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quinta-feira, 22 de julho de 2021
quarta-feira, 21 de julho de 2021
As Etapas do Pensamento Sociológico, Raymond Aron. Indicação de leitura 24. João Maria andarilho. Podcast conservador sobre: política , filosofia, arte, cultura, educação, pedagogia , religião
“As Etapas do Pensamento Sociológico”: um passeio histórico de Raymond Aron
Admirado pelo brasileiro José Guilherme Merquior, o sociólogo francês de inspirações liberais Raymond Aron (1905-1983) procurou delinear, em sua obra As Etapas do Pensamento Sociológico – um dos itens preciosos da Biblioteca Donald Stewart Jr. do Instituto Liberal e recomendadíssimo para os estudantes da disciplina e da área de Humanidades -, os sistemas concebidos por alguns dos autores que se tornaram referência na interpretação da sociedade.
Aron define Sociologia como o “estudo científico do social, seja ao nível elementar das relações interpessoais, seja ao nível macroscópico dos grandes conjuntos, classes, nações, civilizações ou, utilizando uma expressão de uso corrente, sociedades globais”. Ao longo de sua análise, podemos perceber que uma das grandes questões que permeiam os principais autores elencados por ele é a relação entre teorias gerais do social e as expressões da individualidade. Alguns dos pensadores sociológicos elencados esperam encontrar diretrizes gerais que, mais do que compreender as sociedades, permitiriam agir sobre elas e, de certo modo, orientá-las, moldá-las; outros são mais humildes, entendem melhor as limitações impostas pela pluralidade, e não se prestam tanto a essa arrogância filosófica, tendente ao antiliberalismo e ao centralismo de poder. Procurando destacar sua percepção de como os diferentes aspectos de uma sociedade se interligam, Aron não deixa de mostrar as consequências filosófico-políticas dos pressupostos assumidos pelos autores que investiga, e isso foi o que nos chamou mais atenção em seu livro.
Os fundadores
Na primeira parte, o autor aborda quatro pensadores que ele identifica como representantes da fundação da Sociologia, culminando com uma reflexão sobre o posicionamento que alguns deles tomaram diante das tribulações francesas em 1848. Sua jornada começa com o Barão de Montesquieu, o defensor da tripartição de poderes, a quem elege como precursor da Sociologia. O que se observa é que esse precursor apresenta muitas qualidades que não apareceriam em alguns dos consolidadores propriamente ditos da disciplina; tentando unir uma perspectiva mais generalista – enfocando a convicção na existência de valores e princípios gerais, de um direito natural que permitiria condenar totalmente certas instituições e abraçar outras – com a valorização da diversidade de costumes e tradições de povo para povo, para ele “o objetivo da ordem política é assegurar a moderação do poder pelo equilíbrio dos poderes, o equilíbrio entre povo, nobreza e rei na monarquia francesa ou na monarquia inglesa; o equilíbrio entre o povo e privilegiados, entre plebe e patriciado na república romana”. Montesquieu seria, portanto, o que alguns autores chamavam de liberal aristocrático, ou liberal-conservador.
Na contramão, viria Augusto Comte, que funda a Sociologia com esse nome, como disciplina consciente de si mesma, parte integrante de sua doutrina, chamada Positivismo. Sua filosofia, no plano político, seria a mãe do que hoje chamaríamos de intervencionismo centralizador, sem a valorização do conflito radical do socialismo. Com efeito, Comte enxergava um progresso constante e cristalino, que suplanta todas as etapas e ramos de conhecimento do passado em busca de um conhecimento “positivo”, que erigiria uma “sociedade positiva”; acreditava, por exemplo, no que evidentemente cometia erro ingênuo, que as guerras estavam superadas no século XIX. Nas palavras de Aron sobre Comte, explicita-se a intenção deste último de superar as diversidades e as pluralidades e estabelecer uma unidade pelo consenso, elevando ao estágio “positivo”, alheio à Metafísica e às especulações, todas as searas do saber, inclusive a religião – ele preconizou, ao fim da vida, o que chamou de Religião da Humanidade, um culto materialista aos construtores históricos do saber humano.
