terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O abandono dos ideais. setembro 1987 – SAPIENTIAM AUTEM NON VINCIT MALITIA. olavodecarvalho.org

Olavo de Carvalho O Abandono dos Ideais - YouTube

O abandono dos ideais

Em 7 de setembro de 1987   /   Apostilas, Destaque  

Olavo de Carvalho

Aula do curso Introdução à Vida Intelectual

Setembro de 1987. Reproduzida sem alterações.

Quando as palavras saem da moda, as coisas que elas designam ficam boiando no abismo dos mistérios sem nome; e como tudo o que é misterioso e inexprimível oprime e atemoriza o coração humano com uma sensação de cerceamento e impotência, é natural que a atenção acabe por se desviar desses tópicos nebulosos e constrangedores. Pois o que desaparece do vocabulário logo acaba por desaparecer da consciência: o que não tem nome não é pensável, o que não é pensável não existe — tal é a metafísica dos avestruzes. Só que a coisa desprovida do direito à existência continua a existir numa espécie de extramundo, inominada e inominável, tanto mais ativa quanto mais secreta, tanto mais temível quanto mais envolta nas pompas tenebrosas do nada. A restrição do vocabulário povoa o mundo de temores e presságios. Desprovido da capacidade de nomear, eis o homem devolvido a todos os terrores que ele imaginava primitivos, mas que são uma pura criação da mais avançada e requintada decadência: o barbarismo artificial.

Se a coisa desprovida de nome é, por acaso, alguma realidade espiritual elevada, um valor excelso ou aspiração suprema da alma — uma dessas coisas essenciais que se pode expulsar da consciência, mas não da existência —, é natural que sua reencarnação obscura assuma, mais ainda, as feições do terrível, do informe, do monstruoso.

É algo assim que acontece com aquela coisa designada pela palavra “ideal” — uma palavra obviamente fora de moda, cujo significado perde realidade com a rapidez com que perde sangue um decapitado.

Denomina-se “ideal” a síntese em que se fundem, numa só forma e numa só energia, a idéia do sentido da vida e a do preço de sua realização: diz-se que um homem tem um ideal quando ele sabe em qual direção tem de ir para tornar-se aquilo que almeja, e quando está firmemente decidido a ir nessa direção.

Complexo de impulso e de esquema, o ideal atrai como um imã e coordena como um eixo. Pela unidade de sua forma, convoca o sinergismo da vontade: a concorrência de todas as forças para a consecução da meta. Pelo seu caráter de síntese projetada para o futuro, ergue-se como um tribunal soberano e neutro para a arbitragem de todos os conflitos do presente, que ali se resolvem e superam de modo que mesmo as tendências mais antagônicas da alma possam convergir num só ímpeto ascensional.

O ideal é, por isto, condição indispensável para a coesão da personalidade, que sem ele se dispersa em aspirações fortuitas e esforços estéreis. Miragem e emblema, sua visão nos dinamiza, nos eleva e enobrece, e é sempre a lembrança do seu apelo que nos reergue após cada erro e cada desengano. O ideal é semente de juventude e revivescência. Tem um poder coordenante voltado para o futuro, um poder curativo voltado sobre o passado.

É ainda pela força do ideal que o homem transcende o sono entorpecido da subjetividade intra-orgânica, das falsas idéias e aspirações que não são senão a secreção passiva da fisiologia, para despertar a um mundo de realidades objetivas que a inteligência discerne e que a consciência moral obriga a reconhecer; é assim que a alma se liberta do poço escuro da individualidade estanque, para elevar-se ao mundo maior da sociedade, da cultura, da vida moral, ao sentimento do universo e ao desejo de Deus.

Sem a síntese, que o ideal opera, entre o impulso de universalidade e os interesses do organismo psicofísico, não haveria meio de fazer um homem sacrificar-se, impor-se restrições, contrariar desejos e reprimir temores, em prol de algum valor moral, social ou religioso, para alcançar sua plena estatura humana e tornar-se, talvez, maior do que ele mesmo. Mas o desejo, que move a alma, não pode ser despertado por uma simples idéia abstrata, por verdadeira que seja; ele necessita de imagens plásticas, sensíveis, que lhe dêem como que uma presença antecipada do seu objetivo. Também não se move, exceto no homem grosseiro, ao simples apelo de uma imagem atrativa; mas aguarda que a inteligência examine e aprove o objeto como desejável e bom. Não basta que a meta seja verdadeira; é preciso que seja bela. Mas não basta que seja bela; é preciso que seja verdadeira e justa. É a síntese desta tripla exigência, intelectual, estética e moral, que se denomina “ideal”. Ele concilia, no homem, o desejo de auto-afirmação, de autodefesa, de permanência, com o impulso de crescimento, de doação e de superação de si. Ele dá uma significação universal às tendências individuais, e põe estas a serviço daquela. Spencer falava dos sentimentos “ego-altruístas”, intermediários entre o egoísmo e o altruísmo; neles, uma satisfação dada a si mesmo é, indireta porém voluntariamente, ocasião de benefício para os outros. O ideal extrai grande parte do seu dinamismo dessa pulsação ego-altruísta, em que a felicidade de um homem se identifica com o bem dos demais1. O ideal é como o fogo em que se transfunde, no forno alquímico da alma, o egoísmo em altruísmo, a paixão reflexa em ação refletida.

Mas não é só por isto que o ideal dá força, equilíbrio e consistência à personalidade. A escola junguiana tinha razão ao ver no ideal do eu uma instância superior, capaz de absorver e neutralizar os conflitos entre o id e o superego, entre as pulsões primárias do organismo psicofísico e o esquema de proibições e deveres introjetado inconscientemente pelo hábito imposto, automatizado depois numa constelação de rotinas impeditivas. De fato, quanto mais elevado, nítido, intenso e querido é um ideal, mais o homem é capaz de, em favor dele ele, se impor sacrifícios inteligentemente, contornando as exigências do id; porém, na mesma medida, o ideal o capacita a contrariar, se preciso, as imposições de uma moralidade meramente exterior e convencional, a reformar e elevar seu padrão de valores, a superar a obediência servil a exigências repressivas irracionais. Destituído do ideal, no entanto, o homem abandona-se à luta cega entre a paixão egoísta e o temor da represália do superego2.

Embora nascida na nossa consciência subjetiva, a imagem de perfeição expressa no ideal aponta para uma qualidade objetiva: pelo ideal, as qualidades latentes do homem tendem a orientar-se para fora e transformar-se em atos e obras no mundo. O ideal é o caminho pelo qual as aspirações individuais de felicidade distribuem-se nos sulcos já abertos da realidade exterior, saem da redoma do sonho e ganham um corpo no cenário maior dos fatos e das coisas. Sem um ideal definido, todas as melhores aspirações não passam de sonhos, porque não há um dever moral imanente a exigir que se amoldem à realidade, que se limitem em extensão para realizar-se em intensidade. Só o homem idealista é realista; os demais são sonhadores ou cínicos. Não tendo uma medida do que as coisas deveriam ser, vêem-nas melhores ou piores do que são.

Ademais, para que as qualidades latentes possam se manifestar, é necessário um esforço constante numa direção definida; sem ideal, o esforço gasta-se em gestos reativos, momentâneos e sem proveito. O ideal é a bússola que assinala para a alma uma direção firme e constante por entre as incertezas. Por isto, o sentimento de insatisfação, de vazio e de tédio que experimentamos quando traímos ou esquecemos o ideal é o sinal de alarma que nos permite corrigir o rumo e reencontrar o sentido da vida. Se o sentido é aquilo a que se orienta a nossa vida e a que ela tende com todas as suas forças, então, deve estar colocado num outro tempo ou num outro espaço que não os do presente e do imediato num futuro ou num plano mais abrangente de realidade. O ideal é a presença deste futuro no presente, deste outro espaço no aqui e no agora. Uma presença incompleta e, por isto, dinâmica e tensional. Por ela, medimos nossa aproximação ou afastamento do sentido da vida. O ideal é a medida efetiva do tempo existencial, o padrão de intensidade e profundidade da significação dos momentos. Sem ideal, os instantes e os lugares se homogeneizam na massa do indiferente, após a breve excitação casual que os torna interessantes. O ideal é a coluna mestra e a força da personalidade. Traí-lo ou esquecê-lo é entregar-se, de ossos quebrados, nas mãos da contingência e do absurdo.

