Kohlberg, que foi professor de psicologia na Faculdade de Educação em
Harvard, desenvolveu alguns testes para avaliar o desenvolvimento moral,
mas os críticos responderam que isso só media a interpretação que os
indivíduos testados faziam de si mesmos, não a sua motivação efetiva nas
situações reais. Essa dificuldade pode ser neutralizada se em vez de
testes tomarmos como ponto de partida as condutas reais, discernindo,
por exclusão, as motivações que as determinaram.
Os graus admitidos por Kohlberg são seis. No mais baixo e primitivo, em
que a conduta humana faz fronteira com a dos animais, a motivação
principal das ações é o medo do castigo. É o estágio da "Obediência e
Punição". No segundo ("Individualismo e Intercâmbio"), o indivíduo busca
conscientemente a via mais eficaz para satisfazer a seus próprios
interesses e entende que às vezes a reciprocidade e a troca são
vantajosas.No terceiro ("Relações Interpessoais"), os interesses
imediatos cedem lugar ao desejo de captar simpatia, de ser aceito num
grupo, de sentir que tem "amigos" e distinguir-se dos estranhos, dos
concorrentes e inimigos.
No quarto ("Manutenção da Ordem"), o indivíduo percebe que há uma ordem
social acima dos grupos e empenha-se em obedecer as leis, em cumprir
suas obrigações. No quinto ("Contrato Social e Direitos Individuais"),
ele se torna sensível à diversidade de opiniões e entende a ordem social
não como imperativo mecânico, mas como um acordo complexo necessário à
convivência pacífica entre os divergentes.
No sexto e último ("Princípios Universais"), ele busca orientar sua
conduta por valores universais, mesmo quando estes entram em conflito
com os seus interesses pessoais, com a vontade dos vários grupos ou com a
ordem social presente.
Essas seis motivações refletem três níveis de moralidade: os dois
primeiros expressam a "moralidade pré-convencional"; os dois
intermediários, a "moralidade convencional", e os dois últimos, a
"moralidade pós-convencional".
Se não atentamos para os discursos, mas para as escolhas reais que as
pessoas fa zem na vida, não é preciso observar muito para notar que os
indivíduos que nos governam, bem como os seus porta-vozes na mídia e nas
universidades, não passam do terceiro estágio, o mais baixo da
moralidade convencional, em que a identidade, a coesão e a solidariedade
interna do grupo prevalecem sobre a ordem social, as leis, os direitos
dos adversários e quaisquer valores universais que se possa conceber (e
que desde esse nível de consciência são mesmo inconcebíveis, embora nada
impeça que sua linguagem seja macaqueada como camuflagem dos desejos do
grupo).
Duas condutas típicas atestam-no acima de qualquer dúvida possível. De
um lado, a mobilização instantânea e geral em favor dos condenados do
Mensalão. O instinto de autodefesa grupal predominou aí de maneira tão
ostensiva e tão pública sobre as exigências da lei e da ordem, que até
pessoas identificadas ideologicamente ao partido governante se sentiram
escandalizadas diante dessa conduta.
De outro lado, não havendo nenhum movimento político "de direita" que se
oponha ao grupo dominante, este dirige seus ataques contra meros
indivíduos e movimentos de opinião sem a menor expressão política,
fingindo e depois até sentindo ver neles uma ameaça eleitoral ou o
perigo de um golpe de Estado. Aí o instinto de autodefesa grupal assume
as dimensões de uma fantasia persecutória que se traduz na necessidade
de calar por todos os meios qualquer voz divergente, por mais débil e
apolítica que seja.
Também não é preciso nenhum estudo especial para mostrar que essa
conduta, normal na adolescência, quando a solidariedade do grupo é uma
etapa indispensável na consolidação da identidade pessoal, não é de
maneira alguma aceitável em cidadãos adultos investidos de prestígio,
autoridade e poder de mando. Aí ela passa a caracterizar precisamente a
associação mafiosa, a solidariedade no crime.
É evidente que, numa sociedade onde essa é a mentalidade do grupo
dominante, os níveis superiores de consciência moral (pós-convencionais)
se tornam cada vez mais abstratos e inapreensíveis, de modo que o
máximo de moralidade que se concebe é o quarto grau, o apego à lei e à
ordem. Os indivíduos cuja conduta evidencia essa motivação tornam-se
então emblemas do que de mais alto e sublime uma sociedade moralmente
degradada pode imaginar, e são quase beatificados. O ministro Joaquim
Barbosa é o exemplo típico.
Os dois graus superiores da escala são exemplificados por um número
tão reduzido de pessoas, que já não têm nenhuma presença ou ação na
sociedade e passam a existir apenas em versão caricatural, como
fornecedores de chavões para legitimar e embelezar as condutas mais
baixas.
A autopreservação paranooica do grupo dominante envolve-se com
frequência na linguagem dos "direitos humanos” (quinto grau), e qualquer
imbecil que tenha lido a Bíblia já sai usando a Palavra de Deus (sexto
grau) como porrete para atemorizar os estranhos e impor a hegemonia do
grupo "fiel" sobre os "infiéis" e "hereges".
Isso, e nada mais que isso, é a moralidade nacional.
Olavo de Carvalho é jornalista, ensaísta e professor de Filosofia
http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/116794-a-moral-do-brasil
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