Ao contrário de Comte, o terceiro autor, nosso grande conhecido, Karl Marx, valoriza o conflito e a revolução como os caminhos para atingir um estágio superior de sociedade, o comunismo, em que, por fim, esses conflitos estariam superados. Faz uma leitura particular do pensamento do alemão Hegel. A existência, na sociedade industrial e capitalista moderna – também foco de análises da obra de Comte, embora sob seu viés distinto -, de relações de exploração, com dominados e dominadores, explorados e exploradores, é o que, em função das contradições que provoca, condena essa sociedade a se extinguir um dia. Conjugando a filosofia alemã, a economia inglesa clássica e a ciência histórica francesa, o Marxismo original toma a economia e os modos de produção como os modelos fundamentais de apreciação das sociedades, e sustenta que o desenvolvimento do capitalismo fará com que a classe dominada seja, a partir de certo ponto, prejudicada a um limite em que se revoltará e implantará o socialismo. A linha de pensamento que daí deriva torna impossível, para certos intérpretes marxistas apontados por Aron, discernir o observador do atuante; a análise do real na sociedade levaria necessariamente à indignação revolucionária e ao desejo de transformá-lo. Aron faz uma crítica profunda da insuficiência de noções como luta de classes, esgotamento do capitalismo por suas próprias características internas e mais-valia, bem como da ideia ingênua de que o Estado, na chamada “ditadura do proletariado”, se diluiria em uma sociedade plena e sem antagonismos.
O francês Alexis de Tocqueville, de linha oposta ao coletivismo comtista e marxista, vem em seguida com seus temas principais: a democracia americana e a Revolução Francesa. Na linha de Montesquieu, Tocqueville discute com a ideia de que “a desigualdade é o motor e a garantia da liberdade”, acrescentando que a liberdade deve “assentar-se sobre a realidade democrática da igualdade de condições, salvaguardada por instituições cujo modelo lhe parecia existir na América”. O poder deve ser exercido de acordo com as leis, precisando ser limitado por outros poderes, através de uma “pluralidade de centros de decisão, de órgãos políticos e administrativos, equilibrando-se uns aos outros”. É um teórico da liberal-democracia, avesso ao despotismo, mas simpático a determinados valores aristocráticos. Era, no dizer de Aron, “um conservador liberal, resignado com a modernidade democrática, apaixonado pelas liberdades intelectuais, pessoais e políticas. Para ele, essas liberdades estão encarnadas nas instituições representativas, que as revoluções sempre põem em perigo. Está convencido de que, ao se multiplicarem, as revoluções tornam cada vez mais improvável a sobrevivência das liberdades”.
Em conclusão comparativa dessa primeira parte, Aron situa que cada um desses autores dá origem a uma escola sociológica. A primeira, baseada em Montesquieu e Tocqueville, seria a da “sociologia política” francesa, pouco dogmática, de pesquisadores interessados “antes de tudo na política, que, sem desprezar a infraestrutura social, aceitam a autonomia da ordem política e têm ideias liberais”. Aron se considera ligado a essa escola, que seria, por óbvio, a mais simpática às nossas ideias, também. A segunda, a de Augusto Comte, coloca a ênfase “sobre a unidade do todo social e retendo o conceito de consenso como conceito fundamental. Multiplicando análises e conceitos, esforça-se por reconstruir a totalidade da sociedade”. A terceira, a marxista, “combina a explicação do conjunto social a partir da infraestrutura socioeconômica com um esquema do futuro que garante a seus fiéis a vitória”.
Politicamente, Aron associa Comte com a “visão organizadora daqueles que hoje chamamos de tecnocratas”, que, sem qualquer ardor ideológico, preferem apostar no conhecimento técnico, exercido em vastas estruturas burocráticas, para conduzir os rumos da sociedade; Marx, “à visão apocalíptica dos que, ontem, eram revolucionários”; Tocqueville, ecoando Montesquieu, à “visão mitigada de uma sociedade onde cada um possui alguma coisa, e onde todos, ou quase todos, estão interessados na conservação da ordem social”.
