quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Contribuições atuais a respeito dos mecanismos de defesa: uma visão comparativa, Steven H. Cooper, Ph.D.


Contribuições atuais a respeito dos mecanismos de defesa: uma visão comparativa, Steven H. Cooper, Ph.D. (A tradução é de minha autoria)


 
(1989) Contribuições atuais a respeito dos mecanismos de defesa: uma visão comparativa. Revista da Associação Americana de Psicanálise. 37:865-891. 


Contribuições atuais a respeito dos mecanismos de defesa: uma visão comparativa

Steven H. Cooper, Ph.D.
RESUMO


Algumas das contribuições teóricas mais recentes – tais como as propriedades motivacionais do Ego (Schaefer, 1968); (Kris, 1984), as teorias funcionais da defesa (Brenner, 1982), o objeto representacional da defesa (Kernberg, 1976), a “duplicidade” da teoria defensiva (Modell, 1984) e a psicologia do ego baseada na teoria da defesa (Kohut, 1984) – sobre o campo dos mecanismos de defesa foram rigorosamente revisadas. A teoria dos mecanismos de defesa é composta por discursos teóricos e por níveis de observação distintos a respeito do fenômeno em questão. Uma das maiores diferenças entre os autores citados se concentra na variedade de referências aos mecanismos de defesa (por exemplo, qual é o alvo da defesa? Contra o que ela se arma e combate?), aos impulsos, aos derivados das pulsões, à perda do objeto ou à falha do ambiente. Outra diferença fundamental envolve a variedade de formas cujos teóricos abordam o equilíbrio no mundo interno e no externo. Esses questionamentos foram erigidos a partir da tendência da psicanálise de desenvolver e de invocar diferentes aportes teóricos atinentes ao campo de estudo das defesas para explicar os fenômenos clínicos.

Passados vinte anos, uma ampla gama de concepções acerca dos mecanismos de defesa emergiu e trouxe à baila uma enormidade de elaborações referentes à dimensão intrapsíquica e ao contexto das relações de objeto, por conseguinte. As conceituações nasceram da subjetividade dos analistas e das perspectivas evocadas ao longo dos tratamentos. O foco é bastante difuso. As inovações técnicas e teóricas causaram mudanças consideráveis no modo como são feitas as interpretações da defesa.


Instituto e Sociedade psicanalítica de Boston. Professor Assistente de Psicologia (e de Psiquiatria), do Hospital de Cambridge, formado na faculdade de Medicina de Harvard.

Uma versão deste artigo foi apresentada na Conferência Anual da Associação Psicanalítica no dia nove de maio de 1987, na cidade de Chicago. Sou extremamente grato aos doutores James Frosch, Stuart Hauser e Anton Kris pelos comentários que me ajudaram a aplicar mais coesão às ideias que rascunhei. Os doutores Daniel Jacobs e Arnold Goldberg ficaram, na época, incumbidos de debater o que eu havia apresentado inicialmente. Eles me ajudaram muito, tanto que o artigo ganhou novos contornos e foi aceito para a publicação em junho de 1988. 

Este artigo realizará uma discussão clínica a respeito das contribuições atuais no campo dos mecanismos de defesa e pretende identificar e aclarar algumas das confusões conceituais e clínicas já mencionadas. Há um grupo de estudiosos – Brenner, Kernberg, Schafer e Kris – que, apesar de divergirem em certos aspectos, convergem em muitos outros. No quesito de que a defesa é estritamente intrapsíquica, há concordância entre eles. Já Laplanche e Pontalis (1973), Modell (1975), (1984) e Kohut (1984) enfatizaram que a função de alguns mecanismos de defesa é a de manter ou de preservar as relações de objeto, pois sem eles, a ansiedade tomaria conta do psiquismo. Dito de forma sumária: temos, de um lado, as teorias da defesa, propostas por Brenner, Schafer, Kernberg e Kris, e, de outro, as difundidas por Modell e Kohut. Ambas usam diferentes terminologias e modalidades de observação clínica. São discursos que aludem aos mecanismos defensivos, às formações de compromisso e aos sintomas, porém há uma gradação teórica sutil que os distingue nessa trama. O primeiro corolário desses problemas conceituais surge no instante em que o foco se polariza no conteúdo do que está sendo defendido. Contra o que os mecanismos de defesa são recrutados? E onde ficam ou para onde vão os impulsos e os derivados da pulsão e a perda do objeto e a falha do ambiente e a “debilidade” do self?(Kohut, 1984). A segunda aporia diz respeito ao grau em que os objetos e os instintos estão entremeados. Há ou não ligação entre os conceitos e as suas operações? Finalmente, diferentes teóricos descrevem os mecanismos defensivos tendo como referência a vasta experiência com os próprios pacientes. As perguntas que brotaram em meio a tal fragmentação poderão unificar ou integrar a teoria da defesa a ponto de podermos refiná-la, enfim? Quais são as extensões e as utilidades dessas bifurcações que englobam o campo das defesas? Que níveis de adaptação, trauma ou conflito são explicados pelo surgimento da defesa?

 

História

 

O ensaio histórico a seguir contemplará os principais pontos do desenvolvimento atual da teoria da defesa. As conexões fornecerão – sob o prisma do mundo externo e dos processos intrapsíquicos – um panorama taxonômico dos mecanismos de defesa e das funções do ego.

Como já foi abordado por Anna Freud (1936), Rangell (1985) e Wallerstein (1985), o termo “defesa”, empregado por Freud, pertencia ao conjunto das formulações da repressão. O conceito de defesa só se individualizou com a inauguração do modelo estrutural. As discussões metapsicológicas de Freud em relação às defesas priorizavam o ponto de vista estrutural (Freud, 1915) e aludiam às proposições econômicas. A libido que escoava do inconsciente e do pré-consciente para a consciência saturava o ego com ansiedade. Logo, um investimento era feito para barrar o fluxo de conteúdos indesejáveis. Freud (1926) esquadrinhou que os sinais de ansiedade serviam de alerta para que o ego acionasse as defesas a fim de manterem o status inconsciente de determinados impulsos proibidos. Com a introdução do modelo estrutural, a defesa e a ansiedade se articularam aos sintomas, ou melhor, às formações de compromisso entre os instintos. Na mesma época, Freud tornou explícito que a repressão fazia parte do arsenal de defesas que incluía a anulação, a regressão, a formação reativa e o isolamento.

Anna Freud (1936), ao citar casos clínicos específicos, refinou ainda mais o conceito de defesa. Ela classificou as defesas de acordo com a fonte de ansiedade que lhes dá origem (por exemplo, superego, mundo externo, pressão e intensidade dos instintos). À medida que detalhou as complexas e múltiplas manifestações da defesa, Anna Freud solidificou e clareou as contribuições da defesa para a gênese dos conflitos. Ela também unificou os vários termos usados por Freud – tais como “as técnicas defensivas aplicadas pelo ego” ou “os métodos defensivos” (Freud, 1926) – e obteve a conhecida nomenclatura “mecanismos de defesa”. Schafer (1968) argumentou que a escolha de Anna Freud pelo termo “mecanismo” tornou-se uma abstração descritiva e retórica. A palavra mecanismo, no caso, denota o gatilho da defesa por um sinal de ansiedade. Wallerstein (1985, p. 205) nos brindou com a melhor definição de mecanismo de defesa que podemos ter: “um constructo que invoca e explica o comportamento, os afetos, as ideias, assim como modula e previne a descarga de impulsos indesejáveis à consciência. Enfim, demonstra o funcionamento da mente”.

Em contraste com a ênfase de Anna Freud nas funções defensivas do ego, Hartmann, Kris e Loewenstein (1964) traçaram outras perspectivas sobre tais funções. Eles associaram o ego a um órgão plástico que se adapta, se acomoda e se arvora das defesas – caso haja necessidade – para lidar com as exigências do mundo externo e com as demandas internas. A abordagem funcional da defesa, de Brenner (1982), pode ser entendida como uma extensão do trabalho feito pelos autores mencionados. Ele apostou no potencial do ego de reduzir a ansiedade, minimizar os afetos depressivos oriundos dos derivados da pulsão e de regular as influências do superego. Enquanto o trabalho de Hartmann, Kris, Loewenstein e Schafer (1968) formalizava o ego como uma espécie de biologia adaptativa, pouca atenção estava sendo dada às propriedades dinâmicas do ego. Essa fronteira aguardava ser explorada pela psicologia do ego. Schafer (1968) e Kris (1982) estreitaram as distâncias entre as propriedades do ego e as suas funções defensivas.

Melanie Klein (1946), fugindo à tradição investigativa de Kernberg e de Modell, descortinou novos horizontes e alocou os objetos internos no centro dos debates sobre a teoria das defesas. Inspirada pelas referências de Freud às figuras parentais introjetadas e ao desenvolvimento do superego à maneira de uma estrutura mental, Klein expandiu o conceito de objeto interno. Ela sustentou que, inicialmente, as crianças internalizam partes do corpo dos pais e, às vezes, isso ocorre de forma fragmentada, como se a unidade dos pais fosse dividida em duas. Os objetos internos, no entanto, não são réplicas fiéis dos objetos externos da realidade; eles são sempre influenciados pelas fantasias e projeções instintivas da criança. Klein acreditava que a clivagem do ego, a cisão do objeto, a idealização, a identificação projetiva e a onipotência são operações presentes na posição esquizo-paranoide (nos primeiros três meses de vida). De acordo com os apontamentos da autora, as defesas são inatas. As identificações projetivas, as pulsões, as fantasias de evacuação são projetadas no objeto. Para Klein (1930), desde os estágios iniciais da vida, os impulsos incrementam as fantasias e orbitam pelas partes doself. Kernberg (1975), (1983), ao trabalhar com as pulsões em um modelo intrapsíquico da defesa delineou com mais precisão os contornos das relações entre as representações de objetos e as pulsões. Ele se emancipou um pouco das hipóteses de Melanie Klein quando rejeitou certos aspectos referentes às manifestações precoces de fantasias internalizadas a partir dos objetos.    