Quando, porém, a traição é demasiado grave, extensa, profunda, o sinal de alarma já não soa mais: o clamor da consciência moral imanente tornou-se tão penoso que a alma o reprime, lacrando-o sob a tampa do subconsciente, ao mesmo tempo em que procura inventar toda sorte de razões, de pretextos factícios e ocasionais, para justificar o mal-estar e o tédio, ou encontra um bode expiatório sobre o qual despejar seu rancor de si mesma. A repressão da consciência moral, como demonstrou Igor Caruso3, está na base de muitos distúrbios neuróticos. A neurose apóia-se num complexo jogo de racionalizações e compensações que falseia completamente a posição existencial do indivíduo, como uma bússola viciada. E, já que a consciência, por definição, é coesão — com + scientia = reunião da ciência4 —, e uma lei constitutiva impede que suas partes funcionem separadas, logo o escotoma defensivo se alastra para outros campos e acaba por obliterar toda a visão, mesmo em áreas que nada têm a ver diretamente com o conflito que lhe deu origem. O empenho de conservar então um mínimo indispensável de realismo, necessário à vida social e prática, é obstaculizado pelo esforço de não enxergar uma determinada área, circunscrita como tabu; o curto-circuito daí resultante produz considerável perda de energias, enfraquecendo a capacidade intelectual e decisória. A vítima torna-se cada vez mais inepta para o ato de humildade que lhe devolveria o ideal perdido e o sentido da vida ( ser humilde não é outra coisa senão aceitar a realidade; como diz Schuon, “ser objetivo é morrer um pouco” ).

Na psicologia e psicoterapia de Paul Diel5, a divindade é a imagem ideal que orienta todos os esforços para a auto-realização das qualidades superiores do homem. Pouco importa que, teologicamente, ela seja muito mais do que isto, pois, para o indivíduo, a divindade real e objetiva só é acessível através da sua imagem pessoal de Deus, e é justamente esta é a base da qual tem de partir todo ensino religioso que não seja mera lavagem cerebral. Psicologicamente, porém, o interesse maior não reside na veracidade teológica da imagem, porém na sua ação catalizadora sobre a massa das forças psíquicas. Encarado psicologicamente ou teologicamente, o ideal de perfeição humana sugerida pela imagem do divino é a meta obrigatória e universal da existência humana sobre a terra, e a perda deste ideal é, segundo Diel, a causa das neuroses. O ideal da perfeição pode ser corrompido ou desviado, basicamente, de duas maneiras. Diel chama-as exaltação imaginativa e banalização. São processos opostos, sucessivos e complementares.

A exaltação imaginativa é um estado em que a mente, embevecida com o seu ideal, se identifica mais ou menos inconscientemente com ele e atribui a si as perfeições que a ele pertencem, como se já as tivesse realizado. Para Diel, o símbolo por excelência da exaltação imaginativa é o vôo de Ícaro. As asas de cera representam a força da imaginação, que só pode elevar aos ares um corpo imaginário. O exaltado toma o potencial por atual, imaginando possuir as perfeições a que aspira. Por isto mesmo, sua alma experimenta, como num choque de retorno, um sentimento de estranheza e de impotência perante o mundo, que não cede, como ele esperava, aos seus encantos ou poderes. Acuado pelas exigências da realidade, ele exacerba ainda mais sua adoração de si mesmo diante de um mundo que ele julga vil, mesquinho e incompreensivo, quando na verdade é ele mesmo quem não compreende o mundo e, por não compreendê-lo, está impotente para agir nele. É a síndrome do “jovem incompreendido”, que, pela simples razão de ter aspirações elevadas — ou que lhe pareçam elevadas — já se sente ipso facto superior ao seu ambiente e, portanto, limitado ou coagido pela mesquinhez real ou aparente dos pais, da escola, da sociedade, do emprego, etc6. Nem sempre ele declara seu sentimento em voz alta; uma vaga intuição do caráter doentio do seu estado pode envolver este sentimento numa complexa rede de disfarces, atenuações e racionalizações muito difícil de deslindar. Também é certo que seu diagnóstico depreciativo sobre o mundo em torno pode ser, em si mesmo, objetivamente verdadeiro, sendo falso apenas o lugar e a função que ocupa na sua alma, já que a degradação do mundo lhe aparece, por vezes ao menos, como uma espécie de contraprova de suas próprias qualidades excelsas7.

Não raro o doente alia-se a outros jovens imbuídos do mesmo sentimento, em busca de apoio e confirmação de suas queixas contra o mundo. A comunidade de sentimentos e a repetição das queixas, criando uma atmosfera de comprovação intersubjetiva, parece dar consistência real ao diagnóstico distorcido e subjetivista que cada um dos membros do grupo faz quanto ao estado do mundo, legitimando seu discurso contra a mediocridade e grosseria das pessoas “de fora”. “Estar dentro” do grupo é então sinal de uma espécie de eleição, a prova de uma qualidade excelsa e incomunicável. O sentimento de ter acesso a algo misterioso, profundo, especial, pode exacerbar a exaltação imaginativa ao ponto de provocar uma verdadeira ruptura com a realidade ambiente, incapacitando o indivíduo para o cumprimento dos deveres sociais mais elementares8. Quando a exaltação imaginativa chega a efeitos tão profundos, é que o doente já se encontrava à beira de um colapso intelectual e social, contra o qual provavelmente terá sido advertido pelos pais, por amigos, ou por uma infinidade de sinais diretos e indiretos. Estes sinais, por sua vez, aguçam a sensação de estar afundando no completo isolamento e na impotência; e o pressentimento de abandono, às vezes mesmo de loucura e morte, contrasta tão dolorosamente com os primeiros vôos de exaltação imaginativa, que o doente é então tentado a buscar às pressas, como tábua de salvação, algum tipo de reintegração forçada no mundo que desprezava9. Como, porém, isto implicaria a humilhação de voltar atrás nas críticas e a renúncia à independência afetada, a mente só consegue a reintegração forçada mediante o artifício de operar uma inversão de valores: ao invés de abandonar somente a atitude de auto-exaltação, passando a uma postura de humildade perante o ideal, ela vai, ao contrário, desidentificar-se do ideal para poder abandoná-lo sem perder o sentimento de sua própria superioridade. Conserva, assim, sua auto-exaltação, mas sob uma forma destituída de conteúdo pretensamente idealístico, e revestida, agora, de uma pose de “realismo” terra-a-terra, e não raro de maquiavelismo, carreirismo profissional, cinismo, materialismo, etc. É a esta atitude que Diel denomina banalização.

A inversão banalizante só pode ocorrer mediante uma mutação súbita, longamente preparada no subconsciente. O processo é bem conhecido e foi descrito por Pavlov, muito antes de Diel, no que toca às suas bases neurofisiológicas. O acúmulo de contradições necessário para sustentar uma posição existencial artificiosa e falsa leva à proliferação de tensões contraditórias e produz situações novas, incompreensíveis, que ultrapassam a capacidade de resposta racional e as habilidades de adaptação do organismo. Quebram-se, assim, inúmeras cadeias de reflexos condicionados que constituíam a base subconsciente do comportamento, e o homem se vê num estado de indeslindável confusão. A inversão súbita de valores pode então sobrevir, porque, segundo demonstrou Pavlov, a “inibição prolongada dos reflexos adquiridos suscita angústia intolerável, da qual o sujeito se livra mediante reações opostas às suas condutas habituais. Um cão, por exemplo, se apegará ao funcionário do laboratório, que detestava, e tentará atacar o dono, de quem gostava”10. As tensões provenientes de vários lados, impondo ao cérebro “provas intoleráveis”, produz então uma inibição protetora que “desorganiza os reflexos adquiridos, destrói as suas camadas mais recentes e determina, no sujeito, o abandono de suas crenças”11. O conhecimento técnico deste mecanismo permitiu a sua utilização sistemática nos processos de lavagem cerebral e “reforma da opinião”, nos campos de prisioneiros da China e da União Soviética12. Porém, o mesmo fenômeno, atenuado ou disfarçado, observa-se disseminado na vida social contemporânea, graças ao abuso das pressões psíquicas da propaganda, da persuasão subliminar, dos exercícios psíquicos, das experiências psudomísticas. Sabe-se hoje que esta mutação pode afetar não somente este ou aquele grupo de crenças e atitudes, mas a personalidade total; o crescimento assombroso da incidência destes fenômenos, nos Estados Unidos, levou alguns psicoterapeutas a falar de uma “epidemia de mutações súbitas de personalidade”, que constitui talvez o mais grave capítulo de psicopatologia social conhecido na história do Ocidente13.

A facilidade com que este processo se desencadeia, mesmo fora do cenário das seitas pseudomísticas e de toda experimentação de “poderes” psíquicos, pode ser explicada pelo fato de que, “quando o cérebro é submetido a tensões ainda mais fortes, a fase de inibição cerebral pode ser sucedida por uma fase paradoxal. Nesta, estímulos fracos e antes ineficientes podem causar respostas mais acentuadas do que estímulos mais fortes”14. ISto significa que basta uma fase de acúmulo tensional para que o processo de inversão possa seguir atuando no subconsciente, movido doravante por estímulos insignificantes e ocasionais. Então, “no terceiro estágio da inibição protetora, a fase ultraparadoxal, as respostas e o comportamento positivos começam, de repente, a se transformar em negativos, e os negativos em positivos”15. As mudanças de opinião nesta fase, e as justificativas aparentemente lógicas que o doente oferece a si mesmo e aos outros, não são senão o disfarce exterior de um processo que tem suas raízes numa sobrecarga de estimulação neuronal; são um “vestido de idéias” em torno de motivos reflexos, que permanecem subconscientes.