De Durkheim a Weber
A segunda e última parte do livro se dedica à análise de autores quase contemporâneos uns dos outros, que viveram entre o final do século XIX e o começo do século XX. Embora menos emblemáticos, do ponto de vista filosófico-político, que os autores da primeira parte, não são, por isso, menos interessantes. Os três estão objetivamente interessados em fazer da análise social uma ciência – e por isso, as relações entre o conhecimento científico e a filosofia moral ou a religião são centrais em suas preocupações. Conhecido por seus estudos sobre o suicídio e o que se poderia chamar de religião primitiva (como o totemismo e o animismo), o francês Émile Durkheim é um herdeiro direto da escola de Comte e concede mais protagonismo ao coletivo sobre o individual do que seria agradável a alguém de pendores mais liberais. Mesmo Raymond Aron não esconde sua antipatia pelo pensamento de Durkheim. Socialmente, ele enxergava também a utilidade do conhecimento sociológico para buscar o “consenso” e frear a anomia da sociedade moderna, rejeitando a visão baseada nos conflitos e nos meios violentos do Marxismo. Prefere remontar ao utopismo de Saint-Simon e ao Positivismo; o socialismo seria uma reação à “anarquia econômica”. Tal como Comte, não dava muita importância a parlamentos, partidos e eleições, embora fosse, nesse ponto, menos radical que o fundador da Religião da Humanidade.
Talvez o menos conhecido entre os autores cujas obras são resumidas no livro, o italiano Vilfredo Pareto, que nós também ignorávamos quase de todo, foi o que mais nos surpreendeu por apresentar ideias interessantes e atualíssimas. A ideia central de Pareto é a restrição do pensamento científico, mesmo aplicado à Sociologia, em seu meio, sem dele redundar qualquer consequência moral de aplicação prática generalizada. Era inimigo do cientificismo; para ele, “nada mais contrário ao espírito científico do que a supervalorização da ciência”. Pareto é um grande crítico das ideias típicas das ideologias revolucionárias e esquerdistas; um de seus alvos prediletos é o que Aron chama de “humanitarismo exagerado”, o momento em que “uma sociedade perde o sentido da disciplina coletiva”, o que é tão prejudicial quanto a despótica e brutal crueldade. Diz Pareto: “é incontestável que há um século a repressão dos crimes se tornou cada vez mais fraca. Não passa um ano sem que sejam promulgadas novas leis em favor dos delinquentes, e a legislação existente é aplicada pelos tribunais e pelos júris com indulgência cada vez maior. Pareceria, pois, que a piedade com relação aos delinquentes aumenta, e diminui a piedade com respeito às suas vítimas”. Os defensores dos “direitos humanos” ao estilo PSOL de ser não devem gostar muito de Pareto… Avesso ao Positivismo e ao Marxismo, Pareto sustenta a importância da desigualdade de riquezas e contesta o igualitarismo socialista. Baseado em sua experiência de engenheiro, endossa a livre iniciativa e contesta as exacerbadas intervenções do Estado no mercado. No entanto, paradoxalmente, Pareto também tinha um lado pessimista algo nietzschiano, acreditando que, no ser humano, a emoção sempre predomina sobre a razão, que articula justificativas lógicas para motivações não-lógicas. Isso o leva a se aproximar de algumas soluções autoritárias, e inclusive, o que é motivo de polêmica nas interpretações sobre seu trabalho, chegou a ter um flerte com o fascismo italiano, a despeito de seu antiliberalismo, porque provavelmente viu nele “uma reação sadia contra certos excessos”. Nenhum erro que, por exemplo, o grande austríaco Ludwig von Mises também não tenha cometido. Aliás, Pareto também não nega a ideia sociológica marxista de luta de classes, embora negue sua conformação binária e economicista, o que, ao fim das contas, leva a uma direção muito diferente da proposta original.
Finalmente, o livro encerra com o célebre autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Max Weber. As preocupações de Weber, um nacionalista alemão que, conquanto admitisse um rol de ideias liberais, conferia protagonismo a um espírito “imperialista”, de exaltação à grandeza da pátria, próprio de seu tempo, estavam em identificar as originalidades da sociedade ocidental e anglo-americana que justificavam a formação de suas disposições econômicas tão consagradas modernamente, e via na religião um aspecto importante para essa análise.