Em contraste com a teoria baseada no instinto de Klein, a noção de Fairbairn (1954) sobre a defesa nasceu fora das premissas epistemológicas da relação de objeto. Para Fairbairn, os instintos são secundários ao processo de interiorização dos objetos; somente depois são convertidos em estruturas endopsíquicas. Para Klein, a repressão, embora distorcida pela fantasia, tem elo com os impulsos. Para Fairbairn, o alvo da repressão se volta para os objetos mal internalizados. Modell, apesar de se opor às ideias de Fairbairn, que põem em segundo plano as pulsões e os instintos, encontra um ponto de concordância nelas quando aceita que as defesas se organizam para combater a falha dos objetos e a manifestação de um conflito instintual. A posição que o autor aderiu se aproxima com a de Winnicott (1965), em sua teoria das relações de objeto. Winnicott concedeu menos importância à interiorização dos objetos e investiu nos efeitos etiológicos da resposta do objeto às vicissitudes instintuais do indivíduo. Por exemplo, Winnicott (1965) descreveu como a satisfação do id fortalece o ego no momento em que a criança se depara com uma resposta que tolera e contém os seus impulsos e, além disso, o reassegura de que não é possível cometer injúrias ao objeto. O foco no desenvolvimento de Winnicott detalha o modo pelo qual as excitações podem se tornar traumáticas, na medida em que o ego não tem capacidade de incorporar em si determinadas excitações – por exemplo, quando a resposta do ambiente, que, em princípio, tem o desígnio de proteger, comunica ou confirma que a excitação vinda do id tem um caráter ultrajante, o ego pode enfraquecer. Ou seja, a inibição ou a prevenção das gratificações do id impede, muitas vezes, que o ego se fortaleça. Para Winnicott, a resposta da mãe suficientemente boa às excitações da criança é essencial para que “a defesa do ego se organize contra o impulso do id” (1965, p. 147). As observações de Winnicott tem representatividade nas teorias de Modell (1975), (1984) e de Kohut (1984). Por mais divergentes que possam ser as suas perspectivas em se tratando dos papéis das pulsões e das interpretações a respeito das defesas, tanto Modell quanto Kohut argumentam que algumas condições emocionais das quais o ego se defende não são necessariamente ou exclusivamente fontes de desprazer ou mesmo acionadas pelos derivados da pulsão.

 

As propriedades motivacionais do ego e dos mecanismos de defesa: contribuições de Schafer e de A. Kris

 

Schafer (1968) examinou os mecanismos de defesa a partir do que ele denominou de brecha na teoria relacionada à dinâmica do ego como estrutura. Um aspecto dessa brecha envolve a relativa negligência sobre como os mecanismos de defesa adquirem e mantêm uma complexa subestrutura de motivações e desejos. Freud (1923) e, depois, Hartmann (1939), (1960), Kris e Loewenstein (1964) mostraram como o ego, através da neutralização de energias, atende às funções adaptativas e se opõe às pulsões que o compromete. Schafer sugere que as formulações iniciais das funções do ego largamente enfatizaram as defesas do ego como sendo contracatexias que batiam de frente com os desejos. Assim, a energia do ego não está associada a nenhum objetivo em particular. Uma área relativamente negligenciada, de acordo com Schafer, e que se oculta no grau em que o ego está em conformidade com o id ou não. Schafer cita Hendrick (1943): “o ego deve ser considerado fundamentalmente como uma dinâmica”. Sob essa ótica, o ego pode ser explicado como um sistema intrincado de motivos e desejos. A discussão sobre o altruísmo como defesa em Anna Freud, aos olhos de Schafer, não passa de uma caracterização dos mecanismos de defesa como sendo “agentes duplos” simultaneamente impelidos a assegurar o prazer e a evitar a dor (o ego como parte emergente do id). Os mecanismos de defesa bloqueiam a gratificação instintual e impedem a expressão direta dos impulsos que pedem passagem à consciência. Sob esse vértice, a atividade defensiva, em situações ameaçadoras, represa ao máximo as gratificações instintuais. Ao dar primazia à unidade do ego e do id, conceito que evoca a complementaridade dos dois – e não tanto a inimizade dessas instâncias psíquicas –, Schafer construiu um embasamento convincente a respeito da natureza inconsciente dos mecanismos de defesa: para ele, as defesas permanecem inconscientes em função de suas propriedades inerentes de realizar os desejos. O argumento de Schafer reverbera com o de Waelder (1930), em seu debate sobre o princípio da múltipla função. A metodologia seminal de Wealder contribuiu com o seguinte: “os métodos específicos de solução para as várias tarefas do ego sempre trarão, independente do foco em questão, a gratificação instintual a um só tempo” (p. 78). Especificamente, a parte em que Waelder (1930) discute como a projeção defensiva pode fornecer soluções às ansiedades resultantes dos desejos passivos homossexuais seguidos de gratificação. Com referência a esse último tópico, o indivíduo em análise se enxerga como autor dessas fantasias sexuais de ser parcialmente penetrado pelo método que investiga o seu psiquismo. A defesa é que ativa essa fantasia. Schafer comenta que parte do que chamamos de projeção defensiva abrange formas particulares de expressão das defesas, tais como o desejo homossexual de ser penetrado de forma disfarçada, preservando, por conseguinte, o desejo repudiado. O que sofreu mutação foi o conteúdo manifesto do desejo (nos termos de Schafer, foi modelado conforme o id) e não o desejo que foi censurado. A distinção feita por Wallerstein (1985) entre os comportamentos defensivos (eventos que podem ser de natureza consciente ou inconsciente) e os mecanismos de defesa utilizados para explicar como as condutas defensivas consumam metas (conscientes ou inconscientes) é aplicável aqui. A contribuição de Schafer pode ser vista como uma elaboração de como os mecanismos de defesa, à maneira de construtos teóricos, lançam luzes à pergunta: com que finalidade os comportamentos defensivos atendem à dinâmica complexa de modular os impulsos ou de satisfazê-los?

A análise de Schafer é, de certa maneira, parecida com a de Fenichel (1945, pp. 187-188), no instante em que alude à inferência de “penetração recíproca” presente em um instinto que luta contra o “impulso defensivo”. Fenichel dividiu as “atitudes defensivas” em ocasionais e em habituais. Ele descreveu a atitude defensiva habitual como sendo aquela em que “a tentação instintual está continuamente em vigência”. O autor enfatizou que a defesa e o instinto devem ser considerados como detentores de um grau de parentesco. Fenichel propôs que próximo aos impulsos rejeitados reside o núcleo defensivo e a repressão instintual: “Existem formações reativas contra as próprias formações reativas. Nós não contemplamos apenas o arranjo das três camadas enunciadas como instinto-defesa-instinto que refluem e afluem, mas também visualizamos o instinto-defesa-repressão da defesa. No caso, um homem que assumiu uma postura feminina ou passiva diante da ansiedade de castração pode compensar essa atitude com um estereótipo de masculinidade exagerado”.

Kris (1982), (1984), (1985) pegou de empréstimo um trabalho complementar de Schafer (1968) e favoreceu a compreensão da estrutura intrassistêmica do conflito. As formulações feitas por ele, derivadas de um ponto de vista da livre associação, delinearam dois padrões distintos de conflito – os conflitos defensivos e os conflitos ambivalentes ou, colocados de outra forma, conflitos convergentes e divergentes. Enquanto esses conceitos de conflito convergentes e divergentes referiam-se primeiramente aos padrões observáveis de associação durante a análise, eles também aludiam aos “conflitos mentais” baseados no fenômeno intrapsíquico que determina a qualidade e a fluidez da própria associação.

Conflitos de defesa ou conflitos convergentes envolvem desejos ambivalentes. Nesses conflitos familiares, a repressão impede o desejo de se expressar plenamente; ele só se manifestará se houver um disfarce. Tais conflitos surgem entre a defesa e o instinto. Logo, um elemento permanece fora da consciência ou é barrado pela ação de contracatexias. Assim, um sujeito poderá assumir uma camuflagem passiva para se defender contra os componentes hostis e agressivos de sua personalidade. Kris comenta que a psicanálise se prendeu muito aos conflitos convergentes e no esbatimento da repressão como meio de remover ou mitigar as resistências.

Em contrapartida, Kris também descreveu os conflitos ambivalentes ou divergentes como fatores resultantes da tensão dos desejos que têm destinos opostos. Ele afirma que esses conflitos não são resolvidos através da remoção das contracatexias e nem da repressão, como no caso dos conflitos convergentes. Os conflitos divergentes são ilustrados pelo padrão associativo que tende a revelar as tensões criadas pelos binômios: separação ou dependência, progressão ou regressão, gratificação dos desejos edípicos ou pré-edípicos. Em oposição ao exemplo apresentado anteriormente sobre o conflito convergente, que envolvia uma defesa passiva contra os impulsos hostis (sem que a agressividade fosse demonstrada), temos o de conflito divergente que seria manifestado pela duplicidade ou pela mescla de desejos ativos e passivos que se alternam rapidamente entre si. Por um lado, a contribuição de Kris demonstra que há importantes distinções entre a complexidade e a dinâmica dos padrões de manifestação do desejo e da contracatexia; por outro, aponta a simultânea expressão de desejos divergentes. Ele tenta transmitir as consequências técnicas do trabalho feito com a resistência, com o insight e com as associações encontradas pela análise dos conflitos convergentes e divergentes. 

Pela perspectiva ofertada por Kris, Schafer (1968) observa as propriedades motivacionais dos desejos que podem ser vistas de forma parcial e, também, aplicadas apenas em fenômenos particulares da defesa. Kris sugeriria que um conjunto de defesas familiares seria convenientemente explicado a partir da noção de que o acervo defensivo do ego se valeria das contracatexias para estancar os desejos emanados do id. Ele concordaria com Schafer no que a literatura professou sobre as metas do desejo em relação às defesas, assim como aprovaria o fato de que as defesas – enquanto meios de evitar o sofrimento – asseguram a gratificação. Entretanto, as propostas de Kris buscam uma tipologia do conflito centrado na falta ou na ausência de expressão do desejo. Ele referiria que o modelo de defesa pautado na repressão (a exemplo do conflito convergente) não capturaria o conflito originado pela concomitância de dois desejos ambíguos. Assim, Kris afirmaria, a priori, que não haveria nenhuma razão para observar o fenômeno anunciado (isto é, o conflito divergente) sob o fulcro do modelo de defesa que prima pela contracatexia que se opõe às pulsões.

