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Cartilha de Alfabetização Sodré (Benedicta Sthal Sodré),
chegou a vender mais de 6 milhões de exemplares em suas 273 edições e marcou uma geração. As pessoas que com ela estudaram são saudosas de seu pequeno livro de leitura, que hoje em dia passou a valer muito. Só para se ter idéia, um exemplar pode chegar a custar de 500 a mil reais!
Exatamente por isto estou colocando aqui a cartilha para quem deseja matar as saudades e não dispõe de tanto para dar em um livro didático, mesmo que ele seja muito querido e tenha feito parte de sua vida. Aproveite e mate a saudade das lições, como a famosa lição "a pata nada" que muita gente não esquece até os dias de hoje. Segue abaixo um histórico da
cartilha.Histórico da primeira versão, aquela da garotinha de tranças:
Capa da Cartilha Sodré , (1ª ed., 1940)
219.e. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1951. [Não foi possível localizar a editora que publicou as primeiras edições, cuja 1a. edição é de 1940. A partir da 46a. edição, de 1948, a Cartilha Sodré passou a ser publicada pela Companhia Editora Nacional. Conforme dados da editora, de 1948 até 1989, data da última edição, a 273a., foram produzidos 6.060.351 exemplares. Em 1977, ela foi remodelada por Isis Sodré Verganini. Além da alteração no formato da cartilha, foram acrescentadas mais de 30 páginas.] Diário de Lições. Delphina Spiteri Passos [Caderno do professor indicando como se deveria trabalhar em sala de aula com a Cartilha Sodré, lição da para.]
A edição que está disponível aqui não é aquela primeira, foi reformulada. Porém não perde o significado, continua sendo maravilhoso poder ter contato ainda hoje com um material com a Cartilha Sodré, de Benedicta Sthal Sodré!
Clique NO LINK abaixo para baixar a cartilha sodré completa
SEGUE UM ARTIGO QUE ACHEI INTERESSANTE, DE ROMILDO SANTANA:
ROMILDO SANT'ANNA
Maravilhosa cartilha Sodré
Era uma brochura grampeada na dobra. Na capa fosca e esverdeada, uma menina de tranças sorria pra gente e convidava à ventura das primeiras letras. Com 64 páginas, tinha tamanho pouco maior que as cadernetas que marcavam o fiado no empório, ou os almanaques que nos entretinham em viagens de trem. A autora, nossa heroína, era Benedicta Stahl Sodré, identificada com letras miúdas na capa. Ela e Dona Celina, a primeira professora, parece que adivinhavam a sílaba à frente nas veredas de sentenças complicadas e escuridões da vida. Nossa cartilha alcançou quase 300 edições e multidão de exemplares vendidos, bem baratinhos.
Recordo a primeira lição. Era da pata e, lógico, tinha uma pata branca flutuando no lago. “A pata nada. Pata-pá, nada-ná”, repetíamos em voz alta olhando a figura e letras de professora. Reconhecemos o “p”, o “n” e a primeira vogal, aquela da abelha. Depois vieram o “g” de gato, o “m” dum macaco contente e o “z” de Zazá zanzando em fim de ano. O método de ensino – dizem os pedagogos – era o fônico, que associava as letras e seus desenhos ao som dos vocábulos. Com alegria de aprender, desafiávamos em batalhas gritantes a turma da sala ao lado, bradando em coro: “ Vovô viu a uva! Vovô viu a uva!”. E eles, que aprendiam na Caminho Suave, respondiam ruidosos tropeçando em consoantes: “O rato roeu a roupa do rei de Roma!”. A Suave não era grampeada nem parecia caderneta. Achávamos bonita, maiorzona, com um casal de crianças na estrada apontando com o dedo o futuro. Mas soava meio estranha, talvez porque não a tivéssemos. A criançada da turma de lá, com a qual competíamos também em caligrafia e aritmética, não escondia serena inveja da nossa cartilha, a velha e simplezinha Sodré.
Naquela época, ser analfabeto era comum na cidade. Muita criança de ponta de vila, como nós, nem ia à escola. Mas os que a freqüentavam, às vezes de pé no chão, saíamos lendo, escrevendo e entendendo o que líamos. O boletim não era uma folha fria de computador, mas questão de honra, atestado de que nos havíamos no mundo, com notas azuis e assustadores vermelhos escritos à mão. O material escolar cabia no pequeno bornal dos garotos ou em bolsas de couro geralmente das meninas. E, sem que percebêssemos, já estávamos numa assustadora selva de Ubirajara, ou nos encantávamos com o despertar adolescente de Clarissa, fervendo em nós a puberdade, apaixonados por ela.
Hoje , alfabetização não passa de um percentual estatístico. Não havia o contingente escandaloso dos analfabetos funcionais, que crescem, garatujam nomes em títulos de eleitor, são capazes de soletrar o escrito num cartaz, mas não retêm a mensagem. Li dia desses o comunicado de um garoto bem maior que nós, naquela época: “mae tou na caza do Biau jogando game e vc nao preocupeçe ok?”. E ela, talvez, nem se preocupou.
Discute-se o decepcionante resultado escolar dos pequenos brasileiros. Pesquisa recente informa que menos de 5% dos alunos de 4ª série tiveram desempenho adequado, sabem de fato ler e escrever. Os demais revelam aproveitamento abaixo do que necessitariam para a cidadania e emancipação futura. A nova alfabetização recebe nome pomposo e retórico: construtivista. Nega ênfase à relação sonora entre letras, os desenhos e as palavras, faz da velha cartilha um exemplo tosco de antanho. Prefere que o aprendizado se faça da união entre o cotidiano da criança e as palavras a ele relacionadas. Os livros, luxuosos e caríssimos, a ostentar brilhos superficiais, fazem a festa de editores e livreiros no início de cada ano. Enfeixam boniteza arrogante e transformam filhos e pais em submissos reféns. Algumas escolas, diante de material tão sedutor – e inócuo, parece, segundo os resultados –, usam tais apetrechos pedagógicos como alavancas ornamentais a justificar o alto preço das mensalidades. Quanto ao principal, ensinar a que as crianças aprendam, parece que em alguns casos as escolas se acomodam, culpam implicitamente as crianças, o berço que tiveram ou, talvez, a sociedade com a educação geral em declínio.
Assistimos à degradação da escola pública, determinada pela apatia venal dos dirigentes políticos. Educadores desesperam-se entre salas inconvenientes e salários ultrajantes. À parte, como se fora noutro mundo, por uma criança de 5ª série, em colégio privado, cobra-se por ano letivo mais de 7.500 reais, em treze prestações. Isto porque fomentado por religiosos e entidades sem fins lucrativos. O livro de português custa 57, o de matemática, 64, os de história e geografia, 117, o de ciências, 59, mais caros que um Prêmio Nobel. São tantos e volumosos os arsenais didáticos que necessitam de mochilas com rodas pra que sejam transportados. Tudo como se matérias escolares tivessem valor pelo que pesam, proporcionais em papel-moeda. Chego a pensar que, ao dar-se conta dessa ostentação perdulária no contexto do país, uma criança adquira, inocentemente, as primeiras letras do alfabeto inclemente da segregação social. É assim mesmo – aprendem no sub-reptício – somos a casta privilegiada. A vida é nota zero em solidariedade, e salve-se quem puder! Saudade da velha cartilha enfiada no piquá.
Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
".. .mando uma página da cartilha que foi usada para a
minha alfabetização no Grupo Escolar do Bairro da Granada, entre 1947 e1949. A primeira página foi perdida, mas nós a chavámos da Cartilha da Pata Nada."