Foi o psicanalista Carl Jung quem alertou que a política moderna havia se tornado uma religião e que haveria terríveis consequências para todos.
Em março de 1998, Murray Rothbard escreveu um fascinante ensaio intitulado "Teoria do Caos: Destruindo a economia matemática desde dentro?" no qual ele observou que a teoria do caos contém implicações "radicais". Àqueles que não estão familiarizados com a teoria do caos, trata-se de uma descoberta matemática aplicável às áreas meteorológica, física, biológica e econômica. De acordo com a teoria do caos, sistemas dinâmicos voláteis são altamente sensíveis às pequenas diversidades contidas nas condições iniciais. Rothbard explica:
"Há duas décadas, Edward Lorenz, um meteorologista do MIT se viu diante da teoria do caos ao descobrir que até mesmo a menor das mudanças climáticas poderia trazer enormes e voláteis mudanças no clima. Chamando isso de Efeito Borboleta, ele assinalou que o bater das asas de uma borboleta no Brasil poderia causar um tornado no Texas."
Imagine as implicações dessa teoria nas finanças internacionais. Um pequeno distúrbio pode produzir uma mudança completamente inesperada em toda a economia global. O resultado não só seria inesperado, como seria virtualmente impossível de prever (por conta da complexidade das interações de todos os fenômenos de menor escala). O verbete sobre "Caos" na Enciclopédia de Filosofia de Stanford nos informa que a teoria do caos postula uma sensível dependência (das condições iniciais) de dentro de um sistema que é determinista e não linear. O verbete assinala que Aristóteles "já estava ciente de algo similar ao que chamamos de dependência sensível". Mas o entendimento que Aristóteles tinha disso era mais epistemológico que metafísico. Acerca do assunto, o filósofo escreveu que "o mínimo desvio inicial da verdade é multiplicado mais tarde por mil". Em outras palavras, uma mentirinha no começo pode levar a uma completa ruptura com a realidade em algum momento — um corolário epistemológico da teoria do caos. (retornaremos a essa ideia a seguir).
Chegando ao âmago do assunto, Rothbard diz: "a conclusão da teoria do caos não é que o mundo real é caótico ou imprevisível e indeterminado em princípio, mas que na prática muito dele é imprevisível"; Pois se nos encontrarmos dentro de um sistema dinâmico (matematicamente preciso e determinista) em que a previsão é efetivamente impossível, nossa matemática subitamente cessaria de ter qualquer serventia. De acordo com Rothbard, a teoria do caos tem "implicações subversivas (...) para a economia matemática ortodoxa, pois se as teorias acerca de expectativas racionais violam o mundo real, então elas violariam o equilíbrio geral também (...) e todo o resto do aparato neoclássico."
Evidentemente, Rothbard não estava endossando a teoria do caos. Ele estava se divertindo com o uso de conclusões matemáticas para confundir os métodos matemáticos aplicados à economia. Neste caso os erros dos economistas são vários e são sérios. Para se certificarem, os economistas tencionam apresentar um quadro realista da atividade econômica, mas na verdade a falsificação dessa ciência é palpável. O sociólogo William Graham Sumner publicou um ensaio em 1902 intitulado "Propósitos e consequências" em que ele ofereceu uma distinção entre fatos e intenções, isto é, o primeiro é real enquanto o último é irrelevante ao desfecho. A coisa mais importante a se entender na economia não é apenas que somos incapazes matematicamente de chegar a prognósticos precisos, mas que (segundo Sumner) “ideais como liberdade perfeita, justiça ou igualdade (...) nunca podem fornecer motivos racionais ou científicos para as ações ou pontos de partida para esforços racionais”. No entanto, tudo dentro da civilização que se desmorona hoje se resume a esse tipo de coisa, considerando uma escala maciça. Constatamos então o corolário da “ação humana” na teoria do caos. Um pequeno equívoco (financeiro) no início pode levar a um colapso total no fim. A política econômica oficial dos Estados Unidos pode ser caracterizada deste modo. Ela está à mercê de slogans moralistas que não têm ligação com o fator econômico (ou com a matemática financeira). Eis algo que está além do caos e dos números: o caos do coração humano.