Os trabalhos de Schafer e de Kris erigem inúmeras questões sobre a relação entre a defesa e os outros fenômenos clínicos. Por exemplo: as fantasias de projeção, descritas por Schafer, são úteis ao conceito de mecanismos de defesa? As elaborações de Brenner (1982, p. 79) mostram que a análise de Schafer (1968) a respeito dos componentes defensivos envolve um complexo amálgama de desejos e de medos inerentes aos sintomas e às formações de compromisso secundariamente ligados à defesa. Brenner ainda faria reparos nas formulações de Kris sobre os conflitos divergentes ao inferir que não passariam de manifestações do colapso das defesas; quanto mais estáveis são as defesas, melhor se definem os desejos. Brenner acrescentaria que o conflito divergente de Kris se configuraria como o reflexo de um conflito convergente instável. Schafer (1968, p. 6), atento às confusões conceituais em torno das defesas, dos sintomas e dos traços de caráter chegou à conclusão de que as distinções entre tais fenômenos são intrínsecos ao processo analítico.

A abordagem funcional dos mecanismos de defesa: contribuições de Brenner

 

A teoria dos mecanismos de defesa de Brenner (1975), (1979), (1982) enfatizou mais as funções do que as motivações ou os conteúdos abordados nos estudos sobre as defesas. Brenner (1982, p. 73) argumenta que a defesa é um aspecto do funcionamento mental “definido apenas por suas consequências: a redução de ansiedade e/ou afetos depressivos associados com os derivados da pulsão ou com as funções do superego”. Sem essa visão, não há nada de especial nos mecanismos de defesa. Brenner considera que as defesas são as responsáveis pela diminuição ou pelo desaparecimento da ansiedade e dos afetos depressivos na vida mental. Brenner supõe que as funções do ego são o eixo principal de tudo. Elas servem para reforçar as proibições do superego, assim como para mediar, prevenir ou até mesmo se opor às gratificações. A despeito disso, Brenner percebeu que nenhum aspecto do funcionamento do ego é exclusivamente voltado aos propósitos da defesa.

Em concordância com Fenichel e com Schafer, Brenner assume que qualquer uma das defesas pode, simultaneamente, facilitar as gratificações vindas dos derivados da pulsão. Os esforços do indivíduo de, a um só tempo, evitar o desprazer ou de reduzir o efeito das ameaças culminam no prazer. Diferente de Schafer, Brenner tem como principal postulação o fato de que a defesa nunca se torna uma função especializada ou exclusiva do ego. De modo concomitante, as mesmas funções do ego podem servir aos derivados da pulsão, às defesas, às demandas do superego e às exigências de adaptação. Ele assinala que é um erro definir ou identificar a defesa pelo modo como se defende, pois cada função do ego tem múltiplas maneiras de atender os variados propósitos em questão. Brenner ressalta que, ao definirdefesa estritamente pela função exercida na economia psíquicacomo um componente de conflito, podemos dispensar a consequente ambiguidade que acompanha as definições dedefesa que incluem as formações de compromisso, as fantasias e os sintomas. Retornando ao exemplo de Waelder (1930) do homem paranoico, Brenner, ao contrário de Schafer, argumenta que as formas encontradas pela projeção para "encenar a fantasia" (Schafer, 1968) de ser penetrado homossexualmente,limitam, ao mesmo tempo, a expressão e a gratificação, quepodem ser melhor entendidas como sintomas, delírios ou formações de compromisso que acompanhammas não definem por si sóo mecanismo de projecção.

Apesar da parcimônia teórica aventada por Brenner (1982), a sua análise do que o ego dispõe como defesa é bastante amplo – tão amplo que pode até mesmo superar ou pôr em dúvida o que os estudiosos das relações de objeto, como Winnicott e Modell, consideram como fenômenos defensivos. Por exemplo, Brenner pensa que as defesas podem ser vistas como atitudes do ego que repercutem nas percepções, alterações na atenção, na produção de fantasias e nas identificações. O objetivo de Brenner é, então, o de enfatizar a plasticidade do ego em se tratando do uso das defesas. Em meio a isso, ele aufere traçar quais as funções específicas que constituem as defesas – as chamadas funções psíquicas de oposição ou de estancamento dos impulsos que tendem a acionar a ansiedade ou os afetos depressivos. Uma importante questão feita pelos teóricos das relações de objeto é a seguinte: enquanto o ego converte as identificações e as fantasias em maneiras de se defender, o que deve ser mudado drasticamente no contexto para redefinirmos as defesas que são observadas como defesas? (Modell, 1975), (984).

 

A elaboração da defesa no contexto intrapsíquico de Kernberg

 

São prolíficas as contribuições de Kernberg às teorias dos mecanismos de defesa, tanto que ele é considerado um estudioso situado entre a visão de Brenner, que contempla as defesas a partir do modelo intrapsíquico, e a de Modell (1975), (1984), que define as defesas como mecanismos “contextuais da dupla”. Kernberg é a síntese dessas teses e antíteses.

Em acordo com as ideias de Brenner, Kernberg conceitua os mecanismos de defesa em termos intrapsíquicos apenas. Em comparação com outros teóricos – como Brenner, que vê os mecanismos de defesa como produtos do mundo interno –, Kernberg pode nos surpreender justamente por ter se apoiado em imagens e em representações de objetos para estruturar as suas premissas. Em meio às suas várias contribuições à teoria e à compreensão do conceito de mecanismo de defesa, uma se destaca – a que se refere aos componentes intrapsíquicos dos conflitos que se ligam às representações dos objetos. Kernberg afirma que todas as defesas de caráter representam uma constelação defensiva do self e dos objetos que se voltam contra a manifestação da ansiedade. Logo, Kernberg e Brenner diferem no jeito de entender os componentes intrapsíquicos do conflito, mas concordam que os mecanismos de defesa podem ser descritos exclusivamente em termos intrapsíquicos. 

Há um tópico que aparentemente gera discordâncias entre Kernberg e Brenner. Trata-se da asserção de Brenner de que não há mecanismos defensivos separados ou individuais; para ele, as funções do ego atendem a vários propósitos. Kernberg, teoricamente e clinicamente, elaborou os conceitos de mecanismos de defesa pautados nas cisões e nas identificações projetivas e, além disso, apontou um tipo particular de organização defensiva nos transtornos de personalidadeborderline. Kernberg (1975) atesta a predominância da cisão, definida como uma força que mantém diametralmente oposto oself das suas representações de objeto. Tal fragmentação ocorre em vista de que os conflitos ambivalentes, ao invés de serem reprimidos, sejam mitigados. Essa dinâmica mental geralmente é um indicativo de uma organização de personalidade borderline. Esse arranjo defensivo da personalidade borderline atrai para si defesas subsidiárias, tais como as identificações projetivas, a negação, a idealização primitiva, a onipotência e a desvalorização. Por conseguinte, Kernberg, ao contrário de Brenner, apostaria na existência de mecanismos de defesa que são resistentes, distintos e fragmentários e que eles teriam extrema relevância no diagnóstico de certas afecções psíquicas.

De várias formas Kernberg (1975), (1976), (1983) e Modell (1975), (1984) compreendem os conflitos inconscientes nos termos esboçados anteriormente. Para ambos, assim como é verdade para Kris (1982), não é o suficiente dizer que os conflitos psíquicos são simplesmente turbulências entre o impulso e a defesa. Modell e Kernberg concordariam que tanto o impulso quanto a defesa são expressões afetivas, e é por intermédio dos objetos que descobrimos a qualidade dos afetos que estão sendo “transmitidos” (Brierly, 1937). Eles diferem no que Kernberg (1976), (1983) vê como sendo o conflito intrapsíquico inconsciente. O conflito, nesse caso, não se oporia às unidades ou às configurações das relações dos objetos internos. Cada uma dessas unidades consistiria nas representações do self e do objeto influenciadas pelo impacto dos derivados da pulsão (clinicamente falando, uma disposição afetiva). Para Kernberg (1983), o impulso e a defesa são manifestados através dos investimentos nas relações de objeto do mundo interno. Já Modell propõe que em alguns contextos (por exemplo, na análise de casos de narcisismo) as defesas mediam diretamente os afetos direcionados aos objetos.

 

Modell e a teoria defensiva da duplicidade pessoal

A concepção de falso self criada por Winnicott (1965) e a formulação da negação e da autossuficiência do self de Modell (1975), (1984) são enquadradas como defesas contra o afeto envolvido nas mudanças ambientais – surge, assim, um contexto em que se lida com duas pessoas ao mesmo tempo (Modell, 1984). Modell e Winnicott são adeptos às ideias de Balint (1950). O autor citado desenvolveu hipóteses do processo defensivo a partir dos vínculos estabelecidos com os objetos. A experiência com pacientes narcisistas foi o que deu suporte às suas ilações sobre o funcionamento das defesas. Modell tentou construir uma teoria da defesa e do afeto que permitisse a observação das nuances inerentes às relações que englobam as defesas instintuais e as defesas contra os objetos (Modell, 1984). De acordo com Modell, aí se concentram várias ramificações prontas para serem discutidas no campo da psicanálise.

À semelhança de Balint (1950) e de Winnicott (1965), Modell (1975), (1984) afirma que o conceito de defesa tem referentes que se estendem para além do reino do equilíbrio interno. Modell (1984, p. 40) enxerga esse paradigma relacionado à defesa de forma compatível com os apontamentos de Laplanche e Pontalis (1973, p. 103). Eles definem as defesas “como grupos de operações que objetivam a redução e a eliminação de qualquer ameaça que possa desestabilizar a integridade biopsíquica do indivíduo”. Essa definição, em contraste com a de Brenner (1979), acrescenta o viés comportamental (que é observável) de ataque e de fuga. Brenner entende a defesa como um processo que regula a economia psíquica e tem afinidade com o princípio de constância – por exemplo, defesas que são acionadas para atenuar ou reduzir a ansiedade ou os afetos depressivos resultantes da excitação instintual. Modell descreve os mecanismos de defesa usados pelos pacientes borderline e narcisistas como formas de lidar com as frustrações da realidade. O seu foco não se concentra tanto nas fontes internas de desprazer. Em contrapartida, Brenner poderia redarguir Modell ao dizer que as defesas combatem a ansiedade criada pela excitação das pulsões pela realidade.

