EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO
O PAPEL DA UNIVERSIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Gilberto Teixeira (Prof.DoutorFEA/USP)
De acordo com Ortega y Gasset, a Universidade tem três funções: a primeira, a transmissão da cultura. A segunda, o ensino das profissões; a Universidade é profissional, a Universidade faz médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, farmacêuticos, profesores, etc. Terceiro, essencilamente, mas em terceiro lugar, a pesquisa científica.
E tudo isso tem de ser feito com um critério de sobriedade, de austeridade. Deve ser ensinado somente o que os alunos podem aprender e não o que os professores desejam ensinar.
Tudo o mais é um gesto utópico e falso, só irá produzir uma universidade oca. É preciso partir do estudante, ele é o ponto de partida.
Naturalmente, quando se tem de aprender tudo, toma-se a decisão talves prudente de não se aprender nada, e esta é a conseqüência de se fazer as coisas em falso.
A Universidade, dizia Ortega, é a instituição na qual se ensina o estudante médio a ser um homem culto, neste sentido de cultura vital, e bom profissional. E a Universidade tem de ser, ainda, ciência. A Universidade tem de ser, além disso, investigação, que é o fenomeno sem o qual a Universidade não é o que é. A Universidade, dizia Ortega, é o intelecto que se faz instituição.
Certamente, essa não é uma má definição. Ortega propugna a intervenção da Universidade na sociedade, a a intervenção na atualidade, sim, mas como Universidade.
A Universidade não pode ser um sindicato nem um partido político: é uma Universidade. Se intervém na sociedade não como Universidade, é uma intervenção absolutamente estéril.
Esses pensamentos de Ortega foram emitidos em 1930, mas todos hão de concordar que são válido até nossos dias apesar de já ter transcorrido meio século.
Da mesma forma que hoje, naquela época já se falava do papel da Universidade como agente de reforma social, da rebelião estudantil e são bem atuais as palavras de Ortega a esse respeito: "
Não se esqueçam: quando a gente diz que é preciso transformar tudo, é evidente que não queremos transformar nada; esta é a melhor forma de conformismo, porque não se pode transformar tudo. E, portanto, quem quer transformar tudo, está disposto a não transformar nada".
Passou-se meio século desde 1930.
O que ocorreu, durante todo este tempo, na Universidade? Ocorreram muitas coisas, mas diríamos que duas coisas das muitas que acontecem são fundamentais: uma, a politização da Universidade; a outra, seu crescimento, crescimento fabuloso, que significa a passagem a outra ordem de magnitude. Não se trata de mais estudantes e mais professores, de mais livros, mais prédios, salas de aula, mais cursos - não são mais, são muito mais. São tantos mais que o quantitativo já é o qualitativo; é uma mudança qualitativa e, portanto é outra Universidade.
E esse fenômeno é universal, não só no Brasil, ainda que aqui tenha repercutido de forma mais dolorosa.
A politização da Universidade ocorreu por exemplo na Alemanha a partir da ascenção do racismo.
Aí então, o racismo passou a imperar na interpretação antropológica do homem. Foi quando foram eliminados professores por serem judeus, ou por serem liberais, ou por serem católicos. Nesta cisrcunstância torna-se obrigação ensinar certas doutrinas que estão de acordo com uma determinada ideologia política. Isto é a politização da Universidade.
Da mesma forma no Brasil, após 1965, ocorreram embora em menor grau, cassações de professores por razões políticas.
Esse tipo de politização é gravíssima porque dele decorrem sequelas difíceis de remover sendo a pior delas o hábito de julgar o professor pelo conteúdo que ele ensina, enfim a perda da sagrada liberdade acadêmica. Esse hábito incorporou-se, continua até nossos dias acobertado pelo mento de autoritarismo que prevalece na careira e na hirarquia acadêmica.
A politização da Universidade com suas sequelas, dificultam quaquer tentativa de inovação e reforma interna.
Tratemos separadamente os dois temas. Há duas formas de politização. É curioso como as pequenas diferenças, que às vezes são essenciais, não são levadas em conta.
Há uma "
politização na Universidade". Há outra "
politização da Universidade". Vejamos o que entendemos por isso.
Existem situações históricas nas quais não há política em uma sociedade, não há atividades políticas, não há condutos para a vida política, não há partidos políticos, não há liberdade política, não há publicações políticas, não há eleições, não há maneiras legais de participação no poder, enfim não há propriamente vida política. Nesta cirscunstância, os que querem fazer política e fazem muito bem porque a política é necessária na vida de uma sociedade civilizada - fazem-na onde podem, fazem-na sempre que podem. Um dos lugares onde se pode fazê-la com menor risco e mais facilidade é na Universidade. A Universidade significa um recinto, mais ou menos isolado, de certo modo extenso, não facilmente controlável, cheio de pessoas jovens, e cheias de entusiasmo, talvez inflamáveis, em alguns momentos; até isso talves possa ser muito interessante, mas produz outro efeito. Despoja os jovens de algo que têm direito, que é uma Universidade, com a qual talvez consigam a vantagem de ter algum tipo de atividade política ou de participação política, mas às custas de não ter uma Universidade que realmente funcione. É muito grave. Mas, contudo, a politização da Universidade, não é dos piores males se considerarmos que pode ser a Universidade a única válvula para as tensões existentes. Quando há "
politização na Universidade" sem que haja interferência externa sobre ela, seja julgando-se por motivos políticos, seja tentando mudar os conteúdos, essa politização não tem conseqüências graves.