Na banalização, o indivíduo amortece então sua sensibilidade para todas as deficiências, injustiças e feiúras que, no seu tempo de idealismo exaltado, lhe pareciam revoltantes e intoleráveis. É que antes ele via as feiúras somente no mundo exterior e, como não as enxergava em si mesmo, as condenava “desde cima”. Agora, ele as admite dentro de si; porém, como são suas e se identifica com elas, ele as defende como sinais de superioridade; não raro afeta uma atitude de soberano desprezo por aqueles nos quais se mantém viva a antiga sensibilidade moral; e, acusando-os de rancorosos, frustrados ou coisa assim, ele se compraz no seu novo estado de “homem ajustado” e — no seu entender — adulto. A banalização consiste neste nivelamento-por-baixo do sentimento moral e estético. Ela permite que o indivíduo adote, como normais e indiferentes, atitudes e opiniões que antes lhe pareciam imorais e desprezíveis. Não raro a mutação apaga blocos inteiros da memória, de modo que o indivíduo, para sustentar com alguma coerência o seu novo padrão de comportamento, chega a negar os fatos mais óbvios e patentes que presenciou. George Orwell, no seu romance 1984, descreve um caso em que, passando por este gênero de mutação, as testemunhas mesmas da inocência de um acusado depõem pela sua condenação. A mutação pode resultar então em total atomização do comportamento e acarretar, com a perda da integridade psíquica, a dissolução dos padrões morais mais elementares, produzindo o cinismo, a amoralidade, o descaramento, aliados, às vezes, a boas doses de autopiedade.

Analisando os conceitos de Diel com os critérios de Caruso16, vemos que a neurose do idealista exaltado tem sua origem na soberba, pois o ego, ao identificar-se com a imagem do ideal, atribui a si mesmo, atual e efetivamente, qualidades que só lhe pertencem de modo virtual e por espelhismo. É uma forma de autolatria. Quando os teólogos dizem que a soberba é a raiz de todos os pecados, é isto o que eles têm em vista: o idealista exaltado corrompe o bem na sua própria raiz, corrompe-o na medida em que tem por ele um amor egoísta. Sto. Agostinho diz que “todos os vícios se apegam ao mal, para que se realize; só a soberba se apega ao bem, para que pereça”. A passagem da exaltação à banalização perfaz então a mudança, acarretando uma inversão total de valores, instalando o mal no lugar do bem. Na exaltação, os valores reais ainda são afirmados, apenas como uma localização falseada; na banalização, a negação dos valores é afirmada ela mesma como valor. A banalização é o momento mais grave do processo corruptivo. É claro que a alma doente só consegue operar esta transformação na medida em que não conscientiza todos os passos do processo e todas as implicações de seus atos e decisões, mas se enreda numa trama de racionalizações e sofismas, destinada a erguer ante seus próprios olhos um simulacro verossímil de inocência, no instante mesmo em que, traindo a vocação humana, trai o sentido da vida17.

É interessante observar que, quando o doente vai da exaltação à banalização, ele passa a representar perante si mesmo o papel de homem realista e “maduro”, revestida de pose de segurança afetada, destinada a reforçá-lo no novo papel. Daí que ele seja o último a perceber que a sua aparente superação da revolta juvenil vem acompanhada, não de um acréscimo de equilíbrio e força, porém de um decréscimo das capacidades intelectuais e de uma degenerescência nervosa similar à que se vê na involução senil. De fato, uma das conquistas que assinalam uma evolução objetiva do homem na entrada da adolescência é a passagem dos sentimentos puramente egoístas e orgânicos às tendências ideais ou suprapessoais: nesta fase, “o indivíduo experimenta um sentimento de imperfeição, de insuficiência, trata de sair de si, de dar-se”18. A evolução da vida afetiva “segue a ordem que vai do simples ao complexo: necessidades, inclinações egoístas, inclinações ego-altruístas, inclinações altruístas, inclinações ideais”19. Porém, em certas enfermidades da evolução lenta, como a paralisia geral dos sifilíticos e também da degenerescência senil, observa-se um movimento inverso. Escreve Ribot : “A lei de dissolução consiste numa regressão contínua que desce do superior ao inferior, do complexo ao simples”20.

“Em alguns enfermos — assinala Challaye — pode-se comprovar a desaparição momentânea das tendências ideais, altruístas, e mesmo ego-altruístas. Isto é comprovado sobretudo na maioria dos anciãos ( fora do caso, é claro, dos seres superiores, nos quais esta degenerescência sentimental pode não se produzir ). Sua vida afetiva se restringe cada vez mais. Os sentimentos impessoais são os primeiros que desaparecem. Logo em seguida, as diversas formas da simpatia; e as necessidades ( econômicas, orgânicas, etc. ) são as que subsistem por mais tempo. O ancião começa a preocupar-se menos com a ciência e a arte… torna-se menos generoso… as emoções que persistem maior tempo estão ligadas à conservação pessoal, à cólera e ao medo. Enfim, o ancião pode já não ter nada mais que necessidades ; ele recai no estado do menino pequeno”21.

No homem banalizado, a nova sensibilidade que ele desenvolve pelo seu interesse material imediato, aliada ao temor da perda e ao crescente desinteresse pelos ideais, atestam, fora de toda dúvida, que aquilo que lhe parece ou que ele tenta fazer parecer uma superação é na verdade uma queda, uma degenerescência que se estende, até mesmo, ao domínio corporal.

Do ponto de vista causal, entram em jogo, no processo de banalização, fatores endógenos e exógenos. Os endógenos — aqueles que já estão dados na alma do indivíduo no instante em que o processo se instala — são os fatores clássicos levados em conta pela análise psicológica corrente: tendências hereditárias, defeitos constitucionais, traumas de infância, falhas da educação, etc. De um lado, estes fatores não exercem senão um papel predisponente, que em nada pesa se não é valorizado pela interferência dos fatores exógenos; de outro lado, eles são bem conhecidos na literatura psicológica.

Os fatores exógenos consistem, essencialmente, nos estímulos com que a sociedade em torno favorece ou desfavorece a manutenção dos ideais e a realização humana. Uma sociedade voltada para a busca de um ideal religioso, moral ou cultural universal, e dotada dos instrumentos educacionais capazes de viabilizar a realização humana de seus membros, produz, certamente, uma esplêndida floração de individualidades vigorosas e ricas que, por sua vez, contribuem para o progresso e o brilho da sociedade. A história atesta períodos assim brilhantes, como por exemplo, a Grécia de Péricles, a renascença escolástica dos séculos XII e XIII, a Idade de Ouro espanhola, a era elisabetana na Inglaterra, o Califado do Ocidente sob Harum-al-Raschid, e muitos outros. Em escala menor, pode haver curtos períodos de vigor moral e cultural mesmo em países pobres e isolados. O que quer que pensemos do conteúdo das idéias dominantes nestes períodos, o que importa é que neles o desenvolvimento da personalidade é realmente favorecido. Nem sempre esses períodos coincidem com épocas de riqueza e progresso material; o que os caracteriza não é a riqueza, mas o fato de que neles as tarefas econômicas são inseridas e transfiguradas no quadro maior dos fins e valores éticos ou religiosos que orientam a vida social como um todo.

Quando, ao contrário, a sociedade perde de vista os valores e princípios universais e se emaranha na busca obsessiva de soluções para problemas econômicos imediatos, estes parecem não somente multiplicar-se no campo dos fatos, mas invadir as almas dos indivíduos, ocupando todo o espaço que poderia ser dedicado aos valores ideais. Automaticamente, os indivíduos refluem as suas energias para a busca de interesses que são conflitantes com os de outros indivíduos e grupos — com os quais somente os valores ideais poderiam estabelecer uma base de colaboração — e a sociedade se dispersa numa atomização que pode beirar a anarquia, a guerra de todos contra todos, a deslealdade generalizada. É evidente que, neste caso, os instrumentos para a realização da vocação humana simplesmente desaparecem do cenário social, com o que justamente as pessoas de maior sensibilidade ética, não encontrando vias de realização, passam a constituir uma horda de fracassados e desajustados. É nessa horda que os falsos ideais, criados de improviso para atender a interesses de grupos ou organizações, encontram seus mais fervorosos recrutas, oferecendo-lhes uma miragem de valores e uma falsa promessa de ajustamento social e de participação.

A situação torna-se ainda mais grave em Estados totalitários ou pré-totalitários, quando a mobilização de massas inteiras da população para colaborar na “solução” de problemas econômicos recorre ao expediente de tentar sintetizar, em proveito dos fins do Estado ou das forças políticas que o disputam, as duas correntes de força tendentes à exaltação imaginativa e à banalização. As tendências idealísticas são canalizadas em movimentos de massa — seja de caráter abertamente político, seja pseudomístico ou pseudocultural —, ao mesmo tempo que as promessas de sucesso na vida social e profissional postas em circulação pelos planejadores da operação garantem um eficaz retorno das tendências de banalização em proveito dos mesmos objetivos.