Modell (1984, p. 41) afirma que “os afetos são o meio pelo qual as defesas contra os objetos se consumam”. Ao passo que os afetos estão ligados aos objetos, “o processo de defesa instintual se torna uma defesa contra os objetos”. Ele menciona que os pacientes narcisistas e alguns dos borderline tentam dominar os afetos a partir da manipulação dos “objetos com os quais se vinculam” (Brierly, 1937, p. 51). Modell enumerou várias manifestações da falta de comunicação ou da não comunicação do afeto que acaba por controlar de forma onipotente os objetos. Ele também destacou a personalidade “como se”, observada por Deutsch (1942), e a de “falso self”, de Winnicott (1965), e as associou ao conceito de “casulo” ou de autossuficiência (Modell, 1975).

As referências de Modell ao conceito de casulo envolvem a ilusão do paciente de se sustentar de forma onipotente e autossuficiente; o paciente acredita que não precisa de nada vindo do analista. Modell atribui essa configuração defensiva específica aos pais e aos déficits do ambiente. O autor nota que a criança com tal característica consegue perceber as limitações dos pais em provê-la com o suporte emocional e com o acolhimento necessário para que se desenvolva. Baseado nas reconstruções analíticas do caráter dos narcisistas, Modell percebeu que tais pacientes podem ter se formado assim em função da instabilidade emocional transmitida pelos pais ou até mesmo por distorções da realidade ou por ausências (físicas) de pessoas importantes. Em sintonia com essa função parental falha, a criança prematuramente se vê às voltas consigo mesma e, para compensar o amparo e o cuidado que os pais deveriam destiná-la, começa a se valer de fantasias onipotentes. Essas fantasias são instáveis e volúveis, então, para assegurar ou restaurar o seu estado ilusório de proteção, a criança encontra um alento precário em uma espécie de casulo. É nisso que a criança se agarra para sobreviver. O senso exagerado de autopercepção encobre a falsa separação do objeto parental; no fim, o que está em jogo é o desejo velado de fusão e de gratificação emocional. Para Modell, a incomunicabilidade dos afetos incrementa a ilusão de autossuficiência, pois protege o self da influência dos objetos que falharão em seus desígnios. Modell vê a comunicação dos afetos como “uma procura pelo objeto”; no entanto, para o paciente narcisista isso se torna um anátema.       

Diferente do postulado clássico em relação ao papel do mundo externo nos conflitos neuróticos, a revisão de Modell se destaca pelo foco no papel do mundo externo no processo de defesa do paciente narcisista. A discussão de Fenichel (1945), por exemplo, sobre o mundo externo enfatiza que a defesa existe apenas em relação a uma instituição intrapsíquica que representa e, ao mesmo tempo, antecipa o mundo externo. Um conflito entre o id e o mundo externo deve levar em conta a transformação do conflito entre o ego e o id antes mesmo do surgimento do conflito em si. Várias ilustrações referentes às corruptelas e aos erros no teste da realidade foram registradas no momento em que o ego se encontra sob a pressão dos desejos inconscientes, dos medos e dos derivados da pulsão. De acordo com Fenichel, nenhuma dessas falsificações neuróticas pode ser distinguida das repressões dirigidas contra os próprios impulsos. Nesse último caso, o mundo externo é renunciado devido aos possíveis perigos que carregam o potencial radicado nos impulsos inconscientes e nas censuras. O mundo externo (por exemplo, o dispositivo ou recurso proibitivo oriundo do mundo externo) talvez possa ser repelido a fim de negar que o ato instintivo tenha uma parcela de perigo ou de ameaça. O tratamento da negação, para Modell, parte da noção de que estamos lindando com uma defesa “híbrida” que pode ser descrita em termos estruturais como uma cisão feita no ego, mas que também serve ao propósito de preservar o objeto nessa relação. Na visão de Modell, as defesas se organizam de forma direta contra um fragmento de realidade doloroso, sem que haja referência às fontes internas de ansiedade ou de desprazer.

Não fica clara a crítica de Modell a respeito das definições clássicas da defesa. Não sabemos se isso se dá porque há alguma lacuna em suas exposições ou se ocorre pelo distanciamento teórico da literatura clínica. Mas o que temos é uma variedade de formas em que a defesa se manifesta no contexto das relações de objeto.

 

A psicologia do ego e o conceito de defesa: as contribuições de Kohut

 

De acordo com Kohut (1971), (1979), (1984), a abordagem clássica das defesas sobrevaloriza a função das defesas como uma tentativa de neutralizar tanto as ansiedades emanadas do superego quanto as demandas instintuais que favorecem a regressão a outros estágios do desenvolvimento psicossexual. Além disso, Kohut (1984, p. 142) sustenta que todo o conceito de defesa-resistência está vinculado a uma perspectiva cognitiva na psicanálise que incide sobre o autoconhecimento e a mecânica dos processos mentais que excluem a observação das vicissitudes da própria experiência do paciente.

A psicologia do ego entende a defesa como um meio de mitigar a consciência do afeto doloroso associado com a exposição (ou afastamento, em se tratando do contexto analítico) dos déficits estruturais. Como Newman (1980) aponta: a psicologia do ego, em algum grau, concentra-se nas defesas que envolvem algum tipo de “experiência deficitária” mais do que nos mecanismos de defesa por si só – o que é coerente com o objetivo explícito de apreender o que se chama de “experiência próxima” ao que observamos in loco. Os mecanismos psíquicos são avaliados no contexto nuclear do self: “as motivações da defesa no processo analítico serão compreendidas em termos de atividades realizadas a serviço da sobrevivência psíquica, ou seja, como uma tentativa de o paciente ao menos salvar um núcleo do self – ainda que mínimo e precário – que foi construído, apesar das graves insuficiências que marcaram o seu desenvolvimento, a partir da matriz relacional dos objetos pertencentes à infância” (Kohut, 1984, p. 115). Logo, a psicologia do ego vê as expressões dos impulsos primários como esforços para remediar um possível estado de sítio no self e não como uma regressão aos pontos de fixação anteriores ao conflito. Em paralelo a essa posição teórica, Kohut afirma que as interpretações da defesa e da resistência, às vezes, podem interferir as transferências relacionadas às necessidades de espelhamento do self. Kohut (1984, p. 132) aposta que as estruturas defensivas agem para salvaguardar um ego frágil. O autor registra a presença de uma espécie de “vigor inato presente no self”, e é isso o que define o “núcleo de resistência à desintegração do self e, também, a capacidade de lutar contra as influências nocivas”. Apesar de Kohut ter atestado que tanto os fatores biológicos quanto os psicológicos estão associados ao vigor citado, mesmo assim ainda é algo abstrato e enevoado. Em algumas discussões (por exemplo, 1984, pp. 128-151), ele explica que o elemento vigor é uma capacidade inata de cultivar a esperança de que o objeto ajudará o self a ter gratificações e promoverá o desenvolvimento e a consolidação das suas estruturas. Kohut fala de determinadas estruturas defensivas que servem, exclusivamente, para manter as reminiscências do selfque preservam o mencionado vigor. Ele (1984, p. 143) formalizou essa operação como sendo “o princípio da primazia da preservação do self”.  

Aqui, as formulações de Kohut são, em certa medida, parecidas com as de Fairbairn, Winnicott, Guntrip e Modell em termos da ênfase dada à vulnerabilidade do self. A noção de “cidadela esquizoide” de Guntrip (1969) e a do “casulo” de Modell são posições defensivas invocadas para proteger o que para Kohut é chamado de um “self frágil”. A noção de Newman (1980) de verticalidade da cisão como parte da psique se sobrepõe à ideia elaborada por Winnicott (1965) de “falso self” na qual envolve uma aliança empática para com as falhas do objeto. No entanto, um dos pontos de divergência entre Modell e Kohut se situa, em particular, na fronteira entre a minimização dos processos instintuais e os derivados da pulsão. Como foi asseverado inicialmente, o desejo, sob a ótica da psicologia do ego, é amplamente conceituado como a expressão das motivações dirigidas ao desenvolvimento e, assim, “cumpre os intentos do programa nuclear do self” (Kohut, 1984, p. 148).

Mas é na área do manejo técnico da interpretação que Modell e Kohut diferem visivelmente. De muitas maneiras, Modell argumentou que o paciente esconde as necessidades de seu self defeituoso e que, na transferência, elas vêm à tona. Tal proposição é análoga à visão tradicional do analista que encontra nas ansiedades do paciente uma forma de enfrentar os desejos que não têm autorização para emergir. Modell, em meio aos outros, acredita que a interpretação das necessidades dos pacientes de “não comunicar os afetos” e de manter uma posição “defensiva de autossuficiência” são, em grande parte, congruentes com a interpretação de outras defesas e formas de resistência. Kohut (1984, p. 148), em contrapartida, comenta que tais defesas e resistências “atendem as finalidades básicas doself” e não precisam “ser superadas”. As afirmações de Kohut e de Modell sobre o manejo técnico das defesas narcisistas requerem mais testes clínicos e empíricos.

A despeito das contribuições clínicas e teóricas, a intenção de Kohut de desassociar a resistência do campo da defesa não deixou clara a sua crença a respeito das defesas inconscientes. A relação entre as defesas e a miríade de outros processos inconscientes é da mesma forma pouco esclarecida pelo autor. As definições de Kohut (1984, p. 115) sobre as atividades defensivas a serviço da sobrevivência psicológica e da preservação do “vigor inato do self” são tão amplas que poderiam ser incorporadas a outras teorias da personalidade e a outros fenômenos clínicos de valor adaptativo equânime. Logo, essas definições não foram de todo fortuitas no afã de convencionar uma única faceta da defesa e a sua relação com as outras funções adaptativas do ego.