As Etapas do Pensamento Sociológico é um passeio lúcido de Aron pelos pilares formadores da Sociologia que, para quem deseja conhecer as ideias políticas liberais, deve servir também como provocação para o aprofundamento nas tensões aí verificadas entre o individualismo e o coletivismo – e como cada autor, bem ou malsucedido, lida com elas. Vale a dica.
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Descrição
Conversão Harmoniosa. Revista Volta ao Supremo.
Conversão HarmoniosaHarmoniosa
Satyaraja Dasa
Uma simples exposição dos ensinamentos da consciência de Krishna quase terminou mal em um encontro de família.
Não se trata de conversão do cristianismo para o hinduísmo. A conversão acontece no sentido de levarmos a classe de homens ateístas a aceitarem a consciência de Deus. (Carta de Srila Prabhupada de 26 de junho de 1976)
Em uma reunião de família, algum tempo atrás, eu comecei a falar sobre a consciência de Krishna e seu valor em minha vida. Para minha família mais próxima – pais e irmãos –, esse tipo de conversa é algo com o que já estão acostumados. Mas para parentes que vejo com menor frequência, tal conversa os conduz a um passado longínquo, no tempo da minha “conversão”, como eles dizem.
Aparentemente, meu tio Sidney tomou como uma afronta pessoal a maior parte do que eu dizia.
“Você está tentando nos converter?”, ele disse como se há muito tempo estivesse se segurando – ele sorria, mas seus lábios estavam pálidos de raiva.
“Convertê-lo? Eu não sabia que você tinha religião”.
“Eu sou judeu!”, ele disse incrédulo, como se aquela resposta solucionasse todas as questões. “Certo, eu não acredito em Deus, mas eu sou judeu”.
Silêncio constrangedor.
“Bom, ao menos eu nasci judeu, e você também”.
“Eu também nasci bebê”, eu contestei, tentando levar um pouco de humor para a discussão. “Mas isso mudou, não? Só porque você nasceu em uma religião não faz de você um praticante”.
“E…?”
“Por isso, eu falar com entusiasmo sobre a tradição religiosa que adotei, a consciência de Krishna, não desafia de forma alguma a relação que você tem com a religião de seu nascimento”.
Nós deixamos aquele assunto para lá, mas, quando eu voltei para casa aquela noite, eu fiquei pensando sobre a perspectiva de meu tio. Por que ele se considera judeu, mesmo não praticando a religião? Por que minha conversão para a consciência de Krishna era desconfortável para ele? E será que eu estava mesmo tentando convertê-lo? Como eu poderia explicar para ele que minha “conversão”, como ele via, não se tratava de um movimento horizontal do ocidente para o oriente, mas, sim, um movimento vertical, da terra firme para o caminho da transcendência?
Exclusivismo Religioso
A tensão de meu tio em relação à consciência de Krishna se baseia no exclusivismo religioso, a visão que separa as religiões de acordo com o fundador, as escrituras e as diferenças histórico-geográficas. Por causa dessas diferenças, os adeptos de algumas religiões acreditam que apenas o seu processo é efetivo, com todos os outros apresentando algum grau de debilidade. Assim, muitas religiões, especialmente aquelas originadas no ocidente, têm enraizadas a noção de serem a religião verdadeira. Acreditam que apenas eles estão trilhando o exclusivo caminho para Deus e a salvação.
Mas o mundo moderno vem refutando tal visão. Pela primeira vez na história registrada, estamos nos tornando rapidamente uma comunidade global, o que naturalmente nos conduz ao pluralismo religioso – compreensão verdadeira das religiões de nossos vizinhos e como elas se relacionam com nossa gama pessoal de crenças.
Estamos nos tornando rapidamente uma comunidade global, o que naturalmente nos conduz ao pluralismo religioso.
A visão pluralista se torna algo mais logicamente plausível quando reconhecemos que todas as tradições religiosas genuínas acreditam em uma verdade transcendental (frequentemente chamada de Deus) e em nossa obrigação de agirmos em harmonia com essa verdade.
Mas o exclusivismo persiste. De onde ele vem? Qual sua origem? Psicologicamente, sua origem pode ser facilmente traçada a partir do desejo de ser considerado especial dentro do cosmo, a necessidade de se situar em algo exclusivo.