Isto se observou não somente nos Estados descaradamente totalitários, como a URSS e a Alemanha nazista, mas também em todo o mundo Ocidental. As ligações, hoje em dia patentes, entre certas seitas pseudomísticas e organizações multinacionais mostra que a sociedade moderna tem um de seus principais esteios numa complexa máquina de “reciclagem” do idealismo juvenil, que esta máquina primeiro perverte pelo incentivo à exaltação ( mediante lisonjas às aspirações artísticas, políticas e espirituais mais descabidas ) e depois reverte no sentido de um enquadramento social banalizado. O caso mais eloquente é o do jovem filho de banqueiro que abandona a mediocridade do materialismo familiar para ingressar no “ensinamento espiritual” de Rajneesh, e depois é reenquadrado “por baixo” ao ser mobilizado para trabalhar na gigantesca empresa de limpeza de sedes de bancos, de propriedade do mesmo Rajneesh. O número destes mecanismos circulares em operação na nossa sociedade é muito elevado. Eles operam de maneira ubíqua e sorrateira, primeiro excitando, lisonjeando, pervertendo, depois desviando, reciclando e reaproveitando para seus próprios fins todos os ideais juvenis, mesmo os que lhes são mais hostis em aparência. É evidente que, nestas circunstâncias, um simulacro de auto-realização tende a oferecer uma falsa alternativa de solução para o conflito entre as tendências de exaltação e banalização. A alma, colocada sob a pressão esmagadora e multilateral das forças que, pela lisonja ou pela acusação, pelas promessas ou ameaças, a comprimem e a dilatam, ora para a exaltação imaginativa, ora para o ajustamento banalizado, pode agarrar-se a este simulacro, com toda a fúria e o desespero de um náufrago. Numa sociedade empobrecida, fortemente empenhada em reduzir à proletarização a totalidade dos seus membros e na qual, ademais, todos os instrumentos de defesa espiritual e religiosa foram substituídos pelas multinacionais da pseudomística e todos os instrumentos de defesa cultural pelo vozerio onipresente e obsedante das comunicações de massa, nesta sociedade, o drama acima descrito atinge um máximo de intensidade que deixa entrever nada menos que um desenlace trágico, com a desumanização brutal da população e a redução da vida social a um jogo cego de interesses mesquinhos em disputa, ocultamente orquestrado e dirigido, desde o topo, por um sinistro grupo de planejadores sociais.

Por todos os meios, esta sociedade espremerá como entre os dois dentes de um alicate todos os talentos e ideais nascentes, até esmagá-los e subjugá-los à bestialidade dominante.

No entanto, apesar das pressões maciças e de todos os atrativos corruptores, a inteligência humana, por sua natureza mesma, continua essencialmente livre e capaz de objetividade e universalidade. E se é fato que “chegará o momento em que cada um, sozinho, privado de todo contato material que possa ajudá-lo em sua resistência interior, terá de encontrar em si mesmo, e só nele mesmo, o meio de aderir firmemente, pelo centro de sua existência, ao Senhor de toda Verdade”22, não é menos verdade que está somente nas mãos de cada qual dizer a este mundo sedutor e ameaçador: Latrare potest, mordere non potest, nisi volentem: “Podes latir, mas não podes morder, a não ser que eu o deseje”. Mesmo as pressões mais formidáveis que o universo concentracionário impõe à alma humana, na mais temível das tiranias já conhecidas, não eximem o homem de sua responsabilidade individual.

Todos aqueles em quem ainda reste um grão de consciência das metas reais e superiores da existência humana têm o dever imediato e indeclinável de estudar, conhecer e desmascarar os mecanismos do processo corruptor aqui descrito, para escapar aos falsos conflitos em que ele nos joga e às falsas alternativas que ele nos oferece.

NOTAS

  1. Challaye, La Evolución, la Espiritualización y la Socialización de las Tendencias, em G. Dumas, Nuevo Tratado de Psicología, trad. Alfredo D. Calcagno, Buenos Aires, Kapelusz, 1956, tomo VI. Cap. III, p. 76.
  2. Sobre aimportância psicopedagógica do ideal, v. L. Riboulet, Rumo à Cultura, trad. Maurice Teisseire e Antonio Fraga, Porto Alegre, Globo, 2a. ed., 1960, Cap. I.
  3. Igor A.Caruso, Análisis Psíquico y Sintesis Existencial, trad. Pedro Meseguer, S.J., Barcelona, Herder, 1954, Cap. II.
  4. MauricePradines, Traité de Psychologie Générale, 3e. éd., Paris, P.U.F., 1948, t.I, I-1.
  5. Paul Diel,La Divinité. Étude Psychanalytique, Paris, P.U.F., 1950, e sobretudo Le Symbolisme dans la Mythologie Grecque, Paris, Payot, 1966.
  6. Não épreciso dizer que esse sentimento é fartamente explorado pelos aproveitadores de toda sorte: o desejo de aprovação torna o jovem particularmente vulnerável à lisonja, e a adulação hipócrita da revolta juvenil é hoje um dos pilares da política e do comércio.
  7. É interessantecomparar isto com o tema da “revolta degradada contra um mundo degradado”, assinalado por Lukács e Goldmann no romance do século XIX, onde aparece toda uma galeria de jovens exaltados, como Raskolnikoff ( Crime e Castigo ), Julien Sorel ( O Vermelho e o Negro ), Lucien de Rubembré ( Ilusões Perdidas ). , a respeito, Lucien Goldmann, Pour une Sociologie du Roman, Paris, Gallimard, 1964.
  8. Muito doatrativo da escola Gurdjieff, neste sentido, reside no ambiente de “secretude quase beatífica” em que se envolvem os ensinamentos do mestre, como bem assinalou Whitall N. Perry ( Gurdjieff in the Light of Tradition, Bedfont, Perennial Books, 1978 ). As escolas gurdjieffianas e afins têm toda uma requintada tecnologia para esta finalidade.
  9. Do mesmomodo, várias seitas pseudomísticas, como veremos adiante, têm meios de canalizar em proveito próprio estes impulsos de rejeição do idealismo.
  10. OlivierReboul, A Doutrinação, trad. rev. Heitor Ferreira da Costa, São Paulo, Nacional, 1980, p.88.
  11. William Sargant,apud Reboul, loc. cit..
  12. ibid.
  13. FloConway and Jim Siegelman, Snapping — America’s Epidemic of Sudden Personality Changes, New York, Delta Book, 1979, principalmente caps. 1, 9, 10, 11 e 12.
  14. William Sargant,A Possessão da Mente. Uma Fisiologia da Possessão, do Misticismo e da Cura pela Fé, trad. Klaus Scheel, Rio, Imago, 1975, p. 25.
  15. ibid.
  16. Caruso, loc.
  17. Uso aexpressão “sentido da vida” não num sentido vago e poético, mas na acepção rigorosa que lhe dá Viktor Frankl em The Will to Meaning, New York, New American Library, 1970.
  18. Challaye, op., p. 77.
  19. Théodule Ribot,Psychologie des Sentiments, cit. em Challaye, op. cit., p. 78.
  20. Ribot, loc.
  21. Challaye, loc.
  22. c., “Quelquesremarques sur l’oeuvre de René Guénon”, em Études Traditionnelles, 52e. Année, 1951, ns. 293-294-295, p. 307.

 

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As ideias dos náufragos

PHVOX - Análises geopolíticas e Formação
As ideias dos náufragos
Para Ortega y Gasset importam apenas as ideias dos náufragos exatamente porque a realidade deles é a mais crítica e a mais limitada. A razão para imitá-las é o fato de serem ideias de alguém em uma situação extrema, portanto, vital.

Em oposição ao abstracionismo da ciência, que recorta a realidade e purifica-a das incongruências práticas, sendo assim sempre muito coerente e lógica, Ortega opõe o mundo real, que, apesar de confuso, incerto e variável, constitui a verdadeira vida.

Aquilo que a ciência trata é um artifício, uma ficção, uma analogia. A realidade mesma está onde as teses são contestáveis, as teorias sofrem oposição e há elementos ocultos direcionando as coisas — no mundo real.

A vida real não é tão harmonizada como as pessoas gostariam e, por isso, elas criam quadros imaginativos onde tudo se encaixa. Nossos sistemas de governo, arcabouços jurídicos e modelos sociais não são mais que artificialidades frágeis que acreditamos ser reais e estabilizadas.

Para superar o estado hipnótico em que se encontra, o homem precisa entender e assumir que seu mundo criado pela técnica é uma ilusão e aceitar o caos, que é o estado natural e essencial das coisas.

Encarar a vida de frente, com coragem, e não se refugiar no universo fantasmagórico das ideias abstratas é o que esclarece a mente. A consciência do caráter problemático da vida e a aceitação de que se está perdido é o início da iluminação.

O náufrago, diante do caos que se encontra e da limitação que lhe é imposta, começa a ordenar sua vida a partir daquilo que lhe está disposto. Com isso, é forçado a ser sincero, a encarar tudo com absoluta honestidade. Não há nele espaço para a farsa, para a afetação e para a pose. Não lhe cabe perder-se em sutilezas vãs e especulações estéreis.