 

Discussão

 

Muitas das maiores contribuições à teoria do conceito dos mecanismos de defesa, surgidas ao longo de vinte anos, ainda são alvo de controvérsias. Até hoje, são feitos debates a respeito desse assunto no tratamento psicanalítico. Os tópicos a seguir continuam em aberto: a ampliação do escopo do tratamento analítico e a extensão da compreensão analítica sobre o universo pré-edípico, a relação entre a teoria do instinto e a teorias das relações de objeto, a relação dialética entre a compreensão teórica ou hipotética do ego e o self experiencial.

O alargamento do escopo analítico trouxe consigo a elaboração do conceito de adaptação e as proposições explicativas sobre o que está sendo protegido ou defendido nas operações defensivas. Até certo ponto, a literatura reflete a bifurcação que leva em conta as referências dos mecanismos de defesa, cujo grupo teórico coloca mais ênfase nas defesas contra os instintos e os derivados da pulsão, enquanto outro grupo tem o self como ponto de referência para as defesas. Brenner, Schafer, Kernberg e Kris ressaltaram os matizes da complexidade instintual e os desejos imbricados na defesa. Por outro lado, temos as contribuições recentes vindas tanto das relações de objeto quanto da psicologia do ego. Ambas destacaram as defesas como meios de proteger o self de possíveis toxidades externas ou internas que influenciam negativamente o objeto. Não fica claro o modo como ou se uma revisão fundamental na teoria básica do conceito de mecanismo de defesa pode favorecer ou não a análise para determinados pacientes. O foco de Modell na abordagem da “duplicidade” da defesa fornece um suplemento clínico necessário à teoria clássica da defesa (como propôs Brenner), no momento em que esmiúça o vértice fenomenológico e a complexidade dos modos de interpretação da defesa no contexto clínico, principalmente em se tratando de pacientes narcisistas. Por exemplo, Brenner (1979), (1982) leva em conta a variedade de formas cuja defesa encontra para combater o desprazer, incluindo as defesas que não se opõem aos derivados das pulsões e, ao invés disso, visam à eliminação da ansiedade e dos afetos depressivos. Brenner remonta a atitude contrafóbica de Fenichel, pois foi tal descrição que inaugurou, na literatura psicanalítica, a ideia da defesa como artifício de redução ou de eliminação da ansiedade associada aos derivados da pulsão e não aos instintos em si. Alguém poderia redarguir que a exposição de Modell (1975) a respeito da autossuficiência dos pacientes narcisistas é uma ilustração atual de outro tipo de atitude defensiva que tem como objetivo o afeto (ansiedade, depressão e sentimentos de vulnerabilidade do self) ligado aos derivados da pulsão. Com esse ponto de vista, pode-se também argumentar que Modell está descrevendo uma constelação específica de sintomas, resistências e formações de compromisso relacionadas à ameaça interna (intrapsíquica). As revisões de Modell sobre os mecanismos de defesa se destinaram à clínica e não foram tão detalhadas quanto às exposições teóricas aventadas por Brenner. A tentativa de Modell de estender a definição da defesa para além do reino do equilíbrio interno depende da aceitação de um conjunto de hipóteses iniciais sobre a relação entre a psique e o mundo externo.

Os mecanismos de defesa também foram espelhados por aspectos referentes ao dualismo na teoria da defesa. Existem elosimplícitos na literatura que trata das teorias baseadas nos instintose a que tem uma maior ênfase na homeostase interna, no conflito edipiano e na ansiedade do superego. As teorias que enfatizam a defesa como uma deficiência no campo da experiência se concentram mais nas situações de perigo em que o indivíduo é confrontado (trauma externo, por exemplo), representado pelos pais que não foram “suficientemente bons” ou, dito de outra forma, pelos "objetos defeituosos do self".  Enquanto isso,alguns teóricos (por exemploStolorow e Lachmann, 1980)propõem uma tipologia das defesas que diferencia qualitativamente as defesas erigidas contra o conflito instintivoversus a compensação de determinadas estruturas semidefensivasque tendem a proteger o self da diferenciação dos objetosEssa bifurcação, em teoria, pode ser designada como um marco nosníveis de interpretação da defesa usados ​​com diferentes pacientesPor exemplo, se a estabilidade precária e a autoestimaestão intimamente ligadas às percepções e às fantasias degrandeza atribuídas a um objeto, a abordagem da interpretaçãoda defesa – nos estágios iniciais de uma análise – pode visar à adaptação. Essa abordagem técnica de interpretação da defesanão precisa de uma tipologia teórica relacionada à origem ou à natureza da defesa, em princípio. A necessidade decategorização se evidencia entre as defesas que aparecem em um determinado ponto da análise e, logo, estão relacionadas com osdéficits estruturais vis à vis que se amparam a um objeto externo.Além disso, o estímulo para a defesa pode ser altamente variável, e isso não necessariamente invoca diferentes teorias da defesa.Estou de acordo com uma declaração sobre a causa ou a origemda defesa proposta por Gedo e Goldberg (1973). Elespropuseram que as defesas surgem sempre que há algumdesequilíbrio psíquico causado por uma incapacidade de um instinto ser gratificado ou descarregado ou até mesmo por umasituação ambiental insatisfatória ou traumática.

Um grande fator contribuinte para a diferenciação entre a teoria dos instintos e a tese da defesa embasada nas relações de objeto é a mudança de ideias sobre a relação entre os impulsos e o objeto. Por exemplo, Kernberg prima pelos fenômenos pré-edipicos, mas, ao mesmo tempo, trabalha com as premissas dateoria instintual. No entanto, para Kernberg, assim como paraMelanie Klein, os conceitos de instinto e de afeto são virtualmente indissociáveis do conceito de objeto. O trabalhoseminal de Kernberg ajudou na compreensão da organização defensiva do mundo pré-edípicoEmbora seja possível correlacionar a teoria das relações de objeto ao conceito de defesa de Kernberg, o autor mantém um acordo básico com a noção de uma teoria da defesa baseada no instinto.

Uma das principais controvérsias clínicas entre a psicologia do ego e todas as outras teorias pautadas na defesa refere-se aos tipos de interpretação empregados na análise. Há os que acreditam que certas formas de idealização e de defesas narcisistas não se caracterizam como resistências que devem ser superadas. Para eles, o manejo técnico da defesa pode ser amplamente diferenciado. Existem, no entanto, os analistas que acreditam que todos os fenômenos defensivos – com um timingadequado – podem ser interpretados de modo benéfico. Enquanto Kohut e Modell elaboraram a relação entre a defesa e as dimensões experimentais do self, a noção de Modell trouxe a ideia de que a proteção do self pode se tornar, na situação analítica, uma forma de resistência. Tal proposta é fortemente contestada por Kohut e seus adeptos. A visão de Modell sobre as defesas narcisistas como formas de resistência torna-se coerente a partir da afirmação de que a defesa tem duas referências, a instintiva e a que tange a experiência. Apesar de a sua atenção estar voltada para a vulnerabilidade do paciente narcisista que encara as interpretações como se fossem intrusões potencialmente perigosas, Modell (1975) e Volkan (1973) afirmam que a função de certas defesas, tais como as que agem contra os vínculos, deve ser cuidadosamente entendida junto ao analisando. Só assim o trabalho analítico pode prosseguir. Modell sugere o seguinte: se visualizarmos as necessidades de proteção do paciente narcisista como defesas, então, a análise da defesa do paciente narcisista priorizará o conteúdo. O mesmo ocorre para os pacientes neuróticos (Fenichel, 1941). Na mesma linha de pensamento, Modell (1976), com a sua elaboração deholding ambiental, enfatiza que as questões de segurança e de proteção são, invariavelmente, antecedentes à análise do conflito instintivo. Talvez nos próximos anos possamos integrar a ênfase de Kohut sobre a vulnerabilidade do self com as contribuições da psicologia do ego e da teoria das relações de objeto que ressaltam a natureza duradoura e refratária das defesas de caráter que impedem a espontaneidade das experiências transferenciais e relacionais na psicanálise.

A definição de Brenner sobre a função das defesas as caracteriza como eventos exclusivamente intrapsíquicos que são identificados pelas suas funções e não pelas motivações, a priori. A abordagem adotada pela psicologia do ego é a de se concentrar veementemente nos déficits da experiência e nem tanto nos instintos que promovem o funcionamento defensivo. A posição de Brenner, apesar da parcimônia teórica ao definir a defesa, não contém uma tentativa massiva de ilustrar os referentes experimentais ou as formas particulares da manifestação da defesa. Uma teoria modelada com o objetivo de descrever as funções do ego não é de todo obrigatória, no caso. Na verdade, Brenner argumenta que não há mecanismos de defesa particulares, apenas existem as funções do ego que podem ou não ter finalidades defensivas. No entanto, ao ressaltar a definição funcional da defesa e dos mecanismos do ego, a riqueza da diferenciação clínica pode ficar empalidecida ou ofuscada (Schafter, 1968); (Kernberg, 1975 ), (Kris, 1984). Estudos empíricos recentes (Hauser et al, 1983.), (Bond et al, 1983.), (Vaillant e Drake, 1985), (Perry e Cooper, 1986) demonstram os benefícios que incrementaram as abordagens orientadas à defesa. O cabedal da psicologia do ego contemplou os aspectos vivenciais da defesa no contexto clínico, mas deixou lacunas no momento de propor a sua própria teoria da defesa. O raciocínio teleológico de Kohut de que a defesa pode agir em prol da manutenção da esperança nos dá pistas teóricas, clínicas e empíricas de como os objetos e o self se organizam. Além disso, em um nível técnico, a observação de que as defesas narcisistas tendem a se dissolver sem que sejam feitas interpretações voltadas diretamente a elas, continua a ser uma hipótese empírica, assim como a observação de que a psicologia do ego tem sido muito relutante em interpretar as defesas narcisistas.

Os últimos vinte anos promoveram enormes avanços teóricos no campo das defesas em relação às exigências do mundo externo e interno. À medida que o escopo da psicanálise se amplia, a conceituação da defesa, que tem como núcleo os instintos, ganha mais realce e força. A observação clínica visa a compreensão e a integração do mundo externo com os aspectos vivenciais da defesa. Os conceitos atuais de mecanismos de defesa têm corrigido vários hiatos presentes no corpo teórico tradicional das defesas, mas, ainda assim, há a necessidade de integrarmos tais descobertas às observações empíricas e clínicas que obtivermos daqui para frente.