Em relação às religiões originadas no Oriente Médio, acadêmicos atribuem a origem da ideia do exclusivismo ao exílio dos judeus para a Babilônia, quando se voltaram pela primeira vez ao monoteísmo e desenvolveram a tradição de não se misturarem a outras nações. Mas não diga isso ao meu tio. As leis mosaicas são vistas como a única revelação, e associam os judeus a Deus de forma que nenhuma outra pessoa teria relação com Ele. Isso faz deles “o povo escolhido”. A crença dos judeus em um “Deus exclusivo” se estendeu a seu pupilo, o cristianismo, com o “Jesus é o único filho de Deus”. Tendo nascido do fértil solo exclusivista do judaísmo, a tradição cristã clama que só se pode alcançar o Supremo através de Jesus, crença que inspira as atividades missionárias da Igreja por todo o mundo.
Mas se pensarmos sobre isso profundamente, veremos que todos somos partes do mesmo organismo, Deus, e nossa exclusividade se baseia exatamente em como, de acordo com nossa maquiagem psicológica individual, iremos servi-lO para que desenvolvamos nosso amor por Ele. Como criaturas finitas, quem somos nós para limitarmos o amor de Deus, dizendo que Ele aceita o amor daqueles em um processo e não aceita o daqueles em outro? Movimentos judeus que realizaram esse ponto assumiram a postura pioneira de reconhecerem a legitimidade de outros caminhos para se chegar a Deus, e o Conselho do Vaticano de 1965 diz que os cristãos devem buscar apreciar o que há de bom e verdadeiro nas demais fés.
Isso não tem por fim dizer que as diferenças entres as tradições religiosas são meramente semânticas, ou que todos os caminhos são igualmente efetivos em conduzir-nos para o destino supremo. No movimento Hare Krishna, balanceamos nossa abertura às várias tradições religiosas do mundo com afiados questionamentos acerca do conteúdo de determinadas tradições. É preciso haver um critério base para se discernir verdades religiosas, mesmo que todas as principais tradições sejam aceitas em essência.
O que É Religião?
Em uma palestra pública no ano de 1972, Srila Prabhupada, de forma muito sensata, define a natureza da religião verdadeira:
Na sociedade humana, há sempre algum tipo de instituição religiosa. Isso se chama dharma, fé. Como já foi explicado, dharma é o dever constitucional e funcional de cada indivíduo. A essência da verdadeira religião é a prestação de serviço a Deus. Nós, todavia, manufaturamos diferentes religiões na sociedade de acordo com o país ou as circunstâncias. […] Pode-se praticar qualquer tipo de princípio religioso, mas o resultado deve ser a aquisição da perfeição. Talvez uma pessoa diga que está seguindo perfeitamente os princípios de sua religião, que são trazidos na Bíblia, no Alcorão etc., e isso é muito bom, mas qual é o resultado? O resultado deve ser que a pessoa deseje cada vez mais ouvir sobre Deus.
No ensinamento de Prabhupada, os princípios espirituais universais se chamam sanatana-dharma, ou a “eterna função da alma”.
Enquanto conversava com meu tio Sidney, tais ideias norteavam meus pensamentos. Estando ciente de sua descendência judaica (e da minha também), eu tentava trazer algo mais profundo. Eu estava falando sobre a prática de princípios espirituais. Eu não estava nem um pouco preocupado se chamamos tais princípios de judaísmo, cristianismo ou hinduísmo. No ensinamento de Prabhupada, chamado de vaishnavismo, essa essência espiritual se chama sanatana-dharma, ou a “eterna função da alma”. Essa tradição incentiva seus adeptos a se focarem no cerne da busca religiosa: amor por Deus. Ela enfatiza a qualidade da devoção, e não o rótulo de um caminho particular, como disse Prabhupada em uma conversa em Gênova em junho de 1974:
Primeiramente, o que é qualidade? A qualidade do cristão é percebida por sua obediência ou não dos Dez Mandamentos. Se ele não os cumpre, onde está sua cristandade? Assim é declarado guna-karma: pela qualidade e trabalho, a pessoa se torna cristã, hindu ou muçulmana. É preciso que exista a qualidade. E quando a espiritualidade se desenvolve, seja através do cristianismo, do hinduísmo ou do islamismo – isso não importa – aí está a qualidade desejada… Portanto, nosso movimento existe para criar pessoas que amam a Deus, e isso é declarado no Bhagavatam: a religião de primeira classe é aquele que transforma seus seguidores em pessoas que amam a Deus.