As ideias dos náufragos são as que importam porque estão libertadas do fingimento e da enganação. Nelas, só sobrevive aquilo que realmente precisa ser considerado, aquilo que é vital.


sábado, 10 de dezembro de 2022

Episódio - João Maria Formação Pedagógica Vale Para Cargos De Técnico Em Assuntos Educacionais?

Neurociência Molecular


 

Descrição

1. Anatomia geral e funcionamento do sistema nervoso.

2. Sistemas de neurotransmissão.

3. Identidade celular no sistema nervoso.

4. Plasticidade sináptica e neuroplasticidade.

5. Bases moleculares da neuromodulação, cognição e emoção. Integração molecular cérebro-periferia.

6. Metabolismo energético cerebral.

7. Técnicas para estudo do sistema nervoso.

Bibliografia

1. Dienel G. A. Brain glucose metabolism: integration of energetics with function. Physiological Reviews 99, 949-1045, 2019.

2. Frankland P. et al. The neurobiological foundation of memory retrieval. Nature Neuroscience 22, 1576-1585, 2019.

3. Kandel E.R. et al. Principles of Neural Sciences, 5th Ed. McGraw Hill, New York, 2013.

4. Kronschläger M. T. et al. Gliogenic LTP spreads widely in nociceptive pathways. Science 354, 1144-1148, 2016.

5. Lepeta K. et al. Synaptopathies: synaptic dysfunction in neurological disorders. Journal of Neurochemistry 138, 785-805, 2016.

6. Mächler P. et al. In vivo evidence for a lactate gradient from astrocytes to neurons. Cell Metabolism 23, 94-102, 2016.

7. Magee J.C. & Grienberger C. Synaptic plasticity forms and functions. Annual Reviews of Neuroscience 10, 95-117, 2020.

8. Nabavi S. et al. Engineering a memory with LTD and LTP. Nature 511, 348-352, 2014.

9. Pluvinage J. V. & Wyss-Coray T. Systemic factors as mediators of brain homeostasis, ageing and neurodegeneration. Nature Reviews Neuroscience 21, 93-102, 2020.

10. Purves D. et al. Neuroscience, 6th Ed. Oxford University Press, Oxford, 2018.

11. Schäfer N. et al. The malleable brain: plasticity of neural circuits and behavior. Journal of Neurochemistry 142, 790-811, 2017.

12. Shabel S. J. et al. GABA/glutamate co-release controls habenula output and is modified by antidepressant treatment. Science 345, 1494-1498, 2014.

13. Tritsch N. X. et al. Mechanisms and functions of GABA co-release. Nature Reviews Neuroscience 17, 139-145, 2016.

14. Zimmer E. R. et al. [18F]FDG-PET signal is driven by astroglial gluta

 fonte; http://www.bioqmed.ufrj.br/quimica-biologica/disciplina/neurociencia-molecular/

 

kenhub.com

Sistema nervoso


Autor: Rafael Lourenço do Carmo MD Revisor: Catarina Chaves MD
Última revisão: 08 de Setembro de 2022
Tempo de leitura: 28 minutos

O sistema nervoso é uma parte vital e incrivelmente complexa para o correto funcionamento do corpo humano.  Com todas as suas diferentes partes e conexões este sistema neurológico é cuidadosamente finamente coordenado. A natureza levou milhares de anos para aperfeiçoar o sistema nervoso humano através da evolução, até que chegasse ao que conhecemos hoje, e isto explica a sua complexidade.

Existem doenças debilitantes condicionadas pelo funcionamento incorreto do sistema nervoso. Compreendê-lo exige conhecimento sobre suas várias partes.

Fatos Importantes sobre o sistema nervoso

Teste da tabela

Partes Sistemas nervosos central, periférico, somático, autônomo, entérico
Embriologia Placa neural -> tubo neural -> prosencéfalo -> telencéfalo (->cérebro, núcleos da base, amigdala, hipocampo); diencéfalo (->tálamo, subtálamo, glândula pineal, terceiro ventrículo)
-> mesencéfalo -> aqueduto cerebral, tecto, pedúnculo cerebral
-> rombencéfalo -> metencéfalo (->cerebelo, ponte); mielencéfalo (->bulbo)
Histologia Células nervosas (neurônios) - constituídas em corpo celular, processos curtos (dendritos), processos longos (dendritos), processos longos (axônios); a principal função é a de gerar e conduzir impulsos nervosos para enviar informações para outras estruturas
Células da glia - circundam os neurônios e fornecem suporte mecânico e nutricional
Sistema nervoso central (SNC) Cérebro - lobos frontal, temporal, parietal, occipital; regula o funcionamento de todos os sistemas ao enviar impulsos (ordens) para várias estruturas neurais e do corpo
Tronco encefálico - mesencéfalo, ponte, bulbo; contém estruturas evolutivamente antigas que controlam mecanismos básicos da sobrevivência (respiração, batimentos cardíacos, etc).
Cerebelo - mantém o equilíbrio, coordenação, suaviza os movimentos
Medula espinhal - no canal espinhal; recebe impulsos do cérebro e gera alguns impulsos próprios; origina 31 pares de nervos espinhais que deixam a medula e cursam pelo corpo
Sistema nervoso periférico (SNP) Nervos espinhais - componente sensitivo (dos cornos dorsais da medula espinhal), componente motor (cornos ventrais); ramos anteriores inervam membros e tronco, ramos posteriores inervam a musculatura dorsal
Sistema nervoso somático Função: parte do SNP que leva inervação sensitiva e motora para o corpo
Partes:
- plexo cervical (ramos ventrais C1-C4) - inerva a pele e os músculos do pescoço e tórax
- plexo braquial (ramos ventrais C5-T1) - inerva a pele e os músculos dos membros superiores
- plexo lombar (ramos ventrais L1-L4) e plexo sacral (S1-S4) - inervam a pelve e membros inferiores
Sistema nervoso autônomo (SNA) Sistema simpático - “luta ou fuga”
- saída e campo de inervação toracolombar
- plexos - celíaco, mesentérico superior, mesentérico inferior
Sistema parassimpático “digerir e descansar”
- saída e campo de inervação - crânio-sacral
- nervos - grupo cranial: oculomotor, facial, glossofaringeo, nervos vagos; grupo sacral: nervos esplâncnicos
Sistema nervoso entérico Função - regula o funcionamento do intestino (“cérebro para intestino”)
Plexos - Meissner (submucosa intestinal), Auerbach (tunica muscular)
Relações clínicas Vagotomia, paralisia de nervo craniano, doença de Hirschsprung, espinha bífida, doença de Parkinson

Este artigo vai descrever os detalhes do sistema nervoso central, seus subtipos e também o impacto clínico de suas lesões.

Embriologia

O desenvolvimento do sistema nervoso é um dos primeiros a se iniciar no feto. Uma placa neural simples se dobra para formar a prega neural (semanas 3-4), que depois forma um tubo. Este tubo é aberto em ambos os lados, que são denominados neuroporos cranial e caudal. O neuroporo cranial se fecha no 25º dia, enquanto o fechamento do neuroporo caudal ocorre três dias depois. A falha no fechamento de qualquer um dos neuroporos resulta em anomalias do desenvolvimento.

A formação de flexuras no encéfalo é uma etapa crucial no desenvolvimento do sistema nervoso. Estas são a flexura pontina (entre o metencéfalo e o mielencéfalo), a flexura cervical (entre o tronco encefálico e a medula espinhal) e a flexura mesencefálica (que eleva o mesencéfalo superiormente).

O tubo neural eventualmente se desenvolve formando o encéfalo, e dá origem às três vesículas primárias - prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo. O prosencéfalo continua para formar duas vesículas secundárias - telencéfalo e diencéfalo. O telencéfalo forma os hemisférios cerebrais, os núcleos da base (o núcleo caudado para cognição e os globos pálidos medial e lateral para controle motor), a amigdala (o detector de perigo e principal entrada de informações do olfato) e o hipocampo (nosso principal local de armazenagem de memória episódica e espacial).

O diencéfalo forma o tálamo (o portão de saída para o córtex cerebral), o subtálamo, o terceiro ventrículo (os dois tálamos "se beijam" cruzando o terceiro ventrículo) e a glândula pineal (liberação de melotonina e ciclo sono-vigília).

O mesencéfalo forma o aqueduto cerebral (conecta o terceiro e o quarto ventrículos), o tecto (teto do mesencéfalo) e o pedúnculo cerebral (conecta o tronco encefálico ao cérebro). Finalmente, o rombencéfalo forma as vesículas secundárias chamadas metencéfalo e mielencéfalo.

O metencéfalo forma o cerebelo (o "pequeno cérebro" para coordenação e fluidez de movimentos) e a ponte (dá origem à ponte e outros núcleos de nervos cranianos). O mielencéfalo forma o bulbo (controle de centros respiratórios vitais e nervos cranianos).

