O Livro Negro da Revolução Francesa
Não sei o motivo, creio que seja uma graça de Deus, mas desde muito novo tive uma antipatia extrema pela Revolução Francesa. Todo aquele caos, todo aquele ódio às instituições tradicionais, toda aquela violência ligada ao comportamento de rebanho que as massas humanas adquirem em certas situações, sempre me pareceu algo péssimo.
Com o tempo, lendo mais e descobrindo os motivos determinantes (laicismo, deísmo, paralaxe cognitiva) pelos quais se deve rejeitar tal evento histórico como referencial de valores, coloquei-me de maneira tão contrária aos ideais de 1789 que ficou complicado conceber em alguém uma posição favorável. Contudo, isso é o que há de mais comum; lembro como recentemente, ao conversar com um amigo que faz licenciatura em História, fiquei estupefato com a admiração dele pela Revolução Francesa, e o mesmo se diga, algumas semanas atrás, ao ler comentários de confrades católicos num debate no Orkut.
Por isso, o lançamento na nossa língua, pela editora portuguesa Alêtheia, da obra O Livro Negro da Revolução Francesa (que pode ser comprado por meio da Livraria Cultura), é algo mais do que bem vindo.
Leiam a descrição da obra, que deixa bem claro o valor da crítica aos tristes acontecimentos do final do século XVIII:
"A Revolução Francesa de 1789 é normalmente descrita como um acontecimento glorioso, libertador e fraternal, que significou o triunfo de uma Razão há longo tempo amadurecida e desejada na Europa e que destruiu o mundo do Ancien Régime. Mas o acontecimento que é apontado como o fundador de valores como a Liberdade, Igualdade e Fraternidade, representou, simultaneamente, um dos mais sangrentos períodos da história contemporânea, com marcas que perduram até aos dias de hoje. O Livro Negro da Revolução Francesa não pretende «branquear» factos. É inegável que a extrema violência que este acontecimento gerou – e que, no entanto, se reclama como sendo um produto das Luzes – deixou marcas indeléveis em sucessivas gerações no mundo ocidental. Este livro pretende apresentar uma visão alternativa não só da Revolução Francesa, mas também dos processos revolucionários globalmente considerados, oferecida por trabalhos e reflexões críticas com um valor e autoridade que são, frequente e precipitadamente, recusados, mas que têm sido fundamentais para a desconstrução da «mitologia» revolucionária. Das perseguições religiosas aos tribunais do Terror, da guerra civil à destruição de obras de arte, o leitor poderá, com o presente livro, ganhar uma nova perspectiva sobre um dos acontecimentos mais marcantes da História."
Também é digna de nota a seguinte entrevista com um dos co-autores do livro (Jean Sévilla), originalmente publicada no blog da Federação dos Estudantes da Aquitânia e traduzida por Hélio Dias Viana:
(Jean Sévilla)
Qual foi a sua contribuição para esse livro?
Há dois anos, encontrando-me com o Pe. Renaud Escande, idealizador do futuro Livro Negro da Revolução Francesa, ele me perguntou que contribuição eu poderia dar à obra. Logo em seguida tive uma idéia, posta em execução num texto, à maneira de esboço de resposta para aquela pergunta: “Será comemorado o terceiro centenário da Revolução?”. Na época eu estava mergulhado na preparação de meu livro Moralmente correto, publicado em 2007, e impressionado pela amplitude das mudanças da sociedade e das mentalidades a que assistimos no decurso das últimas décadas. Projetando o mesmo espaço-tempo não mais para o passado, mas para o futuro, disse para comigo que seria interessante interrogar sobre o que restará da Revolução Francesa em 2089. Pergunta que pode ser entendida em duplo sentido: o que restará da Revolução, mas também o que restará da França. A conjectura é um exercício arriscado: tantas previsões, felizes ou infelizes, foram frustradas… Mas não é proibido interrogar, a partir do momento em que se sabe que certos fatos têm conseqüências iniludíveis.
Que continuidade existe entre este e seus livros anteriores?
Sou simultaneamente jornalista, ensaísta e historiador. Minha contribuição ao Livro Negro da Revolução Francesa inscreve-se nesta perspectiva: o historiador trabalhou sobre 1789, o jornalista mergulhou em suas lembranças de 1989, e o ensaísta tentou refletir sobre 2089.
Qual é a idéia-base deste livro?
A despeito do fato de que todos os historiadores sérios, mesmo os ardentemente republicanos, são unânimes em que a Revolução Francesa apresenta um problema, a imagem oficial – a dos livros escolares do primário e do secundário, a da televisão – mostra os acontecimentos de 1789 e dos anos seguintes como o momento da fundação de nossa sociedade, maquiando tudo aquilo que se quer esconder: o Terror, a perseguição religiosa, a ditadura de uma minoria, o vandalismo artístico etc. Hoje, elogia-se 1789 e nega-se 1793. A Declaração dos Direitos do homem é benquista, mas não a lei dos suspeitos. Mas, como separar 1789 de 1793 quando se sabe que o fenômeno terrorista começa a partir de 1789? Para responder à pergunta, a idéia-base do Livro Negro da Revolução Francesa é mostrar essa face da realidade que nunca é mostrada, e lembrar que houve sempre uma oposição à Revolução Francesa, mas sem trair a História. Queira-se ou não, goste-se ou não da Revolução, é um mapa da História da França e dos franceses. Não poderá ser apagado: cumpre ao menos compreendê-lo.
Este livro, do qual participaram diversos professores, mostra que o mundo universitário está em vias de mudar?
O mundo universitário mudou há muito tempo. Lembrem-se do Bicentenário [da Revolução Francesa, em 1989]: de Pierre Chaunu a Jean Tulard, de Reynald Secher aos historiadores estrangeiros que se descobriam então, tal como Alfred Cobban, todos os grandes nomes da pesquisa histórica situavam-se, em graus diversos, numa posição de crítica em relação à Revolução Francesa. É preciso lembrar o papel essencial e paradoxal de François Furet: este homem de esquerda, ligado ao liberalismo mas nunca à contra-revolução, participou fortemente do naufrágio do mito revolucionário nos meios intelectuais. Mas ele não é feito senão de amigos! Depois de 1989, contudo, passou-se uma geração. De onde a idéia, com este Livro Negro, de retomar a questão com novas colaborações, com contribuições em parte novas.
No quê uma obra sobre a Revolução Francesa ainda pode interessar os franceses de hoje?
Numa sociedade que se defronta com uma verdadeira depressão cultural, existe ainda um público cultivado e que lê. Se o Livro Negro chegar a esse público, já estará bem. Observa-se há anos um verdadeiro fascínio pela Idade Média. Nas multidões que vagueiam pelos castelos do [vale do] Loire ou de Versailles, ou na voga da música antiga, encontra-se um interesse pela civilização pré-revolucionária. Chegará o momento em que esse público verá de frente a história da Revolução, pronto a ser modificado em suas certezas. Mas, a se crer na receptividade que encontrei com meu livro Historicamente correto, uma obra que atingiu sem dúvida meio milhão de leitores, há muita gente na França pronta para objetar contra alguns mitos históricos estabelecidos. Espero que o Livro Negro da Revolução Francesa, do qual não sou senão uma das múltiplas vozes, contribuirá para isso.
fonte: http://apologeticacatolicablog.blogspot.com.br/2011/02/nao-sei-o-motivo-creio-que-seja-uma.html
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