De acordo com Prabhupada, o caminho supremo é aquele que nos permite desenvolver amor por Deus. Se a pessoa não desenvolve esse amor, então a instituição religiosa não é nada senão uma distração à meta última da vida. Prabhupada baseia essa ideia no verso 1.2.6 do Srimad-Bhagavatam, possivelmente a mais profunda de todas as escrituras religiosas: “O dever supremo (dharma) de toda a humanidade é aquele pelo qual as pessoas podem obter o serviço devocional amoroso ao Senhor transcendental. Tal serviço devocional deve ser desmotivado e ininterrupto para a completa satisfação do Eu”.
Em outras palavras, há o que se chamaria de dharma externo (dever, religiosidade) e de dharma interno, e se o primeiro não conduz ao segundo, o primeiro deve ser descartado. Isso pode ser entendido pelo cuidadoso estudo da Bhagavad-gita: Krishna inicialmente instrui a humanidade a aceitar completamente o dharma. Ele diz que é com o objetivo de se estabelecer o dharma que Ele faz pessoalmente o Seu advento (Bg. 4.8) – mas, até então, Krishna se refere ao dharma externo. Quando a Gita começa a se aproximar de seu fim, Krishna finalmente sugere que abandonemos o dharma externo e tomemos refúgio nEle. (Bg. 18.66) Esse é o dharma interno. Como exemplifica o comportamento do meu tio, enquanto se calcula como praticar sua religião, é muito frequente deixar Deus de fora da equação. Assim, o Senhor Krishna diz de forma definitiva que seguir as tradições religiosas é importante, mas que o mais importante é se ater à essência da religião.
O que É, Definitivamente, Dharma?
O movimento Hare Krishna respeita e pratica o dharma como ele é enunciado nos antigos textos védicos, mas enfatizamos a essência do dharma: amor por Deus. Em última instância, é isso que todas as religiões ensinam – adesão ao dharma externo, mas com a consciência de que esse é mero subserviente do dharma interno. Tal percepção deve ser adquirida para a compreensão do verdadeiro significado da busca religiosa.
Em sânscrito, a palavra mais frequentemente usada para designar religião é, mais uma vez, dharma. Todavia, dharma denota mais do que uma doutrina a que alguém se afilia para a expressão de determinada fé religiosa. Dentre suas diversas definições, dharma significa, literalmente, “a essência de uma coisa”. O dharma do açúcar é a doçura; o dharma do fogo é o calor; o dharma das entidades vivas é conhecer e amar a Deus. Em outras palavras, dharma é aquilo do qual um ser ou coisa não pode ser separado. Você pode mudar sua fé, a forma com que expressa sua religiosidade – um judeu pode se tornar muçulmano, que pode se tornar cristão, que pode se tornar hindu – mas você é sempre servo de Deus. Esse é seu verdadeiro dharma.
Talvez alguém proteste: “Eu não sou servo de Deus. Eu sou dono de mim mesmo. Eu não sirvo ninguém”. Se examinarmos cuidadosamente nossa vida, todavia, veremos claramente que somos sempre servos. Podemos servir Deus e, por extensão, a humanidade ou podemos servir nossa família ou nossos sentidos pessoais – mas somos servos por natureza. No estado condicionado da existência material, as entidades vivas servem o Senhor de forma indireta e desfavorável, ao passo que, no estado liberado, as entidades vivas servem o Senhor de forma direta e favorável.