Os dois tipos básicos de células que se desenvolvem no sistema nervoso são as células da glia e os neurônios.

O sistema nervoso é um tema complexo e difícil de aprender, mas responder a testes e questionários é uma ótima forma de facilitar o seu aprendizado e reter mais conhecimento. Veja você mesmo com o teste abaixo:

Básico

Células nervosas

Existe uma variedade de células nervosas. O corpo celular é onde os neurotransmissores são gerados, e eles são transportados para a parte terminal do nervo com proteínas carreadoras. Os neurônios consistem em um axônio central e mielina para isolamento. A mielina nos neurônios do sistema nervoso central é formada por oligodendrogliócitos, enquanto no sistema nervoso periférico ela é formada por células de Schwann. Nem todas as fibras nervosas são mielinizadas, por exemplo, as fibras do grupo C da dor não são.

Os neurônios sensitivos são especializados em sinalizar estímulos sensitivos. Eles são conectados a um receptor periférico de algum tipo - por exemplo, os corpúsculos de Paccini enviam um sinal quando estão sob pressão física. Estes são transmitidos para interneurônios que se localizam na medula espinhal. Estes por sua vez sinalizam neurônios motores, que se conectam a músculos e deixam o corno ventral da medula espinhal.

Condução saltatória

O estímulo é gerado a partir de receptores (pressão, temperatura, etc). Isto causa um influxo de sódio que causa uma despolarização local. Uma vez que o potencial de membrana atinge -45 mV, os canais de sódio se abrem, e ocorre um rápido influxo de sódio. Este processo é interrompido quando o potencial de membrana atinge +40 mV. O sinal se espalha e pula ao longo do nervo. Há mais influxo de sódio nos nódulos de Ranvier, e a palavra saltatório se relaciona ao 'pulo' dos íons sódio ao longo dos segmentos mielinizados de uma célula nervosa. Isso acelera a transmissão.

Sinapses

A chegada dos íons Na à parte terminal do nervo causa despolarização. Isso ativa um influxo de cálcio, que por sua vez causa a fusão de vesículas pré-armazenadas contendo acetilcolina (nos nervos somáticos, interneurônios, neurônios motores e placas) ou noradrenalina (nos nervos simpáticos pós-sinápticos) com a membrana pré-sináptica, o que determina a liberação do material para a fenda sináptica. O neurotransmissor então se liga aos receptores pós-sinápticos, causando despolarização, e o sinal é transmitido.

Junções neuromusculares

É a junção entre o neurônio motor e o músculo esquelético. Estas possuem a mesma estrutura básica das sinapses, mas não enviam o sinal para outro nervo, e sim para a placa terminal motora e para outras fibras musculares. Isto é realizado através de uma estrutura complexa de túbulos T e receptores especialmente adaptados, e o resultado final é a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, que promove contração.

Sistema nervoso central

Cérebro

O cérebro é o órgão chefe do sistema nervoso central. Ele coordena o funcionamento dos nossos músculos e membros, bem como os hormônios que nós liberamos para nos adaptar, crescer e modificar o nosso ambiente. Ele é composto por várias divisões, chamadas de lobos cerebrais, conforme a seguir:

  • Lobo frontal: este lobo contém o córtex orbitofrontal, que é a principal área de inibição de comportamentos impulsivos. Ele contém ainda o giro pré-central, o córtex motor primário e a área de Broca (do lado esquerdo), que nos permite formar palavras. A área homóloga à área de Broca do lado direito nos permite a interpretação da linguagem corporal.
  • Lobo temporal: se localiza logo inferiormente à fissura lateral, em cada hemisfério cerebral. Ele contém o giro temporal transverso, que interpreta a informação auditiva. O lobo temporal esquerdo nos permite compreender as palavras e entender informações.
  • Lobos parietais: se encontram na superfície posterosuperior do cérebro, e são o principal local de interpretação visual. Eles possuem ainda um papel crucial nos movimentos dos olhos - perseguição de objetos, por exemplo, seguir um objeto no horizonte - bem como o direcionamento de nosso olhar para diferentes partes de um objeto. Contêm ainda o giro pós-central, que é o córtex sensitivo primário. A área de Wernicke se encontra na fronteira entre os lobos parietal e temporal.
  • Finalmente, no aspecto posterior do cérebro nós temos o lobo occipital, que contém o córtex visual primário e áreas de associação visuais.

Tronco encefálico

O tronco encefálico continua com o aspecto inferior do cérebro. Ele consiste no mesencéfalo, superiormente, na ponte, no meio e no bulbo, inferiormente. O tronco encefálico se encontra no interior da cavidade craniana, e repousa sobre o clivus no aspecto inferior do crânio, sendo contínuo inferiormente com a medula espinhal.

Cerebelo

O cerebelo, ou “pequeno cérebro” é responsável pelo equilíbrio e pela coordenação. Ele dá fluidez aos nossos movimentos, e se reprograma através de um sistema que gera novas respostas na dependência dos estímulos que ele recebe.

Medula espinhal

A medula espinhal se aloja no interior do canal vertebral. Ela se encontra profundamente às três camadas de meninges, e origina os 31 pares de nervos espinhais. Estes nervos deixam o canal vertebral através dos forames intervertebrais, e se fundem para formar plexos e inervar diferentes músculos.

Sistema nervoso periférico

Nervos espinhais

Existem 31 pares de nervos espinhais. Eles consistem em um componente sensitivo aferente que entra no corno dorsal e um componente motor eferente que deixa a medula através do corno ventral. Tanto o componente sensitivo quanto o motor são contidos pelo nervo espinhal, juntamente com os sinais autonômicos.

Uma vez que os nervos espinhais deixam os forames intervertebrais eles formam ramos anterior e posterior. O ramo anterior inerva os membros e o tronco, enquanto o ramo posterior inerva algumas estruturas, como os músculos dorsais.

Nervos cranianos

Eles se originam do tronco encefálico e do cérebro, mas na verdade são parte do sistema nervoso periférico. Existem doze pares de nervos cranianos, conforme abaixo: 

  1. Olfatório (sentido do olfato)
  2. Óptico (sentido da visão)
  3. Oculomotor (movimentos do olho e pálpebra. Contrái a pupila)
  4. Troclear (movimenta o olho para cima e para fora, inerva o oblíquo superior)
  5. Trigêmeo (V1 oftálmico, V2 maxilar, V3 mandibular, sensação da face e músculos mastigatórios)
  6. Abducente (movimenta o olho lateralmente. Inerva o reto lateral)
  7. Facial (move a face, sensação do paladar nos 2/3 anteriores da língua, entre outras funções)
  8. Vestibulococlear (audição e equilíbrio)
  9. Glossofaríngeo (sentido do paladar no 1/3 posterior da língua, sensibilidade da faringe)
  10. Vago (inervação parassimpática para todo o corpo inferiormente à flexura esplênica; parte motora do reflexo da tosse)
  11. Acessório (inerva os músculos esternocleidomastóideo e trapézio)
  12. Hipoglosso (inerva todos os músculos da língua, exceto o palatoglosso)

Sistema nervoso somático

A palavra somático significa "relacionado ao corpo", e ela explica também a função deste sistema. Os nervos que inervam os nossos braços e pernas, bem como os nossos músculos do pescoço e do tronco se originam todos deste sistema. Ele é considerado parte do sistema nervoso periférico e é responsável por levar informação sensitiva e motora. Tanto os nervos cranianos quanto os nervos espinhais contribuem para o sistema nervoso somático. O ramo ventral dos nervos espinhais (exceto T2-T12) se fundem e formam plexos, resultando em nervos finais que vão inervar músculos e fornecer a sensibilidade.

Plexo cervical

O plexo cervical inerva a região do pescoço, e é formado pelo ramo ventral dos primeiros quatro nervos cervicais. Ele fornece principalmente ramos cutâneos para a área da cabeça, pescoço e tronco. Seus ramos musculares são para os músculos retos lateral e anterior da cabeça, longo da cabeça e longo do pescoço. Ele possui uma alça de nervos chamada alça cervical, que origina ramos para vários músculos (ventre superior do omo-hióideo, ventre inferior do omo-hióideo, esterno-hióideo e esternotireóideo). Talvez ainda mais importante seja a origem do nervo frênico, que inerva o diafragma; Assim, C3, C4 e C5 mantêm o diafragma vivo.