Considere o discurso do presidente Obama acerca da crise financeira na última quarta-feira em que ele falou sobre conquistar um “crescimento econômico mais durável”. Segundo Obama, “os ganhos nos últimos dez anos continuaram a fluir para o 1% que está no topo”. É lamentável para a república, mas duas intenções foram confundidas no discurso: primeira, a intenção do crescimento econômico; e depois, a intenção de tornar a economia justa. De acordo com Sumner, a ciência econômica pode nos dizer como promover o crescimento na economia, mas não pode nos dizer como tornar a economia justa. Sumner diria que as duas intenções são conflitantes, pois por natureza não é garantido que uma economia crescente é uma economia justa. A natureza permite apenas que uma economia crescente peça menos regulamentação governamental que uma economia estagnante. (Há, além disso, o problema em estabelecer um padrão científico de justeza e a impossibilidade prática em aderir a ele.)
O caos que pode ser liberado a partir da mania de igualdade econômica não pode ser menos que o causado pelo bater de asas de uma borboleta no Brasil. “O anseio por igualdade”, escreveu Sumner em outro ensaio, “é uma característica dos costumes modernos. Na Idade Média a desigualdade era um postulado em todas as doutrinas sociais e instituições”. Conforme Sumner explicou logo depois, “A afirmação de que todos os homens são iguais é talvez o dogma mais falso [...] já colocado na linguagem humana; cinco minutos de observação dos fatos mostram que os homens são desiguais por conta de uma vasta gama de variações”.
Aqui temos um constructo matemático (igualdade) aplicado às unidades irregulares (homens). Pode se chamar isso um “pequeno equívoco” no começo da modernidade. Em nenhum estado existente foi possível tornar os homens iguais mesmo em princípio (i. e. perante a lei). Tão desiguais são as verdadeiras condições da vida e tão imunes a intromissões exógenas, que a igualdade deveria manter-se como uma ideia puramente matemática. Como tal, Sumner chama isso de “fantasma político”. Segundo Sumner, “não sabemos de nenhuma força dentre aquelas que podem agir em nome da satisfação dos desejos humanos que tenha o poder de satisfazer o anseio de igualdade [...] e não sabemos de nenhuma interferência ‘estatal’, isto é, por um comitê de homens, que possa modificar o modus operandi dessas forças a fim de produzir esse resultado”.
Ainda assim, as borboletas da igualdade bateram suas asas e mais do que um tornado foi provocado. A comédia resultante foi há muito tempo parodiada na Revolução dos bichos de George Orwell onde os animais da fazenda se levantaram a fim de estabelecer um regime igualitário. E o que eles descobriram? “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”. A situação produzida pela igualdade de todos os animais da parábola é, na verdade, uma espécie de insanidade (um erro multiplicado por mil). Na chefia da revolução constatamos um porco chamado Napoleão cujos tenentes foram rápidos em afirmar: “Ninguém mais que o camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz seria ele se pudesse vos deixar tomar decisões por vossa própria vontade; mas, às vezes, poderíeis tomar decisões erradas, camaradas; então, onde iríamos parar?”
O fantasma político da igualdade é possivelmente o principal fator que influi para o colapso da economia hodierna. É uma pequena ideia do submundo da sociedade pré-moderna que provocou um furacão político na França em 1789 e na Rússia em 1917. E continua a trazer uma tempestade após a outra. E não apenas tempestades políticas, mas ruína econômica e colapso. No coração propõe-se um grande projeto que fará irmãos todos os homens. Então os fatos mostram uma terrível série de eventos: governos de terror, empobrecimento universal, guerra e matança maciça. “Motivos e propósitos estão no coração e no cérebro do homem”, escreveu Sumner. “Consequências estão no mundo dos fatos”. O que quer que seja produzido pela orbita não-periódica de partículas ou pelo bater de asas da borboleta, não se compara com o que Sumner descreve como o caos da consciência humana, que está “infectada de ignorância humana, absurdidades, autoengano e paixão...”