Para exemplificar, todos no Estado servem o Estado. Alguns servem de forma direta e favorável, como os policiais, soldados, políticos, os cidadãos que pagam seus impostos etc., enquanto outros servem de forma indireta e desfavorável, como os prisioneiros. Presos na prisão da natureza material, sob a supervisão de Durgadevi (a personificação da energia material), as almas condicionadas são forçadas a servir maya, ou a ilusão, e, em troca de seus serviços prestados, elas são às vezes chutadas pelas cruéis leis da natureza e às vezes afagadas pelo seu carinho inconstante. As almas liberadas, que vivem na morada suprema do Senhor (o reino de Deus, nosso lar original), em contraponto, servem o Senhor diretamente em diversas variedades de rasas espirituais, ou relacionamentos transcendentais, e desfrutam de uma vida eterna, plena de conhecimento e de bem-aventurança na companhia da Suprema Personalidade de Deus, o reservatório de todo o prazer.
A Importância do Não-Sectarismo
Uma vez que Deus é um, a religião também deve ser uma. Essa religião comum, que recebe diversos nomes, é conhecida pelos indianos (e pelos devotos Hare Krishna) como sanatana-dharma, e é isso que eles se esforçam em praticar. Assim, sanatana-dharma, a religião do movimento Hare Krishna, não é um conceito sectário que tenta artificialmente rebaixar outras religiões e estabelecer sua supremacia com base nos conceitos mundanos de superioridade e inferioridade, senão que é a natural busca da alma espiritual pelo serviço e amor a Deus. É a essência – o dharma interno – de toda entidade viva.
O movimento Hare Krishna prega que as entidades vivas não são cristãs, judias, hindus ou muçulmanas, porque esses títulos são designações corpóreas. E, se isso estivesse claro na conversa que tive com meu tio, não teria havido nenhum desentendimento. As pessoas não são o corpo, mas, sim, a alma espiritual. Contudo, muitos acham que são cristãos, por exemplo, simplesmente porque nasceram em uma família cristã. Eles não consideram que, na próxima vida – ou mais tarde na mesma –, podem se tornar budistas, siques ou adeptos de qualquer outra religião. Novamente, um cristão pode se converter em judeu, ou um hindu em muçulmano – são todas designações temporárias do corpo e de crenças pessoais, designações que mudam, que têm começo e fim. Portanto, não são sanatana-dharma, a verdadeira religião eterna de todos.
Mas se uma pessoa encontra os princípios do sanatana-dharma nos ensinamentos do cristianismo, do islamismo, ou em qualquer outro lugar, ela deve aceitá-los sem considerar o rótulo ou o local de origem. Enfim, a religião Hare Krishna ensina o verdadeiro não-sectarismo, como estabelecido anteriormente, encorajando que as pessoas aceitem qualquer processo genuíno que as conecte com Deus, como afirma Prabhupada:
Podemos compreender nossa relação com Deus através de qualquer processo – através do cristianismo, através da literatura védica, ou através do Alcorão –, mas tal assunto deve ser compreendido. O propósito deste movimento da consciência de Krishna não é transformar cristãos em hindus ou hindus em cristãos, mas informar a todos que o dever do ser humano é entender sua relação com Deus.
A compreensão da existência de um dharma eterno, uma religião universal, é tão clara para Prabhupada que o conceito de sectarismo lhe parece absurdo:
O que é sectarismo? Em todas as seitas, a criança é dependente dos pais. O que se quer dizer com sectarismo? Quer-se dizer que a criança hindu não é dependente de seus pais? A criança muçulmana não depende de seus pais? Todos dependem dos pais. Se ela é uma criança hindu, uma criança cristã ou uma criança muçulmana, isso não importa. Essa é a natureza da criança. De forma similar, talvez você seja hindu ou muçulmano, mas você depende de Deus. Isso é um fato. Então, onde está o sectarismo? O muçulmano pode dizer: “Não, não. Não somos dependentes de Deus”? Os Cristãos podem declarar isso? Temos que pegar a condição geral: todos são dependentes de Deus. Onde está a questão do sectarismo? É como uma nuvem: todos estão esperando por chuva. Isso não significa que se espere por chuva muçulmana ou chuva hindu ou chuva cristã. Toda chuva é dependente das nuvens. Isso é tudo. Hindu, muçulmano, cristão – somos dependentes da nuvem. Por que se declarar independente de Deus?