Plexo braquial

O plexo braquial é formado pelos ramos ventrais de C5-T1 e inerva os músculos e fornece a sensibilidade do membro superior. Ele possui numerosos ramos, mas os mais importantes para se lembrar são:

  • Nervo radial (C5-T1): Tem origem a partir do cordão posterior. Ele inerva todos os músculos posteriores do braço e antebraço, e é responsável pela maior parte da sensibilidade posterior. 
  • Nervo mediano (C5-T1): É formado pela união dos cordões medial e lateral. Inerva quase todos os músculos do antebraço (exceto o flexor ulnar do carpo e a cabeça ulnar do flexor profundo dos dedos), a eminência tenar e os dois lumbricais laterais. 
  • Nervo ulnar (C8-T1): Se origina do cordão medial. Ele inerva todos os músculos intrínsecos da mão (todos os interósseos e os dois lumbricais mediais), bem como o flexor ulnar do carpo e a cabeça ulnar do flexor profundo dos dedos no antebraço. 
  • Nervo axilar (C5-C6): Tem origem no cordão posterior. Ele inerva os músculos deltoide e redondo menor e fornece a sensibilidade da região sobrejacente ao deltoide. 
  • Nervo musculocutâneo (C5-C7): Vem do cordão lateral. Fornece inervação para o compartimento flexor do braço, bem como a sensibilidade da região lateral do antebraço. 
  • Nervo toracodorsal (C6-C8): Se origina no cordão posterior e inerva o músculo latíssimo do dorso.
  • Nervo supraescapular (C4-C5): Se origina do tronco superior do plexo e inerva o supraespinhal e o infraespinhal.

Plexo lombar

Este é o plexo do membro inferior. Ele é formado pelos ramos ventrais de L1-L4, com uma contribuição do 12º torácico. Seus ramos são os seguintes:

  • Iliohipogástrico (L1): Fornece inervação para os músculos transverso do abdome e oblíquo interno. Também fornece inervação sensitiva para a pele sobre parte das regiões glútea e púbica. 
  • Ilioinguinal (L1): Fornece inervação para os músculos transverso do abdome e oblíquo interno. Inerva ainda a pele sobre a raiz do pênis e parte superior dos testículos, bem como a pele sobre o mons pubis e os grandes lábios nas mulheres. 
  • Genitofemoral (L1-L2): Possui um ramo genital que cursa com o cordão espermático e inerva o músculo cremaster. Este nervo fornece ainda a sensibilidade da genitália externa.
  • Cutâneo femoral lateral (L2-L3): Fornece a sensibilidade do aspecto lateral da coxa.
  • Obturador (divisões ventrais de L2-L4): Inerva os músculos do compartimento medial / adutor do membro inferior.
  • Femoral (Divisões dorsais de L2-L4): Inerva os músculos do compartimento anterior da coxa, bem como a sensibilidade sobre a coxa através dos nervos cutâneos medial e anterior da coxa.

Plexo sacral

O plexo sacral é bastante difícil de se memorizar. De forma geral ele inerva os músculos da região glútea (músculos glúteos, rotadores externos curtos do quadril), e ainda os esfíncteres pélvicos.

Sistema nervoso autônomo

Divisões

O sistema nervoso autônomo é composto dos nossos sistemas nervosos simpático e parassimpático. O primeiro age em simpatia, sem emoções, daí o seu nome. Ele causa reações de luta ou fuga. O sistema parassimpático possui funções de descanso e digestão - desacelera o coração, promove o peristaltismo.

Ramos comunicantes cinzentos e brancos

Existe, é claro, comunicação entre os diferentes sistemas nervosos. Os ramos comunicantes brancos (neurônios simpáticos pré-ganglionares) são curtos segmentos de nervo mielinizados que conectam os nervos espinhais aos gânglios simpáticos paravertebrais. Estes últimos parecem contas em um colar, e cursam ao longo das vértebras por uma significativa extensão da coluna torácica.

O ramo branco entra no tronco simpático, onde ele termina, se dirige superior ou inferiormente. Eles formam sinapses com os corpos celulares dos neurônios simpáticos pós-ganglionares localizados no gânglio simpático. O ramo comunicante branco irá então formar sinapse com o ramo comunicante cinzento. Em seguida ele cursa junto com o nervo espinhal para o alvo periférico. A estrutura em colar de contas (tronco simpático) descrita acima dá origem aos nervos esplâncnicos torácicos. Os nervos esplâncnicos maior (T5-T9), menor (T10-T11) e mínimo (T10-T11) cursam através do diafragma e contribuem para os plexos celíaco, mesentérico superior e renal, respectivamente.

Fluxo simpático

De maneira geral, o fluxo simpático pode ser descrito como "toracolombar", já que é o local onde o nervo se origina. Existem coleções de fibras nervosas simpáticas, e muitas delas coalescem ao redor dos grandes ramos da aorta abdominal. Estas incluem os plexos celíaco e mesentéricos superior e inferior. Estes plexos seguem o curso das artérias e fornecem inervação simpática para as mesmas áreas do intestino que as artérias vascularizam - o plexo celíaco supre o intestino proximal, o plexo mesentérico superior o intestino médio e o plexo mesentérico inferior o intestino distal.

Sistema nervoso parassimpático

O sistema nervoso parassimpático realiza as nossas funções de "repouso e digestão" - reduz a frequência cardíaca, aumenta as contrações intestinais. Seu fluxo pode ser descrito como "crânio-sacral". Isso se deve ao fato de existirem quatro nervos cranianos que fornecem inervação parassimpática (nervos cranianos III, VII, IX e X):

  • Oculomotor: Este nervo inerva o músculo constritor da pupila (que contrai a pupila), e possui um componente parassimpático. 
  • Facial: Este nervo inerva as glândulas lacrimais e salivares (submandibular e sublingual), que são ativadas sob controle parassimpático. 
  • Glossofaríngeo: Este nervo fornece inervação para a glândula salivar parótida, que se encontra na lateral da face, superficialmente ao músculo masseter. 
  • Vago: Vago significa "aquele que vagueia", e é fácil perceber por que. O nervo fornece inervação parassimpática até a flexura esplênica do intestino grosso. 

Esplâncnicos pélvicos

Estes são diferentes dos esplâncnicos torácicos - eles são parassimpáticos, e não simpáticos. Eles fornecem inervação parassimpática para o restante do intestino grosso, depois que o vago completou a sua inervação.

Sistema nervoso entérico

O sistema nervoso entérico é conhecido como "cérebro do intestino". Ele funciona de forma independente, mas algumas interações complexas existem com o sistema nervoso autônomo. Existem dois grandes grupos de plexos na parede do trato gastrointestinal. Existe o plexo de Meissner (na submucosa) e o plexo de Auerbach (na camada muscular). Estes causam contração da parede intestinal.

Nota Clínica

Vagotomia

A vagotomia para úlceras gástricas é um procedimento antigo que é utilizado para o controle cirúrgico em pacientes com úlceras gástricas recorrentes, quando não é possível controle com alterações da dieta e drogas anti-úlcera. O nervo vago estimula a secreção de ácido gástrico. Três tipos de vagotomia podem ser realizadas, que em última análise reduzem o efeito do nervo de estimular a secreção de ácido gástrico.

Paralisias de nervos cranianos

Os 12 nervos cranianos todos deixam/entram no crânio a partir de vários forames. O estreitamento destes forames ou qualquer constrição ao longo do curso dos nervos resulta em paralisa dos mesmos. Por exemplo, a paralisia de Bell afeta o nervo facial. Do lado afetado o paciente exibe:

  • hemiplegia
  • olhos secos e ausência do reflexo corneano, distúrbios auditivos e alterações do paladar nos 2/3 anteriores da língua
  • ausência do reflexo corneano
  • distúrbios auditivos
  • alterações do paladar nos 2/3 anteriores da língua

Lesões de nervos dos membros

Paralisias de nervos dos membros resultam de fraturas, constrição ou sobrecarga. Por exemplo, a síndrome do túnel do carpo afeta o nervo mediano e ocorre quando este nervo é comprimido no interior do túnel. Isso se deve ao alargamento de tendões flexores no interior do túnel, ou a inchaço relacionado a edema. Esta síndrome frequentemente ocorre durante a gravidez ou relacionada a acromegalia.

Doença de Hirschsprung

Trata-se de uma atonia cólica secundária à falência de células ganglionares (descritas na seção sobre o sistema nervoso entérico) em migrar para o sistema nervoso entérico. Isto resulta em uma criança severamente constipada e desnutrida, que apresenta necessidade de cirurgia corretiva.

Espinha bífida

A falha no desenvolvimento normal das meninges e/ou do arco neural vertebral geralmente resulta em um defeito na coluna lombar, onde parte da medula é coberta apenas por meninges, e portanto se encontra fora do corpo. Fatores ambientais e genéticos contribuem para que a patologia ocorra. Suplementação com folato atualmente é dada para todas as mães no início da gestação para sua prevenção.

Doença de Parkinson

A dopamina é essencial para o correto funcionamento dos núcleos da base, estruturas no cérebro que controlam a nossa cognição e os nossos movimentos. Pacientes com Parkinson sofrem degradação destes neurônios dopaminérgicos na substância nigra, resultando em:

  • dificuldade para iniciar movimentos
  • instabilidade de marcha
  • fáscies congelada / inexpressiva
  • rigidez de membros em roda denteada

Referências

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Bibliografia:

  • Frank H.Netter MD: Atlas of Human Anatomy, 5th Edition, Elsevier Saunders.
  • Chummy S.Sinnatamby: Last’s Anatomy Regional and Applied, 12th Edition, Churchill Livingstone Elsevier.
  • Richard L. Drake, A. Wayne Vogl, Adam. W.M. Mitchell: Gray’s Anatomy for Students, 2nd Edition, Churchill Livingstone Elsevier.