 

 

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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Estrutura do Ego, Função Intrapsíquica e Mecanismos de Defesa: Um Comentário sobre os Conceitos Teóricos originado de Eric Berne


Estrutura do Ego, Função Intrapsíquica e Mecanismos de Defesa: 
Um Comentário sobre os Conceitos Teóricos originado de Eric Berne

Richard O . Erskine
in Transactional Analysis Journal
Vol. 18, n º 1 - Janeiro de 1988

Resumo:
A maior contribuição de Berne para a teoria psicoterápica foi seu desenvolvimento dos conceitos de subdivisões de ego. Autores mais recentes têm se desviado da descrição de Berne de tais estados. Neste artigo definem-se os estados de ego, esclarecem-se suas funções intrapsíquicas e reexaminam-se as regras de mecanismos de defesas. São explicadas imagens do ego auto-geradas e são descritas suas influências internas. O artigo se conclui com uma definição de saúde baseada na função integrativa do estado de ego Adulto.
Eric Berne (1961) estendeu o pensamento psicanalítico com sua elaboração e aplicação dos conceitos de subdivisão do ego de Paul Feder (1953).
A contribuição de Berne à teoria dos estados de ego abriu a possibilidade para uma drástica mudança na prática psicoterápica e antecipou em muitos anos a mais recente mudança de paradigma psicanalítcio para a “psicologia do self” (Kouhut, 1971, 1977; Kenberg, 1976) como também um perspectiva desenvolvimentista que focaliza, como causa das disfunções psicológicas, fixações pré-Edipoanas e infantis. (Maher 1968; Maher, Pine et Bergman, 1975, 1981; Miller 1981; Stern, 1985).
Na popularização da Análise Transacional ocorrida nas duas últimas décadas, muitos dos conceitos teóricos originais de Eric Berne têm sido usados erroneamente ou apresentados de modo simplista. Frequentemente os exemplos e explicações de Berne têm sido utilizados como definições dos estados de ego, ou tem havido falhas ao correlacionar os quatro determinantes de cada estado de ego - os aspectos fenomenológico, histórico, comportamental e social - o que é imprescindível para um completo entendimento do funcionamento intrapsíquico e transacional do ego.
Como resultado, os estados de ego têm sido apresentados como a taxonomia do comportamento ou como classificação de experiências subjetivas, carentes da necessária ênfase na fixação em fases do desenvolvimento, nas introjeções e nos mecanismos de defesa.
A popularização e simplificação da teoria dos estados de ego tem levado a uma confusão a cerca dos conceitos originais de Berne bem como a falta de entendimento dos fenômenos intrapsíquicos aos leitores de artigos e livros de A . T. pós Berne.

O EGO
Em sua obra Psicologia do Ego e Psicoses, Federn (1953) descreveu o ego como um estado “experienciado” de sensações; algo real e não simplesmente como um construto teórico. O vocábulo latino “ego”, como foi usado na tradução para o inglês dos artigos psicanalíticos originais, substitui o termo Freudiano “Das Ich” - O eu. O Ego constituis-se dos aspectos identificantes e alienantes dos self. Ele é nosso senso de “isto sou eu” e de “isto não sou eu”. O ego discrimina e separa sensações originadas fora do organismo. O ego é nossa identidade - aquele “estou faminto”, “sou um psicoterapeuta” ou “não sou motorista de ônibus, embora possa dirigir um”.
Paul Federn observou que pacientes com sérios distúrbios exibem um ego típico, que, ambiguamente, identifica-se com sensações internas e ao mesmo tempo, identifica-se ou discrimina-se de estímulos desenvolvimentais. Em outras palavras, este ego típico manifesta um sentimento de identidade e uma resposta ao desenvolvimento, como a de uma criança muito pequena. Federn descreveu tais diferentes manifestações como estados do ego, isto é, diferentes identidades. Além disto ele refere-se à constante presença psíquica das figuras parentais em seus pacientes psicóticos (Weiss 1950) apesar de não ter ido tão longe a ponto de descrever tal fenômeno como um estado do ego. Ao invés disto, preferiu continuar definindo-o como descrito no conceito psicanalítico de superego.
Em sua análise pessoal com Paul Federn , Eric Berne foi grandemente influenciado por tais idéias e interpretações teóricas acerca dos diferentes estados do ego. Ao longo de sua análise, primeiro com Federn e depois com Erick Erickson, Berne passou uma década e meia fazendo experiências com intuição e ego-imagem (Berne 1949, 1955, 1957 a). Com base em tais experiências e observações clínicas, Berne fez uso da perspectiva desenvolvimentista de Erickson de 1950, para elaborar sobre a teoria de Federn de 1953 e posteriormente refinar o conceito de estados de ego (Berne 1957; 1961).

ESTADOS DO EGO
Berne, em seus primeiros artigos (pré - 1966) pressumiu que o leitor estava familiarizado com uma definição operacional de ego. Ele descreveu um estado de ego, fenomenologicamente como um sistema coerente de sentimentos relacionados a um dado sujeito, operacionalmente como um conjunto padrões de comportamentos coerentes, e ainda, pragmaticamente como um sistema de sentimentos que motivam um conjunto de padrões de comportamentos correlatos. (Berne 1961, p. 17).
Mais tarde, Berne usou uma descrição coloquial de estados do ego (Pai, Adulto e Criança) para se referir a manifestações fenomenológicas dos órgãos psíquicos ” (extereopsique, neopsique e arqueopsique) cuja função é a de organizar os estímulos internos e externos. Extereopsique, arqueopsique e neopsique referem-se, respectivamente, aos aspectos da mente extraídos de uma fonte externa, à mente infantil de um período anterior de desenvolvimento e à mente corrente. Ao longo de “Análise Transacional em Psicoterapia”(1961) Berne uso os termos que designam órgãos psíquicos no lugar do termo “estado de ego” para “denotar estados da mente e seus padrões de comportamentos correlatos”. (p. 30).
Berne (1961) estabeleceu: “O estado de ego Adulto é caracterizado por um conjunto autônomo de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento correlatos, os quais são adaptados à realidade corrente”(p. 76). Nesta descrição, o uso de berne no termo “autônomo” refere-se ao estado de ego adulto, neopsique funcionando sem o controle de um ego introjetado ou arcaico.
Quando no estado de ego adulto, uma pessoa está em pleno contato com o que está ocorrendo, duplamente, dentro e fora de seu organismo, de modo compatível com seu estágio atual de desenvolvimento. Esta função neopsíquica do ego(mente corrente) avalia e integra: 1- o que está ocorrendo momento a momento, internamente e externamente, 2- experiências passadas e seus efeitos resultantes, e 3- as influências psicológicas e identificações com outras pessoas significantes em sua vida.
Este estado de ego Adulto, consiste em comportamento motor, desenvolvimento emocional, cognitivo e moral, compatíveis com a idade; na habilidade de ser criativo e na capacidade para um engajamento pleno e contatuante em relacionamentos significativos. Para descrever a plena capacidade neopsíquica do estado de ego Adulto de integrar valores, processar informações, responder a emoções e sensações, ser criativo e integrado, Berne (1961 p. 195) enfatizou tais aspectos, usando os termos gregos Ethos e Pathos, aos quais ele acrescentou Logos, a habilidade para usar a lógica e o raciocínio abstrato e Technos, a habilidade para criar.
Este estado neopsíquico de ego foi contrastado por Berne com um estado de ego arcaico o qual consiste em fixações anteriores de desenvolvimento. Nas palavras de Berne (1961) “O estado de ego Criança é um conjunto de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento que são relíquias da infância do próprio indivíduo (p. 77). Este estado de ego Criança percebe o mundo exterior e as necessidades e sensações internas, da mesma  forma que a pessoa possa parecer estar relacionada à realidade corrente, ele ou ela está vivenciando a situação presente com a capacidade intelectual, social e emocional de uma criança àquela fase de desenvolvimento de traumas ou confusões não resolvidas, isto é, fixação.
Deve-se observar que o uso do termo estado de ego Criança no singular pode conduzir a uma interpretação inadequada. Uma criança se desenvolve através de um número de fases e estágios (Piaget, 1936 / 1952; Erickson, 1950; Mahler, 1968; Pine et Berman, 1975) e repressão e fixação podem ocorrer em qualquer um deles. Sob a influência de um conjunto de estressores nós podemos pensar, sentir e agir tal como fizemos quando tínhamos 6 anos de idade, sob outros estressores podemos perceber a nós mesmos, ou o mundo ao redor como fizemos quando bebês.
O estado de ego arqueopsique é muito mais complexo do que o inferido por vários autores que usam simples exemplos de espontaneidade, intuição, complacência ou capacidade emotiva para descrever os estados de ego Criança. A criança ou, estado de ego arcaicos, são a “inteira personalidade” de uma pessoa, como se ela estivesse em um período de tempo anterior de seu desenvolvimento. Isto inclui as necessidades, desejos, urgências e sensações daquela fase de desenvolvimento em que ocorreu a fixação. Inclui ainda os mecanismos de defesa e processo de pensamento, percepções, sentimentos e comportamentos daquela fase.
O estado de ego arcaico é o resultado da suspensão do desenvolvimento que ocorreu quando necessidades críticas de contato da tenra infância não foram supridas. As defesas da criança contra o desconforto ou necessidades não supridas tornam-se egotizadas, fixadas; a experiência não pode ser plenamente integrada ao estado de ego Adulto até que tais mecanismos de defesa sejam dissolvidos.
Berne (1961) também explorou as observações de Federn de que em muitos de seus clientes havia uma constante presença psíquica de figuras parentais influenciando seus comportamentos. Esta influência parental é proveniente de pessoas reais que anos antes ser inteiraram ou tiveram responsabilidade sobre aquele indivíduo quando ele (ou ela) era criança.
Tal influência parental é mais tangível que o construto freudiano de “Superego”(“Uber - Ich”). Mediante investigação histórica é possível traçar o que foi, na época, dito ou feito, por quem e quando, na infância da pessoa, isto ocorreu. Através da introjeção (uma inconsciente identificação defensiva e internalização) a criança fez a figura parental parte de si mesma (self) isto é, ego.
Berne (1961) concluiu que pais introjetados também tornam-se um estado de ego que ele definiu com “um conjunto de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento que assemelham-se àqueles da figura parental”(p. 75). Entretanto a frase “assemelham-se àqueles da figura parental” é também um tanto dúbia. Dos exemplos e descrições de Berne em “Análise Transacional em Psicoterapia” (1971) e a partir de minhas próprias clínicas fica claro que o estado de ego Pai é uma presente internalização histórica da personalidade de um dos próprios pais, ou outras figuras parentais significativas, da maneira como elas eram percebidas pela criança à época da introjeção.
Os conteúdos do estado de ego Pai, são adquiridos, isto é, são introjetados a partir de figuras parentais na tenra infância e em menor grau durante a vida. Se não forem reexaminadas no processo de desenvolvimento posterior, permanecem não assimilados ou não integrados ao ego neo-funcional. Uma vez que não definir, nos vários estágios de desenvolvimento as percepções da criança de reações de proteção, emoções e processos de pensamento, também não, os conteúdos e funções intrapsíquicas do estado de ego Pai, variar de acordo com o período de desenvolvimento no qual se deu a introjeção.
Introjeção é um mecanismo de defesa geralmente usado quando há carência de contato psicológico amplo entre a criança e o adulto que lhe é significativo; o conflito resultante é internalizado, já que assim pode parecer mais fácil de ser administrado (Pears 1978). Os elementos introjetados podem permanecer como uma espécie de “corpo estranho” dentro da personalidade e geralmente não são afetados por aprendizagens ou desenvolvimentos posteriores, mas continuam a influenciar comportamentos e percepções. Eles constituem uma parte alienada da personalidade, embutida no ego e vivenciada fenomenologicamente como se fossem próprios da pessoa, mas que na realidade formam uma personalidade emprestada.
Quando os elementos introjetados são consistentes ou sintonizados com pensamentos, sentimentos e comportamentos dos estados de ego Adulto ou Criança, em geral o indivíduo não tem consciência de que há qualquer angústia intrapsíquica. Entretanto, quando tais elementos são destoantes das experiências dos estados de ego Adulto ou Criança eles podem levar a uma desconfortável sensação de conflito interno.