Prabhupada grifou a importância de se buscar a verdadeira religião em qualquer lugar que se possa encontrá-la, embora ele claramente expressasse sua fé pessoal na tradição védica, a qual atribuía os predicados de “a mais abrangente e clara” e “os mais antigos textos conhecidos pela humanidade”:
Se uma pessoa é séria quanto a buscar por Deus, ela não deve pensar “eu sou cristã”, “eu sou hindu” ou “eu sou muçulmana”. [Senão que] deve considerar qual processo é o mais prático. Não deve pensar: “Por que eu deveria seguir o hinduísmo e as escrituras védicas?” O propósito de se seguir as escrituras védicas é desenvolver amor por Deus. Quando estudantes vêm para a América em busca de educação superior, eles não se preocupam se os professores serão americanos, alemães ou de outra nacionalidade. Se querem educação superior, simplesmente vêm para a América. De forma similar, se há um processo efetivo para se compreender e se aproximar de Deus, como esse processo da consciência de Krishna, deve-se tirar o máximo de proveito.
Converter em Quê?
Citações como a acima pedem reflexão: Prabhupada está recomendando alguma espécie de conversão? Ele vê sua tradição como sendo melhor do que outras?
Se pegarmos essa última citação juntamente com as demais, veremos que Prabhupada não está recomendando que pulemos de uma religião para a outra, mas que olhemos a fundo a verdade religiosa e vivamos nossas vidas de acordo. Claramente, ele vê a tradição vaishnava como mais inclusiva, e as escrituras védicas como mais claras e objetivas, e ele certamente iria recomendar a uma pessoa – se ela se demonstrasse inclinada – a aceitar essas escrituras e tradição. Mas para que fim? Esse é o ponto crucial. Não é para aumentar o número de hinduístas ou de adeptos de qualquer outra seita. Prabhupada está apenas pedindo para que as pessoas procurem um processo científico que culmine no amor por Deus. Se podem fazer isso através de alguma tradição sectarista, então que façam, mas ele recomenda o vaishnavismo, pois sabe que ele funciona.
Prabhupada diz:
Sim, eu não digo que cristãos devam se tornar hindus. Eu apenas digo: “Por favor, obedeçam aos mandamentos”. Eu quero fazer dos cristãos melhores cristãos. Essa é minha missão. Eu não digo: “Deus não está na sua tradição; Deus está apenas na nossa”. Eu simplesmente digo: “Obedeça a Deus”. Eu não digo: “Você tem que aceitar que o único nome de Deus é Krishna”. Não, eu digo: “Por favor, obedeça a Deus. Por favor, tente amar a Deus”.
Assim, se os ensinamentos de Prabhupada falam sobre algum tipo de conversão, falam sobre converter pessoas do materialismo para o espiritualismo – e isso é tudo. Sua preocupação é que as pessoas pratiquem suas religiões de forma sincera e com entusiasmo. E como ele era pessoalmente praticante do dharma vaishnava, ele estava confiante de que poderia ensinar a outros a fazerem o mesmo. Prabhupada não aceita as ideias de uma revelação exclusiva, de um povo escolhido, ou de um único salvador; por isso, não pensa em termos de conversão. Ao contrário, afirma que Deus aparece em várias formas, tempos e locais para falar a língua da religião para todas as culturas e, assim, estabelecer os vários aspectos de Sua lei e de Seu amor. De acordo com Prabhupada, o amor de Deus pela humanidade é algo muito poderoso para ser restrito a um tempo, local ou cultura. Mesmo destacando o prestígio da tradição vaishnava, os ensinamentos de Prabhupada são não-sectários. Ele não estava interessado em conversões, embora estivesse interessado em compartilhar a ciência vaishnava de como desenvolver amor por Deus. Só desejo que meu tio Sidney possa entender isso.
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Fonte https://voltaaosupremo.com/artigos/artigos/conversao-harmoniosa/
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Suicídio entre os jovens. Na perspectiva de um fato social de Durkheim. Blog do João Maria andarilho Podcast conservador sobre: política , filosofia, arte, cultura, educação, pedagogia , religião
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O Kali-Santarana Upanishad (sânscrito: कलिसन्तरणोपनिषद्, IAST: Kali-Saṇṭāraṇa Upaniṣad), também chamado de Kalisantaraṇopaniṣad , é u...
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