Autor, revisão e layout:

  • Shahab Shahid
  • Uruj Zehra
  • Catarina Chaves

Tradução para o português:

  • Rafael Lourenço do Carmo

Ilustrações:

  • Sistema nervoso simpático - vista anterior - Paul Kim
  • Sistema nervoso parassimpático - vista anterior - Paul Kim
  • Células gliais - lâmina histológica - Smart In Media
  • Neurônios - lâmina histológica - Smart In Media
  • Tecido nervoso - lâmina histológica - Smart In Media
  • Axónio do neurónio motor - Paul Kim
  • Bainha de mielina do neurónio motor - Paul Kim
  • Dendritos - Paul Kim
  • Lobo frontal - vista lateral-esquerda - Paul Kim
  • Lobo temporal - vista lateral-esquerda - Paul Kim
  • Lobo parietal - vista lateral-esquerda - Paul Kim
  • Medula espinhal - vista axial - Paul Kim
  • Medula espinhal - vista anterior - Begoña Rodriguez
  • Nervo olfatório - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo óptico - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo oculomotor - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo troclear - vista anterior - Paul Kim
  • Nervo trigêmeo - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo abducente - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo facial - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo vestibulococlear - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo glossofaríngeo - vista inferior - Paul Kim
  • Nervo vago - vista lateral-esquerda - Paul Kim
  • Nervo acessório - vista posterior - Paul Kim
  • Nervo hipoglosso - vista lateral-esquerda - Paul Kim
  • Plexo cervical - vista anterior - Begoña Rodriguez
  • Plexo braquial - vista anterior - Begoña Rodriguez
  • Plexo lombar - vista anterior - Begoña Rodriguez
  • Nervos esplâncnicos torácicos - vista anterior - Paul Kim
  • Nervos esplâncnicos torácicos - vista inferior - Stephan Winkler
  • Nervos pélvicos esplâncnicos - vista anterior - Paul Kim
  • Nervos pélvicos esplâncnicos - vista lateral-direita - Irina Münstermann

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terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Para que servem os documentos?

 

pt.wikipedia.org

Documento

 
 
Do latim documentum, um documento é uma carta, um diploma ou um escrito que reproduz um acontecimento, uma situação ou uma circunstância. Também se trata de um texto que apresenta dados susceptíveis de serem utilizados para comprovar algo.


Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Um documento é qualquer registro de informações,[1] independentemente do formato ou suporte utilizado para registrá-las.[nota 1]

Instituída pela ciência arquivística, a definição supra possui caráter generalista,[4] o que significa que certas ciências ou alguns de seus ramos especializados podem adotar definições mais específicas. É o caso, por exemplo, do Direito, em que um documento é definido como qualquer que possua relevância jurídica e possa servir como prova.[5]

Os órgãos típicos de documentação são os museus, os arquivos as bibliotecas, e os centros de documentação, cada um com as suas características peculiares.

Classificação 

 Quanto à sua origem 

Quanto à sua origem os documentos podem ser divididos em públicos e privados:

  • Públicos: são emitidos e/ou recebidos por um órgão governamental na gestão de suas atividades ou mediante procuração de autoridade pública.[6] Por exemplo, escritura pública de compra e venda emitida por um notário.

Quanto ao seu valor

O valor dos documentos devem ser claramente definidos, sustentáveis e coexistentes ao período que foram gerados.[7] Desta forma tem-se os seguintes valores:

  • Administrativo - Valor que um documento possui para a administração produtora do arquivo, na medida em que informa, fundamenta ou aprova seus atos presentes ou futuros.
  • Fiscal - Valor atribuído a documentos ou arquivos para comprovação de operações financeiras ou fiscais.
  • Informativo - Valor que um documento possui pelas informações nele contidas, independente de seu valor probatório.
  • Legal - Valor processual que um documento possui perante a lei para comprovar um fato ou constituir um direito.
  • Permanente - Valor probatório ou valor informativo que justifica a guarda permanente de um documento em um arquivo. Também referido como valor histórico.
  • Primário - Valor atribuído aos documentos em função do interesse que possam ter para o gerador do arquivo, levando-se em conta a sua utilidade para fins administrativos, legais e fiscais.
  • Probatório - Valor intrínseco de um documento de arquivo que lhe permite servir de prova legal.
  • Secundário - Valor atribuído aos documentos em função do interesse que possam ter para o gerador do arquivo, e para outros usuários, tendo em vista a sua utilidade para fins diferentes daqueles para os quais foram originalmente produzidos.[8]

Quanto ao grau de sigilo

Brasil

No Brasil, um documento pode ser classificado como ostensivo ou sigiloso. Um documento é ostensivo quando a ele não foi atribuído nenhum grau de sigilo, tendo em vista que o acesso ao seu conteúdo nãopõe em risco direitos individuais ou coletivos. Documentos ostensivos devem estar plenamente acessíveis. Consequentemente, um documento é sigiloso quando a ele é atribuído algum grau de sigilo, em razão de o acesso ao seu conteúdo poder colocar em risco direitos individuais ou coletivos. São estes os graus de sigilo documental:[nota 2]

  • Reservado

É um documento com informações cuja revelação não-autorizada possa comprometer planos, operações ou objetivos neles previstos ou referidos. Um documento não poderá ser mantido com grau de sigilo "reservado" por mais do que cinco anos.

  • Secreto

É um documento com informações referentes a sistemas, instalações, programas, projetos, planos ou operações de interesse da defesa nacional, a assuntos diplomáticos e de inteligência, programas ou instalações estratégicos, cujo conhecimento não-autorizado pode ocasionar prejuízo grave à segurança. Este documento não poderá ser mantido com grau de sigilo "secreto" por mais do que quinze anos.[11]

  • Ultrassecreto

Um documento não poderá ser mantido com grau de sigilo "ultrassecreto" por mais do que vinte e cinco anos, salvo se o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça externa à soberania nacional, à integridade do território nacional ou grave risco às relações internacionais do País, situação em que a classificação no grau de sigilo "ultrassecreto" poderá ser prorrogada, por uma única vez, ao longo de período determinado não superior a vinte e cinco anos. Portanto, em situações excepcionais o prazo total desta classificação estará limitado ao máximo de cinquenta anos.[nota 3]

Ver também

  Arquivística

Notas

  1. Vide a pág. 73 do Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística[2] e também o inciso II do art. 4º da lei federal ordinária nº 12.527/11.[3]
  2. Vide o art. 52 do Decreto 7845/12[9] e o art. 28 do Decreto 7724/12.[10]
  3. Decreto 7724/12,[10] art. 47, inciso IV.

Referências

  1. Estado virtual. Disponível em: https://www.estadovirtual.com.br/o-que-e-documento. Acesso em: 02 dez. 2018
  2. Arquivo Nacional (2005). «Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística» (PDF). Consultado em 25 de novembro de 2013
  3. BRASIL (18 de novembro de 2011). «Lei Federal Ordinária nº 12.527». Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Casa Civil. Consultado em 25 de novembro de 2013
  4. «Verbete "generalista"». Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Consultado em 25 de novembro de 2013
  5. «Verbete "documentos"». Dicionário Jurídico. Direito Virtual. Consultado em 25 de novembro de 2013
  6. Arquivos e Documentos - Conceitos e Características. Disponível em: https://www.ebah.com.br/content/ABAAAAjuAAD/arquivos-documentos-conceitos-caracteristicas. Acesso em: 02 dez 2018.
  7. Tecnolegis. Disponível em: https://www.tecnolegis.com/estudo-dirigido/tecnico-mpu-administrativa/arquivologia-avaliacao-documentos.html. Acesso em: 02 dez 2018.
  8. MAKHLOUF, Basma; CAVALCANTE, Lídia Eugenia. AVALIAÇÃO ARQUIVÍSTICA: Bases teóricas, estratégias de Aplicação e instrumentação. Florianópolis: Encontros bibli, 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/article/viewFile/7199/6646. Acesso em: 02 dez 2018.
  9. BRASIL (14 de novembro de 2012). «Decreto nº 7.845». Regulamenta procedimentos para credenciamento de segurança e tratamento de informação classificada em qualquer grau de sigilo, e dispõe sobre o Núcleo de Segurança e Credenciamento. Casa Civil. Consultado em 25 de novembro de 2013
  10. Ir para: a b BRASIL (16 de maio de 2012). «Decreto nº 7.724». Regulamenta a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição. Casa Civil. Consultado em 25 de novembro de 2013
  11. Para entender direito. O que são documentos ultrassecretos, secretos, confidenciais e reservados, e como o governo poderia prorrogá-los por 130 anos. Folha de S. Paulo.2011. Disponível em: http://direito.folha.uol.com.br/blog/o-que-so-documentos-ultrassecretos-secretos-confidenciais-e-reservados-e-como-o-governo-poderia-prorrog-los-por-130-anos. Acesso em 04 dez. 2018.

Ligações externas

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