Você deve se perguntar de onde vem essa infecção de ignorância. Foi o psicanalista Carl Jung quem alertou que a política moderna havia se tornado uma religião e que haveria terríveis consequências para todos. E se há uma religião que se coloca acima de todas as outras religiões políticas, essa religião é a igualdade. Jung questiona: há algum autoconhecimento em tal religião? Há algo de bom nela? Ou ela é uma cria do caos?
De acordo com Jung na obra Presente e Futuro, "a revolução comunista tirou a dignidade do homem numa escala bem superior do que a psicologia coletiva democrática o fez, pois retirou dele a liberdade tanto no sentido social como moral e espiritual" [§559]. Mas isso não é para deixar psicologia coletiva democrática fora do gancho. A ideologia igualitária infectou o Ocidente muito mais profundamente do que jamais infectou o Oriente. Durante a revolução contra-igualitária tentada na Europa durante as décadas de 1930 e 1940, Jung notou um perigoso sintoma psicológico no Ocidente: "(com o advento do nazismo) nas sombras pode-se apenas tatear. Hoje, esse dano já se localiza além dos limites políticos (i. e. Hitler), embora achemos que estamos do lado do bem e nos regozijemos da posse dos ideais corretos".
Na psicologia jungiana, a sombra refere-se aos aspectos de si próprio aos quais o ego consciente não pode ver. Assim, o que aconteceu de 1939 a 1945 não foi apenas a guerra mais destrutiva da história humana. Jung viu que o "oponente espiritual e moral [do homem ocidental], tão real quanto ele, é arrancado de seu próprio peito para habitar o outro lado geográfico da linha de separação que agora não é mais expressão de lima medida política e policial externa e sim algo bem mais ameaçador, a saber, a cisão entre o homem consciente e o inconsciente". Dizendo de modo simples, o que Jung quer transmitir nessa passagem é que o Ocidente estava começando a perder seu espírito coletivo; pois se o Leste comunista representou a liberdade diminuída, o Oeste representou a sanidade diminuída. Essa, talvez, é a mais chocante conclusão alcançada pelo grande psiquiatra.
Se quisermos testar a ideia de Jung, temos de estudar a economia americana a fim de procurar as chocantes evidências da insanidade coletiva em curso. A grandeza da dívida nacional, a dimensão das tributações e as obrigações fiscais locais, estaduais e federais nos dão um razoável panorama. Mas esses aspectos, com efeito, dificilmente arranham a superfície. Se examinarmos o comportamento do mercado de ações na última década, teremos de fato bases para proclamarmos uma condição psicótica generalizada em boa parte do sistema financeiro. Existem até analistas financeiros que fazem referência explícita à insanidade de Wall Street. Pegue como exemplo o livro de David J. Scranton intitulado Stop the Financial Insanity: How to Keep Wall Street’s Cancer From Spreading to YourPortfolio [NT: Detenha a insanidade financeira: como impedir que o câncer de Wall Street se dissemine no seu portfólio]; ou o artigo no Finance Blog de Anthony Robbins "Financial Insanity: How to find the Best Investment Opportunities in Turbulent Economic Times" [NT: Insanidade financeira: como encontrar as melhores oportunidades de investimento em épocas de turbulência econômica]; ou veja também a paródia da insanidade financeira hodierna no Zerohedge intitulada "A bit of Humor amid the Financial Insanity" [NT: Um pouco de humor em meio a insanidade financeira]. Neste último podemos ler uma definição de banco como "uma cavidade sem fundo no chão que engole dinheiro e incautos", enquanto uma bolha é definida como "Pré-requisito fundamental para que funcione a economia anglo-saxã".
Se a teoria do caos estiver certa e um bater de asas de uma borboleta no Brasil puder gerar um tornado no Texas, o que poderia produzir a insanidade coletiva de toda uma civilização? Carl Jung escreveu que o homem civilizado é estranho ao "ponto de vista dos seus instintos" e que a própria civilização é "a fonte de todos os distúrbios psíquicos e das dificuldades provocadas pela alienação crescente do homem de sua base instintiva...". A teoria do caos encolhe diante da realidade caótica da insanidade humana bruta. Se você quiser ver caos, olhe nos olhos de uma pessoa insana. Ou você pode ouvir os pronunciamentos sobre as finanças do presidente dos Estados Unidos.
Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior
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