EGO IMAGENS AUTO - GERADAS
Acrescentando-se aos estados arcaicos de ego (Criança), criado e estabelecido a partir de reações de defesa, decisões e experiências precoces, há um outro processo pelo qual os conteúdos do estado de ego Criança podem ser fixados. A fixação pode aparecer em estágio posterior da vida como semelhante a um estado introjetado de ego Pai, mas sua origem está nos fantasmas de uma criança pequena.
Como parte de um processo normal de desenvolvimento, no período de pré escola e jardim de infância, as crianças geralmente criam alguma imagem ou ser, como uma maneira de prover controles, estrutura, educação ou o que quer que tenham considerado como esquecido ou inadequado na tenra infância. Algumas crianças criam o seu próprio “Brogie-Man” pessoal, uma criatura aterradora que ameaça com drásticas conseqüências ao menor deslize. Investir nestes “pais” fantasiosos com todos os seus maus e assustadores aspectos, permite-lhes preservar mãe e pai verdadeiros, como perfeitamente bons e amorosos. Outras crianças podem criar uma “Fada boa mãe” espécie de pais que a amam e nutrem, mesmo quando seus pais reais são frios, ausentes e abusivos. Estas imagens criadas servem como um para - choques entre as figuras parentais reais e os desejos, necessidades ou sentimentos da criança pequena.
Com o amadurecimento, em fases posteriores do desenvolvimento as crianças geralmente libertam-se destas imagens auto - geradas. Em famílias onde, por razões de sobrevivência é necessário reprimir a percepção, consciência de carências, sentimentos ou lembranças, a imagem auto - gerada torna-se fixada e não é integrada com aprendizagens do desenvolvimento posterior. Quaisquer que sejam as características dessas imagens auto criadas do estado de ego Criança, com o passar dos anos, estas vêm operar como uma influência intrapsíquica de maneira semelhante ao estado ego Pai. Entretanto o “pai” auto-gerado, em geral é mais exigente e menos lógico e razoável do que os pais verdadeiros (sobretudo por que teve sua origem nas fantasias de uma criança pequena). Tais imagens influenciadoras são concluídas em uma hermética coleção de pensamentos, sentimentos ou comportamentos não integrados, aos quais o sujeito responde no momento presente, como se fossem introjeções oriundas do significante amadurecimento da tenra infância.

MECANISMOS DE DEFESA E AS FUNÇÕES ESTADO DE EGO
Até aqui, o desenvolvimento e a estrutura dos estados de ego tem sido descritos. A função dos estados de ego é a interação dinâmica de processos intrapsíquicos e atividades manifestadas. Isto inclui comportamentos arcaicos e processos de pensamento fixados, comportamentos e atitudes de outras pessoas significativas, introjetadas e mais importante, os mecanismos de defesa correlatos.
Berne, no decorrer de seus artigos, presumiu que o leitor estava familiarizado com os mecanismos de defesa psicanalíticos e por isto, não elaborou regras sobre os mesmos, numa análise funcional dos estados de ego. Feder (1953) anteriormente havia entrado em detalhes sobre os mecanismos de defesa e os estados de ego.
O conhecimento dos mecanismos de defesa é parte integrante da compreensão do funcionamento dos estados de ego. Isto porque a fixação de mecanismos de defesa dos aspectos do ego, arcaicos (Criança) ou introjetados (Pai), permanecem em estados separados e não tornam-se integrados à consciência neopsíquica (Adulto).
A consciência de necessidades, desejos, lembranças e influências externas do estado de ego Adulto, permanece bloqueada através da manutenção das defesas infantis de fuga, indiferença e confronto (briga). (Fraiberg, 1983); das defesas orais posteriores de explosão  (Fairbain, 1954) e transformação de afeto (Fraiberg, 1983); e das defesas precoces da infância descritas por Anna Freud (1937).
Como um resultado da fixação de mecanismos de defesa, a função do estado de ego pode ser observada de modo duplo, ativamente e como uma influência intrapsíquica. Podemos observar a manifestação do estado de ego extereopsíquico (Pai) quando um sujeito, ativamente sente, percebe o ambiente ou age do  modo que seus pais fizeram anos antes. Quando o estado de ego extereopsíquico está influindo intrapsiquicamente, “o indivíduo manifesta um atitude de submissão infantil” (Berne 1961 p. 76). O estado de ego arqueopsíquico se apresenta em uma das duas formas: A criança adaptada que se manifesta por um comportamento que é inferido como estando sob a dominação da influência Parental, na forma de submissão ou alheamento. A criança natural que se manifesta sob formas autônomas de comportamento tais com rebeldia ou auto-indulgência (Berne 1961) p.p. 75 - 76). Nos dois casos o estado de ego Criança é arcaico e manifesta mecanismos de defesa previamente fixados em períodos anteriores do desenvolvimento ou está exibindo uma liberação de controle e a arcaica expressão desta liberdade.
Eric Berne usa os termos criança adaptada e natural em seus dois livros “Análise Transacional em Psicoterapia” (1961) e “Jogos que as pessoas jogam”(1964) como adjetivos para modificar os estados de ego Criança e para se referir a manifestações da dinâmica intrapsíquica. Os termos “adaptada” e “natural” não são usados como denominações, isto é, Criança Adaptada e Criança Natural, não foram usados para implicar estados do ego, apesar de terem sido usados para descrever a interação entre um processo intrapsíquico específico e comportamento.

O EGO ADULTO INTEGRADO
A identidade do self - ego - de cada indivíduo pode estar incluída em qualquer um dos três estados de ego e a transação com outras pessoas pode vir a partir de qualquer um dos estados de ego, geralmente sem a consciência de qual deles está ativo. Os problemas psicológicos emergem quando idéias, imagens e emoções introjetadas e / ou arcaicas, contaminam as percepções que o estado de ego Adulto tem do “aqui e agora”. Quando há contaminação do estado de ego Adulto a experiência fenomenológica da pessoa parece estar processando os estímulos correntes de acordo com sensações e sentimentos do momento e parece apresentar um comportamento aprovado à situação, quando de fato não é assim. A pessoa não tem consciência de que idéias introjetadas e emoções e / ou decisões infantis estão influindo sobre as percepções presentes, o que resulta freqüentemente em problemas de comunicação e relacionamento.
O ego saudável é aquele no qual o estado de ego Adulto, em pleno funcionamento neopsíquico está em ação e trás integrados (assimilados) o conteúdo e experiências arqueopsíquicas  e extereopsíquicas. Quando mecanismos de defesa anteriores permanecem fixados, como foi evidenciado pelo estado de ego Adulto quando sintônico ou contaminado pelo Pai ou pela Criança, ou quando as fronteiras entre os estados de ego são muito permeáveis ou fracamente definidas, o estado de ego Adulto não pode servir a esta salutar função integrativa.
A maior contribuição de Eric Berne à teoria psicoterápica foi sua elaboração e elucidação dos aspectos manifestados ou intrapsíquicos do ego em seus vários estados e de como estes estados do ego determinam  nossas transações com os outros. A Análise Transacional tem o singular potencial de contribuir para o avanço da psicoterapia numa dupla direção; tanto em psicoterapia profunda, como em terapia cognitiva comportamental, indo além de descrições comportamentais dos estados de ego e enfatizando a contribuição de Eric Berne ao entendimento da estrutura do ego, seu funcionamento intrapsíquico e da comunicação interpessoal.