O grave é a "
politização da Universidade", isto é, aquela que atenta contra seus conteúdos.
Vejamos o segundo problema:
a do crescimento da Universidade e suas consequências, transformando-a em uma nova Universidade.
O que justifica uma existência de uma Universidade? Ela consiste na convivência dos professores com os estudantes. A única coisa que justifica a Universidade é a existência de professores que pensam na frente dos alunos, que pensam com eles, para eles, em diálogo com eles. Isto é, professores que sejam capazes de produzir o contágio do pensamento. Nem mais, nem menos.
Bobagens diariam alguns, defensores radicais da tecnologia educacional como substituto da presença do professor; o professor é desnecessário, pode ser substituído pelo livro ou pelo computador. Mas isso não é suficiente, não basta. Não basta porque, o estímulo que significa a presença do professor não é transmitido pelo livro, nem pela máquina. Existe algo que é o pensamento em estado nascente, como muitos corpos químicos que são ativos quando em estado nascente. Pois existe o pensamento em estado nascente, o pensamento se fazendo, surgindo diante do estudante, com ele, em diálogo com ele. Esta é a única justificação do professor. Se não existe isso, ele está sobrando.
Na Universidade há também a presença de diferentes gerações, o que é muito salutar, embora nem sempre do agrado de certos professores.
Em geral o profesor é mais velho que os estudantes, um pouco mais ou muito mais. Faz-se na Universidade a experiência viva das gerações, das diferenças geracionais, dos diferentes estilos de vida que significam, das diferentes maneiras de falar, dos diferentes vocabulários e até de diferentes interpretações do que é cortesia e respeito.
Esta experiência é feita pelo professor, naturalmente, sucessivamente. Um professor que tenha 30, 40 anos de ensino, teve a oportunidade, de experimentar a mudança de duas, de três gerações e de inumeráveis turmas de estudantes, de variedades novas da espécie humana e sofreu também a experi6encia e enriqueceu sua vida com essas presenças se realmente aproveitou bem essa extraordinária oportunidade.
Pois é, a presença desses fermentos, desses modelos, desses exemplos de cada uma das maneiras de ser de pensar, de saber e de ignorar (o professor ignora inumeráveis coisas e tem o direito de ignorá-las, é claro; o importante é ver o que se sabe e o que se ignora) é essencial.
Este também o mais novo problema que a Universidade tem a enfrentar, a dosagem do saber. O que se sabe e o que não se sabe. O que se pode não saber. O que se tem o direito de ignorar. Na época atual, de crescimento realmente canceroso da bibliografia científica, ninguém pode conhecer tudo o que foi escrito sobre algum tema, ninguém pode conhecer sequer os títulos dos livros e artigos escritos sobre um assunto. Portanto, fingir o conhecimento da bibliografia sobre um tema é pura ficção e, por conseguinte, a impossibilidade exime do dever de conhecê-la; já que não pode conhecer, não há que conhecer. Mas não se pode fazer como se conhecesse.
E a Universidade continua vivendo como se estivéssemos em 1930, à margem da evolução da civilização, sem saber como enfrentar a massificação do ensino.
Reagindo contra ele e por ausência de ações criativas perdendo a qualidade e com isso perdendo a eficiência.
Se continuar ocorrendo essa perda de qualidade e eficiência estaremos nos sujeitando simplesmente à decadência.
A decadência é um fenômeno histórico que se verificou centenas de vezes, que tem em geral longas durações, às vezes longuíssimas; entra-se em uma decadência e se sai dela ao cabo de 40 anos ou ao cabo de 200. Nunca se sabe.
Se tivermos mais alguns anos de universidades inadequada, seremos um país de segunda ordem. Alguns dirão que já o somos.
É importante nos compenetrarmos que precisamos do presente com sua espessura, mas precisamos mais do que tudo de olhar para o futuro e não para o passado, como um agrupamento de saudosistas que parece estar envelhecendo antes do tempo.
Isso não significa que devemos desprezar o passado. Precisamos dele, mas como passado, só isso. Precisamos conhecê-lo, tê-lo lido e dos erros passados tirarmos as lições para o futuro. Não podemos é ser passado hoje, do mesmo modo que precisamos ter sido menino ou o adolescente que fomos.,.
Data de publicação no site: 28/03/2005
FONTE:
http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=10&texto=574Obrigado por sua visita, volte sempre.
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