa com a realidade dos seus alunos. As opções didáticas do professor partem de critérios que "trazem a família" para dentro da sala de aula de forma positiva e afirmativa, por aquilo que elas têm e que pode contribuir na construção do conhecimento escolar. Não pelas ausências e carências que fazem desta inclusão pretexto para mais uma forma de exclusão.
Ao quebrar as concepções hierárquicas de saber, este novo olhar sobre o currículo abre a possibilidade de valorizar outras formas de conhecimento sem confundi-las, no entanto, entre si. A valorização dos saberes sociais oriundos dos meios familiares não deve ser confundida com homogeneização dos papéis sociais atribuídos à família e à escola. Esta última, como já foi sublinhado, é um espaço específico de produção e transmissão de conhecimento. Um espaço que estabelece relações privilegiadas com o saber. Um espaço, onde é possível para o/a aluno/a estruturar e sistematizar os saberes plurais criados em outros lugares.
Esta concepção de escola e da "cultura escolar" defende que na escola os saberes sociais dos alunos devem ser vistos muito mais como ponto de partida do que como ponto de chegada. À escola e ao professor compete organizar, sistematizar, complexificar esses conhecimentos, isto é compete ensinar. Complexificar não no sentido de complicar, mas de facilitar aos alunos a construção de novas grades de leitura do mundo, no sentido de permitir a esses alunos se situarem em um mundo por definição extremamente complexo.
Nesta perspectiva, o currículo é, sem dúvida, um elo importante e indispensável na parceria escola e família. Uma parceria que, por ser selada muito mais no domínio das representações e do simbólico, não é facilmente perceptível e nem fácil de ser construída. No entanto, sem ela qualquer outra modalidade de parceria pode ficar seriamente comprometida. O desafio está posto. O enfrentamento apenas começando.
BIBLIOGRAFIA


CANDAU, V. Educação escolar e cultura(s), In: Revista Tecnológica Educacional, n.125, v.22 jul./ago., 1995.
__________,Cotidiano Escolar e Cultura(s): encontros e desencontros. In: CANDAU V.(org.). Reinventar a Escola. Petrópolis, Vozes, pp. 17-46, 2000.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura. As bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.
GABRIEL, Carmen Teresa. Escola e Cultura: uma articulação inevitável e conflituosa. In: CANDAU V.(org.). Reinventar a Escola, Petrópolis, Vozes, pp. 17-46, 2000.
GIMENO SACRISTAN, J. Escolarização e cultura: a dupla determinação. In: SILVA, Luis Heron da, AZEVEDO, José Clovis dos, SANTOS, Edimilson dos, (orgs.) Novos mapas culturais - Novas perspectivas educacionais. Porto Alegre, Sulinas, 1996.
LOPES, Alice R.C. Produção de saberes na escola: suspeitas e apostas. In: CANDAU, Vera (org.). Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro, DP&A, 2000.
_______________. As relações entre cultura e conhecimento escolar, refletindo sobre o processo de exclusão e inclusão. In: Anais do Seminário Cidadania e Educação, 1998, mimeo.
______________. Questões para o debate sobre o conhecimento. In: Revista do Laboratório de ensino de História da UFF, vol. 3, n. 3, out. 1999.
MOREIRA, A.F. & SILVA, T.T. Currículo, Cultura e Ensino. São Paulo, Cortez, 1995.
PERRENOUD, P. Ensinar: agir na urgência e decidir na incerteza. Porto Alegre, ArtMed, 2001.
SILVA, Tomaz Tadeu. Currículo e Identidade social, territórios contestados. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Alienígenas na Sala de aula - uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, Vozes, 1995.
_________________. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte, Autêntica, 1999.


NOTAS:


* Doutoranda em Educação - PUC/Rio.


Fonte: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/pef/peftxt4.htm

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Conversas sobre Didática,