Richard O . Erskine, PhD; Instrutor e Supervisor em Análise Transacional; é diretor de Treinamento do Instituto de Psicoterapia Integrativa. 
PS: pedidos de cópias, favor enviar para Dr. Erskine 500 East 85 th Street, New York, NY 10028, USA
O Instituto para Psicoterapia Integrativa é autorizado pela Associação Americana de Psicologia a oferecer educação continuada para psicólogos, pelo Conselho Nacional de Conselheiros Certificados para aqueles que fazem aconselhamento, e pelo Conselho Americano de Examinadores Pastorais para aconselhamento pastoral. O Instituto para Psicoterapia Integrativa assume a responsabilidade por este programa e seu conteúdo.

http://www.integrativetherapy.com/pt/articles.php?id=50


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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Pondé e a Paranoia Bullying

 

Pondé e a Paranoia Bullying

quinta-feira, 12 de julho de 2012


Entro em sala de aula várias vezes na semana. Daí vem muito do que penso acerca dos modismos perniciosos que assolam o mundo da educação. E daí também vem o fato de que, apesar de ser pessimista (nada tem de chique no pessimismo, apenas para quem não o conhece por dentro e o confunde com um estilo melancólico de se vestir), não desisto da vida e vou morar no bosque de “Walden” (ou algo semelhante), como fez o filósofo americano Thoreau no século 19.
Hoje vou comentar um caso específico de moda que em breve provavelmente vai destruir qualquer liberdade e espontaneidade na sala de aula: a “paranoia bullying”.
Se atentarmos para o que o Ministério Público prepara como controle da vida escolar “interna”, veremos, mais uma vez, a face do totalitarismo via hiperatividade do poder jurídico. Ao invés de atacar o que deve ser atacado (o lixo que é a escola no Brasil, porque o Estado arrecada impostos como um dragão faminto, mas não dá nada em troca), o Estado e seu braço armado, o governo socialista que temos há décadas, que adora papos-furados como cotas raciais e bijuterias semelhantes, invade o espaço institucional do cotidiano escolar com sua vocação maior e eterna: o controle absoluto da vida nos seus detalhes mais íntimos.
E ninguém parece enxergar isso, muito menos a pedagogia e sua vocação, nos últimos anos, para livros bobos da moda e palestrantes de autoajuda. Quando ouço alguma “autoridade pública em bullying”, sinto que estou diante de um inquisidor, que, como todos, sempre se acha representantes do “bem”.
Seria de bom uso dar aulas de história dos perfis psicológicos dos grandes inquisidores, como Torquemada e Bernard de Gui, para essas “autoridades públicas” em invasão da vida íntima das pessoas e das instituições. Eles descobririam sua ascendência direta do grande inquisidor de Dostoiévski (“Irmãos Karamazov”).
Em breve, a melhor solução para o professor será a indiferenPça preventiva para com os alunos. Melhor uma aula burocrática e avaliações burocráticas do tipo “múltipla escolha” ou “diga se é falso ou verdadeiro”, mesmo nas universidades, porque assim o aluno não poderá acusar o professor de “desumanidade” ao reprová-lo, ou pior, acusá-lo de bullying porque desconsiderou sua “cultura de ignorante”, mas que “merece respeito assim como Shakespeare”.
Os “recursos” contra reprovação logo se transformarão em processos contra “bullying intelectual”. E os fascistas do controle jurídico da vida terão orgasmos.
Atitudes como estas destroem a autoridade da instituição, dos profissionais que nela trabalham e transformam todos em reféns da “máquina jurídica”. O resultado é que família e escola perdem autonomia. O que este novo coronelismo não entende é que existe um risco inerente ao convívio escolar e que as autoridades imediatas, professores e coordenadores é que devem agir, e não polícia ou juízes.
Na minha vida como aluno em universidade tive duas experiências com dois professores que hoje poderiam ser enquadradas facilmente neste papinho de “tratamento desumano”, mas que foram essenciais na minha vida profissional e pessoal. A primeira, quando era um aluno da medicina na Universidade Federal da Bahia, ocorreu no dia em que perguntei a um professor como um paciente terminal via o fato de que ele ia em direção ao nada. Ele disse: “O senhor está na aula errada, deveria estar na aula de filosofia“. Isso, numa faculdade de medicina, significa mais ou menos que você não tem a natureza forte o bastante para encarar a vida como ela é.
A segunda, já na faculdade de filosofia da USP, aconteceu quando um professor me deu zero e disse para procurá-lo. Ao me ver, no meio da secretaria e na frente de vários funcionários e alunos, ele disparou: “Suas ideias são ótimas, seu português é um lixo”.
Em vez de preparar a polícia para prender bandidos que assaltam casas e restaurantes aos montes, o governo prefere brincar com essas bijuterias, fingindo que cumpre sua função de garantir a segurança pública. Será que isso é medo de enfrentar os criminosos de verdade?

Luiz Felipe Pondé (jornal FSP – 18.06.2012)  | Fonte original deste artigo: AQUI

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Éros e paideia: Alcebíades e Sócrates no Banquete

 

O Prof. Gabriele Cornelli, com cândida felicidade, nos permite refletir sobre uma personagemriquíssima e emblemática da literatura platônica porque arrebata a todos os convivas do Sympósion(Banquete)com sua famosa declaração de amor a Sócrates. Alcebíades é esta personagem extremamente dramática e arrebatadora, segundo a qual, Cornelli, in Seduzindo Sócrates: retórica de gênero e política da memória no Alcebíades platônico, abre o leque de possibilidades para uma acertada construção dos reais motivos que tenham injustamente levado Sócrates à morte, bem como, a partir do diálogo Banquete, investiga o desenho do tecido dramático e retórico dos discursos entre paideiae éros, de modo especial, como já disse, pinta um belo quadro da relação entre Sócrates e Alcebíades.
Especificamente, na altura do texto sobre a política da memória no Alcebíades, Cornelli aponta, para além dos outros simposiarcas e através dos discursos eróticos, para algo muito preciso: Uma relação significativa entre Sócrates e Alcebíades(Cf. p. 09). Segundo Cornelli, todos os discursos do Banqueteansiavam e sentiam falta da entrada da própria máscara do amante, encarnação de Eros: Alcebíades. No dizer de Cornelli, Platão parece conseguir fazer convergir todos os discursos para o mise-en-scène final da entrada de Alcebíades. Veja que Alcebíades, embriagado, muda o rumo do jogo do diálogo dos erotikoí lógoi, admitindo falar só de Sócrates, isto é, somente da verdade. Há uma mudança na conversa: da teoria para a história, do elogio para a verdade(uma verdade dionisíaca, marcada pela maniae parresíada embriaguez):
“Ouve então, disse Erixímaco. Entre nós, antes de chegares, decidimos que devia cada um à direita proferir em seu turno um discurso sobre o Amor, o mais belo que pudesse, e lhe fazer o elogio. Ora, todos nós já falamos; tu porém como não o fizeste e já bebeste tudo, é justo que fales, e que depois do teu discurso ordenes a Sócrates o que quiseres, e este ao da direita, e assim aos demais.
Mas, Erixímaco! tornou-lhe Alcibíades, é sem dúvida bonito o que dizes, mas um homem embriagado proferir um discurso em confronto com os de quem está com sua razão, é de se esperar que não seja de igual para igual. E ao mesmo tempo, ditoso amigo, convence-te Sócrates em algo do que há pouco disse? Ou sabes que é o contrário de tudo o que afirmou? É ele ao contrário que, se em sua presença eu louvar alguém, ou um deus ou um outro homem fora ele, não tirará suas mãos de mim.
Não vais te calar? disse Sócrates.
Sim, por Posidão, respondeu-lhe Alcibíades; nada digas quanto a isso, que eu nenhum outro mais louvaria em tua presença.
Pois faze isso então, disse-lhe Erixímaco, se te apraz; louva Sócrates.”(PLATÃO. O Banquete ou Do Amor. Trad. J. Cavalcante de Souza. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995, p. 181, 214c-d).
O fio condutor de leitura do grande novelo da obra platônica, o Banquete, proposto por Cornelli é um dado bastante inovador, haja vista sua preocupação política, literária e histórica com que delineia toda a investigação, não só teorética, mas profundamente prática, recheada de detalhes. Num destes detalhes, o que me salta aos olhos é o caso da travessura das hermas e suas implicações histórico-políticas para o tempo de Sócrates: “Enquanto Sócrates e outros passam a noite bebendo em casa, e moderadamente, Alcebíades chega de madrugada, bêbado e – é o que sugere o texto – tendo perambulado por Atenas em estado alterado. Não era preciso muita fantasia para um ateniense imaginar Alcebíades e os seus, bêbados, cometendo qualquer tipo de profanação. A insistência de Platão com esta versão deve ser também um dos motivos da narração da segunda interrupção do banquete, no final dele(223b), realizada também por diversos outros jovens bêbados. Isto é, Platão parece querer insistir em representar em seu diálogo noites de baderna na rua, e justamente na época da mutilação das hermas, referendando assim a versão mais light relativa aos motivos que estavam por trás do sacrilégio.(...) Nas fontes da época, de fato, a suspeita pela profanação não recaía tanto sobre jovens bêbados: ao contrário, pensava-se mais facilmente em um complô, urdido de maneira articulada, por grupos que, querendo com isso enfraquecer a confiança de Atenas e sua democracia num momento tão delicado de sua história, pretendiam com isso restaurar a oligarquia ou a tirania”(CORNELLI, Gabriele. Seduzindo Sócrates: retórica de gênero e política da memória no Alcebíades platônico.UnB. p. 11)
Não nos esqueçamos que o ilustre Alcebíades estava em plena prosperidade política à frente do movimento democrático de então. Sob o fascínio daquela beleza interior mencionada no Sympósion, o ambicioso e belo jovem Alcebíades tenta conquistá-la, através do lógos socratikós, na estranha ideia de cumular o acervo de seus dotes e atingir assim a plenitude de poder nos negócios da pólis. Político arrebatador das Assembleias, Alcebíades extravasa na bebida e na declaração de amor a Sócrates, uma vez que o mesmo não corresponde ao afeto que lhe é dedicado.
Todavia, o elogio de Sócrates por Alcebíades, conforme G. Cornelli, pode ser considerado mais uma apologia do primeiro. “Se pense, por exemplo, ao próprio uso das imagens das estátuas dos silênos, que ilustram a necessidade de superar a aparência, a máscara histórica incômoda de Sócrates, para olhar para uma verdade sobre sua vida e seu legado, que ainda permanece escondida para a maioria. Pois afirma Alcebíades 'nenhum de vocês o conhece'(216c-d). Não é difícil pensar que, na voz de Alcebíades, seja o próprio Platão a dizer isso para Atenas”(idem, p. 15).
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB em parceria com Archai Unesco.

 http://umasreflexoes.blogspot.com.br/2012/07/eros-e-paideia-alcebiades-e-socrates-no.html

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